O Caráter Histórico da Teoria dos Instintos de Freud. Leituras de H. Marcuse

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O Caráter Histórico da Teoria dos Instintos de Freud. Leituras de H. Marcuse Silvio Ricardo Gomes Carneiro (USP, bolsista CNPq) Quando Marcuse afirma que, para Freud, “a história da humanidade é a história da sua repressão”1 estabelece em Eros e Civilização um marco explorado pela teoria crítica, a saber: as formas presentes de dominação como determinantes das relações humanas. Esta operação do pensamento frankfurtiano tem uma estrutura sutil. Não significa que o homem está condenado às formas de dominação. Mas a denúncia feita é uma prática que desperta o pensamento de sua realidade, experimentando o que é falso e o que deve ser verdadeiro em nossa realidade específica. Assim, já nas primeiras páginas de Eros e Civilização, Marcuse expressa qual seu interesse nesta investigação do pensamento freudiano: Freud compreende a repressão como base da civilização e, por efeito, o progresso seria pago pela repressão das pulsões humanas. Desde já, afirma-se um jogo arriscado da humanidade em que a repressão predominou na civilização, até agora. É a partir deste reconhecimento, que Marcuse ampliará seus horizontes para a efetivação de uma civilização não-repressiva.

Os elementos das pulsões Para tanto, nossa tarefa seria a de observar o objeto da repressão, ou seja, as pulsões humanas. E esta idéia se reforça quando notamos em Marcuse a leitura dos componentes histórico-sociais de Freud a partir do núcleo teórico psicanalítico: a metapsicologia. Por isso, utilizaremos aqui dois dos textos da metapsicologia freudiana: Pulsões e Destinos de Pulsões e Repressão [Die Verdrängung]2. Primeiramente, se atentarmos para os elementos das pulsões, notaremos que afirmar a existência de repressão [Verdrängung] sobre elas é uma operação complexa. A repressão [Verdrängung] não é imediatamente dirigida contra as pulsões. Muito pelo contrário, como veremos. Para Freud, a pulsão é uma força e, enquanto tal, uma constante sobre nossos estímulos. Esta qualificação é esclarecida pela diferença de origem entre estímulos pulsionais e estímulos externos. Por exemplo, a luz forte que incide sobre a vista, não é um estímulo pulsional [mas um estímulo externo]; já a secura da membrana mucosa da faringe ou a irritação da membrana mucosa do estômago o são3.

Quanto aos estímulos internos, exigem muito mais do sistema nervoso, fazendo com que ele apreenda atividades complexas e interligadas, pelas quais o mundo externo se modifica de forma a proporcionar satisfação à fonte interna de estimulação [Erregung]4.

Ambos os estímulos atingem o sistema nervoso, assim como tal sistema tentará se desvencilhar de ambos. No entanto, a diferença vem com a constância de sucesso neste desvencilhamento. Para o estímulo 1

pulsional esta tentativa de desvencilhamento é momentânea. E enfim, poderemos compreender melhor a definição de pulsão como força. A pulsão não é um estímulo interno, mas um estímulo representável, um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático [...] como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em conseqüência de sua ligação com o corpo5.

Com esta descrição, poderemos compreender dois elementos descritos em Pulsões e Destinos de Pulsões - a meta e o objeto. Considerando as pulsões como forças, fica-nos mais clara a meta pulsional. Nela se obtém a satisfação “que só pode ser obtida eliminando-se o estado de estímulo na fonte de pulsão”6. As metas, por sua vez, correspondem-se com outro elemento das pulsões: o objeto. Este elemento é necessário à relação entre pulsão e meta, é para Freud “aquilo no qual e pelo qual as pulsões podem alcançar sua meta”7. No entanto, os objetos não mantêm vínculos diretos com as pulsões. É preciso fazer uma questão: se os objetos não contêm vínculos diretos com as pulsões, como podem ser também elementos da pulsão? A psicanálise relaciona os dois pelo fenômeno da “fixação”, encontrado entre seus pacientes, principalmente os melancólicos - que se identificam com um objeto (internalizandoo) representante do ente amado, mas perdido. Desse ponto notamos uma característica do objeto como alheio, mas não de exterioridade. E por fim uma outra característica: o objeto de pulsão pode ser intercambiável. Em geral, portanto, e o que nos importa para esta comunicação, é a necessidade de uma relação estabelecida entre a pulsão e a meta por meio de objetos constituídos em inúmeros processos de diferenciação. Contudo, com essa variabilidade e independência dos objetos para a pulsão, é preciso repensar o conteúdo das metas. Como vimos, as pulsões não podem ser canceladas integralmente. Mas a variabilidade e independência dos objetos permitem outros processos que não a constância do fracasso da satisfação. Nessa impossibilidade, podemos cancelar parcialmente as satisfações, dirigindo as pulsões para “metas inibidas”. Estas são possibilidades de desvios de pulsão. Mas são também expressões de uma abertura para que a pulsão se apresente em múltiplas metas (as quais são próximas ou intermediárias entre si). Essas observações deixam claro que a relação não é de correspondência única e direta entre pulsão e meta. Esse caminho é preenchido por uma plasticidade complexa que envolve inúmeras possibilidades. Eis o caráter histórico das pulsões em Freud. Fizemos essa descrição para chegarmos à conclusão geral do ensaio freudiano Pulsões e Destino de Pulsões. Conforme Ernest Jones, há um descompasso entre a meta e o objeto pulsionais8. A trajetória da pulsão em busca de sua satisfação será guiada por encontros e desencontros entre estes dois elementos. Desse modo, as relações entre meta e objeto são intercambiáveis. Se ocorrer alguma mutabilidade nas pulsões9, o movimento se apóia nestes elementos.

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Aparato Anímico, Pulsões e Repressão Neste quadro de variadas formas de satisfação, como poderemos incluir o sentido de repressão? No ensaio Repressão - escrito no mesmo período de Pulsões e Destinos de Pulsões - Freud destaca a repressão [Verdrängung] como sendo uma “pseudo-pulsão”10. As pulsões, para Freud, não se configuram de modo unilateral. Assim, um sem número de pulsões próximas podem se intercambiar e formar um conjunto que Freud denomina “moção”. Além disso, essas moções podem se chocar. É nesta concepção que se pode inserir a repressão no interior das pulsões. A repressão [Verdrängung] é um paradoxo na psicanálise pois, ao mesmo tempo que se origina das moções pulsionais, não pode ser uma pulsão. No entanto, a repressão [Verdrängung] se põe quando as moções pulsionais já estabeleceram, pelos princípios de prazer e de realidade, uma certa estrutura do aparato anímico. Para compreendermos melhor, vamos às formulações freudianas do aparato anímico. Por volta de 1900, Freud desenvolveu, por meio da análise das neuroses, a primeira tópica formada por: inconsciente, consciente e pré-consciente. O consciente é o espaço mental mais superficial, lugar de nossas expressões socialmente aceitas, contendo, pois, razões morais e estéticas. O pré-consciente é o terreno intermediário - é onde se expressam os sonhos, em que sensações inconscientes e conscientes se comunicam. Por fim, o inconsciente. Nele estão os impulsos de nossa filogênese bem como de nosso passado ontogênico (em uma ocorrência sem separações destes dois passados) pelos quais nosso organismo se guia, na tentativa de satisfazê-los. Aqui está o que mais nos importa, pois como Freud reconhecerá depois em O Eu e o Isso, é no inconsciente que está o reprimido11. Outro ponto é a segunda tópica. Como Freud afirma no Para além do princípio de prazer, não se trata de apagar a estrutura da primeira tópica, mas de criar um complemento dinâmico às suas relações12. Aqui estão presentes as relações entre o ego, o id e o superego. O id é o local das pulsões. Nele, ocorre a continuidade entre o inconsciente reprimido e o que virá a ser o ego. O ego representa o mundo exterior para o id. Por meio desta operação, as pulsões do id se perpetuam “astuciosamente”, uma vez concedido um prazer assegurado pela organização do ego. Portanto, o ego é o mediador entre o id e a realidade do mundo exterior. Enquanto mediador voltado para a exterioridade, o ego atua em duas frentes. Por um lado, racionaliza, organiza e nega as pulsões, adequando-as à realidade. Com efeito, o id é assegurado, uma vez que não lançará pulsões ao mundo, sabendo pelo ego que resultarão em frustrações. Por outro, amplia a margem de satisfação, uma vez que manipula, a partir das pulsões, os objetos do mundo exterior; ou seja, desenvolve-se o caráter de alteração da realidade, manipulando os objetos conforme as marchas do prazer e do desprazer - ou melhor, do princípio de prazer. Marcuse resume as duas funções básicas do ego: racionalizar e estender o campo de satisfação, ou melhor, representa o mundo externo ao id conforme os princípios de realidade e de prazer. O ego constitui-se também como um mediador de outro nível: no mundo “interno”. Pensando na primeira tópica freudiana - composta por inconsciente, consciente e pré-consciente - o ego se insere neste movimento como um mediador entre o inconsciente e o consciente. Já em O Eu e o Isso, Freud alcançava esta afirmação, uma vez que 3

a segunda tópica, através do ego, conferiu à primeira tópica o seu caráter dinâmico. E esta formulação causou graves mudanças teóricas a Freud. É somente em Para além do princípio do prazer (1920), que Freud definiria a nova situação. Essa dinâmica entre id-ego-inconsciente-consciente formula um novo estatuto da repressão. A repressão [Verdrängung] se formaliza como “compulsão à repetição”. Aqui os conflitos entre o prazer e o desprazer levam à repressão [Verdrängung]. Neste processo, a relação irreconciliável entre ego e as pulsões podem aumentar ou diminuir. Segundo Freud: É claro que, na maioria das vezes, o que a compulsão de repetição faz reviver não pode senão causar desprazer ao ego, uma vez que põe à luz operações de prazer reprimidas. Contudo, já consideramos esta classe de desprazer: não contradiz ao princípio de prazer, é desprazer para um sistema e, ao mesmo tempo, satisfação para outro. Mas o fato novo e assombroso que agora devemos descobrir é que a compulsão de repetição devolve também vivências passadas que não contém possibilidade alguma de prazer13.

Aqui, existe uma nova operação da repressão. Ela seria um retorno daqueles elementos pulsionais inconscientes contra os quais o ego resiste. Sua expressão se dá pelo desprazer causado ao ego. O ego não passa de um administrador frágil das tensões14.

Críticas marcuseanas a Freud: a meta e o prazer como fontes de liberdade Dessa argumentação poderemos notar dois reflexos críticos de Marcuse sobre Freud. O primeiro é expresso pela mudança de posição dada ao princípio de prazer. Marcuse cita expressões dos primeiros ensaios de Freud (1900), quando o princípio de prazer era caracterizado como - cito - “o esforço para «o livre fluxo de quantidades de excitação»”15. Lembremos aqui uma passagem de nossa exposição, sobre a comparação entre estímulos externos e internos. Anteriormente, encontrávamos em Freud a afirmação de que a constância dos estímulos internos era uma força que impelia o organismo anímico para a satisfação integral, mesmo com a adversidade da realidade hostil. Esta é a função do ego em racionalizar os objetos da realidade com o intuito de liberar e ampliar a capacidade de satisfação das pulsões. Entretanto, Freud acabaria posteriormente por reduzir o princípio de prazer à tensão entre prazer e desprazer - transubstancializando-o. Marcuse formula esta crítica a partir desta afirmação de Freud: O princípio de prazer é, então, uma tendência operando a serviço de uma função cujos negócios é liberar o aparato mental inteiramente das excitações ou manter constante a quantidade de excitação ou mantê-la tão baixa quanto possível16.

Marcuse compara esta afirmação com a anterior (de 1900) e nota a nova posição ocupada pelo princípio de prazer. Não se trata de um processo que libera o homem para o nascimento da vida, mas de um processo em que as tensões são mantidas. Este movimento é muito vantajoso para Marcuse e seu olhar dialético sobre a psicanálise. O que se nota nesta reviravolta freudiana é a formação de uma “oposição 4

integrada”. O prazer, que deveria ser uma oposição insistente, uma força constante ainda que reprimida pelos efeitos do princípio da realidade, é finalmente subjugado a um sistema de equilíbrios de forças, determinando o organismo pela realidade. Para Marcuse, Freud formaria assim um conceito universalizante: a relação entre princípio de prazer e princípio de realidade é mediada pelo princípio de Nirvana. O princípio de prazer, outrora “extensão ilimitada das pulsões de vida”17 torna-se uma “expressão” do princípio de Nirvana - princípio que reflete a escassez da realidade presente diante de um lugar fixo de satisfação integral. Marcuse interpreta o Princípio de Nirvana como uma forma de princípio de prazer bem específica. Por um lado contém um aspecto biológico-universal, quando remetido à vida intra-uterina. Por outro, retira a tensão da luta entre vida e morte, equivalendo-os numa aparência de perfeição contra a qual seria difícil lutar. Seguese a configuração do prazer como estagnado e a perpétuo, revela seu “caráter estático”: a compulsão à repetição - adequação do prazer, aceitando o desprazer desta realidade18. No entanto, é preciso fazer uma ressalva – e aqui segue o segundo ponto da crítica marcuseana a Freud. Esta mesma concepção de compulsão à repetição fez com que Freud ampliasse seus conceitos de sexualidade, antes oposto a uma pulsão de conservação. Agora se apresentam as pulsões de vida e de morte - Eros e Tânatos. Em Para além do princípio do prazer, Freud desenvolve a idéia das pulsões orgânicas. Aqui se estabelece um novo par de pulsões através da oposição entre o orgânico e o inorgânico. Após desenvolver a noção de compulsão, Freud afirma: Pois bem, se todas as pulsões orgânicas são conservadoras, adquiridas historicamente e dirigidas à regressão, ao estabelecimento do anterior, teremos que notar os êxitos do desenvolvimento orgânico por conta dos influxos externos, perturbadores e desviantes [...] “As pulsões orgânicas conservadoras recolheram cada uma destas variações impostas ao seu curso vital, preservandoas na repetição; por isso essas forças só podem despertar a impressão enganosa aspiradas pela mudança e pelo progresso, quando em verdade se empenhavam meramente por alcançar sua velha meta através de velhas e novas mudanças19.

Por meio desta citação poderemos interpretar temas caros para a teoria crítica. Toda a relação entre progresso-regressão da civilização pode ser pensada a partir desta afirmação expressa no balanço entre o curso vital e a repetição. E assim fica claro notar a conclusão freudiana, apreendida pela crítica frankfurtiana, de que a repressão é a base da civilização. As pulsões de vida, que nos levam a unidades sociais cada vez maiores, são desvios, empenhos que não se desvencilham da morte, apesar de adiarem o fato. Freud prossegue afirmando uma virada na meta das pulsões: Se nos é lícito admitir como experiências sem exceções que todo o ser vivo morre, regressa ao inorgânico, não podemos dizer outra coisa que isto: a meta de toda a vida é a morte20.

Aqui voltamos para o início da nossa exposição, a respeito da meta como elemento pulsional. A meta - antes, um cancelamento das forças - agora, é uma força determinante. E sua determinação aqui se revela como sendo a morte, o retorno para o estado inorgânico, o cancelamento dos cancelamentos. 5

Marcuse não negará de forma absurda que os homens morrem. Dessa forma a questão não está em negar a meta da morte, mas sim seu caráter determinante sobre a vida. É o que sintetiza tão bem o prof. Bento Prado Júnior: “A diferença entre Marcuse e Freud estaria apenas no grau de plasticidade ou de historicidade que cada um atribui à pulsão”21. A fim de percebermos esta diferença, notemos esta passagem em que Freud aprofunda a idéia da meta da morte e, finalmente, justifica o primado do princípio de Nirvana: Se está mesmo destinado a morrer, e antes deve perder pela morte aos seus entes mais queridos, preferirá estar submetido a uma lei natural incontestável, a sublime Ananké (Necessidade), e não a uma contingência que talvez pudesse evitar22.

Tal sublimação da necessidade, para Marcuse, é uma limitação diante as reviravoltas do tempo histórico. Aqui, Marcuse opera uma argumentação crítica de forma interessante: retira da necessidade a possibilidade. Esta necessidade biológica da Ananké expressa como vimos o princípio de prazer “equilibrista”. Mas tal necessidade oculta a contingência. Esta necessidade biológica corresponde a um princípio de realidade específico e, portanto, contingente. Marcuse retira o critério universalizante do princípio de Nirvana, estabelece-o na especificidade e torna-o contingente. Assim Marcuse afirma que a necessidade biológica de Freud expressa uma contingência histórica23. Não afirma, no entanto, que Freud estabeleceria uma noção teleológica da história. Não é disso que se trata, mas de um processo mais “perverso”. A Ananké não guia todos os caminhos, como um fim externo. Mas é o resultado de uma perversão sobre as pulsões de vida, sublimadas de maneira ininterrupta em uma organização repressiva da sexualidade. Neste contexto, Marcuse critica o princípio freudiano de realidade pela duplicação do conceito de repressão. O frankfurtiano opera uma separação entre universal e específico, o que se configurará na duplicação marcuseana do conceito de repressão. Isso se dá porque em Freud o princípio de realidade obliteraria a especificidade sócio-histórica da realidade: Sua [de Freud] análise da transformação repressiva dos instintos sob o impacto do princípio de realidade generaliza a partir de uma forma histórica específica de realidade, para uma realidade pura e simples24.

A realidade pura não é a substância única que organiza a realidade sócio-histórica. Assim, Marcuse denomina a forma específica da repressão: a “mais-represssão” - uma “modificação” das pulsões diante a racionalidade fornecida pelo princípio de realidade. Tal modificação configura este ato de submissão ao princípio de realidade como uma repressão em geral. Contudo, atentemos para sua especificidade. Esse mecanismo perverte-se em um controle social amplo, visto que a realidade corresponde, primeiramente, a uma organização sócio-histórica25. Mas sendo a realidade organizada pela escassez econômicopolítica, pela qual a divisão social é mantida, não se necessitaria uma constante violência, bastaria um uso “racional” do poder justificado pelo contingenciamento para dominar. E a mais-repressão incorpora 6

este uso por meio das instituições sociais, no sentido mais amplo do termo: do Estado à linguagem, do trabalho ao desejo. Com este mapa da especificidade de seu tempo, Marcuse iniciará sua operação de inversão de sinais: essa aparente unidade concentra e reduz para si todos os conflitos. Mas esta unidade é uma especificidade. Há a multiplicidade portanto. Multiplicidade que aos poucos se configura em Eros e Civilização, pela negação das operações atualizadas pela mais-repressão. Esse movimento revela a “paradoxal ortodoxia” do freudiano Marcuse: enquanto os conceitos psicanalíticos [...] “de uma tal ordem vem sendo orintados pelo passado pré-histórico e pré-civilizado, nossa discussão do conceito é orientada pelo futuro, pelas condições de uma civilização plenamente madura26.

Enfim, a meta de Marcuse é o futuro negado no passado.

Notas 1 MARCUSE, HERBERT, Eros and Civilization - a philosophical inquiry into Freud, Boston: The Beacon Press, 1966., p. 11. As versões das citações em espanhol, inglês e francês são de minha autoria. 2 Seguindo o título da edição argentina das Obras Completas como Represión (sugestão dada por Freud a James Strachey). Nota-se que a tradição psicanalítica traduziu o termo alemão Verdrängung como “recalque”, diferenciando-se do termo “repressão”. Em termos gerais, pode-se afirmar que enquanto o recalque refere-se ao inconsciente, a repressão voltaria seu processo ao domínio do consciente. Ficamos mais a vontade com a tradução “Repressão” pela advertência de Marcuse em Eros e Civilização em não seguir a definição “técnica” do termo “repressão”: “designa ambos processos de restrição, coerção e supressão conscientes e inconscientes, externos e internos”. (Marcuse, 1966, p. 8) . Funde-se aqui os termos repressão e recalque. No entanto, Marcuse não foi um leitor relapso, mas segue o diagnóstico frankfurtiano da condição humana de sua época: “formalmente autônomo e identificáveis, os processos psíquicos estão sendo absorvidos pela função do indivíduo no estado”. (Id., ibid., p. XXVII). 3 Freud, Os Instintos e suas Vicissitudes, p. 138. Apud BARBOSA, A Leitura de Freud por Marcuse em “Eros e Civilização”: Alguns Elementos , p. 13. 4 Freud, op. cit., p. 140. Apud BARBOSA, op. cit., p. 14. 5 Freud, op. cit., p. 142. Apud BARBOSA, 1996, p. 15. 6 Freud, Pulsiones y Destinos de Pulsiones. Obras completas, trad. José L. Etcheverry, B. Aires: Amorrortu Editores, vol. XIV, 2001, p. 143. 7 Freud, op. cit., p. 143. 8 Jones, E., Psycho-analysis and the instincts.Britsh Journal of Psychologie, vol. XXVI. 9 Verificar as conseqüências dessa reflexão nestas afirmações de Marcuse. “Os impulsos animais tornam-se pulsões humanas sob a influência da realidade externa. Seu «local» original no organismo e sua direção básica permanecem a mesma, mas seus objetivos e suas manifestações estão sujeitos a mudança. Todos os conceitos psicanalíticos (sublimação, identificação, projeção, repressão, introjeção) conotam a plasticidade das pulsões. Mas a realidade a qual forma as pulsões bem como suas necessidades e satisfação é um mundo sócio-histórico. O animal torna-se ser humano somente através da transformação fundamental de sua natureza, afetando não somente as metas pulsionais, como os “valores” pulsionais. - isto é, os princípios que governam a obtenção de metas.” (Marcuse, Eros and Civilization, p. 11-12). 10 Freud, Represión. Obras completas, trad. José L. Etcheverry, B. Aires: Amorrortu Editores, vol. XIV, 2001, p. 141. 11 “Todo reprimido é inconsciente, mas nem todo inconsciente é reprimido”. Freud, El Yo y el Ello Obras completas, trad. José L. Etcheverry, B. Aires: Amorrortu Editores, vol. XIX, 2001, p. 19. 12 “Substitui-se assim uma terminologia meramente descritiva por uma sistemática ou dinâmica”.Freud, Más Allá del Principio de Placer, Obras completas, trad. José L. Etcheverry, B. Aires: Amorrortu Editores, vol. XVIII, 2001, p. 19. 13 Freud, op. cit., p. 20. 14 Há na Teoria Crítica uma leitura da obsolescência do processo freudiano de “cura”, que se baseia nesta fragilidade. Ver Horkheimer

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e seu Eclipse da Razão ou, junto à Adorno em Dialética do Esclarecimento. Ou mesmo Marcuse e seu ensaio “A obsolescência da Psicanálise” em Cultura e Sociedade, vol 2. 15 Freud, Beyond the Pleasure Principle, p. 47. Apud Marcuse, 1966, p. 24. 16 Freud, op. cit., p. 86. Apud Marcuse, 1966, p. 24. 17 Marcuse, Liberté et Théorie des Pulsions. Culture et Societé, p. 344. 18 “homens podem evitar a fatalidade do «bem-estar-pelo-Estado-de-Guerra» somente por um novo ponto de partida donde se poderia reconstruir o aparato produtivo sem o «ascetismo do mundo interior» o qual fornece a base mental de dominação e exploração”. Marcuse, Eros and Civilization, p. XIV. Otto Rank deixa mais clara a relação entre conforto e repressão: “Todo «conforto» que a civilização e o conhecimento tecnológico esforçam-se por ampliar, somente tentam repôr os substitutos duráveis da primeira meta da qual” ..... “ele se torna cada vez mais remoto”. Rank, The Trauma of Birth,New York: Harcourt, Brace, 1929, p. 99 e 103. Apud Marcuse, 1966, p. 108. 19 Freud, Más Allá del Principio de Placer, p. 37. 20 Freud, op. cit., p. 37. 21 Prado Jr., B., Entre o alvo e o objeto do desejo: Marcuse, crítico de Freud, 1990, p. 35. 22 Freud, Más Allá del Principio de Placer, p. 44. 23 “O princípio de realidade sustenta o organismo no mundo externo. No caso do organismo humano, este é um mundo histórico”. Marcuse, Eros and Civilization, p. 34 24 Marcuse, op. cit., pg. 34. 25 Campos Marcuse: realidade e utopia, p. 34. 26 Marcuse, Eros and Civilization, p. 216.

Referências Bibliográficas BARBOSA, Carlos Alberto. A leitura de Freud por Marcuse em “Eros e Civilização”: Alguns Elementos, 1996. Dissertação (mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. CAMPOS, Maria Teresa Cardoso de. Marcuse: realidade e utopia. S. Paulo: AnnaBlume, 2004. FREUD, Sigmund. Obras completas, trad. José L. Etcheverry. B. Aires: Amorrortu Editores, vol. XIII, XIV, XVIII, XIX e XXI, 2001. MARCUSE, Herbert. Eros and Civilization - a philosophical inquiry into Freud. Boston: The Beacon Press, 1966. ___________. Cultura e Sociedade (2 Volumes). Org. Wolfgang Leo Maar, Isabel Maria Loureiro e Robespierre de Oliveira. S. Paulo: Paz e Terra, 1997 e 1998. ___________. Culture et Societé, trad. Gerard Billy, Daniel Bresson et J-B Grasset. Paris: Les Éditions de Minuit, 1970. JONES, Ernest, Psycho-analysis and the instincts. Britsh Journal of Psychologie, London, vol. XXVI, p. 273-288, 1935-1936. PRADO JÚNIOR, Bento, Entre o Alvo e o Objeto de Desejo: Marcuse, Crítico de Freud. In O Desejo, org. Adauto Novaes. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. RANK, Otto. Le Traumatisme de la Naissance - influence de la vie pré-natale sur l’évolution de la vie psichique individuelle et collective, trad. S. Jankelevitch. Paris: Payot, 1928.

Silvio Ricardo Gomes Carneiro é mestrando na Universidade de São Paulo (USP) e bolsista do CNPq. e-mail: [email protected] 8

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