O Conceito de Interdiscurso na Semântica da Enunciação

June 3, 2017 | Autor: A. Fernandes Ferr... | Categoria: Análise de Discurso, História Das Ideias Linguísticas, Semantica Da Enunciação, Interdiscurso
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O CONCEITO DE INTERDISCURSO NA SEMÂNTICA DA ENUNCIAÇÃO Ana Cláudia FERNANDES FERREIRA ([email protected]) Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP – PG/Doutorado)

1. Introdução O presente texto é parte das reflexões teóricas que venho desenvolvendo em minha pesquisa de doutorado sobre a institucionalização da lingüística na Unicamp, pesquisa que vem sendo desenvolvida a partir de uma perspectiva materialista da história das idéias lingüísticas1. O objetivo específico desse texto é analisar formulações produzidas em torno do conceito de interdiscurso em textos de Eduardo Guimarães, produzidos a partir da década de 1980. Essa análise será desenvolvida considerando, no percurso dos estudos do autor, o modo de articulação desse conceito com outros conceitos, produzidos na análise de discurso e na semântica da enunciação. Com a realização deste trabalho, será possível compreender algumas especificidades do conceito de interdiscurso na semântica da enunciação de Eduardo Guimarães, bem como sobre o papel da apropriação desse conceito para as rupturas teóricas que essa semântica produziu. 2. Não Só Polifonia e Argumentação, Mas Também Relações Interdiscursivas em Recortes no Texto O conceito de interdiscurso começa a produzir efeitos na semântica da enunciação brasileira por volta da década de 1980, com os estudos de Eduardo Guimarães. Esse conceito foi sendo trabalhado por essa semântica através de um profícuo diálogo teórico com a análise de discurso desenvolvida no Brasil pelas produções de Eni Orlandi. No artigo “Não só... Mas Também: Polifonia e Argumentação” (GUIMARÃES, 1985), o conceito de interdiscurso comparece na expressão ‘relação interdiscursiva’. Para compreender o modo como essa expressão produz uma definição para o sentido de interdiscurso, buscarei observar algumas relações estabelecidas entre a expressão ‘relação interdiscursiva’, presente neste texto, e outros conceitos com os quais o autor desenvolve suas análises. Neste artigo, as análises trabalham em torno de conceitos como: locutor, enunciador, polifonia, argumentação, entre outros. Ao mesmo tempo, há uma apropriação, nas análises do autor, de conceitos da análise de discurso como: texto, recorte, incompletude, polissemia. Neste artigo de E. Guimarães, o texto é considerado como unidade de análise, a partir de uma perspectiva discursiva proposta por Eni Orlandi. Naquele momento, estava no início o trabalho de conceitualização da noção de texto na análise de discurso pela autora. 1

Minha pesquisa de doutorado, Sentidos de Lingüística no Processo de Institucionalização da Lingüística na Unicamp, está inscrita no Programa História das Idéias Lingüísticas no Brasil, no interior do projeto O Controle Político da Representação: Uma História das Idéias (projeto CAPES/Cofecub) e conta com o apoio da Fapesp.

Sobre os conceitos de recorte, incompletude e polissemia, será interessante apreciar o modo como eles são apresentados no artigo de E. Guimarães. Escreve o autor: [1] “O conceito de recorte, com fortes conseqüências analíticas, metodológicas e teóricas, tomaremos de E. Orlandi (1983, p. 128-130 e 184). Para melhor configura-lo, aqui, acompanhemos o que nos diz a autora. “O recorte é uma unidade discursiva. Por unidade discursiva entendemos fragmentos correlacionados de linguagem-e-situação. Assim, um recorte é um fragmento de situação discursiva” (Orlandi, 1984, p.14). O entendimento mais completo da noção de recorte, no entanto, só se dá se atentarmos para o que a autora coloca sobre a incompletude da linguagem e sobre a polissemia. Sobre a questão da incompletude seria interessante observar o que ela nos diz discutindo o problema do tópico num diálogo. Ela afirma [a] “... com essa idéia de incompletude apaga-se, em relação a turnos, o limite que separa o meu dizer e o do outro” (Orlandi, 1984, p.16). [b] Ou seja, o que digo não é completo, parte do seu sentido está no que os outros dizem e vice-versa. Assim só uma noção como a de recorte, portanto não seqüencial, pode apreender esta incompletude constitutiva do sentido. O outro aspecto a que devemos atentar para a melhor compreensão da noção de recorte é a polissemia. Segundo Orlandi “A polissemia é o processo que, na linguagem, permite a criatividade. É a atestação da relação entre o homem e o mundo” (Orlandi, 1984, p. 11). [c] Tomando-se a multiplicidade como objeto de estudo, torna-se necessário considerar esta relação entre o homem e o mundo, que é uma relação que passa pelo outro, na interlocução. E assim, mais uma vez se compreende a necessidade de se substituir a noção de segmento pela de recorte” (p. 80).

Os textos que o autor cita de Eni Orlandi são: A linguagem e seu funcionamento. As formas do discurso (ORLANDI, 1983) e “Segmentar ou Recortar?” (ORLANDI, 1984). No enunciado [1[a]] ‘com essa idéia de incompletude apaga-se, em relação a turnos, o limite que separa o meu dizer e o do outro’, que o autor cita de “Segmentar e Recortar”, é importante destacar a expressão ‘o meu dizer e o do outro’. Neste artigo de E. Orlandi, a autora trabalha com um texto de Voloshinov, editado em espanhol em 1976, sob o título El Signo Ideológico y la Filosofia del lenguage. Como sabemos, a questão do eu e do outro é um objeto importante na reflexão desse autor, desenvolvida dentro de uma perspectiva do materialismo histórico. O enunciado [1[a]], de E. Orlandi, é reescrito pelo autor por [1[b]] ‘Ou seja, o que digo não é completo, parte do seu sentido está no que os outros dizem e vice-versa’. Neste texto de Eduardo Guimarães, a relação entre o eu e o outro é pensada junto ao conceito de polifonia e aos conceitos de locutor e enunciador. Esta relação entre o eu e o outro é pensada, de certo modo, através de uma abordagem ducrotiana do conceito de polifonia proposto por M. Bakhtin. No entanto, para O. Ducrot, a história não é considerada e no artigo de Eduardo Guimarães ela é considerada, como veremos mais adiante. Outro enunciado do texto de E. Guimarães que é interessante observar é o [1[c]], que comenta sobre a polissemia: ‘Tomando-se a multiplicidade como objeto de estudo, torna-se necessário considerar esta relação entre o homem e o mundo, que é uma relação que passa pelo outro, na interlocução’. Nesse enunciado, sentido da expressão ‘relação entre o homem e o mundo’ formulada por E. Orlandi é conduzindo na direção da relação entre o eu e o outro, através do acréscimo de E. Guimarães: ‘que é uma relação

que passa pelo outro, na interlocução’. Podemos dizer que essa relação entre o eu e o outro é significada no artigo de E. Guimarães no sentido de que o dizer do outro está no outro enquanto interlocutor. Mas, mais do que isso, ela é significada no sentido de que o dizer do outro está no dizer do eu, enquanto figuras de locutor e enunciador. Na formulação de Eni Orlandi, o recorte, pensado com relação aos turnos na interlocução, é reescrito como ‘o limite que separa’ e a idéia de incompletude permite apagar esse limite. Nas análises de Eduardo Guimarães, esse limite é pensado em relação às figuras enunciativas; e a idéia de incompletude, como veremos, parece estar relacionada com a formulação ‘relação interdiscursiva’. Com base nas observações feitas acima, vejamos agora como a expressão ‘relação interdiscursiva’ é significada neste artigo de E. Guimarães, no recorte a seguir: [2] “A partir da caracterização do Não só... mas também como polifônico, podemos dizer que pensar como se constrói, ou construiu, a expressão em estudo é pensar em que relação com outro dizer ela se constitui. Então a questão não é de escopo de operador, nem tão pouco componencial, mas de relação interdiscursiva numa situação de enunciação. Ou seja, que dizer do outro o uso de não só... mas também representa ou resgata” (p. 99).

Vemos que ‘relação interdiscursiva’ é a relação entre o dizer do eu e o dizer do outro. Essa relação é recortada pelas figuras enunciativas. Uma questão importante a destacar é que, no texto do autor, o sentido do dizer do eu é definido pelo dizer do outro e o sentido de ‘relação’, em ‘relação interdiscursiva’, é definido pelo sentido de recorte. Outra questão interessante a se notar é que, nesse texto, torna-se importante considerar que a expressão não só... mas também não se constrói, simplesmente, mas ‘construiu’. A inclusão do ‘ou construiu’ no enunciado acima abre espaço para a história entrar como uma questão para a semântica. Outra palavra que abre espaço para a história entrar é ‘resgata’. O uso de não só... mas também, além de representar o dizer do outro, também pode resgatá-lo. E é a relação interdiscursiva, enquanto uma relação que é recortada, que permite a representação ou o resgate do dizer do outro no dizer do eu. É interessante perceber que a consideração da ‘relação interdiscursiva’ coincide com a abertura desse espaço de entrada da história na teoria semântica do autor, pela enunciação de ‘construiu’ e ‘resgata’. No recorte abaixo, poderemos observar como a questão da história se coloca mais diretamente: [3] “Além da confirmação da hipótese polifônica que fizemos, a impossibilidade de um tratamento componencial e a insuficiência do tratamento por escopo de operadores nos levam a uma conclusão sobre a natureza da significação. O que isto nos revela é que a significação tem um caráter histórico. No caso presente, diríamos: o que uma enunciação como não só x mas y também significa é aquilo que os usos de não, só, mas, também constituíram como história desses usos” (p. 101).

Nesse texto do autor, podemos notar que o conceito de interdiscurso não é formulado, embora ele esteja presente, de certo modo, na expressão ‘relação interdiscursiva’. Notamos que essa expressão se constitui de sentidos envolvidos em

torno da questão do texto, do recorte, da incompletude, da polissemia, das relações entre o eu e o outro, da polifonia e da história. O sentido de ‘relação interdiscursiva’ irá adquirir contornos mais precisos em estudos posteriores, ao lado de outras questões que vão ganhando mais espaço, como a questão da história. No item a seguir, analisarei outros dois textos de E. Guimarães que não formulam diretamente o conceito de interdiscurso, mas que também têm importância no modo como este conceito será formulado pelo autor posteriormente. 3. ‘Um “Cruzamento” de Discursos Diversos, de Enunciados de Discursos Diferentes’ O primeiro texto de E. Guimarães que analisarei neste item é um artigo escrito em co-autoria com Eni Orlandi. Trata-se do artigo “Unidade e dispersão: uma questão do texto e do sujeito” (GUIMARÃES & ORLANDI, 1999, 4 ed.). Este trabalho foi apresentado pelos autores em 1985, num seminário de Psicologia da PUC-São Paulo e foi publicado em 1988, no livro Discurso e leitura (ORLANDI, 1999, 4 ed.). Neste artigo, os conceitos de sujeito, posição de sujeito, texto, formação discursiva, enunciado e discurso, da análise de discurso (entre outros) são trabalhados ao lado dos conceitos de enunciado, locutor, enunciador e polifonia (entre outros) da semântica da enunciação2. Um aspecto importante a destacar sobre este artigo é que ele apresenta uma necessidade de conceitualização da noção de texto e, em certa medida, também da noção de enunciado, pela consideração do papel do enunciado no texto. Tomemos dois recortes desse artigo: [4] “O que procuraremos mostrar nesse estudo é que essas diferentes posições do sujeito no texto correspondem a diversas formações discursivas. Isto se dá porque [a] em um mesmo texto podemos encontrar enunciados de discursos diversos, que derivam de várias formações discursivas” (p. 53) [5] “Em suma, tomamos a polifonia como um dos lugares de se observar [a] a relação entre as diferentes formações discursivas e a constituição do texto em sua unidade” (p. 58)

O conceito de polifonia continua presente e agora é diretamente relacionado com o conceito de formação discursiva. Notemos que este conceito não é observado isoladamente. ‘Formações discursivas’ está no plural. Há ‘várias formações discursivas’, ‘diferentes formações discursivas’, das quais ‘enunciados de discursos diversos’ são derivados, e pelos quais se constitui um texto. São modos específico de trabalhar na análise de discurso, com enfoque para a relação entre formação discursiva e texto e também na semântica da enunciação, com enfoque para a relação entre formação discursiva, texto , enunciado e polifonia. 2

Nesse artigo, há um diálogo com autores como M. Foucault, M. Pêcheux, D. Maingueneau, entre outros. Como sabemos, Michel Foucault teoriza sobre o enunciado e o enunciado é considerado como unidade de análise por Michel Pêcheux. Sobre isso é importante acrescentar que para a semântica de Eduardo Guimarães o enunciado estava sendo repensado e se distanciando da abordagem ducrotiana. Quanto ao conceito de formação discursiva, sabemos também que Michel Pêcheux o empresta de Michel Foucault.

Embora o conceito de interdiscurso não tenha sido formulado, ele está presente através das conceitualizações teóricas que os autores produzem. O segundo texto que trago aqui é “Enunciação e História” (GUIMARÃES, 1989). Este texto procura, através do diálogo com a análise de discurso, construir um conceito histórico de enunciação. Ao lado disso, também há uma necessidade de conceitualização da noção de enunciado, na relação com o texto. Vejamos, a seguir, dois recortes desse artigo: [6] “Faz parte das condições de existência de um enunciado que existam outros. Assim [a] seu caráter é necessariamente relacional. Só há um enunciado se houver mais de um. Ou seja, é impossível pensar a linguagem, o sentido, fora de uma relação. Nada se mostra a si mesmo na linguagem. Algo sozinho nunca é linguagem. Algo só é linguagem com outros elementos e nas suas relações com o sujeito. [b] Isto dá o caráter inescapavelmente histórico da linguagem” (p. 74). [7] “Para nós esta materialidade [materialidade física do enunciado] tem interesse quando se fala do texto, da textualidade. Para nós (Orlandi e Guimarães, 1988) o texto é uma construção com começo/meio/fim que se constitui como [a] um “cruzamento” de discursos diversos, de enunciados de discursos diferentes” (p. 74).

O ‘relacional’ (do enunciado) em [6[a]], ‘seu caráter é necessariamente relacional’, é reescrito como ‘um “cruzamento”’ na expressão presente em [7[a]]: ‘um “cruzamento” de discursos diversos, de enunciados de discursos diferentes’. Ou seja, o sentido de ‘relacional’ é, também o de ‘cruzamento’. É interessante observar, a esse respeito, que a expressão ‘um “cruzamento” de discursos diversos’ não está presente no texto de GUIMARÃES & ORLANDI (1988) ao qual o autor remete. No entanto, podemos notar que tal expressão, em [7[a]], parafraseia enunciados do texto referido, como, por exemplo, os que citamos em [4[a]] ‘em um mesmo texto podemos encontrar enunciados de discursos diversos, que derivam de várias formações discursivas’ e em [5[a]] ‘a relação entre as diferentes formações discursivas e a constituição do texto em sua unidade’. Também é importante observar que [6[a]] ‘seu caráter é necessariamente relacional’ é reescrito em [6[b]] ‘Isto dá o caráter inescapavelmente histórico da linguagem’. Ou seja, o caráter necessariamente relacional do enunciado é o que dá o caráter inescapavelmente histórico da linguagem. Vemos que também não há uma formulação direta sobre o interdiscurso, mas ele comparece nesses textos através das relações estabelecidas entre os conceitos apresentados e através do modo como eles são definidos. Na análise que apresentarei a seguir, poderemos observar como a formulação do conceito de interdiscurso por E. Guimarães está fundamentada nesse percurso de sua semântica da enunciação. 4. ‘A Relação de um Discurso com Outros Discursos’ Analisarei, a seguir, o último capítulo da obra Os limites do sentido (GUIMARÃES, 1995), intitulado de Semântica história da enunciação. Neste capítulo, o autor se propõe a construir uma definição de sentido que inclua a história. E a história é pensada

relativamente ao conceito de interdiscurso. A esse respeito, é interessante notar que o próprio nome da semântica do autor ganha uma especificação: semântica histórica da enunciação. No diálogo estabelecido com a análise de discurso o conceito de interdiscurso é trazido ao lado de conceitos como formação discursiva, discurso, sujeito, posição de sujeito, recorte, entre outros. Este conceito tem um papel determinante na definição de sentido e de vários outros conceitos em sua semântica3. Vejamos, então, como o conceito de interdiscurso é formulado: [8] “O interdiscurso é a relação de um discurso com outros discursos. No sentido de que esta relação não se dá a partir de discursos empiricamente particularizados a priori. São elas próprias, as relações entre discursos, que dão a particularidade que constitui todo discurso. E neste sentido “o interdiscurso é o conjunto do dizível, histórica e lingüisticamente definido” (Orlandi, 1992, 89), deste modo o enunciável (o dizível) é um já-dito e, como tal, é exterior à língua e ao sujeito. “Ele se apresenta como séries de formulações distintas e dispersas que formam em seu conjunto o domínio da memória” (idem, 90). [9] Relativamente ao interdiscurso pode-se definir formação discursiva. “As formações discursivas são diferentes regiões que recortam o interdiscurso e que refletem as diferenças ideológicas, o modo como as posições dos sujeitos, seus lugares sociais aí representados, constituem sentidos diferentes” (idem, 20)” “ (p. 66) [10] “A dispersão do sujeito no texto se deve a que o texto é uma dispersão de discursos diversos, de recortes do interdiscurso” (p. 68)

Começando pelo recorte [9], vemos que o conceito de formação discursiva é definido através da citação de um recorte da obra As formas do silêncio (ORLANDI, 1992). É interessante observar, na formulação da autora, a presença da expressão ‘recortam o interdiscurso’. Há aí um funcionamento do conceito de recorte proposto pela autora e relacionado com o conceito de interdiscurso. Este funcionamento é retomado no texto de E. Guimarães em [10], na expressão ‘recortes do interdiscurso’. Em [8], o conceito de interdiscurso é definido a partir de uma formulação do autor e de uma citação da obra de Eni Orlandi As formas do silêncio (ORLANDI, 1992). Na formulação de E. Guimarães para este conceito, podemos notar a presença da palavra ‘relação’ como definidora. A palavra ‘relação’ estava presente desde o artigo “Não só... mas também: polifonia e argumentação” (GUIMARÃES, 1985), na expressão ‘relação interdiscursiva’. Vimos também, que ela estava presente no artigo “Enunciação e História” (GUIMARÃES, 1989), através da palavra ‘relacional’ que se ligava, de certa forma, à palavra ‘cruzamento’. E vemos agora que esta palavra continua presente na definição de interdiscurso dada pelo autor. Ao mesmo tempo, este conceito também significa pela definição de E. Orlandi. Enquanto definidora do conceito de interdiscurso, a palavra ‘relação’ tem um sentido específico no texto do autor, sentido que foi sendo construído no percurso 3

Nesta obra, o conceito de polifonia deixa de ser utilizado. As figuras enunciativas continuarão a ser utilizadas em outros estudos posteriores, mas a partir de uma perspectiva diferente.

teórico-metodológico e analítico de sua semântica. As formulações de alguns dos conceitos da semântica da enunciação de E. Guimarães são lugares interessantes para observar as marcas que esse percurso produziu. Estas formulações também permitirão observar a extensão que teve a apropriação do conceito de interdiscurso nas rupturas teóricas de sua semântica. Vejamos: [11] “... os efeitos de sentido, são efeitos do interdiscurso no acontecimento” (p. 68) [12] “... o sentido em um acontecimento são efeitos da presença do interdiscurso. Ou melhor, são efeitos do cruzamento de discursos diferentes no acontecimento” (p. 67). [13] “Assim, um acontecimento enunciativo cruza enunciados de discursos diferentes em um texto” (p. 68) [14] “A enunciação é, deste modo, um acontecimento de linguagem perpassado pelo interdiscurso” (p. 70). [15] “Diria que o objeto é uma exterioridade produzida pela linguagem, mas não se reduz ao que se fala dela, pois é objetivada pelo confronto de discursos” (p. 74). [16] “... a argumentação está determinada pelo interdiscurso. A posição do sujeito, a posição de onde se fala é o “argumento” decisivo” (p. 82)

Podemos observar como o conceito de interdiscurso é, então, fundamental para a concepção de sentido (enquanto efeitos de sentido), sentido em um acontecimento, acontecimento enunciativo, enunciação, objeto e argumentação, por exemplo. Na definição de interdiscurso, enquanto relação de um discurso com outros discursos, a relação é de cruzamento, confronto e de recorte. E esta relação interdiscursiva é analisada em enunciados de discursos diferentes em um texto. Uma outra decorrência importante do conceito de interdiscurso na obra do autor está na formulação de um modo de pensar a intertextualidade. A esse respeito, vejamos o que o autor escreve: [17] “Esta relação de interdiscursividade mobiliza, inescapavelmente, a relação entre textos diferentes, ou seja, mobiliza a intertextualidade. Esta relação é aquela que nos dá o lugar da historicidade específica da enunciação. Ou seja, a enunciação em um texto se relaciona com a enunciação de outros textos efetivamente realizados, alterando-os, repetindo-os, omitindo-os, interpretando-os. Assim, pela interdiscursividade e sua necessária intertextualidade, o sentido não é formal, mas tem uma materialidade, tem uma historicidade” (p. 68).

Essa conceitualização de intertextualidade, enquanto necessária para a interdiscursividade, não prescinde da concepção de texto que foi sendo trabalhada por E.

Orlandi; concepção em que texto não se restringe a textos escritos. 5. Considerações Finais As análises realizadas permitiram observar como o conceito de interdiscurso foi sendo apropriado pela semântica da enunciação de Eduardo Guimarães. Esta apropriação, que foi sendo feita juntamente com a apropriação de outros conceitos da análise de discurso, permitiu ao autor construir um outro lugar para a sua semântica, considerando a história. Ao mesmo tempo, isso produziu uma ruptura na filiação ducrotiana em que a história não era considerada. Na semântica histórica da enunciação de E. Guimarães há modos específicos de se trabalhar com o conceito de interdiscurso, os quais somente podem ser compreendidos considerando a relação deste conceito com outros, notadamente com os conceitos de texto, enunciado e intertextualidade. Dito de outro modo, texto, enunciado e intertextualidade, entre outros conceitos, são definidos pelo conceito de interdiscurso e, ao mesmo tempo, eles também redefinem o modo de se trabalhar com o interdiscurso. 6. Bibliografia 1. GUIMARÃES, Eduardo. Não só... mas também: polifonia e argumentação. Cadernos de estudos lingüísticos. Campinas, número 8, p. 79-108, 1985. 2. GUIMARÃES, Eduardo. Enunciação e história. In: GUIMARÃES, Eduardo (org.). História e sentido na linguagem. Campinas, Pontes, 1989. 3. GUIMARÃES, Eduardo. Os limites do sentido. Um estudo histórico e enunciativo da linguagem. Campinas, Pontes, 1995. 4. GUIMARÃES, Eduardo & ORLANDI, Eni. Unidade e dispersão: uma questão do sujeito e do discurso. In: ORLANDI, Eni. Discurso e leitura. São Paulo, Cortez; Campinas, Editora da Unicamp, 1999, 4.ed. 5. ORLANDI, Eni. Discurso e leitura. São Paulo, Cortez; Campinas, Editora da Unicamp, 1999, 4.ed. 6. ORLANDI, Eni. A linguagem e seu funcionamento. As formas do discurso. São Paulo, Brasiliense, 1983. 7. ORLANDI, Eni. Segmentar ou recortar? In: GUIMARÃES, Eduardo (org.) Lingüística: Questões e Controvérsias. Série Estudos, número 10, Uberaba, Fiube, 1984. 8. ORLANDI, Eni. As Formas do Silêncio. Campinas, Editora da Unicamp, 1992.

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