O confronto do universalismo dos direitos humanos versus relativismo cultural: uma alternativa multiculturalista a partir da análise do caso “Malala”

June 4, 2017 | Autor: L. Sella Fatala | Categoria: Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, Multiculturalismo, Malala Yousafzai
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O confronto do universalismo dos direitos humanos versus relativismo
cultural: uma alternativa multiculturalista a partir da análise do caso
"Malala" e seus efeitos para o direito internacional.

Lucas R. Sella Fatala[1]

RESUMO: Os direitos humanos reconhecidos e garantidos pelo direito
internacional, em que pese sua relevância, ainda encontram dificuldade na
sua aplicação e efetividade. Óbices como a soberania estatal e a
diversidade cultural são comumente alegados pelos estados violadores de
direitos humanos para se esquivarem de cumprir com suas obrigações mínimas
de garantia da dignidade da pessoa humana. É nesse cenário que serão
apresentadas, neste estudo, as celeumas da flexibilização da soberania e do
confronto entre o universalismo dos direitos humanos e o relativismo
cultural. Aponta-se, ainda, a tese do multiculturalismo e sua
aplicabilidade em um caso concreto, o caso de Malala, uma jovem
paquistanesa que lutou pelo direito à educação das meninas e foi alvo de um
atentado pelo grupo armado islâmico fundamentalista do Talibã.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos humanos – direitos fundamentais – universalismo –
relativismo cultural – multiculturalismo – Malala.

SUMÁRIO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 1. Origens e aplicabilidade dos direitos
humanos: a crise da soberania dos Estados Nacionais na contemporaneidade.
2. A dicotomia universalismo dos direitos humanos e relativismo cultural.
3. Análise do caso "Malala" sob a ótica do multiculturalismo e os efeitos
para o direito internacional. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS


Após séculos de lutas, em diversos cenários – político, jurídico,
sociológico, filosófico, econômico, os direitos humanos alcançaram status
de princípios éticos normatizados internacionalmente. Com o advento da
Declaração Universal de Direitos Humanos, dos Pactos de 1966[2] e tratados
posteriores, bem como da Convenção de Viena de 1993, os direitos humanos
tornaram-se o cerne de um complexo sistema normativo de proteção e promoção
da dignidade do ser humano, em seus aspectos individual, coletivo e
ambiental.


É possível que a maior complexidade do sistema normativo dos
direitos humanos seja exatamente sua aplicabilidade, ou mais
especificamente, a coercibilidade para o cumprimento de tais diretrizes.
Diversos Estados, embora signatários dos Pactos e tratados internacionais
de direitos humanos, insistem em violar tais normas ou, após julgados por
Corte Internacional, não cumprem satisfatoriamente com o determinado em
sentenças. Esses Estados encontram, na maioria das vezes, amparo para a
recalcitrância em dois pontos: a soberania nacional e a proteção de sua
cultura.


As Declarações, Pactos e Tratados de Direitos Humanos apresentam um
cunho universalista em seus ditames, fato esse que tem encontrado óbice na
tese do relativismo cultural, ou seja, seria possível se aceitarem culturas
que violem os direitos humanos? Ou nesses casos há uma obrigação
internacional em intervir nessas culturas? Talvez haja uma melhor
possibilidade na prática da dialogicidade, no exercício do reconhecimento
do outro e na abertura para debates éticos com seriedade e reflexão. Essa
linha é representada pelo movimento multiculturalista e pela tese
transconstitucionalista, sendo que o primeiro será alvo de análise nesta
breve pesquisa.


Ao final, apresentar-se-á um caso concreto que promoveu
repercussões na sociedade internacional durante o ano de 2012 e até hoje: a
história da jovem paquistanesa Malala, defensora do direito de educação e
da igualdade para mulheres, que enfrentou uma luta por sua vida e ainda
enfrenta o combate contra o fundamentalismo islâmico do grupo armado
Talibã.


1. Origens e aplicabilidade dos direitos humanos: a crise da
soberania dos Estados Nacionais na contemporaneidade.


Os movimentos de promoção e proteção dos direitos humanos são
debates e ações cada vez mais intensos na sociedade global dita pós-
moderna. Neste artigo, dar-se-á preferência ao conceito de Estado
contemporâneo, já que a pós-modernidade é nomenclatura ainda em construção,
contendo riscos no seu uso. No mundo contemporâneo, assolado pelo
desenvolvimento científico e tecnológico, a aproximação das fronteiras
formais e virtuais é irrefreável. Na busca por manter as relações humanas
minimamente dignas, enquanto no olho do furacão globalizante, os estudos e
diálogos sérios em relação aos direitos humanos impõem-se como medidas
éticas imprescindíveis.


Mas qual a origem dessa tendência humanista sócio-jurídica? O
impulso deu-se pela constatação da desigualdade humana, no âmbito do
jusnaturalismo renovado pela modernidade iluminista. Para Jean-Jacques
Rousseau:


A desigualdade, sendo quase nula no estado de natureza,
obtém sua força e cresce com o desenvolvimento de nossas
faculdades e os progressos do espírito humano, tornando-se
finalmente estável e legítima pelo estabelecimento da
propriedade e das leis. Conclui-se também que a
desigualdade moral, autorizada apenas pelo direito
positivo, é contrária ao direito natural [...] distinção
que determina suficientemente o que se deve pensar, a esse
respeito, sobre a espécie de desigualdade que reina entre
todos os povos civilizados, pois é manifestamente contra a
lei da natureza, não importa como a definamos, que uma
criança comande um velho, que um imbecil conduza um homem
sábio e que um punhado de gente tenha coisas supérfluas em
abundância enquanto a multidão faminta carece do
necessário.[3]


Porém, a proteção dos direitos humanos não é mero retorno ao
direito natural[4] ou negativa extremada ao direito positivado[5], mas uma
releitura crítica e necessária sobre nossas origens sociais, sobre a vida
em coletividade benéfica.


Modernamente, as revoluções iluministas e liberais do século XVII e
XVIII ocorridas na Inglaterra, França e EUA foram fundamentais para a
emancipação dos direitos individuais, voltados à defesa da pessoa como "ser-
em-si", direitos de todos e de cada um, e oponíveis contra todos. São
promovidos os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, à
segurança. É momento histórico de ruptura com os Estados absolutistas
monárquicos e com o primado do "rei-sol", uma legitimada, proposital e
famigerada confusão da autoridade estatal com o divino.


Ao final do século XIX e início do século XX germinam as doutrinas
socialistas e comunistas, geradas pela doutrina do materialismo histórico,
nos estudos de Marx, Engels, e Trotsky, e na posterior (e infame)
aplicabilidade, no âmbito do nacionalismo estatal, por Lenin e Stalin. Nos
EUA, após a crise econômica de 1929, a tendência de valorização do social
consolida-se no Welfare State, um plano governamental de bases no "Estado-
Providência" e "Estado-de-Bem-Estar". Valorizam-se, então, os direitos à
saúde, ao trabalho, à educação, à moradia, à previdência.[6]


Com os idos de 1970, outra era de direitos emerge do âmago da
conscientização ambiental, e posteriormente das questões bioéticas e
cibernéticas, uma era de direitos que pertencem à humanidade como
coletividade global, direitos que são de titularidade de todos ao mesmo
tempo, direitos ditos transindividuais ou difusos.


Percebe-se a força normativa dos direitos humanos em evolução desde
o fim do medievo até a atualidade, um movimento que não deve deter-se mais.
Propedeuticamente, adequada é a categorização dessa evolução dos direitos
humanos, ou direitos fundamentais, em direitos de primeira dimensão/geração
(direitos individuais), direitos de segunda dimensão/geração (direitos
sociais) e direitos de terceira dimensão/geração (direitos
transindividuais). Já para Robert Alexy, os direitos fundamentais dividem-
se em "direitos a algo", "direitos de ações negativas", "direitos de ações
positivas", "liberdades" e "competências".[7]


Entretanto, dois outros fatores históricos são relevantes para
consubstanciar o movimento de proteção dos direitos humanos: a) a herança
cultural judaico-cristã e seus valores de moralidade e solidariedade; b) os
nefastos efeitos das doutrinas totalitárias de estado que legitimaram, em
dado momento e local, o holocausto, o genocídio, a tortura, a violência
contra a desigualdade da humanidade, causas de duas guerras mundiais que
chocaram o mundo e mudaram os valores sociais. Sobre esses fatos, entende
Flávia Piovesan:


No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e
descartáveis, no momento em que vige a lógica da
destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa
humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos
humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica
do razoável. A barbárie do totalitarismo significou a
ruptura do paradigma dos direitos humanos, por meio da
negação do valor da pessoa humana como valor fonte do
direito. Diante dessa ruptura, emerge a necessidade de
reconstruir os direitos humanos, como referencial e
paradigma ético que aproxime o direito da moral. Nesse
cenário, o maior direito passa a ser, adotando a
terminologia de Hannah Arendt, direito a ter direitos, ou
seja, o direito a ser sujeito de direitos. Nesse contexto,
desenha-se o esforço de reconstrução dos direitos humanos,
como paradigma e referencial ético a orientar a ordem
internacional contemporânea. Se a Segunda Guerra
significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra
deveria significar sua reconstrução.[8]


Nesse período pós-guerras mundiais, a comunidade internacional
decide celebrar uma carta de intenções, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos – DUDH, adotada em 10 de dezembro de 1948, em Paris, durante a 3ª
Sessão Ordinária da Assembleia Geral da ONU, salientando-se no preâmbulo
que "o reconhecimento da dignidade intrínseca e dos direito iguais e
inalienáveis de todos os membros da família humana é o fundamento da
liberdade, da justiça e da paz no mundo".


A DUDH encontrou amparos normativos em tratados internacionais
anteriores, como a Carta de Direito Humanitário de Genebra para tratamento
de soldados feridos e prisioneiros de guerras, a Liga das Nações de 1919, a
Organização Internacional do Trabalho e a Carta das Nações Unidas. A DUDH
representou um marco para o lançamento dos direitos humanos no cenário do
direito internacional, tendo proclamado um conjunto de características para
os direitos humanos, bem como, o direito à dignidade da pessoa humana como
mola propulsora e senso orientador para a interpretação e aplicabilidade
dos direitos humanos no cenário internacional. [9]


Em observação ao plano de atuação internacional, Malcolm Shaw
delimita os principais valores a orientar o complexo normativo dos direitos
humanos:


A corrente de pensamento que se centra nos cursos de ação
política é particularmente interessante. Ela busca
identificar, conceituar e ordenar uma larga variedade de
fatores pertinentes ao processo de criação e implementação
dos direitos humanos. Postula a existência de oito valores
interdependentes (a saber, as exigências de respeito,
poder, conhecimento, bem-estar, saúde, habilidade, afeto e
retidão) e dá ênfase a diversas influências ambientais. A
dignidade humana é vista como um conceito fundamental; é
posta em relação com esses valores e com a meta última de
uma comunidade mundial que busque efetuar uma distribuição
democrática deles.[10]


Entretanto, as maiores problematizações sobre os direitos humanos,
e o direito internacional de forma geral, são a aplicabilidade e a
exequibilidade desses sistemas normativos pelos ordenamentos jurídicos
internos. Dois postulados são firmes nessa problemática: a) o absolutismo
da soberania dos Estados Nacionais; b) o alerta do relativismo cultural.


No primeiro cenário, um dos elementos de formação estatal,
juntamente com uma população e um território definido, é a soberania, a
summa potestas das relações internacionais entre os Estados. A soberania
consiste na expressão de poder de um estado e seu povo, a qual não
reconhece, a priori, outro poder acima[11]. Entretanto, essa noção de
soberania, carregada de essências divinas do poder e positivistas fechadas,
não encontra mais espaço no cenário internacional pós-moderno ou
contemporâneo. Primeiramente, a ideologia nacionalista está em declínio, já
que a globalização permitiu a formação de Estados Plurinacionais. Por
segundo, a necessidade de flexibilização do poder soberano, ou ao menos a
flexibilização do seu exercício, é imprescindível para a efetividade dos
tratados internacionais e para a promoção e proteção dos direitos humanos e
fundamentais.


Em clássico viés, leciona Darcy Azambuja (2008, p. 79) que "a
soberania é o grau supremo que esse poder pode atingir, supremo no sentido
de não reconhecer outro poder juridicamente superior a ele, nem igual a ele
dentro do mesmo Estado"[12]. Este mesmo jurista define as duas searas de
interpretação e exercício da soberania estatal:


A soberania do Estado é considerada geralmente sob dois
aspectos: interno e externo. A soberania interna quer
dizer que o poder do Estado, nas leis e ordens que edita
para todos os indivíduos que habitam seu território e as
sociedades formadas por esses indivíduos (...). A
soberania externa significa que, nas relações recíprocas
entre os Estados, não há subordinação nem dependência, e
sim igualdade.[13]


Porém, desmitificando, entende Luigi Ferrajoli que "soberania é o
conceito, ao mesmo tempo jurídico e político, em torno do qual se adensam
todos os problemas e as aporias da teoria juspositivista do direito e do
Estado"[14]. Clara é a existência de dois âmbitos do exercício soberano
(interno e externo), sendo possível sustentar a ideia de que os Estados
Contemporâneos, quando violadores dos direitos humanos, e por tais atos são
condenados a reparações pelo direito internacional, não estão permitindo
lesões ou minimizações de suas soberanias internas, mas sim, estão a
exercitar soberania em seu aspecto externo para garantir a igualdade de
soberanias no cenário internacional. Esse problema da exigibilidade e
coerção das normas internacionais sobre os estados e suas soberanias é
discussão acalorada que ainda se debate na comunidade científica, pelo que
o presente artigo não tem o condão de apresentar maior alcance ao tema a
ponto de esgotá-lo.[15]


O que ora se sustenta é a ausência de lesão à soberania quando os
Estados são submetidos a sanções internacionais por violações de direitos
humanos e fundamentais, já que se trata, pelo viés da nova hermenêutica, de
exercício de soberania no aspecto externo para manter a igualdade entre os
estados, uma tendência de um constitucionalismo universal e "cooperativo",
como já anunciado por Peter Häberle, ou um "monismo" do direito nacional e
internacional argumentado por Hans Kelsen, ou ainda a totus orbis (mundo
inteiro) preconizada por Francisco de Vitória.


A soberania hoje somente pode ser compreendida quando vinculada ao
constitucionalismo, ou seja, a soberania do Estado é a soberania do regime
democrático, portanto, da própria cidadania[16]. E para a efetividade do
constitucionalismo, impõe-se a concretização dos direitos humanos e dos
direitos constitucionais fundamentais. Nesse sentido, argumenta Paulo
Bonavides:


O conceito de soberania agrega-se, porém, ao Direito em
nossa concepção. Assim unificado, aufere ele uma cidadania
que nem sempre é possível reconhecer ou admitir, quando se
adota o entendimento de que a essência da soberania
repousa por inteiro na vontade do Estado enquanto
expressão única e material de força e poder. Por essa via
reflexiva, a soberania cessa de ser tão-somente a coerção
inculcada em sua feição rude e material, para se
transverter em força do Direito, que estende o braço da
autoridade sobre a cabeça do cidadão, faz legítimo o órgão
de vontade a que o elemento social dá obediência e torna
eficazes e respeitados as tábuas da Constituição. A
soberania constitucional estampa, portanto, a face do
Direito que aí avulta, associada, indissolúvel, aos
conceitos gêmeos de soberania popular e soberania
nacional.[17]


No mesmo viés, e reconhecendo a crise do Estado Moderno, são firmes
os argumentos de Luigi Ferrajoli:


A essa altura – e chegamos assim à nossa terceira hipótese
de trabalho –, caem todos os pressupostos e todas as
características da soberania, seja interna, seja externa.
A soberania, que já havia se esvaziado até o ponto de
dissolver-se na sua dimensão interna com o desenvolvimento
do estado constitucional de direito, se esvanece também em
sua dimensão externa na presença de um sistema de normas
internacionais caracterizáveis como ius cogens[18], ou
seja, como direito imediatamente vinculador para os
Estados-membros. No novo ordenamento, são de fato sujeitos
de direito internacional não somente os Estados, mas
também os indivíduos e os povos: os primeiros como
titulares, nos confrontos de seus próprios Estados, dos
direitos humanos a eles conferidos pela Declaração de 1948
e pelos Pactos de 1966; os segundos enquanto titulares do
direito de autodeterminação, reconhecido pelo artigo 1 dos
mesmos Pacto.[19]


A partir dessa linha de argumentos as organizações internacionais
de direitos humanos tratam de solucionar o problema da aplicabilidade das
normas internacionais, qual seja, a dificuldade em efetivar (concretizar)
os direitos humanos e fundamentais em face da recalcitrância de alguns
estados arrimados na proteção de suas soberanias internas. Nesse âmbito,
Malcolm Shaw explicita os temas mais comumente debatidos nas reuniões das
principais comissões de direitos humanos, indicando a real resistência de
alguns Estados para a plena aplicação das normas de direitos humanos:


Tentou-se resolver a questão da coerência entre um numero
cada vez maior de órgãos de direitos humanos na ONU
através de um sistema de reuniões anuais entre os
presidentes dos comitês criados por tratados. Temas
preocupantes têm sido discutidos nessas reuniões: a
necessidade de encorajar os Estados a ratificar todos os
tratados de direitos humanos; o problema das reservas a
esses tratados; a tentativa de estabelecer o princípio de
que os Estados sucessores são, desde a data da
independência e sem necessidade de confirmação,
automaticamente vinculados pelas obrigações de direitos
humanos assumidas por seus antecessores; a formulação de
novas normas e instrumentos; a promoção da educação em
direitos humanos.[20]


Por fim, o próprio conceito revalorizado do princípio da dignidade
da pessoa humana[21] é ponto chave de referência capaz de orientar soluções
para o conflito entre normas internacionais de direitos humanos e soberania
estatal, pois como afirma Malcolm Shaw, a dignidade humana é a "meta última
de uma comunidade mundial que busque efetuar uma distribuição democrática
dos direitos humanos".[22]


Em outro ponto deste estudo, já na segunda fronte de resistência à
plena aplicação do complexo normativo dos direitos humanos, mais uma
barreira de intensa discussão se apresenta: a dicotomia universalismo dos
direitos humanos/relativismo cultural, a qual será analisada a seguir.


2. A dicotomia universalismo dos direitos humanos e relativismo
cultural.


Observando-se o teor da DUDH, percebe-se que as normas utilizam
expressões inclusivas, ou absolutas, como "todos, todo, toda" e "ninguém".
Dessa análise semântica desponta a intenção universalista dos direitos
humanos. Não poderia ser de outra forma, já que a intenção da carta é a
proteção dos valores mais íntimos do homem, para sua emancipação
individual, sua coletividade benéfica e sua interação sustentável com o
ambiente. Como dito alhures, a bússola norteadora é a dignidade humana, e
este conceito, em qualquer de suas formas, apenas pode ser inclusivo.


A carga histórica das conquistas da DUDH, as quais constituem uma
ideologia universalista, é assinalada com precisão por Norberto Bobbio:


Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a
certeza histórica de que a humanidade – toda a humanidade
– partilha alguns valores comuns; e podemos, finalmente,
crer na universalidade dos valores, no único sentido de
que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no
sentido em que universal significa não algo dado
objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo
universo dos homens. Esse universalismo foi uma lenta
conquista.[23]


Entretanto, a origem da DUDH encontra fundamentos em um pacto de
nações vencedoras no pós-guerra. Nações essas com características culturais
(entenda-se sistema político, forma de estado, normas jurídicas, cultos e
crenças, usos e costumes) próprias do mundo ocidental, excluindo-se a
porção do globo dita oriental, bem como os povos que, naquele momento,
ainda consistiam em colônias das metrópoles centrais.


Somam-se, ainda, os efeitos do movimento de globalização, uma
tendência neoliberalista do fim da década de 60, em sua maior parte
controlado e de guinadas convenientes para os Estados considerados
potências mundiais da atualidade. Não há dúvidas que se vive, hoje, no
epicentro histórico dos efeitos da "aldeia global", em que as distâncias
geográficas diminuíram por força da evolução científica, em principal das
tecnologias de comunicação e transporte, as quais derrubaram fronteiras
virtuais de culturas regionais no intuito de construção de uma cultura
universal.


Porém, os efeitos da globalização podem ser devastadores se não
analisados e controlados com cautela. O efeito global de aproximação das
fronteiras é, claramente, comandado pelas grandes potências mundiais, tanto
em força política quanto econômica, e, partindo de tal premissa, são
evidentes os riscos de uma "cultura impositiva travestida" de globalização
em detrimento das culturas locais e regionais. Às evidências, o que se está
aclarando é uma intrusão das culturas de países que representam grandes
potências no cenário mundial, como uma forma de "neocolonialismo por vias
transversas", por meio da imposição de ideologias dominantes.


A globalização tem seus benefícios evidenciados, mas seus prejuízos
ocultos. Para o prêmio Nobel em Economia de 2001, Joseph Eugene Stiglitz,
em sua obra "A globalização e seus malefícios: a promessa não cumprida de
benefícios globais", o movimento que serviria para diminuir as
desigualdades sociais e internacionais, tem se apresentado hipócrita e
seletivo, em quase nada contribuindo para um mundo menos conflituoso.


Esses, provavelmente, são os principais fatores históricos para o
conflito entre o viés universalista dos direitos humanos e a tendência da
relatividade cultural quando da interpretação e aplicabilidade das normas
internacionais de promoção e proteção dos direitos humanos. Sobre a
existência desse conflito, argumenta Malcolm Shaw:


Um dos assuntos mais interessantes nesse contexto é a
tensão que existe entre o universalismo dos direitos
humanos e o relativismo das tradições culturais. Alguns
adeptos desta segunda tendência têm afirmado que os
direitos humanos só podem ser compreendidos dentro do
contexto de tradições culturais ou religiosas
particulares, e têm criticado a ideia de que tais direitos
seriam universais ou transculturais. Essa teoria perpassa
boa parte dos debates contemporâneos sobre a proteção
internacional dos direitos humanos.[24]


Delimitando o debate, Bibian Isoto esclarece a real presença de uma
resistência ao universalismo, pois entendido como imposição hegemônica
ocidental:


The debate on universalism and regionalism in
international law poses challenges and perspectives
towards international cooperation and conflict resolution.
Specifically, in the development and applicability for a
uniform standard of international human rights law and
international humanitarian law, the universality of human
rights has been and is still a subject of intense debate.
This of course poses challenges for the universal
promotion and protection of human rights standards, in a
diverse world. In same cases universalism is often viewed
as a constructo of western hegemony and imperialism,
especially in respect to the promotion and protection of
the human rights of women.[25]


Como consequência desse debate, surge a pergunta central sobre os
direitos humanos: tais normas possuem um âmago universal ou são
culturalmente relativas? Flávia Piovesan esforça-se em esmiuçar a questão:


Para os relativistas, a noção de direito está estritamente
relacionada ao sistema político, econômico, cultural,
social e moral vigente em determinada sociedade. Sob esse
prisma, cada cultura possui seu próprio discurso acerca
dos direitos fundamentais, que está relacionado às
específicas circunstâncias culturais e históricas de cada
sociedade. Nesse sentido, acreditam os relativistas, o
pluralismo cultural impede a formação de uma moral
universal, tornando-se necessário que se respeitem as
diferenças culturais apresentadas por cada sociedade, bem
como seu peculiar sistema moral. A título de exemplo,
bastaria citar as diferenças de padrões morais e culturais
entre o islamismo e o hinduísmo e o mundo ocidental, no
que tange ao movimento dos direito humanos. Como
ilustração, caberia mencionar a adoção de prática da
clitorectomia e da mutilação feminina por muitas
sociedades de cultura não ocidental. Na ótica relativista
há o primado do coletivismo. Isto é, o ponto de partida é
a coletividade, e o individuo é percebido como parte
integrante da sociedade. (...), diversamente, na ótica
universalista, há o primado do individualismo. O ponto de
partida é o individuo, sua liberdade e autonomia, para
que, então, se avance na percepção dos grupos e das
coletividades.[26]


A literatura especializada tratou de visualizar uma linha
ideológica para esclarecer o conflito: em uma ponta da linha está o
universalismo radical, na outra ponta o relativismo radical. Aquele defende
a imposição do que é decidido pelas organizações internacionais de direitos
humanos, sem qualquer espécie de ressalva. Esta defende o absoluto respeito
às diferenças culturais dos diversos povos, inclusive atos que poderiam ser
considerados violações dos direitos humanos ou abomináveis para a sociedade
internacional. No entanto, sob um viés de equilíbrio e dialogicidade no
debate, a aplicabilidade dos direitos humanos, hodiernamente, encontra-se
na região central dessa linha, oscilando entre o universalismo forte e o
relativismo fraco, ou seja, o reconhecimento de um núcleo efetivo de
direitos humanos que garantem a dignidade e, concomitantemente, o respeito
às especificidades culturais de cada povo. Não se demonstra fácil essa
operação, mas o diálogo continuado é o efetivo caminho para essa
problemática.[27]


Nesse sentido, compreende-se a aplicabilidade das normas de
direitos humanos por uma hermenêutica e prática que oscile do universalismo
forte ao relativismo fraco, mas nunca atingindo os pontos extremados do
radicalismo. Carla Ribeiro Volpini Silva vai ao âmago da questão:


Está-se a defender a teoria do Relativismo cultural fraco,
ou também denominada Universalismo cultural como uma forma
de proteger os mais variados povos das atrocidades
cometida em nome das manifestações culturais e dos
direitos fundamentais destes Estados. Há que se
transportar mecanismos de proteção para o direito interno,
de tal forma que se possa garantir a estes cidadão os
direitos fundamentais consagrados internacionalmente
através de Declarações e mecanismos de proteção. Ainda, há
que se invocar as normas de jus cogens para que se possa
garantir o controle à violação desses direitos.[28]


Mas, afinal, em que consiste a cultura? A civilização humana marca
a história com suas manifestações culturais. Cultura provém do latim
colere, cultivar, apresentando-se como conceito de diversas acepções. Para
Edward Burnett Tylor, antropólogo da escola do evolucionismo social,
cultura é todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a
moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos
pelo homem como membro da sociedade.[29]


Mas "cultura" (manifestação humana fundante), não pode ser
confundida com "civilização" (construção humana derivada), e nesse âmbito,
o sociólogo francês Michel Maffesoli deixa clara a principal distinção:


Apoiando-se na dicotomia clássica entre cultura e
civilização, podemos notar que aquela, no seu dinamismo
fundador, não tem, de modo algum, medo do Estrangeiro.
Muito pelo contrário, ela sabe entrar em acordo com tudo
que lhe vem do exterior, o que não a impede de permanecer
ela mesma.[30]


De tal forma, um primeiro e coerente passo para solucionar o
conflito universalismo versus relativismo é aceitar os fatos sociais, a
verdade explícita de que as manifestações da humanidade diferenciam-se de
acordo com diversos fatores (tempo, lugar, clima, espiritualidade,
cientificidade, moralidade, etc). A partir desse conceito, agregando-se a
constatação dos fatos reais do borbulhar cultural da humanidade, adequado é
compreender a sociedade mundial como um cenário "pluricultural" ou
"multicultural".


A manifestação cultural é necessariamente um ato social, portanto,
constitui-se na desenvoltura do homem como integrante da comunidade. Ora, a
cultura somente pode ser considerada legítima quando manifestamente
benéfica à sociedade, sendo um ponto orientador na interpretação e
aplicabilidade dos direitos humanos no cenário internacional e interno dos
Estados.


No âmbito dos tratados internacionais, o artigo 5º da Declaração de
Viena adota o universalismo quando determina que "a comunidade
internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de maneira justa
e unânime, com os mesmos parâmetros e com a mesma ênfase", mas
imediatamente faz a ressalva proveniente da tese relativista, afirmando que
"As peculiaridades nacionais e regionais e bases históricas, culturais e
religiosas devem ser consideradas".


Ainda, o mesmo artigo alerta que "é obrigação dos Estados,
independentemente de seu sistema político, econômico e cultural, promover e
proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais". A priori,
esta última afirmativa aparenta ser uma determinação universalista,
ceifando as possibilidades de relativismo. Porém, por uma hermenêutica
renovada, voltada à dialogicidade, esse alerta normativo é um princípio
orientador, no sentido de evitar a cultura ilegítima, ou seja, aquela que
não é manifestação para o benefício da sociedade. Não são poucos os casos
em que um poder estatal totalitário e brutal utiliza-se de uma "máscara
cultural" para legitimar a violência contra a dignidade da pessoa
humana[31]. Este também é o caso da jovem Yousafzai Malala, apresentado a
seguir.


3. Análise do caso "Malala" sob a ótica do multiculturalismo e os
efeitos para o direito internacional.


No Vale do Swat, região norte da República Islâmica do Paquistão,
aproximadamente 160 quilômetros da capital Islamabad, vivia a adolescente
Malala Yousafzai. Seu pai, Khushal, fundador e proprietário de uma escola
local que aceita meninas entre seus alunos, afirmava desde o nascimento que
sua filha era diferente. E foi criada diferente, entre livros, histórias,
ciência e igualdade no seio familiar.


Ocorre que a região é dominada pela ordem de poder Talibã, uma
organização armada político-religiosa de cunho nacionalista e
fundamentalista islâmico. Nessa cultura, as mulheres não são aceitas como
sujeitos de direitos, ou seja, uma sociedade de radical patriarcado. Para
desagrado do Talibã, Malala e seu pai sempre foram ativos em suas
manifestações pela liberdade de educação, um direito já garantido pelos
tratados de direito internacional.


O artigo XXVI da DUDH declara que toda pessoa tem direito à
instrução, sendo obrigatória a instrução fundamental e acessível a
instrução técnico-profissional. O mesmo ditame ainda afirma que a instrução
deverá ser orientada no sentido de pleno desenvolvimento da personalidade
humana e do fortalecimento e do respeito pelos direitos humanos e pelas
liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância
e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos. Por fim,
o artigo encerra garantindo que os pais têm prioridade de direito na
escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. Ademais,
o artigo XXVII da DUDH, complementando o artigo anterior, declara que toda
pessoa tem direito de participar "livremente" da vida cultural. Esmiuçando,
se a cultura é imposta unilateralmente pela doutrina da opressão e do medo,
estar-se-á violando os direitos humanos e a própria finalidade do que vem a
ser cultura.


No artigo 8 da "Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento" de
1986, adotada pela Resolução 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas,
da qual integra o Paquistão, afirma-se que os Estados devem tomar, a nível
nacional, todas as medidas necessárias para a realização do direito ao
desenvolvimento e devem assegurar igualdade de oportunidade para todos em
seu acesso aos recursos básicos, "educação", serviços de saúde,
alimentação, habitação, emprego e distribuição equitativa de renda.
Ademais, medidas efetivas devem ser tomadas para "assegurar que as mulheres
tenham um papel ativo no processo de desenvolvimento".


Pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, a "Declaração e
Programa de Ação de Viena" adotada em 1993, declarou-se o apoio às medidas
tomadas pelas Nações Unidas e seus órgãos especializados no sentido de
garantir a proteção e promoção efetiva dos direitos humanos das meninas,
instando os Estados a repelirem leis e regulamentos discriminatórios e
prejudiciais às meninas e a eliminarem costumes e prática da mesma
natureza. Ainda, o item D. 78. da Ação de Viena dita que os Estados devem
empreender todos os esforços necessários para erradicar o analfabetismo e
devem orientar a educação no sentido de desenvolver plenamente a
personalidade humana e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e
liberdades fundamentais.


As alíneas 34 e 35 da "Declaração de Pequim adotada pela Quarta
Conferência Mundial sobre as Mulheres: Ação para Igualdade, Desenvolvimento
e Paz", de 1995, asseguram às mulheres a igualdade de acesso aos recursos
econômicos, incluindo a terra, o crédito, a ciência, a tecnologia, a
capacitação profissional, a informação, a comunicação, o mercado,
desenvolvendo o pleno potencial de meninas e mulheres de todas as idades,
garantindo sua plena participação, em condições de igualdade, na construção
de um mundo melhor para todos.


Ainda, o artigo 13 do "Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais de 1966" determina que os Estados-partes no presente
Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação, concordando que a
educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do
sentido de sua dignidade. Interessa destacar que nesse mesmo Pacto,
assinado pelo Paquistão aos 03 de novembro de 2004 e ratificado aos 17 de
abril de 2008, há proteção aos direitos culturais, dando-se liberdade a sua
manifestação. Então, é conflitante o caso de uma cultura religiosa fechada
e o direito de meninas à educação? Não necessariamente, já que o mesmo
Pacto determina, em seu artigo 5º que "nenhuma das disposições do presente
Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo
ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou de
praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou
liberdades reconhecidas no presente Pacto ou impor-lhes limitações mais
amplas do que aquelas nele previstas".


Por fim, a "Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher", adotada pela Resolução nº 34/180 da
Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1979, ratificado
pelo Estado do Paquistão aos 12 de março de 1996, esclarece que a expressão
"discriminação contra a mulher" significa toda distinção, exclusão ou
restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou
anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher dos direitos humanos
e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural
e civil ou em qualquer outro campo. Ademais, no artigo 5º do tratado em
comento, "os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas para
modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com
vistas a alcançar a eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias
e de qualquer outra índole que estejam baseados na ideia de inferioridade
ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de
homens e mulheres".


Em que pesem os diversos tratados, inclusive ratificados pela
República Islâmica do Paquistão, alguns indícios da narrativa de Malala
Yousafzai e da jornalista inglesa Christina Lamb confirmam a continuidade
da opressão do regime:


[...] desde a época do Talibã, a escola não tem mais
placa, e o portão ornamental de bronze em um muro branco,
do lado oposto ao pátio do artesão, não dá sinais do que
existe além dele [...] do lado de fora da escola, não há
apenas o barulho e a loucura de Mingora, a principal
cidade do Swat, mas também homens que, como os do Talibã,
pensam que as meninas não devem receber educação
formal.[32]


Em razão da posição política e cultural divergente de Malala e sua
família, o Talibã, aos 09 de outubro de 2012, uma terça-feira, decidiu por
um ponto final nessa "afronta" ao fundamentalismo, conforme narra a própria
Malala:


É difícil, para as meninas de nossa sociedade, ser
qualquer coisa que não professora ou médica – isso, se
quiserem trabalhar. Eu era diferente. Nunca escondi minha
vontade, quando deixei de querer ser médica para ser
inventora ou política. Moniba[33] sempre sabia quando algo
não ia bem comigo. "Não se preocupe", eu dizia. "Os
talibãs nunca pegaram uma menina". Quando nosso ônibus
chegou, descemos a escadaria correndo. As outras meninas
cobriram a cabeça antes de sair para a rua e subir pela
parte traseira do veículo. O ônibus, na verdade, é uma
dyna, uma Toyota TownAce branca com três bancos paralelos,
um ao longo de cada lateral e um no meio. Estava lotado,
com vinte meninas e três professoras. Eu me acomodei à
esquerda, entre Moniba e Shazia Ramzan [...] carregávamos
nossas pastas de provas contra o peito, e as mochilas
estavam no chão. Depois disso, minhas lembranças se
embaralham. Eu me lembro de que dentro da dyna fazia muito
calor e estava abafado. [...] O fundo do veículo, onde
estávamos sentadas, não tinha janelas, apenas uma proteção
de plástico grosso cujas laterais batiam na lataria. Era
amarelada demais, empoeirada demais, não dava para ver
nada através dela. Só o que podíamos observar era um
pedacinho de céu limpo e azul, além de olhar de relance
para o Sol – naquela hora do dia, um círculo amarelo
flutuando na poeira que cobria tudo. Também recordo que o
ônibus virou à direita na rua principal, na altura do
posto de controle do Exército, e dobrou a esquina depois
do campo de críquete abandonado. Não me lembro de mais
nada. [...] Na realidade, o que aconteceu foi que o ônibus
parou de repente. [...] Devíamos estar a menos de duzentos
metros do posto militar. Não conseguíamos ver adiante, mas
um jovem barbudo, vestido em cores claras, invadiu a pista
e, acenando, fez o ônibus parar. "Este é o ônibus da
Escola Khushal?", perguntou a Bhai Jan[34]. [...] "Quero
informações sobre algumas das crianças", o homem disse.
"Então você deve ir à secretaria da escola", orientou-o
Bhai Jan. Enquanto ele falava, outro rapaz, de branco,
aproximou-se pela traseira do veículo. "Olhe, é um
daqueles jornalistas que vêm pedir entrevistas a você",
disse Moniba. Desde que eu começara a falar em público com
meu pai, para fazer campanha pela educação de meninas e
contra aqueles que, como o Talibã, querem nos esconder,
muitas vezes apareciam jornalistas, até mesmo
estrangeiros, mas nunca daquele jeito, no meio da rua. O
homem usava um gorro de lã tradicional e tinha um lenço
sobre o nariz e a boca, como se estivesse gripado. Parecia
um estudante universitário. Então avançou para a porta
traseira do ônibus e se debruçou em nossa direção. "Quem é
Malala?", perguntou. Ninguém disse nada, mas várias das
meninas olharam para mim. Eu era a única que não estava
com o rosto coberto[35]. Foi então que ele ergueu uma
pistola preta. Depois fiquei sabendo que era uma Colt .45.
Algumas meninas gritaram. Moniba me contou que apertei sua
mão. Minhas amigas disseram que o homem deu três tiros, um
depois do outro. O primeiro entrou perto do meu olho
esquerdo e saiu abaixo do meu ombro esquerdo. Caí sobre
Moniba, com sangue espirrando do ouvido. Os outros tiros
acertaram as meninas que estavam perto de mim. A segunda
bala entrou na mão esquerda de Shazia. A terceira atingiu
seu ombro esquerdo, acertando também a parte superior do
braço direito de Kainat Riaz. Minhas amigas mais tarde me
contaram que a mão do rapaz tremia ao atirar. Quando
chegamos ao hospital, meu cabelo longo e o colo de Moniba
estavam cobertos de sangue. Quem é Malala? Malala sou eu,
e esta é minha história.[36]


Após o alvejamento, Malala foi socorrida e internada, ficando
vários dias em estado comatoso, sendo posteriormente transferida para o
Hospital Universitário de Birmingham, na Inglaterra, onde passou a residir
com sua família. Após a repercussão internacional, Malala foi capa da
revista Time em abril de 2013; em julho de 2013 discursou na sede da ONU em
defesa do acesso universal à educação, no dia em que completou 16 anos de
idade; em outubro de 2013 recebeu o prêmio Sakharov, entregue pelo
Parlamento Europeu; em fevereiro de 2014 foi nomeada para o World
Children´s Prize na Suécia; em 10 de outubro de 2014 foi a mais jovem
laureada com o Nobel da Paz. Ainda, lançou sua biografia em coautoria com a
jornalista britânica Christine Lamb, bem como impulsionou a primeira lei de
direito à educação no Paquistão.[37]


Desse caso concreto muitos apontamentos podem ser elaborados para
um debate sobre os direitos humanos e o direito internacional. Porém, não
há espaço nem necessidade de discussão sobre a natureza da tentativa de
homicídio, tratando-se, sem dúvida, de um ato lesivo contra bem fundamental
da pessoa humana, a vida. Ora, no caso, não se trata de pena capital, já
que não houve julgamento prévio, e muito menos uma baixa de guerra, já que
Malala, com seus quinze anos, não pertencia a nenhuma milícia ou grupo
armado. Trata-se de um ato de execução sumária em represália ao exercício
das liberdades de pensamento e expressão e contra o direito fundamental de
educação.


E onde há um ponto de discussão universalista/relativista? Os
patchuns[38], nativos daquela região, desde seus primórdios apresentam
algumas características culturais que podem ser consideradas absurdas para
os olhos dos ocidentais e da comunidade internacional de proteção aos
direitos humanos. Malala e Lamb descrevem:


Nasci menina num lugar onde rifles são disparados em
comemoração a um filho, ao passo que as filhas são
escondidas atrás de cortinas, sendo seu papel na vida
apenas fazer comida e procriar. Para a maioria dos
patchuns, o dia em que nasce uma menina é considerado
sombrio.[39]


As origens culturais do povo patchum, reforçado pelo
fundamentalismo radical do Talibã, desenvolverem um ambiente social
inóspito para as meninas e mulheres, primando-se pelo patriarcado e
relegando-se a distribuição igualitária da dignidade de todos. Malala e
Lamb explicam:


Tenho muito orgulho de ser patchum, mas às vezes penso que
nosso código de conduta tem muito a dizer, sobretudo no
que diz respeito ao tratamento dispensado às mulheres. Uma
delas, chamada Shahida, que trabalhou para nós e tinha
três filhas pequenas, me contou que, aos dez anos, seu pai
a vendeu para um velho que já tinha uma esposa, mas queria
outra, mais nova. Meninas desapareciam não só quando se
casavam. Havia na aldeia uma garota linda de quinze anos
chamada Sima. Todo mundo sabia que estava apaixonada.
Quando via o amado, ela o fitava com seus belos olhos
enfeitados por cílios negros, que todas as meninas
invejavam. Na nossa sociedade, uma moça flertar com um
homem causa vergonha à família. Mas os homens podem
flertar! Mais tarde nos disseram que Sima cometera
suicídio. Descobrimos, porém, que a própria família a
envenenara. Temos um costume chamado swara, segundo o qual
uma menina pode ser dada a outra tribo para resolver uma
desavença. Oficialmente, foi banido, mas na prática ainda
existe. [...] Quando eu reclamava dessas questões, meu pai
dizia que as coisas eram piores no Afeganistão. Um ano
antes de eu nascer, o Talibã, liderado por um mulá caolho,
havia dominado o país e incendiava as escolas de meninas.
Também obrigava os homens a deixar a barba crescer e as
mulheres a usar burcas – roupa que nos dá a sensação de
caminhar dentro de uma peteca de tecido, com apenas um
pequeno visor pelo qual enxergar. Pelo menos nós não
tínhamos que vestir isso. O Talibã, dizia meu pai, havia
até mesmo proibido mulheres de rir alto ou de usar sapatos
brancos, pois essa é a cor do Profeta, e as prendia e
espancava se usassem esmalte nas unhas. Eu tremia quando
ele me contava essas coisas.[40]


O testemunho de Malala indica a situação precária de vida para as
jovens meninas e mulheres na região paquistanesa, uma forma de vida como
mero objeto, como um "cidadão medieval", sujeito apenas de deveres e sem
direitos garantidos. Moças e mulheres percebidas como propriedade em um
obsoleto sistema de patriarcado, um sistema que não reconhece direitos
fundamentais básicos, como a liberdade de expressão e o direito à educação,
um sistema que tem como maior objetivo manter o status quo dos dominantes e
da elite do poder.


Para uma análise do caso pelo enfoque multicultural, é necessário
que se delimite uma linha multiculturalista para ser o paradigma de análise
do caso concreto ora apresentado. O termo "multiculturalismo" não é
conceito fechado, apresentando-se com plurívoca semântica, como entende
Stuart Hall:


Na verdade, o "multiculturalismo" não é uma única
doutrina, não caracteriza uma estratégia política e não
representa um estado de coisas já alcançado. Não é uma
forma disfarçada de endossar algum estado ideal ou
utópico. Descreve uma série de processos e estratégias
políticas sempre inacabados. Assim como há distintas
sociedades multiculturais, assim também há
"multiculturalismos" bastante diversos.[41]


O conceito desenvolvido por Miracy Gustin é substancial e o mais
adequado para a presente análise, pois define multiculturalismo como
conduta de respeito ao outro sem a anulação de si mesmo:


Multiculturalismo seria uma condição das sociedades
atuais, uma construção histórica que se caracteriza pela
pluralidade de costumes culturais, identificações étnicas
diferenciadas, identidades, padrões e códigos culturais
diversos que se explicitam por meio de uma sensibilidade
dos diversos campos de saber. (...) Multiculturalismo
significaria, pois, formas de convivência que as
sociedades devem ser capazes de construir para a
humanização da política, do direito, dos saberes nos
diversos espaços históricos e geográficos. Essa
convivência deverá significar um gesto ético de deixar
espaço para o outro, sua alteridade. É a forçosa
desconstrução do sujeito único e autosuficiente do
liberalismo. O que deverá significar um reconhecimento do
outro que não signifique a neutralização da diferença.[42]


Se o multiculturalismo prima pelo reconhecimento do outro, pelo
exercício da alteridade, a priori, a cultura dos patchuns e do Talibã deve
ser aceita como adequada, pois é manifestação social formada durante os
séculos.


Entretanto, ao menos cinco contra-argumentos apresentam-se para
desconstruir essa manifestação cultural patriarcal restrita: A) o princípio
da igualdade entre os seres humanos não permite mais a diferenciação entre
sexos distintos. B) o direito de educação é primordial para a formação de
profissionais e cidadãos mais bem preparados e com maior profundidade ético-
reflexiva, formando-se melhores políticos, advogados, médicos, engenheiros.
Isso só pode acarretar um benefício para a sociedade, nunca um malefício.
C) a forma de imposição da cultura na região demonstra, em verdade, o
exercício de um setor de poder armado, dominando pelo medo e pela
violência. Viver em guerra é viver em regime de exceção, somente sendo
tolerado por determinado tempo e de acordo com determinadas regras, as
quais não incluem assassinatos de população civil. D) o regime político-
religioso instaurado na região está em dissonância com o princípio
democrático atual, princípio este pautado na justiça distributiva, na
redução das desigualdades sociais e na melhor equação do poder. E) Se a
dignidade da pessoa humana é um bojo de direitos essenciais que permitam o
total desenvolvimento das capacidades de cada ser[43], com razão a educação
integra esse conjunto como uma parte imprescindível.


Pelo prisma multiculturalista a observar o caso Malala, pode-se
concluir por uma necessária ruptura com o domínio patriarcal, já que essa
manifestação cultural não se apresenta benéfica para a sociedade e impede o
desenvolvimento pleno das potencialidades humanas. Ademais, é essa
manifestação cultural do patriarcado que mantém o poder hegemônico e gera
opressão e diferenças. Não é outro o sentido da tese multiculturalista que
queira se intitular crítica, ao arrimo do estudo de Peter Mclaren:


O multiculturalismo sem uma agenda política de
transformação pode apenas ser outra forma de acomodação a
uma ordem social maior. [...] Precisamos ir além da
desestabilização do significado, ao transformarmos as
condições históricas e sociais nas quais a construção de
significado ocorre. A práxis multiculturalista crítica, em
vez de permanecer satisfeita em apagar os privilégios das
ideologias opressoras que têm sido naturalizadas dentro da
cultura dominante, ou com a reafirmação das memórias
perigosas que têm sido reprimidas no inconsciente político
do Estado, busca rever os acordos hegemônicos existentes.
[...] Precisamos refocalizar a opressão estrutural sob a
forma do patriarcado, capitalismo e supremacia branca
[...] precisamos intervir criticamente naquelas relações
de poder que organizam a diferença.[44]


Pelo visto, a cultura deve ser benéfica à sociedade e promotora da
dignidade humana. A cultura deve aceitar o "estrangeiro", sem receio de
modificar-se ou manter-se igual. As tradições que se apresentam engessadas,
não dinâmicas, ou máscaras para a violência e a opressão, não podem ser
consideradas culturas na acepção contemporânea da ideia, já que, como no
caso Malala, são confluências de poder segregante e violador da dignidade
do ser pessoa humana.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


O presente estudo permitiu constatar que os direitos humanos
apresentam-se como princípios éticos normatizados após intensas e longas
lutas no desenrolar da civilização humana ocidental.


Entretanto, ainda que internacionalmente assegurados por
declarações, pactos e tratados, os direitos humanos encontram sua maior
barreira em sua aplicabilidade e exequibilidade. Alguns Estados costumam
esquivar-se de tomar as medidas adequadas para a proteção e promoção de
direitos humanos, alegando que a soberania estatal interna decidiu de forma
contrária, e que o cumprimento dessas condições internacionais são
violações de seu poder e governo interno, o qual tem liberdade de agir da
forma que for conveniente ao seu interesse politico nacional. Essa
argumentação deve cair, já que, como visto, a soberania apresenta duas
faces, uma interna e outra internacional. Quando um Estado que aderiu a
normas internacionais cumpre com as condições dos tratados, não está
violando sua soberania interna, mas está exercitando sua soberania externa.
E como a soberania é unicidade, os compromissos de um Estado no cenário
internacional devem ser cumpridos em seu âmbito interno.


Outro ponto de conflito para a efetivação dos direitos humanos é a
corrente do relativismo cultural, a qual apregoa a predominância das
manifestações culturais sobre os ditames das declarações de direitos
humanos, já que esta teria um caráter eminentemente universalista. Esse
universalismo das declarações de direitos humanos é inconteste, porém, deve
ser moderado, a ponto de, sensatamente, observar, preservar e aceitar
práticas culturais dos diversos povos. O que não pode ser permitido, como o
foi no caso "Malala", é a manutenção de poder centralizado opressor
travestido de cultura. Violência, medo e lesão à dignidade humana não podem
ser legitimados por entoadas manifestações culturais brutais e
discriminatórias.


Assim, a resposta multiculturalista para o conflito
universalismo/relativismo apresenta-se na aceitação dos fatos – a
diversidade cultural, e na aceitação do outro, não como pessoa-concorrente,
mas como pessoa-original e complementante, como exercício de alteridade e
autenticidade. O instrumento para consolidar essa postura no mundo é a
prática do diálogo intercultural, sob as lentes de princípios de
valorização da vida em todas as suas espécies, de promoção do benefício da
coletividade, e do desenvolvimento sustentável e compromissado com o
ambiente e com as gerações vindouras.


No caso em estudo, foi possível constatar que a cultura manifesta
da região do Vale do Swat encontra-se prejudicada por uma postura
sociocultural baseada na discriminação dos sexos e na violação da dignidade
da pessoa humana, já que as condutas patriarcais do fundamentalismo
islâmico construíram uma sociedade inóspita e brutal em desfavor das
meninas e mulheres, impedidas e dificultadas de desenvolverem suas
potencialidades, muitas vezes tratadas como objetos de direito, podadas na
base educacional e obliteradas na prática profissional. Trata-se de
conduta, por parte da ordem do Talibã e do governo da República Islâmica do
Paquistão, de violação de diversos pactos e tratados internacionais, e
ofensa frontal ao artigo 5º da "Convenção Internacional para Erradicação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher" de 1979, pois está a
permitir a perpetração de ideologias estereotipadas com base na
desigualdade dos gêneros da pessoa humana.


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-----------------------
[1] Mestre em Direito pela UIT. Bacharel em Direito pela UFSC. Especialista
em Direito Processual. MBA em Gestão de Pessoas. Professor da Faculdade de
Ciências Humanas de Itabira. Analista Jurídico do MPMG.
[2] Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
[3] ROUSSEAU, 2012, p. 114.
[4] Em carta de resposta a Voltaire, aos 10 de setembro de 1755, "entenda
que não aspiro a um retorno à nossa animalidade, embora eu lamente muito,
de minha parte, o pouco que perdi dela. (...) Não tente, portanto, voltar a
andar de quatro" (ROUSSEAU, 2012, p. 161).
[5] A crítica maior mira ao positivismo jurídico como método de pensamento.
[6] "Surge a segunda geração de direitos fundamentais – a dos direitos
econômicos-sociais –, complementar à dos direitos de liberdade. Agora, ao
dever de abstenção do Estado substitui-se seu dever a um dare, facere,
prestare, por intermédio de uma atuação positiva, que realmente permita a
fruição dos direitos de liberdade da primeira geração, assim como dos novos
direitos". (GRINOVER, 2011, p. 36).
[7] ALEXY, 2008, p. 193-253.
[8] PIOVESAN, 2008, p. 118.
[9] "A DUDH é um grande marco para os direitos humanos, pois traz uma ideia
inovadora ao atribuir aos direitos humanos as características de
integralidade, indivisibilidade e interdependência". (VOLPINI SILVA, 2010,
p. 76).
[10] SHAW, 2010, p. 206.
[11] Suprema potestas superioren non recognoscens.
[12] AZAMBUJA, 2008, p. 79.
[13] Idem, 2008, p. 69.
[14] FERRAJOLI, 2002, p.01.
[15] "E, todavia, a parábola da soberania está bem longe de ser concluída"
(FERRAJOLI, 2002, p. 42).
[16] "O reconhecimento da prevalência dos direitos humanos importa ao mesmo
tempo no reconhecimento de limites ao exercício da soberania por parte do
Estado. Porém, esses limites, estabelecidos pela prevalência dos direitos
humanos, não devem ser reconhecidos como limitação ou intervenção na
soberania estatal. Tal visão constitui um equívoco epistemológico e
ontológico, pois não há propriamente uma soberania estatal, ao menos não na
sua concepção tradicional absolutista, mas antes uma soberania que pertence
a um povo enquanto conjunto de sujeitos de uma comunidade de falantes."
(FATALA; OLIVEIRA, 2014, p. 32).
[17] BONAVIDES, 2012, p. 58.
[18] "O direito 'que obriga', o direito 'imperativo', foi tema
originalmente teorizado nesta área por juristas de expressão alemã,
destacando-se Alfred Verdross e Friedrich Von Heydte, nos anos que
precederam a segunda grande guerra. Seria ele o conjunto de normas que, no
plano do direito das gentes, impõem-se objetivamente aos Estados, a exemplo
das normas de ordem pública que em todo sistema de direito interno limitam
a liberdade contratual das pessoas". (REZEK, 2005, p. 115).
"Se, por um lado, a Convenção de Viena deixou de adotar o conceito de
tratados estabelecendo 'regimes jurídicos de caráter objetivo', por outro
lado, veio ela a consagrar significativamente o conceito de jus cogens,
i.e., de normas imperativas de direito internacional geral". (TRINDADE,
1981, p. 107/108).
[19] FERRAJOLI, 2002, p. 41.
[20] SHAW, 2010, p. 256.
[21] "E o que vem a ser a dignidade da pessoa humana? A possibilidade e o
direito fundamental inconteste de tornar-se quem se é ou quem
potencialmente se pode ser, ou seja, de se autoconstruir a partir da
própria razão – o que por certo exige direitos fundamentais como liberdade,
vida, educação, saúde, segurança, respeito às diferenças ou à alteridade,
em suma, direitos humanos. [...] Tornar-se aquilo que se é significa que o
ser humano, por ser dotado de razão, é o único ser que pode decidir sobre o
quer fazer de si mesmo." (FATALA; OLIVEIRA, 2014, p. 31).
[22] SHAW, 2010, p. 206.
[23] BOBBIO, 2004, p. 28.
[24] SHAW, 2010, p. 208.
[25] ISOTO, 2008, p. 1. "O debate sobre universalismo e regionalismo no
direito internacional impõe desafios e perspectivas para a cooperação
internacional e resolução de conflitos. Especificamente, no desenvolvimento
e aplicação de um padrão uniforme do direito internacional dos direitos
humanos e do direito internacional humanitário, o universalismo dos
direitos humanos foi e ainda é um assunto de intenso debate. Isto,
obviamente, impõe desafios para a promoção e proteção do padrão universal
dos direitos humanos, em um mundo diferente. Em alguns casos universalismo
é frequentemente visto como um construto da hegemonia e imperialismo
ocidental, especialmente no que diz respeito à promoção e proteção dos
direitos humanos da mulher" (tradução livre).
[26] PIOVESAN, 2008, p. 148-149.
[27] Para VOLPINI SILVA (2010, p. 85), "(...) o diálogo cultural pode ser
uma das soluções. Ele faz com que as culturas possam conversar,
intercomunicar, aprender umas com as outras, trocar ideias, discutir
parâmetros, e tudo isto pode ser muito benéfico".
[28] VOLPINI SILVA, 2010, p. 84.
[29] LARAI, 2006, p. 37.
[30] MAFFESOLI, 1987, p. 146-147.
[31] Defende VOLPINI SILVA (2010, p. 85) que "a cultura não pode ser
utilizada como 'carta branca' e assim justificar práticas contrárias aos
direitos humanos. Nem tudo poderá ser justificado por se considerar como
cultura ou costumes. Ela deve, isto sim, significar modos de viver
fundamentados nos direitos humanos internacionais".
[32] YOUSAFZAI; LAMB, 2013, p. 12-13.
[33] Malala considera Moniba sua melhor amiga. (YOUSAFZAI; LAMB, 2013, p.
15).
[34] Bhai Jan, ou 'irmão', é Usman Ali, o motorista do ônibus escolar.
(YOUSAFZAI; LAMB, 2013, p. 14).
[35] As mulheres da região utilizam o hijab para cobrirem a cabeça e o
rosto, rito obrigatório pela religião e cultura local.
[36] YOUSAFZAI; LAMB, 2013, p. 21.
[37] Cf: www.brookings.edu/blogs/up-front/post/2013/04/08-pakistan-
education-winthorp
[38] Povo composto de muitas tribos, dividido entre o Paquistão e o
Afeganistão. Em sua maioria, quanto aos ritos islâmicos, são sunitas
(moderados), e uma menor parte são xiitas (radicais).
[39] YOUSAFZAI; LAMB, 2013, p. 21.
[40] YOUSAZFAI; LAMB, 2013, p. 73-77.
[41] HALL, 2003, p. 52.
[42] GUSTIN, 2010, p. 414.
[43] "A plenipotencialização da pessoa humana deve ser considerada o
fundamento dos direitos humanos". (GUSTIN, 2010, p. 410).
[44] MCLAREN, 2000, p. 122, 133 e 135.
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