O COMBATE ÀS DESGUALDADES SOCIAIS NO CAPITALISMO SEGUNDO MARX E PIKETTY

July 15, 2017 | Autor: Fernando Alcoforado | Categoria: Sociology, Economics, Social Sciences, Political Science
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O COMBATE ÀS DESGUALDADES SOCIAIS NO CAPITALISMO SEGUNDO MARX E PIKETTY Fernando Alcoforado* Thomas Piketty escreveu um livro chamado Capital in the Twenty-First Century (Capital no século XXI) publicado pela The Belknap Press of Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 2014, no qual defende a taxação progressiva e a tributação da riqueza global como único caminho para deter a tendência de uma desigualdade crescente de riqueza e renda no sistema capitalista. Ele coloca em xeque a visão, amplamente aceita, de que o capitalismo de livre mercado distribui riqueza. Piketty demonstra que o capitalismo de livre mercado, na ausência de uma grande intervenção redistributiva por parte do Estado, produz oligarquias antidemocráticas. O livro tem sido frequentemente apresentado como substituto para o século 21 do trabalho do século 19 de Karl Marx, que leva o mesmo título. Em seu livro, Piketty não explica as causas mais profundas da crise mundial de 2008, e por que está demorando tanto para o sistema capitalista mundial se recuperar. Ele não ajuda a entender por que o crescimento econômico é tão medíocre hoje nos Estados Unidos, ocorre a estagnação da Europa e do Japão e a desaceleração econômica da China. O que Piketty mostra estatisticamente é que o capital tendeu, através da história, a produzir níveis cada vez maiores de desigualdade. Esta é exatamente a conclusão teórica de Marx, no primeiro volume de sua versão do Capital. Em O Capital de Marx, a desigualdade é vista não como o resultado da distribuição da riqueza como O Capital no Século XXI de Piketty apresenta, mas como um resultado inevitável da produção da riqueza sob o capitalismo. Segundo Marx, toda riqueza na sociedade é produto do trabalho, criada pelos esforços físicos e mentais da classe trabalhadora. Os lucros, que significam o retorno sobre o capital, são como Marx explicou nada mais do que o trabalho não pago da classe trabalhadora, isto é, a diferença entre o valor que é produzido e o valor que reverte aos trabalhadores na forma de salários. Uma taxa crescente de lucro, portanto, apenas implica em uma exploração crescente da classe trabalhadora, o que significa necessariamente uma maior parte da riqueza na sociedade se acumulando nas mãos dos capitalistas – uma pequena elite de exploradores. Marx demonstrou em seus três volumes de O Capital (Boitempo Editorial, São Paulo, 2013) como, por vários meios, o capitalismo pode explorar a classe trabalhadora por maiores lucros: 1) estendendo a jornada de trabalho, através de uma intensificação do trabalho dentro de um dado tempo; e, 2) aumentando a eficiência e a produtividade dos trabalhadores, através da substituição de trabalho por máquinas etc. Tudo isto se reflete no aumento da proporção do trabalho não pago em relação ao valor do que é produzido pelos trabalhadores. Marx viu a economia capitalista como um sistema com processos interconectados, e em última análise como uma luta entre forças vivas – uma luta de classes entre os capitalistas detentores dos meios de produção e os trabalhadores pelo excedente produzido na sociedade. Através dos meios descritos acima, os capitalistas podem tentar aumentar seus lucros à custa da classe trabalhadora. No entanto, onde a classe trabalhadora é organizada, unida e desejosa de lutar, reformas podem ser obtidas e os 1

trabalhadores podem ganhar uma parcela maior da renda gerada pela atividade produtiva. Este tipo de exploração é inerente ao capitalismo. Se os trabalhadores não recebem de volta o pleno valor de seu produto – o que é necessariamente o caso em um sistema de propriedade privada e de produção para o lucro – então, não podem comprar de volta todas as mercadorias que produzem. Esta situação tende a criar situações de superprodução que, historicamente, têm resultado na queda da produção e no aumento do desemprego que leva inevitavelmente a crises tendentes à depressão como a que experimentamos em 1929 e atualmente, na qual todas as contradições acumuladas no sistema capitalista mundial estão se agravando. Pelo exposto, Piketty não é o novo Marx. Enquanto Marx mostra as verdadeiras causas das desigualdades sociais que estão relacionadas com a expropriação da renda dos trabalhadores pelos detentores dos meios de produção, Piketty aponta as consequências desta expropriação, isto é, as desigualdades resultantes. Enquanto Karl Marx defende o fim do capitalismo com a implantação do socialismo e, mais tarde, do comunismo para acabar com as desigualdades sociais, Piketty propõe medidas para consertar o sistema capitalista e mantê-lo funcionando. O problema para Piketty não é a desigualdade em si, mas o fato de que esta cria injustiça na sociedade que ameaça a existência do próprio sistema capitalista. Piketty afirma que é muito difícil fazer o sistema funcionar quando se tem uma desigualdade tão extrema como a que vem se registrando. Para diminuir as desigualdades sociais, Thomas Piketty propõe uma medida que é considerada utópica que é a taxação de grandes fortunas. O Capital no Século XXI sugere, entre outras coisas, a tributação de grandes fortunas, o combate à desigualdade econômica e à concentração da riqueza nas mãos de poucos. Com cerca de 500 páginas, O Capital no Século XXI é dividido em quatro partes nas quais trata da questão da renda, produção, capital e suas transformações ao longo da história, principalmente a partir da Revolução Industrial e faz uma verdadeira genealogia da questão de renda, sobretudo, com um extensivo levantamento sobre as políticas de salário com focos na França, Reino Unido e Estados Unidos os quais foram muito úteis para uma leitura a respeito da história do capitalismo global e suas problemáticas. Thomas Piketty analisa, também, a desigualdade, a concentração de renda, o rentista enquanto inimigo da democracia, a desigualdade mundial da riqueza no século XXI, a questão das famílias detentoras da riqueza global e, por fim, a taxação e regulação da riqueza global. Piketty aborda o “apocalipse marxista” de acúmulo infinito de capital que, para ele, não se concretizou. Porém, afirma que, apesar de não termos um acúmulo infinito de capital, temos cada vez mais poucas famílias detendo quase a metade da riqueza global. Piketty explica que ocorre uma tendência ao crescimento da desigualdade devido ao contínuo aumento da acumulação de riqueza resultante do fato de que a taxa de retorno sobre o capital (r) sempre excede a taxa de crescimento da renda (g). Isso, diz Piketty, é e sempre foi “a contradição central” do capital. Mas esse tipo de regularidade estatística dificilmente alicerça uma explicação adequada, quanto mais uma lei. Então, quais são as forças que produzem e sustentam tal contradição? Piketty não diz. Marx afirma em sua obra O Capital que a existência desta lei resulta do desequilíbrio de poder entre capital e trabalho. E essa explicação ainda é válida hoje. A queda constante da participação do trabalho na renda nacional, desde os anos 1970, é decorrente do declínio do poder político dos trabalhadores à medida que o capital mobilizava tecnologia, aumentava o 2

desemprego, realizava a deslocalização de empresas e adotava políticas antitrabalho (como as de Margaret Thatcher e Ronald Reagan) para destruir qualquer oposição. As políticas anti-inflação dos anos 1980 aumentaram o desemprego que era um modo extremamente desejável de reduzir a força política das classes trabalhadoras. A crise do capitalismo que se seguiu recriava um exército de mão de obra de reserva possibilitando que os capitalistas lucrassem mais do que nunca. A disparidade entre a remuneração média dos trabalhadores e dos executivos-chefes era cerca de trinta para um em 1970. Hoje está bem acima de trezentos para um e, no caso do MacDonalds, cerca de 1200 para um (OUTRAS PALAVRAS. David Harvey: leia Piketty, mas não se esqueça de Marx. Disponível no website . Piketty reúne uma grande quantidade de dados para sustentar sua argumentação. Sua descrição das diferenças entre renda e riqueza é bastante útil e faz uma defesa cuidadosa da tributação sobre a herança, do imposto progressivo e de um imposto sobre a riqueza global como possíveis (embora quase certamente não politicamente viável) antídotos contra o avanço da concentração de riqueza e poder. A solução proposta por Karl Marx de superação das desigualdades deveria levar ao fim do capitalismo com a implantação do socialismo e, mais tarde, do comunismo a qual é considerada utópica por muitos analistas haja vista o fracasso do socialismo real implantado na União Soviética e em outros países. A solução proposta por Piketty para consertar o sistema capitalista e mantê-lo funcionando é, também, considerada utópica diante do poder do capital porque sugere, entre outras medidas, a tributação de grandes fortunas, o combate à desigualdade econômica e à concentração da riqueza nas mãos de poucos. Em suma, ambas as soluções propostas seriam politicamente inviáveis e, portanto, utópicas por muitos analistas. Eric Hobsbawn ofereceu uma resposta a este dilema em artigo publicado no jornal britânico The Guardian em 16/04/2009, sob o título Pressupostos teóricos da "economia mista", quando afirmou que conhecemos duas tentativas práticas de realizar ambos os sistemas, socialista e neoliberal, em sua forma pura: por um lado, as economias de planificação estatal, centralizadas, de tipo soviético; por outro, a economia capitalista de livre mercado isenta de qualquer restrição e controle. As primeiras vieram abaixo na década de 1980, e com elas os sistemas políticos comunistas europeus; a segunda está se decompondo diante de nossos olhos na maior crise do capitalismo global ocorrida em 2008. Hobsbawm disse que o futuro pertence às economias mistas nas quais o público e o privado estejam mutuamente vinculados de uma ou outra maneira. Isto significa dizer que a Social Democracia com o Estado de Bem Estar social, o mais bem sucedido sistema já implantado no mundo, que incorpora elementos tanto do socialismo como do capitalismo, especialmente nos países escandinavos, poderia ser a solução para o problema da desigualdade que avassala o planeta em que vivemos. A social democracia do futuro, que deveria resultar do aperfeiçoamento do modelo atual implantado nos países escandinavos, operaria com um tripé estruturado com base na Sociedade Civil Organizada ativa, Setor Produtivo (estatal e privado) eficiente e eficaz e um Estado neutro, que exerceria a coordenação do planejamento e a regulação do sistema e mediaria os conflitos entre a Sociedade Civil e o Setor Produtivo.

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* Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.

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