O CASO MARBURY V. MADISON E A INAUGURAÇÃO DO JUDICIAL REVIEW OF LEGISLATION E SUA SOLIDIFICAÇÃO COM O CASO STUART V. LAIRD

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O caso Marbury v. Madison e a inauguração do judicial review of legislation e sua solidificação com o caso Stuart v. Laird1 Emerson Wendt2

Introdução Os textos de praticamente todos os autores que tratam do caso Marbury v. Madison referem-no como sendo a inauguração3 do judicial review of legislation nos Estados Unidos, o que acabou sendo adotado e adaptado à maioria das constituições do mundo. O objetivo deste resumo é justamente demonstrar aspectos relativos ao caso, o contexto histórico e cultural e os meandros políticos envolvendo a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, além da análise conjunta do caso Stuart v. Laird, julgado na mesma época e que veio a reafirmar o judicial review (difuso).

1 Período histórico, cronologia e circunstâncias principais envolvendo Marbury v. Madison, 5 U.S. 137 (1803) A decisão do caso ocorreu em 1803, após um ano de “recesso” da Suprema Corte4 e dez anos após a primeira sessão da corte principal dos Estados Unidos, o que gerou o fortalecimento e respeitabilidade como “Corte Suprema”. No final do século XVIII e início do século XIX dois partidos dominavam a política americana: o Federalista (Alexandre Hamilton, apoiado por John Adams) e o Republicano (Thomas Jefferson, Aaron Burr e James Madison). Todos eram e são conhecidos como Founding Fathers (pais fundadores) dos Estados Unidos. Ano 1800: ocorre a eleição presidencial, cujos contendores eram John Adams (Federalista) e Thomas Jefferson (Republicano), sendo este o declarado vencedor. Adams, no poder no momento da eleição, possuía a maioria no Congresso até o final de sua administração.

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Resumo realizado visando à apresentação de seminário na disciplina de Decisões Judiciais e Reflexividade Social, Prof. Dr. Marco Félix Jobim, do Mestrado em Direito e Sociedade do Unilasalle – Canoas/RS. 2 Mestrando em Direito e Sociedade (Unilasalle, Canoas-RS). Delegado de Polícia Civil no RS. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9475388941521093. 3 João Carlos Souto, no subtítulo 1.4 do seu livro (p. 11), fala em “nascimento e certidão de batismo”. 4 O Judiciary Act of 1802, de 29 de abril, reorganizou a estrutura do Poder Judiciário e eliminou o “ano judiciário” de 1802 da Suprema Corte.

Ano 1801: neste ano, através de atos ainda do Governo Adams, ocorrem duas ondas, chamadas de midnigth judges. São elas: 1ª onda: ocorre em 13 de fevereiro de 1801, quando o Congresso aprova o the Circuit Court Act (Lei do Judiciário de 1801 – Judiciary Act of 1801), que veio a reduzir o número de Justices na Suprema Corte (o novo Presidente não poderia nomear ninguém) e criar dezesseis cargos de juiz federal (todos indicados pelo então Presidente Adams). 2ª onda: ocorre em 27 de fevereiro de 1801, quando é aprovado o the Organic Act of the District of Columbia (Cortes do Distrito de Colúmbia – Distrito Federal), possibilitando a nomeação – também pelo então Presidente Adams – de quarenta e dois juízes de paz, que seriam validados pelo Senado em 3 de março de 1801. O objetivo de Adams, com os dois atos, era/seria de manter “a filosofia federalista” através de atuação do Judiciário (John Adams deixou claro isso quando, ainda em 1800, convidou John Jay a reassumir como Chief Justice, convite este recusado). Adams queria os poderes da União alargados e uma maior aproximação os ingleses, diferente dos republicanos, que defendiam a aproximação com a França. A outorga da investidura dos chamados midnight judges ficou a cargo do então Secretário de Estado John Marshall, já indicado para ser o Chief Justice da Suprema Corte. Nem todos os juízes de paz receberam o ato de investidura a tempo. Dentre eles estava William Marbury5. Thomas Jefferson toma posse (em 4 de março de 1801) e nomeia como novo Secretário de Estado James Madison, que, por orientação (não oficial) daquele, não outorga o ato de investidura aos juízes de paz nomeados pelo governo anterior. Não houve qualquer parecer, escrito ou fundamento desta decisão. Durante o ano de 1801 o Congresso, agora com maioria Republicana, invalidou o the Circuit Court Act. Em dezembro de 1801, William Marbury propôs um writ of mandamus (ação judicial) para que fosse nomeado.

2 Aspectos políticos e culturais da decisão do caso Marbury v. Madison O writ of mandamus proposto por William Marbury contra o Secretário de Estado James Madison fez com que restasse instalado o conflito político entre

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William Marbury era proprietário de terras, banqueiro e descendente de uma família proeminente do (agora) Estado de Maryland. Marbury contratou como advogado Charles Lee, primo distante do então Chief Justice John Marshall e que havia integrado o gabinete de John Adams como Ministro da Justiça.

Republicanos e Federalistas. Foi um momento político extremamente delicado da história dos EUA. As opções existentes: a) Suprema Corte negar seguimento à ação por não possuir jurisdição sobre ato de outro Poder, o que faria com que a Corte abdicasse de prerrogativas Constitucionais; e, b) acolher a ação, o que poderia ser inócuo porque corria-se o risco de o Executivo ignorar a decisão e causar a desmoralização da Corte. Existiram duas circunstâncias que podem ter influenciado a decisão de John Marshall: a primeira, uma suposta ameaça de impeachment e, segundo, a eliminação do ano judiciário de 1802. Teria sido um ataque antecipado e preventivo dos Republicanos em relação à Suprema Corte, controlada pelos Federalistas. A decisão, portanto, privilegiou aspectos formais e não decidiu o mérito. Foi, conforme já referido, a inauguração do judicial review of legislation. É considerada “o” leading case (controvérsia submetida ao Poder Judiciário, cuja decisão passa a ser seguida por todos os órgãos judiciantes) sobre o controle (difuso) de constitucionalidade de leis, principalmente: a) pela fundamentação apresentada pelo Chief Justice John Marshall6; b) pela repercussão alcançada pelo caso, e; c) antes, o check and balances (freios e contrapesos) era mera teoria. Marshall assinalou a supremacia da Lei Fundamental, estabelecendo que caberia ao Judiciário, na qualidade de intérprete da Constituição, decidir qual norma deveria prevalecer e, uma vez que a norma superior é a Constituição, esta é que tem prevalência sobre ato normativo de hierarquia inferior. Assim, declarou, parcialmente, a inconstitucionalidade do Judiciary Act of 1789 (o § 13 não se harmonizava com a Constituição porque ampliava a competência originária da Suprema Corte ao permitir que os cidadãos poderiam ingressar com writ of mandamus diretamente na S.C. quando no polo passivo constasse autoridades do Governo dos Estados Unidos). Embora a importância do caso, alguns autores7 referem que a Constituição dos Estados Unidos, no art. 6º, 28, prevê a supremacy clause, estabelecendo a Constituição dos EUA como fundamento e validade de todas as demais normas, sendo, portanto, o marco do controle da constitucionalidade das leis, embora não mencione que ao Poder Judiciário caberia tal declaração9.

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John Marshall foi empossado como Chief Justice em 4 de fevereiro de 1801, porém permaneceu no cargo de Secretário de Estado do governo de John Adams até 3 de março do mesmo ano. 7 Dentre eles, Bernard Schwartz, citado por Marco Félix Jobim e João Carlos Souto. 8 “Esta Constituição e as leis dos Estados Unidos feitas em sua conformidade, e todos os tratados celebrados ou por celebrar sob a autoridade dos Estados Unidos, constituirão a lei suprema da nação; e os juízes de todos os Estados a ela estarão sujeitos, ficando sem efeito qualquer disposição em contrário na Constituição ou leis de quaisquer dos Estados”. 9 COMPARATO, Fábio Konder. Rumo à Justiça. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 278.

3 Principais personagens envolvidos na decisão do caso Marbury v. Madison John Marshall: à época do governo John Adams era Secretário de Estado e responsável pela outorga da investidura dos juízes de paz; após, foi o Chief Justice e responsável por emitir o opinion sobre o caso. Foi o quarto Chief Justice, presidindo a Suprema Corte dos Estados Unidos da América de 4 de Fevereiro de 1801 a 6 de Julho de 1835, quando morreu, e nessa função se tornou o principal fundador do direito constitucional americano e consolidou o poder de revisão do judiciário. Foi um dos revolucionários participantes da Revolução Americana, diplomata e jurista. James Madison: Secretário de Estado do governo de Thomas Jefferson e que negou a outorga da investidura aos juízes de paz indicados e validados no período anterior10. Foi o quarto Presidente dos Estados Unidos, entre 1809 e 1817. Foi responsável pelas dez primeiras emendas à Constituição (dito para ser baseado na Declaração de Direitos da Virgínia). No século anterior (1791), rompeu com o Secretário do Tesouro Americano, Alexander Hamilton, e com Thomas Jefferson organizaram o que eles chamavam de o Partido Republicano (mais tarde chamado o Partido Democrata-Republicano), em oposição às políticas fundamentais dos Federalistas. Foi o último "pai fundador da nação" a morrer. John Adams: segundo presidente dos EUA até 3 de março de 1801. Federalista e um dos “Pais Fundadores dos Estados Unidos”. Foi primeiro vicepresidente dos EUA. Ajudou Thomas Jefferson a elaborar a Declaração da Independência em 1776, e foi um dos seus principais defensores junto do Congresso. Adams foi o pai de John Quincy Adams, o sexto Presidente dos Estados Unidos. Thomas Jefferson: terceiro presidente dos EUA (1801 a 1809). Considerado o principal autor da declaração de independência (1776) daquele país. Jefferson foi um dos mais influentes Founding Fathers (os "Pais Fundadores" da nação), conhecido pela sua promoção dos ideais do republicanismo nos Estados Unidos.

4 Outros casos relativos ao judicial review

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James Madison, juntamente com Alexander Hamilton e John Jay, escreveu O Federalista, composto por artigos (cartas) escritos pelos três com o objetivo de ratificar a Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 e conclamar as ex-colônias a ratificarem o texto aprovado na Convenção de Filadélfia. Os artigos eram publicados na imprensa do Estado de Nova Iorque. O ensaio de n. 78 de Alexander Hamilton pode levar à conclusão de que não há dúvidas de que a Suprema Corte deve realizar o controle de constitucionalidade das leis. João Carlos Souto também cita os capítulos 81 e 16, onde constam menção explícita/clara da possibilidade de o Judiciário declarar inválidos atos normativos contrários à Constituição.

- Hylton v. United States - Stuart v. Laird

5 Caso Stuart v. Laird, 5 U.S. 299 (1803) O Judiciary Act of 1789 definiu a atuação dos membros da Suprema Corte também como circuit judges (juízes de circuito, de primeiro grau), quando os mesmos se deslocavam para os Estados para julgar. Assim, os Justices podiam atuar como revisores de seus próprios julgados. O Judiciary Act of 1801, além de criar cargos, reestruturou o Judiciário Federal e suprimiu a competência dos membros da Suprema Corte de atuarem nos Circuits Courts. O Judiciary Act of 1802 ou Republican Judiciary Repeal Act of 1802, além de repelir a Lei de 1801 repristinou a Lei de 1789. O caso Stuart v. Laird foi julgado, em primeira instância, durante a vigência do Judiciary Act of 1801, ou seja, por um juiz designado com base nesta Lei. Assim, no processo de execução promovido por John Laird o magistrado que proferiu a decisão não existia mais, em virtude da reorganização promovida pela Lei de 1802, o que fez com que a execução fosse ajuizada perante a Circuit Court que existia antes da modificação de 1801. Hugh Stuart, ao ser citado, por seu advogado Charles Lee, alegou que a execução não poderia ocorrer perante juiz diverso daquele que havia proferido a sentença, devendo o processo ser arquivado. Também, arguiu que o Judiciary Act of 1802, ao suprimir o órgão judiciário que havia proferido a primeira decisão, incidiu em inconstitucionalidade, também pelo fato de ter revigorado uma competência da Suprema Corte que não tinha previsão na Constituição. O Circuit Court onde foi ajuizada da execução tinha assento em John Marshall, que redigiu decisão contrária a Stuart, que apelou à Suprema Corte. John Marshall declina da prerrogativa de julgar e é designado o Justice William Pattersen. Em seu opinion Pattersen refuta os argumentos de Stuart ao declarar que o Congresso dos Estados Unidos tinha autoridade para estabelecer tribunais inferiores. Com essa decisão, restou: a) reafirmado o julgamento do circuit court, e; b) estabeleceu a constitucionalidade do Judiciary Act of 1802. Observa-se que, com o caso Stuart v. Laird, restou fortalecido o judicial review e a Suprema Corte. Ou seja, afirmou que o Congresso tinha a autoridade de transferir um processo pendente para fora da corte de circuito, uma vez que revogou a Lei Judiciária de 1801.

6 O controle de constitucionalidade no Brasil

O Brasil possui o controle da constitucionalidade das leis a partir da Constituição de 1891. Atualmente, adota os sistemas difuso e abstrato. Assim, temos o controle de constituicionalidade de leis pela via direta: Ação direta de inconstitucionalidade – ADIn (Constituição Federal, artigo 102, I, a; Lei 9868/99, e; Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, artigos 169 a 178); Declaração de Constitucionalidade – ADC (Constituição Federal, artigo 102, I), e; Ação direta de constitucionalidade por omissão (Constituição Federal, artigo 103, § 2°). Também, temos o controle concentrado: Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (Lei Federal 9.882/99) e ADIn Interventiva (Constituição Federal, artigo 102, inciso I, alínea A). Decisões do Supremo Tribunal Federal citando Marbury v. Madison: - MS - 26915 - Interpretação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e Controle Judicial (Informativo 483) - RE - 556664 - Repercussão Geral e Artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91 (Informativo 481) - RE - 442683 - Segurança Jurídica e Modulação Temporal dos Efeitos (Informativo 419) - RE - 390840 - COFINS e Conceito de Faturamento (Informativo 397)

7 Marbury v. Madison e Stuart v. Laird e a Suprema Corte dos Estados Unidos Em Marbury v. Madison a Suprema Corte estabeleceu que o Congresso não tinha poderes para ampliar a competência da Corte, já que a Constituição não autorizava esta interpretação, declarando-se parcialmente inconstitucional o Judiciary Act of 1789. Já em Stuart v. Laird houve a afirmação de que o mesmo Judicary Act of 1789 não padecia de inconstitucionalidade, porquanto o Congresso tinha poderes para estabelecer “atribuições” para os integrantes da Suprema Corte, além daquela prevista no Estatuto Básico. Assim, diferenciava-se a ampliação de competência da Corte Suprema do estabelecimento de novas atribuições aos membros da mesmas Corte. Aquela, inconstitucional; estas, constitucionais.

Referências COMPARATO, Fábio Konder. Rumo à Justiça. São Paulo: Saraiva, 2010. JOBIM, Marco Félix. Medidas estruturantes: da Suprema Corte estadunidense ao Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

______. O que Marbury v. Madison tem a ver com o controle de constitucionalidade de leis da Constituição Federal de 1988. in Questões constitucionais controvertidas. FAYET, Paulo; JOBIM, Geraldo; JOBIM, Marco Félix. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. SOUTO, João Carlos. Suprema Corte dos Estados Unidos: principais decisões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 3-63.

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