O constitucionalismo americano: origem, desenvolvimento e influência nos debates acerca do status dos negros nos Estados Unidos à época da emancipação dos escravos

October 8, 2017 | Autor: Lara Taline Santos | Categoria: American History, Abraham Lincoln, History of Slavery, Abolition of Slavery, Direito Constitucional, Common Law
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A Lei de Eduardo foi criada entre 1043 e 1066 no reinado do Rei Eduardo, o Confessor. Eduardo foi o penúltimo rei anglo-saxão da Inglaterra.
PENNA, Maria Cristina Vitoriano Martines. "Constitucionalismo: origem e evolução histórica". In: Revista Brasileira de Direito Constitucional - RBDC, n. 21 - jan./jun. 2013. Disponível em: http://esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/view/15 Acesso em: 28 de maio de 2014. p.159

Idem, p.159
GEBARA, Gassen Zaki. "O Constitucionalismo nos Estados Unidos da América: Das Treze Colônias à República Federativa Presidencialista". In: Revista Jurídica UNIGRAN, vol.12, número 23, jun. 2013, s/p. Disponível em: http://www.unigran.br/revista_juridica/ed_anteriores/23/artigos/artigo04.pdf, pp. 04-05
PENNA, Maria Cristina Vitoriano Martines. Op. Cit., pp. 159-160
WOOD, Ellen M. A origem do capitalismo. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro - RJ, 1999.
PENNA, Maria Cristina Vitoriano Martines. Op. Cit., p.160
GEBARA, Gassen Zaki. Op. Cit. p.05
Idem, p. 05
PENNA, Maria Cristina Vitoriano Martines. Op. Ci, p.160
Sobre o Pacto de Mayflower, ver: BOWMAN, George E. The Mayflower Compact and its signers. Disponível em: http://ia700202.us.archive.org/6/items/mayflowercompact00bow/mayflowercompact00 bow.pdf Acesso em 28 de maio de 2014.
GEBARA, Gassen Zaki. Op. Cit., p.01
Idem, p. 01
PENNA, Maria Cristina Vitoriano Martines. Op. Cit., p.160
Tradução livre. No original " No taxation without representation "
GEBARA, Gassen Zaki. Op. Cit. p 06.
Tradução livre. No original "Townshend Acts"
Tradução livre. No original "Sons of Liberty"
Tradução livre. No original "East India Company". Essa sociedade anônima formada por abastados comerciantes e membros da aristocracia, recebeu a Carta Régia da rainha Elizabeth em 1600. Com quase nenhuma interferência governamental, a empresa agiu com objetivo de estreitar os laços comerciais com regiões da índia Oriental. A Companhia acelerou o estabelecimento do Império Britânico na Índia e chegou a controlar metade de todo o comércio da época, sobretudo no que tange a produtos básicos como algodão, seda, índigo, sal, salitre, chá e ópio. A Companhia das Índias Orientais governou vastas áreas da Índia com seus próprios exércitos privados, responsáveis pelo exercício do poder militar e funções administrativas. Sobre a Companhia das Índias Orientais ver: ANDREW, Kenneth R. Trade, Plunder, and Settlement: Maritime Enterprise and the Genesis of the British Empire, 1480-1630. Cambridge University Press, Cambridge - UK, 1985.
Tradução livre. No original "Articles of Confederation and Perpetual Union".
GEBARA, Gassen Zaki. Op. Cit. p 10.
PENNA, Maria Cristina Vitoriano Martines. Op. Ci, p.161
Respectivamente, Senado dos Estados Unidos e Casa dos Representantes ou Câmara dos Deputados dos Estados Unidos (tradução livre)
GEBARA, Gassen Zaki. Op. Cit. p 12.
Idem, p.15.
Tradução livre. No original "United States Founding Fathers". O termo refere-se ao grupo de líderes políticos e estadistas que participaram da Revolução Americana. São eles: John Adams, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton, John Jay, Thomas Jefferson, James Madison e George Washington.
PENNA, Maria Cristina Vitoriano Martines. Op. Ci, p.161
Idem, p. 162
GEBARA, Gassen Zaki. Op. Cit. p. 17
Idem, pp. 08-19
Idem, pp. 17-19
Tradução Livre. No original "Federalist Papers"
PENNA, Maria Cristina Vitoriano Martines. Op. Cit., p.161
A Declaração de Direitos da Virginia foi emitida em 1776 com a finalidade de proclamar os direitos inerentes dos homens, incluso o direito a rebelião contra um governo inadequado e/ou injusto. A importância e originalidade do documento foi tamanha que influenciou a Declaração de Independência dos Estados Unidos, a United States Bill of Rights, e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão produzida pelos revolucionários franceses em 1789.
O Instrumento de Governo foi elaborado pelo Major John Lambert em 1653, o documento definia os padrões da governabilidade sobre a Inglaterra, Escócia e Irlanda, instituindo Oliver Cromwell como Lorde Protetor vitalício do reino.
PENNA, Maria Cristina Vitoriano Martines. Op. Cit. p.162

GEBARA, Gassen Zaki. Op. Cit. p.02
Idem, pp.01-02
Idem, p.03
Idem, p. 03
HORTON, James Oliver. "Slavery during Lincoln´s Lifetime". In: HOLZER, Harold; GABBARD, Sara Vaughn (Org). Lincoln and Freedom: Slavery, Emancipation and the Thirteenth Amendment. Southern Illinois University Press, 2007. p. 16
Os border states eram estados escravistas que não declaram secessão a União desde 1861. Eram eles: Missouri, Delaware, Maryland e Kentucky. Em 1863, West Virginia separou-se do estado confederado da Virginia e também tornou-se um border state ao declarar-se um novo estado escravista na União.
SYRETT, John. Confiscation Acts. Failing to Reconstruct the South. Fordham University Press, 2005. pp XXI-03
Idem, pp. XII-06
PALUDAN, Phillip Shaw. "Lincoln and the Limits of Constitucional Authority". In: HOLZER, Harold; GABBARD, Sara Vaughn (Org). Lincoln and Freedom: Slavery, Emancipation and the Thirteenth Amendment. Southern Illinois University Press, 2007. p. 47
SYRETT, John. Op. Cit, pp.XII-14
Idem, pp. 05-15
PALUDAN, Phillip Shaw. Op Cit. p. 44
SYRETT, John. Op. Cit., pp.04-13
Os "territórios" foram criados como unidade política dos Estados Unidos da América com fins de melhor administrar terras ainda pouco exploradas ou recém adquiridas, enquanto as fronteiras do país ainda estavam consolidando-se. Os territórios não entram no sistema federalista, assim são supervisionados diretamente pelo governo federal. Durante a guerra civil os territórios eram: Dakota Territory, Nebraska Territory, Colorado Territory, Indian Territory (Oklahoma), New Mexico Territory, Utah Territory e Washington (District of Columbia) Terrytory.
SYRETT, John. Op. Cit. p. 01
Second Confiscation Act, 17 de julho de 1862. Disponível em: http://teachingamericanhistory.org/library/document/second-confiscation-act/Acesso em: 29 de maio de 2014
A Reconstrução (Reconstruction Era) refere-se ao período entre 1865 e 1877, no qual ocorreram mudanças estruturais na política, economia e sociedade sulistas. Coordenada pelo Congresso, a Reconstrução foi um capítulo importante na história dos direitos civis nos Estados Unidos, mas a maioria dos historiadores a consideram um fracasso, uma vez que o Sul tornou-se não tornou-se homólogo do Norte. A economia agrária dos estados sulistas permanecia estagnada e a pobreza assolava a maior parte da população. Politicamente, o poder permaneceu na mão de democratas brancos que mantinham o domínio através da violência, intimidação e discriminação. Os negros libertos faziam parte de uma classe vista como inferior e, por isso, estavam excluídos do acesso a política e direitos civis básicos. Sobre a Reconstrução ver: FONER, Eric. Reconstruction: America´s Unfinished Revolution, 1863-1877. Harper and Row, New York - NY, 1988
SYRETT, John. Op. Cit. pp. XII-01
PALUDAN, Phillip Shaw. Op Cit. p.45
FONER, Eric. The Fiery Trial: Abraham Lincoln and American Slavery. W.W Norton & Company, New York - NY, 2010. pp. 114- 122
Idem, pp. 114-116
Termo geral que designa a porção mais ao norte dos estados sulistas dos Estados Unidos.
FONER, Eric. Op. Cit, p.124-129
GUELZO, Allen C. ""Sublime in Its Magnitude": The Emancipation Proclamation". In: In: HOLZER, Harold; GABBARD, Sara Vaughn (Org). Lincoln and Freedom: Slavery, Emancipation and the Thirteenth Amendment. Southern Illinois University Press, Carbondale - IL, 2007. p.68
Emancipation Proclamation, 2 de setembro de 1862. Disponível em: http://www.archives.gov/exhibits/featured_documents/emancipation_proclamation/transcript.html Acesso em 19 de maio de 2014.
FONER, Eric. Op. Cit, pp. 129-130.
PALUDAN, Phillip Shaw. Op. Cit. p. 46
FONER, Eric. Op. Cit, p.129.
Emancipation Proclamation, 2 de setembro de 1862. Disponível em: http://www.archives.gov/exhibits/featured_documents/emancipation_proclamation/transcript.html Acesso em 19 de maio de 2014.
GUELZO, Allen C. Op. Cit. p 67.
FONER, Eric. Op. Cit, pp. 129-130
Emancipation Proclamation, 2 de setembro de 1862. Disponível em: http://www.archives.gov/exhibits/featured_documents/emancipation_proclamation/transcript.html Acesso em 19 de maio de 2014.
GUELZO, Allen C. Op. Cit. p. 74.
FONER, Eric. Op. Cit. p. 128
Emancipation Proclamation, 2 de setembro de 1862. Disponível em: http://www.archives.gov/exhibits/featured_documents/emancipation_proclamation/transcript.html Acesso em 19 de maio de 2014.
GUELZO, Allen C. Op. Cit. p 73.
GUELZO, Allen C. Op. Cit. p 71.
Idem, p. 71
FONER, Eric. Op. Cit. pp. 118-119
CLAVERO, Bartolomé. Op. Cit, pp. 12-14
Idem, p. 15
Idem, pp. 17-19
Idem, p. 20
Idem, p. 23
Idem, p. 28.
Idem, p. 21
Idem, p. 32
Idem, pp. 38-39
Idem, p. 23
Tradução livre. Reconstruction Amendments
Emenda XIII à Constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em: http://memory.loc.gov/mss/mal/mal3/436/4361100/001.jpg Acesso em: 19 de maio de 2014.
Emenda XIII à Constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em: http://memory.loc.gov/mss/mal/mal3/436/4361100/001.jpg Acesso em: 19 de maio de 2014.
Idem, p. 31
CLAVERO, Bartolomé. Op. Cit., pp.09-11
CLAVERO, Bartolomé. Op. Cit. p. 22
Idem, p.
O constitucionalismo americano: origem, desenvolvimento e influência nos debates acerca do status dos negros nos Estados Unidos à época da emancipação dos escravos
Lara Taline dos Santos
Mestranda UFPR
Professora Doutora Martha Daisson Hameister
Disciplina: HH795 - História das Instituições

Introdução
O constitucionalismo foi um invento inglês, um fenômeno político e cultural que se desenvolveu desde a Idade Média, quando se deu a conquista normanda. Sua primeira era se deu na Inglaterra aristocrática e colonial, propagando-se em planos e práticas patriarcais e imperiais. Suas origens encontram-se entre 1066 e 1087 na monarquia de Guilherme I, "O Conquistador". Nesse período, foram postas em vigor novas leis com finalidade de ordenar o reino. É nesse contexto que surge uma organização política formada por barões e membros do clero. O Grande Conselho - como era denominada a organização - era convocado periodicamente para deliberar acerca de questões governamentais.
Mais tarde, no reinado de Henrique I, entre 1100 a 1135, foi redigido o primeiro documento político escrito da Inglaterra. A Pequena Carta continha a oficialização da chamada Lei de Eduardo, que estabelecia bases - ainda que rudimentares - da governabilidade do reino, atribuindo ao rei poder ilimitado, ainda que ele sempre devesse ser assistido por um pequeno grupo de notáveis, o "Conselho de Prudentes". Entretanto, findado o reinado de Henrique I, a Pequena Carta acabou caindo em desuso.
Foi somente dezenove anos mais tarde, no reinado de Henrique II, que novamente estabeleceu-se um poder político mais efetivo. Rigoroso, o rei procurou desestabilizar a nobreza feudal e o clero através da promulgação de atos oficiais. Em 1664 foram aprovadas as Constituições de Claredon, que tinham como objetivo principal restringir algumas prerrogativas que detinham os clérigos. Dois anos depois, iniciou-se a reforma do Direito inglês através da promulgação do Julgamento de Claredon. Esse documento estabelecia um sistema para decidir qual era a parte vencedora em um caso legal. Para a História do Direito, é esse momento que assinala de forma mais clara a transição da monarquia absoluta para a constitucional.
Em função do cenário europeu conturbado pelo movimento das cruzadas, o sucessor de Henrique II, Ricardo Coração de Leão (1189-1199), não teve força política suficiente para continuar as mudanças de seu predecessor. O próximo a assumir o trono inglês, João de Inglaterra - João Sem-Terra - enfrentou sérios problemas com a França. A derrota nas disputas territoriais com o rei francês Felipe Augusto e as desavenças com o Papa Inocêncio III, propiciaram aos barões feudais a imposição da Carta Magna. Nesse documento o rei comprometeu-se a respeitar os direitos dos nobres e da Igreja, evitando abusos da administração e da justiça - como, por exemplo, elevar os valores dos impostos sem consentimento prévio.
Seu sucessor, Henrique III (1216-1272), almejava uma administração muito mais centralizada nas decisões reais. Visando o absolutismo, o rei violou algumas disposições da Carta Magna, o que gerou revolta da nobreza. Após derrotá-lo os barões obrigaram-no a assinar os Estatutos de Oxford, um conjunto de disposições legais que reafirmavam as limitações ao poder do monarca estabelecidas na Carta Magna. É a partir da emissão desse documento que torna-se obrigatória a existência do Parlamento composto por delegados da Câmara dos Comuns¸ do clero e da nobreza, que se ocupariam de discutir questões importantes para o bom andamento do reino.
O poder e influência da burguesia - aliada a aristocracia rural - só fez aumentar nas próximas décadas, culminando na Revolução Gloriosa, movimento burguês ocorrido entre 1688 e 1689. A vitória da burguesia neste episódio, minou com qualquer pretensão absolutista da realeza e instaurou uma monarquia constitucional com traços liberais na Inglaterra. Para tanto, o rei Guilherme III jurou a Declaração de Direitos (Bill of Rights) que limitou definitivamente o poder do rei ao ampliar as competências parlamentares.
A Declaração de Direitos foi a primeira declaração dos direitos do cidadão da história, garantindo ao cidadão inglês a manutenção de sua liberdade natural, qual seja, a civil e a política. O indivíduo, alçado à condição de cidadão, era o responsável por manter essas liberdades, o que fortaleceu o Parlamento e deu novo vigor à burguesia.
A administração do império estava nas mãos dos burgueses. O controle sobre o comércio e a legislação era da burguesia. Seu pacto com a aristocracia rural foi fortalecido e os grandes proprietários de terras começaram a produzir em moldes do que poderíamos identificar como capitalismo agrário. O cenário era propício para que os burgueses completassem um processo de acumulação capitalista. O poder indefinido de um monarca com prerrogativas de linhagem e/ou divinas não tinham mais espaço em uma sociedade regida por princípios da teoria da liberdade civil de John Locke - o primeiro expoente da filosofia liberal.
Portanto, é a partir do abalo que a Revolução Gloriosa causa no absolutismo que a administração pública ganha força suficiente para implementar na Inglaterra uma série de mudanças que afetariam a vida social e a política econômica. Da acumulação capitalista empreendida pela burguesia, nascia um novo modelo de organização sistêmica da economia, sociedade e política, o que possibilitou a emergência posterior de uma Revolução Industrial nos moldes capitalistas. Não demoraria para que essas mudanças significativas no controle e orientação da monarquia inglesa afetassem suas relações com suas treze colônias americanas.
Tendo em vista o desenvolvimento do constitucionalismo inglês e o surgimento de sua vertente norte-americana, o objetivo do presente artigo é demonstrar a força dos preceitos constitucionais durante a Guerra Civil Americana. Diante de uma nação dividida, o então presidente Abraham Lincoln levara a cabo um projeto de emancipação dos escravos. Uma vez libertos, era preciso pensar a respeito da integração - ou não - dos negros ex-escravos na sociedade americana. Para tanto, uma definição do seu status social era extremamente necessária e o presidente precisava ter uma postura firme para evitar que o restante da federação se desmantelasse. A partir disso, buscaremos identificar a influência dos preceitos constitucionais no posicionamento de Lincoln acerca da controvérsia da emergência dos negros como indivíduos e/ou cidadãos, atentando para as releituras da Constituição feitas pelo presidente e seus adversários, procurando compreender como conceitos basilares do constitucionalismo - tais como indivíduo e cidadão - foram rearranjados no cenário de guerra.

A Revolução Americana: o nascimento da federação e o alvorecer do constitucionalismo nos Estados Unidos.
O constitucionalismo nascente na Inglaterra logo mudou a relação da metrópole britânica com suas possessões na América. Além disso, os acontecimentos na Inglaterra serviram para aumentar ainda mais o sentimento de que as liberdades individuais e o direito à autonomia eram prerrogativas inalienáveis dos colonos, que tornavam-se, progressivamente, mais orgulhosos e defensores da sua condição de homens livres.
Com a Revolução Gloriosa, as assembleias coloniais ganharam maior autonomia, vinculando a ideia de liberdade e de preservação dos direitos a um corpo representativo. Desta forma, tornavam-se a principal instituição da experiência política levada pelos norte-americanos. Mesmo que os governadores fossem nomeados pela Inglaterra - na tentativa de manter algum controle sobre a política colonial - o corpo legislativo era formado por residentes americanos aptos a exercer o cargo (homens que preenchessem os requisitos de propriedade necessários).
Contudo, o aparelho de Estado seguia basicamente o modelo inglês - o que não era de todo prejudicial. Os colonos aprenderam com a tradição organizativa inglesa, beneficiando-se da sua tendência de multiplicar as instituições e organismos de controle político, econômico e social. Paralelamente, o judiciário também ganhou maior independência, utilizando-se do sistema legal britânico - o Common Law - adaptado a situações novas que surgiam no contexto americano. Não obstante, os colonos ainda permaneciam como servos leais da Coroa.
Em 1620 foi assinado do Pacto de Mayflower (Covenant), uma carta política que era o prenúncio do constitucionalismo norte-americano. Assinado ainda abordo no navio Mayflower pelos primeiros residentes da Colônia Plymouth - no atual estado do Massachusetts - esse pacto previa a liberdade de ação para os moradores locais. A partir de então, ficava estabelecida a instalação de um governo colonial. Entretanto, os colonos deveriam se manter fiéis ao monarca inglês.
Inicialmente, a Inglaterra não teve um projeto de colonização para a América. As colônias se desenvolveram de forma, mais ou menos, autônoma - daí a heterogeneidade das treze colônias. Em uma tentativa de modificar esse panorama, a metrópole criou a Companhia de Plymouth. Fundada em 1606 pelo rei Jaime I da Inglaterra, essa sociedade anônima tinha como objetivo de estabelecer assentamentos ingleses ao longo da costa norte-americana, agindo diretamente na porção Norte do país. Contudo, por volta de 1609 já notava-se o fracasso da companhia. Em 1620 ocorreu sua remoção para a região de New England, deixando de operar quatro anos mais tarde.
Paralelamente, no Sul, outra companhia foi estabelecida. A Companhia de Londres foi fundada através de uma carta régia de Jaime I com o propósito inicial de estabelecer assentamentos colonialistas na América do norte. A companhia chegou a ser responsável por uma grande parcela do Atlântico e do interior do Canadá, porém enfrentou dificuldades financeiras desde o princípio de sua criação. A situação só melhorou com o sucesso da cultura de tabaco no Sul - sobretudo no território que viria a corresponder ao estado da Virginia - a partir de 1612. A Companhia se desintegrou em 1624, com a alçada da Virginia ao posto de Estado, mas continuou operando formalmente até 1684.
Contraditoriamente, no final do século XVIII, a Inglaterra liberal mantinha traços mercantilistas na relação com as treze colônias americanas. Esses traços foram acentuados quando a metrópole entrou em crise devido aos gastos gerados pelo conflito com a França - a Guerra dos 7 anos. Uma série de decretos foram emitidos a partir de 1764 objetivando aumentar a taxação nas colônias e, consequentemente, aumentar a renda dos britânicos, que precisavam equilibrar suas finanças. O clima ameno que havia se estabelecido desde a Revolução Gloriosa estava por acabar.
Em cinco de abril de 1764 o Parlamento da Grã-Bretanha aprovou a Lei do Açúcar (Sugar Act), elevando o valor dos tributos sobre o açúcar e derivados da cana que não fossem originários das possessões britânicas nas Antilhas. Um ano mais tarde, foi aprovada Lei do Selo (Stamp Act), que determinava que todos os documentos, jornais e livros só poderiam circular mediante a aplicação de um selo com o timbre da metrópole.
A aprovação das leis criou um clima de tensão na colônia, acabando por culminar em uma série de protestos dos residentes. Adotando o lema "Nenhuma tributação, sem representação" - tomado da Carta Magna assinada pelo Rei João Sem-Terra em 1215 - os colonos afirmavam que não aceitariam as novas taxas, uma vez que não tinham representantes no Parlamento, o que deslegitimava a nova legislação.
Diante desse cenário conflituoso, a Lei do Selo foi revogada e em seu lugar foram instituídos os Atos Townshend. Aprovados no início de 1767, os Atos tinham como objetivo aumentar a receita colonial, garantir que os regulamentos comerciais impostos pela Inglaterra seriam respeitados e estabelecer o precedente para que o Parlamento pudesse, legalmente, tributar as colônias. O ponto mais controverso versou a respeito do monopólio do comércio do chá. A comercialização do produto ficaria sob controle da Companhia das Índias Orientais, o que gerou revolta dos comerciantes locais.
Em 5 de março de 1770 deu-se o primeiro confronto de grandes proporções entre colonos e soldados da Coroa. No Massacre de Boston, em Massachusetts, as forças inglesas abriram fogo contra a multidão, matando cinco residentes e ferindo outros seis. Três anos mais tarde, em 16 de dezembro, Boston foi novamente palco de um protesto político organizado por um grupo de dissidentes que se autodenominavam Filhos da Liberdade. Nesse episódio, conhecido como Boston Tea Party, os manifestantes - alguns vestidos como indígenas - fizeram um ataque ao porto da cidade e destruíram um carregamento de chá enviado pela Companhia das Índias Orientais.
Em resposta aos protestos a metrópole emitiu, em 1774, uma série de decretos conhecidos pelos colonos como Leis Intoleráveis ou Coercitivas (Intolerable Acts ou Coercive Acts). Essa legislação decretava o fechamento do porto de Boston, o pagamento de uma indenização pelo prejuízo com a destruição do carregamento de chá e a ocupação militar de Massachusetts, acompanhada da dissolução da assembleia local e reforço das tropas inglesas nas demais colônias americanas.
Contrários a emissão da nova legislação, os colonos reuniram-se no Primeiro Congresso Continental, na Philadelphia, Pennsylvania, entre setembro e outubro de 1774. Os 55 delegados de doze colônias - a Georgia, que contava com a ajuda da Inglaterra em conflitos contra os indígenas, não mandou representante - decidiram boicotar a metrópole, desobedecer as Leis Intoleráveis, organizar milícias locais e exigiram uma reparação por parte do rei Jorge III. Nesta primeira reunião já percebia-se o princípio da ideia de liberdade que viria a permear a justificativa americana para a independência.
A Inglaterra não aceitou as exigências e os colonos iniciaram as preparações para um confronto armado. Um Segundo Congresso Continental ocorreu em 10 de maio de 1775, também na Philadelphia. Na reunião estavam presentes representantes de todas as trezes colônias que optaram pelo estado de defesa, organizando o esforço de guerra e propondo a independência.
A resposta da metrópole foi imediata e violenta. Tropas inglesas foram prontamente enviadas para a América, afim de restaurar a ordem. Em 19 de abril de 1775, em Lexington, Massachusetts, ocorreu o primeiro embate armado da Revolução Americana. Diante da guerra, em quinze de junho, o Congresso votou por unanimidade no virginiano George Washington para assumir o posto de Comandante Geral do Exército Continental.
Os colonos saíram vitoriosos e ainda mais confiantes da legitimidade de seu propósito. Assim, em quatro de julho de 1776 foi promulgada a Declaração de Independência dos Estados Unidos. Embaixadores foram enviados à Europa, estratégias bélicas foram revistas e tratados formais foram propostos. Assim, o Congresso passou a atuar como o governo central do novo país independente.
Em novembro do ano seguinte, os delegados aprovaram os Artigos da Confederação e da Perpétua União, nos quais oficializavam os Estados Unidos da América como uma confederação de Estados soberanos unidos. Os Artigos foram o primeiro documento oficial do governo do novo país, notavelmente o primeiro a utilizar a expressão política "Estados Unidos da América", porém sua ratificação só se deu em 1781. Em nome da unidade nacional, o documento celebrava um verdadeiro tratado internacional, no qual a autonomia dos Estados era o direito mais elementar a ser assegurado.
Isso não significa que a Inglaterra aceitou de imediato a conquista dos americanos, pelo contrário. As tropas da metrópole só foram completamente derrotadas em 1783. Em 3 de setembro, a Inglaterra, acuada, assinou o Tratado de Paris, no qual reconhecia oficialmente a independência dos Estados Unidos da América.
Com o findar do conflito, os americanos precisavam gerir um novo governo capaz de assegurar os direitos das antigas colônias. Para tanto, em 17 de setembro de 1787 foi proposta uma Constituição em substituição aos Artigos da Confederação e da Perpétua União. Em 25 de setembro de 1789, os representantes, reunidos na Philadelphia, redigiram sete artigos iniciais que versavam sobre a estrutura organizativa e o funcionamento do novo país. Nos três primeiros artigos estabelecia-se a divisão dos poderes estatais. Sob influência da teoria de Estado do francês Montesquieu, foi decidido pela organização de um poder legislativo - competência de um Congresso bicameral formado pela United States Senate e United States House of Representatives- um poder executivo - exercido pelo presidente - e um poder legislativo - desempenhado pela Suprema Corte e outras cortes federais. Nos artigos quatro a seis, foram estabelecidos os principais conceitos que regiam o sistema federalista, formulando os direitos e responsabilidades dos governos estaduais em relação ao governo federal. Por fim, o sétimo artigo reconhecia a legitimidade dos procedimentos estaduais. Na mesma data foi ainda ratificado um conjunto de dez emendas, o United States Bill of Rights, que asseguravam direitos humanos fundamentais. A Constituição dos Estados Unidos garantia aos cidadãos americanos sua liberdade religiosa, a inviolabilidade de seus lares, a manutenção de seu direito à privacidade, à defesa em um processo legal, bem como a um julgamento com júri, ao passo que proibia a utilização de penas torturantes.
Ficava formalmente estabelecida a superação do sistema de governo monárquico em prol de um modelo republicano presidencialista, no qual o chefe máximo da nação poderia sempre vetar ações do Congresso. Nesse ponto é evidente, uma vez mais, a influência de Montesquieu. O francês defendia que o poder só poderia ser controlado pelo exercício de outro poder. É exatamente nesse preceito que está presente da ideia do veto presidencial.
A ideia de superação do modelo monárquico deveu muito a concepção iluminista que tinham os Pais Fundadores dos Estados Unidos. Nos escritos iluministas multiplicaram-se as teorias sobre a natureza do governo, dos governantes e propostas para uma melhor governabilidade. O regime absolutista era a raiz de todas as injustiças políticas e sociais, uma vez que não previa a tolerância política e religiosa. Daí a defesa dos iluministas da destruição dessa forma de governo, incentivando o uso da razão na luta contra a autoridade despótica. No Iluminismo, o Estado é compreendido como uma instituição humana que busca sua legitimidade não mais em prerrogativas religiosas ou de linhagem, mas antes na vontade comum da maioria, uma vez que a soberania residiria no povo e não no Estado. A esse último cabia o papel de mantenedor dos direitos naturais dos homens, quais sejam, liberdade, igualdade e propriedade.
A Constituição também instituiu legalmente o pacto entre os Estados soberanos organizados de forma federativa sob o preceito de supremacia das leis. Essa ideia também tem origem em Montesquieu, que acreditava que o governo dos homens era competência das leis, não dos próprios indivíduos. A nova organização - que consistia em uma "descentralização vertical do poder"- assegurava a autonomia das Estados para legislar e organizar-se da melhor forma possível de acordo com disposições próprias, convivendo harmoniosamente com o poder federal, mas podendo intervir na União - se preciso fosse. Nesse sistema federalista dual, no qual a esfera estadual e a federal tem competências distintas e coexistentes, todo cidadão americano estava sujeito a duas estruturas de poder, uma de sobreposição - tendo em vista que estavam sujeitos simultaneamente a dois poderes políticos e dois ordenamentos constitucionais, o federal e o estadual - e uma de participação - uma vez que o poder político central era resultado da associação de poderes políticos dos Estados federados. Esses Estados também relacionavam-se entre si através de um federalismo horizontal, pois ao menos teoricamente todos são iguais. Essas ordenações foram arranjadas pelos Pais Fundadores Alexander Hamilton, James Madison e John Jay em uma série de 85 ensaios publicados entre outubro de 1787 e agosto de 1788 denominados Artigos Federalistas, nos quais promoviam a ratificação da Constituição.
A Constituição dos Estados Unidos - que em 1788 já havia sido ratificada por dez Estados, um a mais do que o necessário para sua implementação formal - inaugurou o ciclo das constituições escritas, uma nova era no constitucionalismo, sendo sancionada pelo Congresso em 15 de dezembro de 1791. O documento mais importante da nação - assim como a Declaração de Independência e a Declaração de Direitos da Virginia - claramente havia se inspirado nos escritos revolucionários ingleses do século XVII, sobretudo no Instrumento de Governo, documento constitucional assinado por Oliver Cromwell em 1653. Além disso, a ideologia liberal e contratual de Locke e Rousseau, bem como as ideias de emancipação e autonomia pessoal oriundas do Iluminismo francês, auxiliaram os Pais Fundadores na formulação de uma concepção de direito à liberdade individual e à propriedade que, com o tempo, tomaria contornos de algo inerente a cultura americana.
Locke afirmava que um governo que não respeitasse os direitos elementares de igualdade, liberdade e propriedade poderia ser, legitimamente, derrubado. A ameaça aos direitos individuais dos cidadãos justificaria uma rebelião contra qualquer governo - até mesmo o americano. A força desses preceitos só fez aumentar ao longo dos anos. Em 1860 os Estados Unidos encontrava-se imerso em uma crise gerada pela divergência entre os diferentes projetos de nação dos Estados do Norte e do Sul. A questão da abolição da escravidão estava no centro dos debates e representantes nas câmaras buscavam no constitucionalismo, no federalismo, na ideologia iluminista e na defesa do direito a rebelião de Locke, o respaldo para seus posicionamentos diante do projeto emancipatório do presidente Abraham Lincoln.

Constitucionalismo, guerra e emancipação dos escravos: Confiscation Acts e Militia Act
Em meados da década de 1850 a situação da federação era insustentável. Profundas divergências, políticas, sociais e econômicas somavam-se a uma a questão central: a escravidão. A antiga instituição escravista, herança do período colonial, constituiu o ponto de desacordo mais profundo entre Norte e Sul, contribuindo para que outros aspectos de discordância emergissem e acabassem por encaminhar o jovem país a secessão.
Os diferentes projetos de colonização – a quase inexistência de projetos e o mosaico de formas diferenciadas de conceber-se americano, muito calcado nos tipos humanos, políticos e religiosos diferenciados que já existiam desde a colônia e que continuaram existindo após a independência - evidenciavam diferenças internas recobertas por uma capa de unidade que era a federação dos estados. Em geral, as colônias desenvolveram-se de formas diferenciadas, com populações, modos de vida, religião e culturas distintas. A colônia de Virginia, fundada em 1606, foi a primeira colônia norte-americana, tendo sua fundação e desenvolvimento regulados por uma companhia de comércio internacional. Massachussets, por outro lado, foi povoada por colonos puritanos - recém chegados a bordo do Mayflower - que objetivavam estabelecer no local uma comunidade gerida por valores religiosos. Em Maryland, foram os católicos, perseguidos na Inglaterra, que ditaram a ordem da colonização. Os Quakers estabeleceram-se na Pennsylvania, enquanto na Georgia - mais ao Sul - ingleses pobres fixaram residência. Daí podemos ter ideia da diversidade de pessoas que habitavam as treze colônias iniciais, impondo a cada uma um projeto político, econômico e social diferenciado.
Contudo, em alguns pontos as colônias se aproximavam. A língua era a mesma, e por vezes, os costumes, tradições, estilo de vida e organização político-econômica também eram semelhantes. Em sua maioria, as colônias do Norte - habitadas por refugiados políticos e religiosos - organizaram-se em pequenas propriedades baseadas no trabalho livre e no artesanato. Logo os nortistas debruçaram-se sobre a atividade manufatureira, o que propiciou crescimento econômico. Não demorou para que o Norte se tornasse exportador de manufaturas para o Sul, e as vésperas da secessão os nortistas possuíam uma indústria pujante que necessitava de novos mercados para expandir-se.
O Sul, por outro lado, continuava atrelado economicamente à metrópole. Os Estados sulistas mantinham-se dentro de uma lógica mercantilista ditada pelos parâmetros da grande propriedade baseada no sistema de trabalho escravo e na monocultura algodoeira. Por mais que um sistema de comércio triangular houvesse sido estabelecido entre as duas porções do país isso não era suficiente para mascarar os diferentes projetos das duas partes. A diferenciação entre os Estados crescia exponencialmente. Muito díspares entre si, ele mantinham-se unidos porque gozavam de uma forte autonomia dentro da federação. Ou seja, só podiam ser "um só", porque o tipo de organização adotada permitia que essas diferenças existissem, já que o pressuposto do sistema federalista era a autonomia dos Estados. Este panorama também corrobora a hipótese de que no momento da Guerra Civil a questão da escravidão era tão forte que o princípio da autonomia dos Estados da federação foi à breca quando o Norte tentou intervir no modelo de organização política, social e econômica do Sul.
Percebe-se que deste o desembarque na América os colonos adquiriram um grau de autonomia quase que irrestrito. Com raras exceções, o poder político era exercido pelos próprios colonos, que compreendiam o autogoverno como uma prerrogativa assegurada pelo direito inglês. Em um contexto o aumento populacional e o desenvolvimento das colônias, houve necessidade da manutenção e defesa de governos representativos formados pelos próprios residentes. Os colonos procuraram instituir documentos mais elaborados para gerir os negócios coloniais e defenderem-se de possíveis intervenções britânicas. Daí a necessidade das diferentes localidades se federarem em busca de apoio e proteção mútua.
Essa ideia de auto-gestão, de estabelecimento de uma instância governamental própria, permeou deste o início o ideário americano. É esse princípio de autodeterminação um dos pilares da concepção constitucionalista de governo que os Pais Fundadores levaram a cabo a partir de 1787. É esse mesmo direito a autonomia que é alegado pelos Estados separatistas 74 anos mais tarde.
Em fevereiro de 1861, South Carolina, Mississippi, Florida, Alabama, Georgia, Louisiana e Texas declararam secessão aos Estados Unidos da América. A separação era eminente desde a eleição presidencial que levou os republicanos ao poder com a vitória de Abraham Lincoln em novembro de 1860. A alçada do representante de Illinois à Casa Branca exacerbou as disputas políticas acerca da questão escravista e terminou por dividir o país em linhas geográficas, mais ou menos, associadas à utilização de trabalho escravo.
Em 12 de abril de 1861, após a investida confederada contra os soldados da União que ocupavam o Forte Sumter, em South Carolina, o novo presidente convocou cerca de 75 mil voluntários a apresentarem-se ao exército. Contrariando a expectativa republicana de que a causa seccional obteria pequeno apoio, poucos dias após a convocatória outros quatro estados - Virginia, Arkansas, Tennessee e North Carolina - retiraram-se dos Estados Unidos para formar os onze estados da Confederação.
Desde as primeiras batalhas o número de baixas em ambos os exércitos foi muito expressiva. Nenhum dos lados da contenda parecia realmente preparado para um conflito de tamanhas proporções. Com frentes de batalhas espalhadas por todo o país, a insuficiência militar dos efetivos nortistas e sulistas ficava evidente. O alistamento voluntário ficou muito abaixo do esperado, e mesmo quando o recrutamento obrigatório foi instituído logo percebeu-se que o número de homens brancos em idade e condições de combate estava muito aquém da demanda da guerra. Além disso, haviam ainda causalidades, epidemias, deserções e resignações, que traziam baixas aos efetivos militares. Em vista de tais problemas, recorreu-se ao recrutamento de homens negros.
A incorporação de homens de cor - sendo grande parte escravos fugidos de Estados confederados e Border States - exigia da gestão Lincoln uma ação regulamentária. Porém, a criação de uma legislação específica sobre a utilização de soldados negros colocava em risco a postura evasiva que o governo havia a muito assumido quanto à questão escravista. Lincoln compreendia o peso da demanda e as controvérsias que gerava, sobretudo nos Estados fronteiriços nos quais a escravidão ainda era uma prática comum, enraizada socialmente.
Em 9 de julho de 1861, o Congresso deliberou que os soldados da União não deveriam devolver os escravos que capturassem. Esta ação que auxiliava os militares a lidar com o grande número de escravos fugidos que adentravam seus acampamentos. A partir disso, a questão das tropas negras e da incorporação de ex-escravos tomava os debates, demandando uma legislação específica.
Em seis de agosto do mesmo ano, em meio aos enfrentamentos no Congresso e contrariando a política de não interferência nos Estados e na propriedade privada, Lincoln outorgou o primeiro Confiscation Act. Proposto pelo senador republicano Lyman Trumbull, de Illinois, o documento definia os parâmetros legais para o apreensão de propriedades e bens, incluso escravos, em posse de pessoas que aderiram ou auxiliaram a rebelião sulista.
Diante da notícia de que sulistas vinham empregando escravos em batalha, o Confiscation Act definiu que aqueles que houvessem sido utilizados na rebelião confederada poderiam ser prontamente confiscados em prol da União, ganhando sua liberdade. Porém, o Ato ainda garantia aos senhores o direito de reclamar esses escravos, em boa medida em função do temor dos congressistas do Norte com relação à perda de apoio dos Border States, mas também visando manter a possibilidade de retorno à União para os Estados separatistas desejosos de abdicar da causa seccional, uma vez que poderiam adentrá-la sem deixar de ser escravistas.
O número de escravos libertos por esse primeiro Ato foi ínfimo, tanto pelo documento não pressionar os militares a o fazerem, como também pela ambiguidade de sua redação. O primeiro Confiscation Act não tratava explicitamente dos escravos de senhores leais a União, o que gerou dúvidas e conflitos entre os militares que encontravam os fugitivos, muitas vezes, dos Border States. Quanto à emancipação, o documento apresentava, igualmente, caráter evasivo. Desta maneira, o presidente mantinha-se dentro dos limites constitucionais, evitando mais ataques contra seu governo. Simultaneamente, reafirmava sua autoridade para confiscar e apreender os bens daqueles que aderiram a rebelião, auxiliando financeiramente o esforço de guerra. Entretanto, o primeiro Confiscation Act não tinha como objetivo principal aumentar a renda da União. Seus esforços estavam focados em tentar punir os rebeldes e assinalar uma ameaça à escravidão nos Estados insurgentes, visando desestabilizar a Confederação. Entretanto, seu impacto na Confederação e na escravidão não foi tão grande quanto os nortistas esperavam.
A gestão Lincoln vinha sofrendo constantes críticas com relação à interferência e desrespeito à organização federalista dos Estados. Neste sentido, mesmo alargando seus poderes, houve relutância do presidente em implementar o primeiro Confiscation Act. Segundo os opositores, o Ato transgredia os direitos assegurados pela Constituição quando definia que o confisco de bens, terras e escravos seria mantido para além da vida do traidor.
Diante dos questionamentos e críticas, em julho de 1861 o Congresso aprovou a resolução Crittenden-Johnson, na qual afirmava oficialmente que a guerra não estava sendo travada "(...) for any purpose of conquest, or subjugation, nor purpose of overthrowing or interfering with the right or established institutions of those [Confederate] states." Com essa resolução, o governo comprometia-se a não interferir na política interna dos Estados, reiterando que a guerra não era contra a escravidão. O primeiro Confiscation Act seria uma medida militar, não abolicionista.
Contudo, identificamos esse primeiro Ato como uma ofensiva, ainda que cuidadosa, à escravidão. Mesmo temeroso da perda de apoio, Lincoln procurou desestabilizar econômica e politicamente os Estados rebeldes, atacando seu principal alicerce: o sistema escravista. Para além dessa questão, procurava, mesmo que de maneira tímida e com muitas restrições, sanar os problemas de recrutamento e angariar fundos para gerir o esforço de guerra.
Os congressistas republicanos estavam prontos para um ataque mais severo às bases da instituição escravista, mas os representantes dos Border States e a opinião pública como um todo não estavam. O presidente soube observar esse cenário e manobrar de forma a não prejudicar seu governo e as conquistas executivas que vinha angariando.
Extra oficialmente a presença de regimentos de homens de cor, compostos inúmeras vezes por negros fugidos de estados escravistas, já era uma realidade desde antes da promulgação do primeiro Ato. Contudo, era preciso cuidado, pois um nova legislação demasiadamente dura com Estados escravistas poderia retirar da União os Border States, dando vantagem aos confederados.
Para tanto, em 17 julho 1862, o Congresso aprovou o segundo Confiscation Act, também proposto pelo senador Trumbull. Esse Ato, muito menos tolerante com os rebelados, estabelecia que o crime de traição era passível de multa mínima de 10 mil dólares, podendo chegar a pena de morte. Os condenados perderiam imediatamente todas as suas terras e bens, que seriam utilizados pela União para custear a guerra.
O segundo Confiscation Act derrubou a limitação, imposta no primeiro, de que seriam confiscados e incorporados ao exército do Norte apenas os escravos utilizados em batalha pelas forças sulistas. Com o novo Ato, escravos de todos os senhores rebeldes - quer houvessem sido utilizados na guerra ou não - poderiam ser libertados. Desta forma, o documento visava acabar com o dilema relativo à incorporação de ex-escravos no exército, ampliando os poderes de Lincoln com relação às tropas negras, podendo inclusive armá-las, possibilidade descartada um ano antes. Essas medidas visavam dar ao presidente melhores condições de combater as forças confederadas e colocar fim ao conflito tão oneroso ao país.
Com relação aos escravos fugidos, o documento definia que eles não seriam mais devolvidos, com exceção daqueles oriundos dos Border States. Assim, a libertação dos escravos mantinha-se restrita aos Estados rebeldes. Os negros fugidos de Estados escravistas leais à União eram compreendidos enquanto prisioneiros de guerra, devendo ser prontamente devolvidos aos seus senhores. Desta maneira, apesar de libertar escravos oriundos de Estados rebeldes e dos "territórios" as leis não chegaram a atingir o cerne da questão escravista, em parte porque o presidente sabia que colocaria tudo a perder se os Border States se sentissem ameaçados a ponto de deixarem a União, mas também pelas limitações impostas pela Constituição do país.
Na mesma data foi também aprovado o Milita Act, documento que vinha revisar um primeiro ato de mesmo nome emitido em 1792, convocando a formação de uma milícia nacional, organizada com fins de suprimir insurreições, repelir invasões e executar leis federais.
Nas seções 12 a 15, o Ato conferia ao presidente total autoridade - em concordância com a Constituição - para aprovar o recrutamento de negros para atuar no exército e na marinha, concedendo-lhes o direito de nomear os oficiais que ficariam no comando das tropas negras. Assim, O Militia Act buscava situar modelos quanto ao recrutamento, treinamento e armamento de todos os soldados, além de assegurar legalmente a manutenção do tratamento desigual entre soldados brancos e negros de mesma patente.
O alistamento, segundo o Militia Act deveria estender-se a todos os homens entre 18 e 45 anos, sendo que após 6 meses de ingresso no exército esses soldados deveriam estar armados com rifles ou mosquetes. Entretanto, a área de atuação dos negros continuava, não raro, restrita a construção e reparo de fortificações.
O documento reiterava que os negros, tendo em vista sua condição de inferioridade natural, não deveriam ser tratados da mesma maneira que seus homólogos brancos. O tratamento diferenciado se estenderia a questão do soldo. Uma das arguições discriminatórias referia-se ao fato de os soldados negros não haverem integrado o exército desde os primórdios do conflito e por esse motivo, alegava-se não possuírem direito ao mesmo valor de soldo dos brancos. Desta forma, os valores baixos pagos a todos os soldados, eram ainda mais irrisórios para os negros. Os soldados brancos recebiam U$13,00 mensais, com um adicional de U$3,50 para custear o fardamento. Os soldados negros, por sua vez, recebiam U$10,00 mensais que poderiam ser pagos em uniformes.
O documento apresenta-se como um compromisso da gestão Lincoln com os Bordes States, temerosos de que a incorporação de soldados de cor na milícia da União pudesse ser um passo a mais em um processo de emancipação dos escravos. Ao emitir o Militia Act, Lincoln está, uma vez mais, em terreno hostil, não podendo inflamar os ânimos dos oposicionistas, sob ameaça de perder o apoio crucial dos Estados fronteiriços. O comprometimento do presidente referia-se unicamente a realização da emancipação gradual e compensada, afim de minimizar as perdas dos senhores.
Lincoln trabalhou para que a implementação das novas leis fosse bem-sucedida, tendo em vista que ambos os três atos constituíam uma ingerência na autonomia dos Estados. Sua promulgação acenava com uma saída honrosa para os que resolvessem mudar de ideia e reintegrar-se a União. O segundo Confiscation Act, mais especificamente, dava aos rebeldes a chance de rever sua posição, jurando lealdade a União dentro do prazo máximo de sessenta dias, sob a garantia presidencial de asilo e perdão. Com esta medida, a gestão Lincoln projetava uma cisão na Confederação, planejando que aqueles agentes – individuais ou coletivos – que, temendo as medidas do ato, regulamentassem sua situação, se colocariam em conflito direto com os que ainda desafiavam os decretos presidenciais.
Ambos os Confiscation Acts, bem como o Milita Act, constituíram os primórdios da política de emancipação, mas sem oferecer nenhuma garantia de manutenção dos direitos civis dos ex-escravos. Apenas cidadãos americanos poderiam reclamar esses direitos e os negros ainda não tinham seu status social definido, pelo contrário. A controvérsia acerca da posição que eles ocupariam na sociedade americana era a questão principal quando o assunto era a abolição. Afinal, o que fazer com os negros depois da emancipação? Os abolicionistas acreditavam na plena integração dos ex-escravos enquanto sujeitos detentores de direitos. Os antiescravistas - como Lincoln - não estavam tão certos sobre isso, e poucos confiavam que as duas raças poderiam conviver em termos igualitários. Os democratas do Sul, senhores de escravos e a maioria da população branca não acreditava na coexistência entre brancos e negros, alarmando-se com a perspectiva de ex-escravos desfrutarem de direitos civis.
Impelido pela promulgação das novas leis, Lincoln acabou abraçando a causa abolicionista, porém a própria legislação apontava que o objetivo da emancipação era servir aos interesses nortistas e republicanos, não garantir melhor padrão de vida aos negros. Legalmente, o segundo Confiscation Act apoiava a emigração dos ex-escravos para países de clima tropical, aonde, supostamente, se adaptariam melhor e poderiam desfrutar de sua condição de homens livres.
Os Atos - sobretudo o segundo - apresentaram-se como uma tentativa do governo Lincoln de promover uma emancipação gradual e compensada dos escravos, a fim de não perder o apoio dos Border States e talvez convencer estados rebeldes a abandonarem a causa da secessão, iniciando a reforma do Sul durante o próprio conflito. Para além do período da guerra, a legislação dos Atos - mesmo que de forma dúbia - lançou as bases que nortearam a política de redivisão de terras e tratamento dos recém -libertos no período da Reconstrução.

O constitucionalismo e a emergência do indivíduo: seriam os ex-escravos sujeitos de direitos?
Em 17 de setembro de 1862, as tropas nortistas do general George B. McClellan ganharam a batalha mais sangrenta da guerra civil, Antietam. A vitória estratégica em Maryland possibilitou a emissão uma Proclamação de Emancipação preliminar cinco dias depois. A assinatura deste documento transformava a guerra em um conflito não apenas para salvar a União, mas também para abolir a escravidão, uma vez que a resolução de libertação dos escravos afetava todos os estados ainda rebelados em 01 de janeiro do ano seguinte.
Porém, a escravidão ainda era mantida nos Estados leais. Com o avanço das tropas da União nesses territórios o número de escravos fugidos que tentavam adentrar o exército aumentou ainda mais, deixando momentaneamente sem ação militares e autoridades civis. Progressivamente, evidenciava-se a contradição que representava a existência dos Border States escravistas na União.
Os Atos apontavam para um Lincoln desejoso de sua própria emancipação executiva, assinalada sobre tudo no segundo Confiscation Act. A aprovação da nova legislação conferiu-lhe maior autonomia para gerenciar a incorporação de negros aos corpos militares da União e iniciar uma legislação prévia de emancipação, mesmo que inicialmente restrita aos escravos de Estados insurretos. Porém, a ação executiva do presidente jamais transgrediu os limites estabelecidos pela Constituição.
Contudo, em 1862 a situação política era insustentável. O Partido Democrata e algumas linhas do Partido Republicano pressionavam o presidente por mudanças na postura governamental. Paralelamente, crescia o número de escravos fugidos empregados no serviço militar nortista. Não havia mais como negar sua relevância. A porta estava aberta para o alistamento de negros desde os dois Confiscation Acts e do Militia Act, faltava apenas o presidente dar o próximo passo. A pressão pelo fim da escravidão crescia.
Lincoln temia a reação da opinião pública e dos Border States. Inicialmente, asseverou o discurso de insegurança quanto a capacidade bélica dos soldados negros, autorizando seu emprego apenas como trabalhadores militares. Paralelamente, o presidente tinha de manobrar entre as duas maiores forças políticas do país; não poderia parecer demasiadamente radical para os democratas, nem pouco radical para os republicanos. Lincoln ainda tinha de estabelecer boas relações com os unionistas do Sul, uma vez que seu plano consistia em convencê-los a estabelecer governos civis após o exército federal ter assumido um eventual o controle da região.
Com a questão da emancipação em voga, Lincoln redobrou seus esforços em prol da execução de um plano de emancipação gradual e compensada aliada à colonização. Porém, continuava insistindo que o objetivo da guerra se referia unicamente a restaurar a União. Lincoln era cauteloso com o tema da escravidão porque acreditava que a chave para a emancipação geral dos escravos estava nos Border States.
Quando o Congresso rompeu com o longínquo receio em se empregarem tropas negras e confiscar propriedades privadas dos confederados, Lincoln percebeu que era o momento propício para fazer sua escolha pública pela emancipação. O caráter da guerra da guerra tinha mudado e a abolição era parte dessa transformação.
A utilização de soldados negros em batalha levava, inevitavelmente, a uma discussão sobre seu futuro no pós-guerra. O presidente endossava o esforço da America Colonization Society. Criada em 1817 essa organização liderada por políticos do upper south fortaleceu-se com os debates sobre a proibição da escravidão. Seus participantes defendiam o envio de negros para fora dos Estados Unidos, para países latino-americanos de clima tropical ou para o continente africano, opondo-se, desta maneira, aos ideais de grupos abolicionistas que pregavam a necessidade dos Estados Unidos tornarem-se uma nação bi racial. Os integrantes da American Colonization Society compreendiam que a demanda abolicionista por uma emancipação imediata e sem compensação era radical. O plano de libertação dos escravos apresentado pelos defensores da colonização previa sua execução de forma lenta, gradual e compensada, afim de minimizar possíveis danos e prejuízos à economia dos Estados escravistas. Contudo, gradualmente, Lincoln foi inserindo na comunidade branca nortista a ideia de que a permanência de negros nos Estados Unidos poderia não afetaria o estilo de vida e as divisões da sociedade americana.
Sob pressão também de abolicionistas e radicais, devido a sua política conciliatória, Lincoln aguardou o momento propício para emissão de uma Proclamação de Emancipação definitiva. Ele temia que um ataque mais direto a escravidão levasse ao desmantelamento da União e da Constituição. O governo vinha falhando em coordenar a guerra em termos da luta contra as bases da economia sulista. Era preciso uma mudança de postura na ofensiva política e militar da União. Contudo, o presidente não sabia muito bem em que direção deveria agir. A escravidão era produto das organizações internas dos Estados, não da administração federal. Atos oficiais e dispositivos constitucionais impediam o governo central de interferir contra a escravidão em instâncias legais.
Por outro lado, os aliados de Lincoln faziam pressão para que o presidente utilizasse seus "poderes de guerra" para emancipar todas as pessoas mantidas escravas sob jurisdição da Confederação. Algo precisava ser feito, pois o risco de perder a guerra era cada vez maior. Além disso, a Proclamação de Emancipação Preliminar de 1862 determinava a emancipação de todos os escravos de Estados que estivessem rebelados até 01 de janeiro de 1863. Quando os confederados ignoraram o documento e o exército da União conseguiu algumas vitórias mais significativas, Lincoln se viu em posição de outorgar a Proclamação de Emancipação.
That on the first day of January, in the year of our Lord one thousand eight hundred and sixty-three, all persons held as slaves within any State or designated part of a State, the people whereof shall then be in rebellion against the United States, shall be then, thenceforward, and forever free; and the Executive Government of the United States, including the military and naval authority thereof, will recognize and maintain the freedom of such persons, and will do no act or acts to repress such persons, or any of them,
in any efforts they may make for their actual freedom.

A Proclamação de Emancipação não era uma punição aos rebeldes. O que estava sendo atacado e destruído não era o estilo de vida sulista, mas antes o sistema de trabalho que vigorava nessa porção do país. Lincoln fazia questão de demarcar essa diferença, visando garantir os Estados fronteiriços na União e, talvez, convencer algum confederado da causa nortista.
Ao determinar a libertação de todos os escravos de Estados que formavam a Confederação, Lincoln comprometeu-se a manter a escravidão intacta nos Border States. O objetivo se referia unicamente a acabar com a rebelião. Desta maneira, a emancipação continuou limitada constitucionalmente. O poder do presidente restringia-se ao poder de guerra, visando restaurar a União o mais rápido possível. Esse poder não era operacional em Estados leais que, portanto, não tiveram a escravidão ameaçada. Desta forma, a emancipação manteve-se circunscrita à Estados rebeldes nos quais a guerra ainda estava em curso. Ou seja, a Proclamação não conseguiu acabar com os poderes e proteções legislativas da escravidão. Uma ação futura seria necessária para tornar a escravidão ilegal em todas as instâncias jurídicas.
No preâmbulo do documento Lincoln dava mostras do conteúdo polêmico da Proclamação ao enunciar os direitos dos homens. Na sequência, a administração federal comprometia-se a reconhecer e trabalhar para manter os ex-escravos livres, empregando-os, se necessário, na marinha e no exército.
And I hereby enjoin upon the people so declared to be free to abstain from all violence, unless in necessary self-defence; and I recommend to them that, in all cases when allowed, they labor faithfully for reasonable wages.
Pela primeira vez estava completamente autorizado o ingresso de negros como soldados regulares no serviço armado norte-americano. Uma vez que o poder que permitia ao presidente a emissão de tal decreto era o poder de guerra, Lincoln defendeu que o objetivo não era colocar a escravidão na ilegalidade, mas antes transformar os negros no esforço de guerra que a União precisava para acabar com a rebelião. Ironicamente, essa regulamentação não era passível de coexistência com o plano de envio de negros para fora do país. Porém, a necessidade de contingente humano para a guerra fora muito maior do que a preferência pessoal do presidente pela colonização.
And I further declare and make known, that such persons of suitable condition, will be received into the armed service of the United States to garrison forts, positions, stations, and other places, and to man vessels of all sorts in said service.
Contudo, a Proclamação poderia ser vista como um incentivo a rebeliões escravas, por isso seu cuidado em recrutar negros mesmo após a regularização de seu serviço. Lincoln enfatizava que o documento era um ato de justiça, legitimado constitucionalmente. Por outro lado asseverava que era uma medida militar devido a necessidade da guerra. De fato, o presidente assina o documento como comandante-chefe da marinha e do exército dos Estados Unidos, poder a ele investido em virtude da situação bélica. Assim, apesar do preâmbulo, o documento não estava relacionado a direitos humanos, e sim, como fica explícito, à necessidade de guerra.
And upon this act, sincerely believed to be an act of justice, warranted by the Constitution, upon military necessity, I invoke the considerate judgment of mankind, and the gracious favor of Almighty God.
A única esperança de Lincoln conseguir aprovação da emancipação se dava através da invocação de necessidade militar, o que justificaria legalmente a contribuição militar da emancipação dos escravos como movimento na direção da vitória e da preservação da Constituição. Contudo, apesar do esforço presidencial em dar ao documento um cunho militar, as questões políticas do conturbado cenário político norte-americano acabaram por definir os rumos da Emancipação. Foram questões políticas que implicaram no fato de que a Proclamação deixou de fora aproximadamente 3,9 milhões de escravos. É certo que nunca antes um número tão grande de escravos havia sido libertado, mas se a estimativa inicial era de que cinquenta mil cativos fossem libertos, certamente essa marca não foi atingida.
O avanço da emancipação era dependente das coalizões estaduais no Congresso e nas câmaras, bem como do avanço das tropas da União, pois a execução das disposições legais contidas no documento dependia diretamente da tomara de territórios confederados. Todavia, isso não impediu negros de todos os país de festejarem e receberem com alegria as notícia da abolição.
A Proclamação de Emancipação diferia muito dos outros documentos já emitidos por Lincoln. Ele havia abandonado a ideia de colaboração dos senhores de escravos, parando de distingui-los entre leais e desleais e aplicando no Sul um plano de emancipação imediata que não previa pagamento de indenização. Entretanto, mesmo com um ataque mais direto à escravidão, o presidente temia que a emancipação não fosse possível devido a ligação emocional, ideológica e cultural existente entre a população branca e o sistema escravista. Nos estratégicos Border States o racismo e a busca pela manutenção da lógica escravista haviam se tornado muito mais poderosos do que a ideia de benefício mútuo da União.
Diferentemente de outros Atos emitidos anteriormente, o texto da Proclamação de Emancipação não fazia referência ao envio de negros para fora do país. Talvez porque tratar de temas como colonização, gradualismo ou compensação monetária não tinha muito lógica em um documento que se propunha a ser uma medida estritamente militar. Não que Lincoln tenha abdicado de suas convicções, no próximos dois anos ele ainda falaria de emancipação gradual e colonialismo. Entretanto, nesse período, nenhum esforço foi feito para tratar do futuro dos escravos libertados.
Com a assinatura do documento, a existência de Estados leais a União que se opunham ao fim da escravidão começou a parecer ainda mais controversa. Congressistas dos Border States acusavam o presidente de transgredir a autoridade constitucional. Entretanto, o projeto de emancipação geral do Sul não implicava no abandono da política prévia da gestão Lincoln para com os Border States, nos quais a Proclamação de Emancipação não era válida.
Contudo, em 1863 o Estado da Virginia sofreu uma subdivisão e a região de West Virginia abandonou os rebeldes, sendo admitido como mais um dos aliados escravistas da União. Por sua posição estratégica no abastecimento de tropas, West Virginia era muito assediada por tropas sulistas. A perda dessa pequena extensão de terras poderia significar um desastre militar e político, uma vez que a admissão do novo Estado escravista na União só se deu mediante um compromisso com a emancipação gradual. Além disso, o Senado exigiu que todas as crianças escravas fossem libertadas a partir de 4 de julho de 1863. Essa política mais enfática de abolição em uma região escravista poderia, se bem sucedida, servir de exemplo para os demais Border States.
Economicamente, o presidente procurou demonstrar que a libertação total e irrestrita dos escravos faria o pagamento de títulos menos oneroso. Apesar do alto valor da propriedade escrava - algo como três bilhões de dólares - o crescimento natural da população branca aliada a imigração e o envio de negros para outros países, proporcionaria estabilidade econômica nos Estados Unidos. Entretanto, nem mesmo a promessa de uma economia forte foi suficiente para calar os críticos da emancipação.
Lincoln havia, uma vez mais, subestimado a força dos preceitos sulistas. Mesmo ameaçados pela Proclamação, os Estados Confederados do Sul mantiveram-se unidos como novo país. Nas câmaras, os democratas faziam a defesa dos sulistas, alegando que a emancipação era uma violação constitucional, uma injustificável redefinição do objetivo da guerra. Lincoln tinha dificuldades em estabelecer diálogo com representantes dos Estados confederados, estava enganado quanto à extensão do unionismo sulista - muito pequeno, diga-se de passagem - e parece ter subestimado o poder de recusa dos senhores dos Border States quanto a emancipação. Além disso, seu plano de colonização parecia ruir, uma vez que a ideia do envio para outro país não tinha aceitação dos negros.
A Proclamação de Emancipação alterara a natureza da guerra, a relação do governo com a escravidão e o curso da própria história americana. Ela liquidou e tornou inegociável as mais vastas propriedades dos Estados Unidos; as escravarias. Por outro lado, mesmo sob a égide de um rígido sistema federalista, a Proclamação demonstrou a existência de uma aliança nortista e uma administração presidencial fortes o suficiente para levar a cabo uma medida tão controversa e impactante, algo que não existia antes de 1860.
A Proclamação de Emancipação tinha declarado muitos escravos livres, porém o seu status no pós-abolição continuava incerto. O tema de sua emergência como sujeitos de direito remontava, uma vez mais, a questões do constitucionalismo inglês. Ainda em meados do século XVII Thomas Hobbes desconstruía a ideia do indivíduo como parte de um corpo místico, em interconexão com o Estado. O filósofo inglês opunha-se a concepção de que o Estado determinava a pessoa ao propor a ideia de ator social. Assim, Hobbes construía uma compreensão evolutiva do despertar das individualidades. Essa nova abordagem encerrava em si também a ideia de separação radical da Igreja. A ideia de alma dissociada do corpo impedia a emergência do indivíduo também no plano político-jurídico.
Anteriormente, a persona era uma posição social estabelecida dentro de uma determinada ordem. Era nessa ordem que o indivíduo era capaz de existir. Logo, a persona era a capacidade conferida pelo direito estabelecido, e não pelo próprio indivíduo. O sujeito era inexistente e todas as suas capacidades jurídicas dependiam das condições culturais e sociais dadas. Hobbes, pela primeira vez, quebra com esse realismo jurídico ao colocar a persona, o indivíduo, o sujeito de direitos, no centro do ordenamento. Seriam as suas necessidades humanas, sociais que definiriam a ordem, não o contrário. O inglês defendia a ideia de corporalidade natural, do homem como ser individual e integral. O Ser Humano seria capaz por si mesmo do direito, sendo a liberdade e a razão identificações e manifestações tipicamente humanas.
Para Hobbes o que importava era a pluralidade do homem, não sua individualidade. Mas isso não significa que ele rejeitava por completo a ideia de indivíduo e de Estado. O ponto de inflexão tão caro a sua obra é justamente a reformulação desses conceitos. Em O Leviatã, de 1651, Hobbes amparava a concepção de indivíduo, prezando pela existência de um Estado com objetivos claramente jurídicos - o fator aglutinador que tinha como principal função manter a liberdade e a igualdade.
Contudo, Hobbes não ofereceu uma construção constitucional clara. Seus escritos se referem a emergência do indivíduo como sujeito detentor de direitos e do Estado como órgão jurídico estabelecido para manutenção desses direitos, e não de outras esferas da vida social, religiosa, política, econômica etc. Conforme visto, essas concepções são muito caras ao governo constitucional instalado nos Estados Unidos, daí a importância da obra de Hobbes. O inglês pode não ter sido um constitucionalista, mas certamente permeou a ideologia daqueles que, depois dele, o foram.
A confluência entre as ideias de indivíduo e Estado Constitucional só é proposta pela primeira vez em fins do século XVII por John Locke. Locke refinou e tornou mais elaborada a ideia de indivíduo como sujeito ativo, detentor de direitos e de uma identidade própria, titular e ator de liberdades. Para ele, o indivíduo era a propriedade do que se é, uma categoria de natureza dual; universal por se reportar a todos os homens, mas particular por ser unicamente humana.
O autor inglês também abordou a questão do Estado como instituição de respaldo da posição do indivíduo enquanto sujeito, salientando a importância da diferenciação entre instituição política e economia.
Contudo, o conceito central da obra de Locke refere-se à propriedade privada. Sua concepção de propriedade se liga intimamente a ideia de indivíduo constitucional que, nada mais é, que o sujeito proprietário, aquele que dispõe das coisas porque dispõe de si mesmo e vice-versa. A propriedade, o direito a sua posse, era a pré-condição necessária para a emergência do sujeito. Assim, o sujeito constitucional se firmou mediante a posição de uma categoria de propriedade como forma de liberdade; uma categoria discriminatória internamente e segregacionista externamente.
Locke também defendia a ideia de que o direito constitucional requer uma sociedade civil e política, doméstica e patriarcal - tal qual a sociedade norte-americana em meados de 1860. Nesse contexto, provavelmente soava muito atual a ideia de que a primeira grande relação da vida privada é a laboral.
Sob essa ótica, o trabalho também é um direito. Notavelmente ele baseia-se em categorias pré-constitucionais - como o amo e o criado - uma vez que o trabalho é "a primeira grande relação da vida privada" , impregnando as relações domésticas com a esfera econômica, dando ao patriarca o poder doméstico. No constitucionalismo todo o trabalhador é - por conta própria - um servo, e seu amo - aquele responsável por ele - recebe uma espécie de revestimento conceitual de persona.
Da mesma maneira, no constitucionalismo desenvolve-se uma dependência normativa e institucional, uma dependência do Estado, da nação. Essa vinculação soma-se a uma clivagem artificial entre direito civil e constitucional. Essa separação é asseverada pela codificação, que passa a entender o direito civil como elemento parcial e adicionado ao direito constitucional. O direito civil se mantém no mundo do código, do Estado e dos registros civis. É no direito constitucional que pode-se buscar uma jurisprudência de caráter mais subjetivo. Contudo, nessa separação radical o direito como um todo padece da perda do sujeito e parece esquecer o essencial: o direito das pessoas, dos indivíduos. Tudo é regido pelo império da lei.
O fato é que para quem não era sujeito o direito constitucional não era igualitário. Os escravos não eram considerados sujeitos, pois não detinham o direito ao trabalho e não tinham sequer a posse de si mesmo. Uma vez libertos era preciso rever essa posição, pois para integrá-los à sociedade como trabalhadores livres era preciso que eles tivessem o direito ao trabalho e à propriedade privada. Logo, teriam de emergir como sujeitos de direitos na sociedade norte-americana. Entretanto, o potencial amplificador do sujeito de direitos pelo constitucionalismo é limitado, sobretudo pela identificação com a civilização. O sujeito civilizado não se reconhece fora de sua própria cultura. Logo, o conceito de humanidade se estreita, a sociedade dita civilizada se encerra em si mesma e adota uma atitude segregacionista diante de outras culturas.
E como ficaria essa questão pra negros que até então não eram considerados parte da civilização americana? O indivíduo não é natural, ele é cultural. E, como bem sabemos, a cultura americana a época da emancipação era marcada pelo racismo da população branca. Desta maneira, podemos imaginar a dificuldade de convencimento dessas pessoas sobre a legitimidade e importância de integração dos ex-escravos.
Nos anos que se seguiram à proclamação, o governo central procurou trabalhar para a implementação da nova legislação, incentivando, sobretudo, os senhores de Estados aliados a libertarem seus escravos. Assim, não demorou para que o tema da proibição total e irrestrita da escravidão surgisse entre os membros do Congresso, Senado e House of Representatives. A maioria republicana procurava se posicionar a favor da extensão da Proclamação, porém temia parecer demasiadamente radical para os senhores de Estados escravistas leais a União. Os democratas, em sua maioria, procuravam desacreditar a legislação emancipatória alegando que ela fazia parte de um plano para tornar os Estados Unidos uma nação bi racial.
Contudo, com apoio da grande maioria dos Estados do Norte, em 6 de dezembro de 1865, foi adotada a Décima Terceira Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Essa foi a primeira medida de uma série de três conhecidas como Emendas de Reconstrução, adotadas logo após o findar do conflito seccional, entre 1865 e 1870. Essas emendas tinham como objetivo transformar os Estados Unidos em um país de trabalhadores livres, garantindo constitucionalmente a extensão da liberdade para toda a população, incluso os ex-escravos e seus descendentes.
Uma vez que Lincoln havia admitido sua predileção pela Emancipação a partir da emissão da Proclamação e via seu plano de colonização ruir diante da inviabilidade de um projeto tão infeliz quanto injusto, parecia que o melhor caminho era mesmo procurar uma forma de tornar os negros sujeitos de direitos. Assim, eles assumiu - com restrições - o compromisso de garantir que os negros tivessem suas liberdades básicas asseguradas pelo Estado.
Em 8 de abril de 1864, o Senado aprovava uma proposta de emenda constitucional que pretendia proibir definitivamente a escravidão. Em 31 de janeiro de 1865 a mesma proposta passava na House of Representatives. Finalmente, em 18 de dezembro de 1865, o Secretário de Estado William H. Seward anunciou sua adoção. A Décima Terceira Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América decretava, logo na primeira seção, o fim da escravidão e da servidão involuntária, a não ser quando fosse estipulada como pena criminal.
Neither slavery nor involuntary servitude, except as a punishment for crime whereof the party shall have been duly convicted, shall exist within the United States, or any place subject to their jurisdiction.
Em seguida, na segunda e última seção, ficava estabelecida a autoridade do Congresso para fazer valer a nova legislação: "Congress shall have power to enforce this article by appropriate legislation".
Embora a emenda tenha abolido formalmente a escravidão, fatores como a legislação, a violência da supremacia branca e a execução seletiva dos estatutos continuaram a submeter alguns negros ao trabalho escravo, sobretudo em localidades sulistas. Além disso, é característico do Estado Civil descapacitar a personalidade pessoal. O patriarca exerce sua autoridade descapacitando todos os que estão abaixo hierarquicamente; mulher, filhos, criados, escravos. Ao que nos parece, esse panorama não mudou com o fim da escravidão, e a alçada dos negros ao status jurídico de detentor de direitos não impossibilitou que os ex-escravos continuassem descapacitados. O maior exemplo talvez esteja nas Leis Jim Crowe. Esse conjunto de dispositivos legais entrou em vigor em 1876 objetivando oficializar a política segregacionista a nível municipal e estadual em Estados do Sul, impedindo negros de frequentarem lugares como instalações públicas, transporte coletivo, restaurantes, escolas e exército. Tendo em vista essas proibições, espaços como esses foram criados separadamente para a população negra. Para tanto, a legislação baseava-se em um doutrina legal da jurisprudência norte-americana que previa que os negros precisavam ser separados, porém mantinham-se iguais (separate but equal). Essa política perdurou até 1965, quando a ação do movimento Civil Rights pressionou as autoridades a revogarem as leis.
Desta maneira, percebemos que mesmo tenha se dado a emergência formal dos negros como indivíduos sua integração como cidadãos não se consolidou com a Proclamação de Emancipação e a Décima Terceira Emenda. Seriam ainda necessários, anos de luta do movimento negro contra as políticas segregacionistas levadas a cabo por um Estado constitucional.
A carta política que é a Constituição dos Estados Unidos – assim como outras constituições pelo mundo – reflete concepções a muito arraigadas naquela sociedade, reiterando posicionamentos e reafirmando autoridades. Por seu cunho altamente geral, a principal característica desse documento talvez seja o fato de que suas disposições ficam sempre à mercê da interpretação da Suprema Corte e de quem a controla. A Suprema Corte foi por anos dominada por políticos – em sua maioria democratas – que defendiam a supremacia racial dos brancos, deslegitimando e impedindo qualquer conquistas dos negros. Essa ideologia racista impregnou as políticas que deveriam, em tese, integrar os negros a sociedade, perdurando por anos e refletindo nas relações raciais contemporâneas nos Estados Unidos da América.
Considerações Finais
O constitucionalismo possui uma natureza dual; é natural e artificial ao mesmo tempo. Artificial por ser um produto constitucional, e natural por sua formação histórica própria. Nos Estados Unidos o constitucionalismo teve um desenvolvimento singular que definiu os rumos da independência e da Guerra Civil, influenciando os debates sobre a emergência dos negros e se estendendo até a contemporaneidade.
Percebemos que a ideologia constitucional do direito a auto-gestão, liberdade e igualdade já permeava o ideário dos colonos desde a guerra de independência, vindo a incrustar-se na concepção do que é ser cidadão americano e fortalecendo-se ainda mais nas próximas décadas. Desta maneira, em 1861, o poder desse ideal, aliado a ideia lockeana de direito à rebelião contra um governo injusto, colocaram os Estados Confederados do Sul em posição de reivindicarem sua separação.
Entretanto, esse direito tão sublime a liberdade e o autogoverno não estendia-se aos negros, escravos e até mesmo libertos. O racismo permeava as relações pessoais e políticas e impediu, por séculos, a alçada dos negros ao posto de indivíduos de direitos – conforme previsto no modelo constitucionalista.
Percebemos que a ideia de sociedade civil desenvolvida por Locke - um dos principais autores presentes na concepção constitucional americana – reiterou a ideia de que os negros não eram merecedores de direitos igualitários. Mesmo que o autor inglês defenda que o sujeito seja aquele que é ativo economicamente, ou seja, que pode ter acesso à propriedade privada e adentrar a lógica de mercado, isso não significa que ele abandonou conceitos que podemos considerar pré-constitucionais. Sob a égide do patriarcalismo – um desses conceitos que Locke buscou em tempos mais remotos - o inglês afirmava que todos estavam subordinados a autoridade do pater familias. Era ele o verdadeiro cidadão, sujeito de direitos que poderia reclamar a violação deles. Os escravos não teriam esse direito, uma vez que não compartilham a condição de indivíduos com os senhores, mas antes, estavam abaixo dele. Assim, percebemos que a questão da cidadania e da igualdade não está posta em Locke e não foi resolvida com a emergência do indivíduo.
Desta maneira, o constitucionalismo americano, que nasceu calcado em ideais de liberdade e igualdade, apostando na concepção atômica de indivíduo – conforme faziam os iluministas - auxiliou na manutenção da desigualdade racial. Libertar os escravos, a princípio, seria torná-los indivíduos detentores de direitos igualitários, mas a Constituição deu espaço para que outros dispositivos legais os impedissem de desfrutar da equidade, de ser cidadãos. Conforme questionado por Clavero,
"Não eram assim todas as posturas, as não constitucionais como as constitucionais, no fundo iguais? Para quem não é sujeito, para a parte em questão que tem de tomar uma perspectiva moral e assim constitucional, ao menos para ela, não há dúvida alguma na resposta positiva, a saber, negativa."




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