O consumo da experiência e a experiência do consumo: Uma análise sobre a prática do unboxing de livros no YouTube

September 30, 2017 | Autor: T. Weinberg Jeffman | Categoria: Youtube, Consumo, Unboxing
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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

O consumo da experiência e a experiência do consumo: Uma análise sobre a prática do unboxing de livros no YouTube1 Tauana Mariana Weinberg Jeffman2 UNISINOS Darciele Menezes3 UFSM Fernando Barbosa4 UFSM Resumo O presente artigo busca compreender o consumo da experiência e a experiência do consumo presente na plataforma do YouTube através da prática do unboxing de livros. Ao mesmo tempo que existe a prática dos consumidores de acompanhar a abertura da embalagem e o relato da experiência relacionados ao produto que se queira adquirir, a própria experiência "desinteressada" de ser um espectador (ou talvez um voyer?) de alguém que recebe e compartilha sua experiência ao receber um livro ou outro produto é cada vez mais comum em plataformas de armazenamento e produção de vídeos como o YouTube. O comércio eletrônico também possui papel fundamental neste processo, quando segue de forma criteriosa e valoriza algumas regras de relacionamento ao propiciar uma experiência agradável do consumidor ao receber sua encomenda.

Palavras-chave: Consumo; Unboxing; Experiência; Livros; YouTube.

1 Introdução A prática aqui analisada, o unboxing, parece-nos contemplar tanto o consumo da experiência, quanto a experiência do consumo. No entanto, para que possamos compreender e argumentar esta afirmação, focamo-nos em um determinado segmento que realiza tal prática no YouTube: o unboxing de livros. Este segmento nos interessa, 1

Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 6, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014. 2 Professora substituta no curso de Comunicação Social da UFSM. Doutoranda do Programa de Pósgraduação em Ciência da Comunicação – UNISINOS. Bolsista CAPES. Mestre em Comunicação Social – PUCRS. Bacharel em Comunicação Social – UNIPAMPA. E-mail: [email protected]. 3 Professora Substituta no curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da UFSM. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM. Mestre em Comunicação pela UFSM. Bacharel em Comunicação Social-Publicidade e Propaganda pela UNIPAMPA. E-mail: [email protected] 4 Professor Substituto no curso de Comunicação Social da UFSM e produtor audiovisual. Mestre em Televisão Digital pela UNESP/SP. E-mail: [email protected].

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em primeira instância, por contradizer algumas percepções de que tal prática restringe-se a bens de valor agregado ou de marca. Livros são considerados produtos de valor relativamente baixo, o que leva-nos a crer que há outras motivações implícitas para que aja o desenvolvimento e o compartilhamento de tais vídeos. Além disto, tal prática mostra-nos também que o consumo literário não se restringe ao ato de ler ou comprar um livro: é preciso “experienciá-lo” de uma forma completa. Para compor nossa análise, apresentaremos a plataforma na qual o unboxing geralmente ocorre, ou seja, o YouTube. Posteriormente, compreenderemos tal prática – por meio de autores que explicam por que compartilhamos, imitamos, contagiamos e somos contagiados, mas, acima de tudo, por que o comportamento de consumo do outro nos gera interesse – e apresentaremos alguns exemplos de vídeos que nortearam nossas análises. Por fim, traremos a percepção de consumo pela ótica de Rocha (2006), Barbosa e Campbell (2006); refletindo sobre o consumo de experiência e a experiência de consumo através do YouTube. Ressaltamos que não nos aprofundaremos nas análises e reflexões sobre o conceito de consumo, pois vamos nos deter em compreender o consumo como experiência através do unboxing.

2 O YouTube Lançado em junho de 2005 e adquirido pelo Google em outubro de 2006, o YouTube, bem como outros portais de vídeo online, “transformaram definitivamente a nossa maneira de absorver conteúdo”. Fundado por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karin, iniciou suas atividades com uma interface integrada e simples, onde “o usuário podia fazer o upload, publicar e assistir vídeos em streaming sem necessidade de altos níveis de conhecimento técnico e dentro das restrições tecnológicas dos programas de navegação padrão e da relativamente modesta largura da banda” 5 . Desde seu lançamento, já oferecia a seus usuários algumas funções básicas de comunidade, tais como “a possibilidade de se conectar a outros usuários como amigos” e a possibilidade de “gerar URLS e códigos HTML que permitiam que os vídeos 5

(BURGESS e GREEN, 2009, pp. 14-15, grifo do autor).

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pudessem ser facilmente embedados em outros sites, um diferencial que se aproveitava da recente introdução de tecnologia de blogging acessíveis ao grande público” 6 . Primeiramente, o YouTube apresentava o slogan “Your Digital Video Repository” (Seu repositório de vídeos digitais), porém, atualmente propõe a motivação: “Broadcast yourself” (Transmitir-se). A mudança do conceito do site, ou seja, “de um recurso de armazenamento pessoal de conteúdos em vídeo para uma plataforma destinada à expressão pessoal”, na concepção de Burgess e Green (2009, p. 21), “coloca o YouTube no contexto das noções de uma revolução liderada por usuários”, podendo ser entendido como uma empresa de mídia, atuando como “uma plataforma e um agregador de conteúdo, embora não seja uma produtora de conteúdo em si”. Ou como um site de cultura participativa, atuando como uma plataforma de compartilhamento de vídeos amadores7. Para Burgess e Green (2009, pp. 13-24), a plataforma tornou-se uma mídia de massa que causou (e está causando) uma grande mudança no “contexto da cultura popular contemporânea”. Unindo cultura e mídia, os pesquisadores analisam o site pelo viés dos Estudos Culturais8, pois compreendem a plataforma “enquanto sistema cultural intermediado”. No entanto, os autores destacam que interpretar o YouTube somente através de seus números ou categorias não contempla de forma plena as potencialidades do site, pois estas diretrizes pertencem a uma “estrutura imposta pelo design” da plataforma, sendo ultrapassadas pelos usuários que se organizam e atuam de “maneira orgânica por meio da prática coletiva”. Exemplificando tal questão, podemos observar os usos segmentados do YouTube e suas categorias. Tal classificação é um recurso oferecido pelo site para que os usuários classifiquem seus 6

(BURGESS e GREEN, 2009, pp. 14-15, grifo do autor). (BURGESS e GREEN, 2009, pp. 21-23). 8 Burgess e Green (2009, p. 29) apoiam-se, essencialmente, nas concepções de Stuart Hall (1981, p. 239), pois este compreende que “a cultura popular é um dos locais em que ocorre essa luta pela e contra a cultura dos poderosos: e é o prêmio a ser obtido ou perdido nessa luta. É a arena no consenso e da resistência. É, em parte, de onde a hegemonia se origina e onde ela é assegurada. Não é uma esfera na qual o socialismo ou uma cultura socialista – já completamente formada – possa ser simplesmente „expressada‟. Mas é um dos lugares onde o socialismo pode ser constituído. É por isso que a „cultura popular‟ é tão importante”. 7

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canais e organizem as buscas de forma mais eficaz (entre outras possibilidades). É preciso ir além das definições pré-estabelecidas pelo site, para que o pesquisador possa compreender as peculiaridades de seus usos e de seus usuários. Neste ponto, é preciso pensar tais usos “como parte do cotidiano das pessoas reais e como parte dos variados meios de comunicação que todos experimentamos em nossas vidas, e não como um depósito de conteúdo intangível”9. Assim, Burgess e Green (2009, p. 28) acreditam que este “fenômeno da cultura participativa” está transformando a mídia e a sociedade. Os autores observam que o termo “cultura participativa” é “geralmente usado para descrever a aparente ligação entre tecnologias digitais mais acessíveis, conteúdo gerado por usuários e algum tipo de alteração nas relações de poder entre os segmentos do mercado da mídia e seus consumidores”. Destacam a definição do termo proposto por Jenkins (2009), onde o autor compreende que a cultura da convergência reflete a transição e a colisão entre as mídias de massa, que tradicionalmente são passivas, e as mídias atuais, caracterizadas como interativas e participativas, onde uma não exclui a outra, pois estas coexistem. Jenkins (2009, pp. 29-46) destaca que nesta convergência, a divisão entre produtores e consumidores se torna tênue, cruzando-se, mesclando-se e modificando-se, interagindo de forma cada vez mais complexa, pois a “convergência envolve uma transformação tanto na forma de produzir quanto na forma de consumir os meios de comunicação”. Tal transformação torna a comunicação cada vez mais participativa, na qual “os fãs e os consumidores são convidados a participar da criação e circulação do novo conteúdo” 10. Focando-nos na cultura participativa presente no YouTube, percebemos que tal contexto não é algo plenamente positivo. Na prática, “as novas configurações econômicas e culturais que a cultura participativa representa são tão contestadoras e incômodas quanto potencialmente libertárias” 11 . Há algumas disputas, tanto em questões culturais quanto em questões políticas (como direitos autorais, por exemplo). 9

(BURGESS e GREEN, 2009, p. 26). (JENKINS, 2009, p. 290). 11 (BURGESS e GREEN, 2009, p. 28). 10

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Contudo, a apropriação do YouTube enquanto plataforma propagadora e provedora de participação demonstra que a sociedade (fãs, amadores, pessoas comuns) expõe e cria cada vez mais. Aqueles que participam do YouTube, para Burgess e Green (2009, p. 72), se “envolvem claramente em novas formas de „publicação‟, em parte como uma maneira de narrar e comunicar suas próprias experiências culturais, incluindo suas experiências como „cidadão-consumidores‟, associadas à mídia comercial popular”. Burgess e Green (2009, p. 31), observam que a vida cotidiana mostra-se como “um espaço potencial para resistência criativa”. Michel de Certeau (2011), é sabiamente resgatado pelos autores, pois este acredita que construímos nosso cotidiano, juntamente com outros indivíduos que compartilham conosco de um mesmo espaço, através de um sistema de bricolagem. Neste contexto, os dominados são capazes de se apropriar das esferas simbólicas dos dominantes e ressignificá-las, transformá-las, de acordo com suas próprias possibilidades e necessidades. Tal ressignificação extrai a criatividade do povo. A criatividade cotidiana lembram-nos Burgess e Green (2009, pp. 31-33), “não é mais trivial ou estranhamente autêntica, mas sim ocupa uma posição-chave nas discussões dos mercados de produção de mídia e seu futuro no contexto da cultura digital”. Desta forma, não basta compreender o YouTube através do que ele se propõe, mas através do modo como é assimilado e utilizado por seus usuários. A criatividade da sociedade mostra-se, também, nas “várias maneiras diferentes que os cidadãos-consumidores” utilizam a plataforma, “por meio de um modelo híbrido de envolvimento com a cultura popular – parte produção amadora, parte consumo criativo”. A partir disso, percebemos que o site “ilustra as relações cada vez mais complexas entre produtores e consumidores na criação do significado, valor e atuação”. Burgess e Green (2009, p. 33) são convictos de que o YouTube é uma “ruptura cultural e econômica”. Portanto, este “precisa ser entendido como um negócio [...] e como uma fonte cultural co-criada por seus usuários”, deste modo, é “mais proveitoso entender o YouTube [...] atuando como um mecanismo de coordenação entre a criatividade individual e coletiva e a produção de significado; e 5

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como um mediador entre vários discursos e ideologias divergentes voltados para o mercado e os vários discursos voltados para a audiência ou para o usuário”. Assim, chegamos ao conceito de YouTubicidade, defendido pelos autores como a cultura particular e compartilhada através do YouTube, atuando de acordo com sua diversidade

e

complexidade

12

.

Dentro

desta

diversidade

existente

no

YouTube, encontram-se os unboxings.

3 Unboxing Começamos a entender a prática do unboxing a partir das palavras de John Berger (2014), onde o autor dedica-se a compreender o contágio, ou em outras palavras, por que as coisas “pegam”. Berger (2014, p. 17) defende que “as pessoas adoram compartilhar histórias, notícias e informações com aqueles ao seu redor”, considerando que “as coisas que os outros nos falam, mandam por e-mail ou mensagem têm impacto significativo sobre o que pensamos, lemos, compramos e fazemos”. Para Berger (2014, pp. 20-21), redes sociais como Facebook, Twitter e YouTube são tecnologias que “tornaram mais fácil e mais rápido compartilhar coisas [...] com um amplo número de pessoas”. Na concepção de Berger (2014, p. 40), esse desejo pelo compartilhamento é um dos fatores que tornaram as redes sociais tão populares, pois “as pessoas blogam sobre suas preferências, postam atualizações no Facebook sobre o que comeram no almoço e twitam sobre por que odeiam o atual governo”. Sobre este aspecto, Berger (2014, p. 40) cita Jason Mitchell e Diana Tamir, pesquisadores de Harvard que descobriram que “divulgar informações sobre o „eu‟ é intrinsecamente recompensador”, ou seja, compartilhar coisas sobre nós é tão recompensador quanto dinheiro ou comida. Assim, um post no Facebook pode ser tão delicioso quanto uma mordida em um chocolate, afirma a pesquisa. É interessante notarmos os seis princípios que o autor estabelece para que o contágio (ou seja, aquilo que provavelmente se espalhará) ocorra; pois percebemos que alguns destes princípios esclarecem as motivações para o compartilhamento. O 12

(BURGESS e GREEN, 2009, pp. 58-63).

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primeiro princípio é a Moeda Social. Berger (2014, p. 43) argumenta: “o boca a boca [...] é uma ferramenta primordial para causar boa impressão – tão potente quanto um carro novo ou uma bolsa Prada”. Assim, do mesmo modo “como as pessoas usam dinheiro para comprar produtos ou serviços, usam a moeda social para obter impressões positivas desejadas entre família, os amigos e colegas”. O autor acredita que compartilhamos e falamos sobre o que nos faz parecer espertos ao invés de burros, ricos ao invés de pobres e descolados ao invés de conservadores. Deste modo, Berger (2014, p. 31) destaca que “as roupas que vestimos, [...] os carros que dirigimos, aquilo que falamos influencia o modo como os outros nos veem”. Além disso, saber e compartilhar novidades, coisas interessantes ou úteis “faz as pessoas parecerem sagazes e antenadas”. Relacionando este princípio ao unboxing, podemos citar a maioria de seus exemplos que constam na rede, ou seja, abrindo embalagens e narrando suas experiências de consumo com determinados produtos, os consumidores mostram-se conhecedores (e possuidores) de produtos desejáveis, diferentes, interessantes; demonstrando, assim, que possuem acesso a produtos que podem ser até mesmo simples brinquedos e doces. Exemplificamos nossa afirmação com o vídeo Angry Birds Toy Surprise Jake and the Never Land Pirates Disney Pixar Cars 2 Easter egg Spongebob, postado no YouTube em maio de 2013 e que já contabiliza mais de 92.000.000 visualizações. Este apresenta o desembalar de ovos da Disney que contém brinquedos surpresa.

Figura 1: Prática de Unboxing com brinquedos e doces no YouTube. Fonte: .

O segundo princípio são os Gatilhos, ou seja, “pequenos lembretes ambientais

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para conceitos e ideias relacionadas” 13 . O terceiro princípio é a Emoção. Berger (2014, p. 107) acredita que “compartilhar emoções também nos ajuda a conectar. [...] Se compartilho esse vídeo com um amigo, é provável que ele se sinta inspirado de forma semelhante”. Quando estamos com raiva, excitação, assombro, alegria ou compaixão, possuímos uma tendência maior ao compartilhamento. A emoção conduz ao compartilhamento porque demonstra que nos importamos. O quarto princípio é o Público, pois de acordo com Berger (2014, pp. 129130), “as pessoas com frequência imitam aqueles ao seu redor”, onde tal imitação se dá, em parte, porque “as escolhas dos outros proporcionam informação”. O quinto princípio é o Valor Prático, isto é, “as pessoas compartilham informações com valor prático para ajudar os outros. Seja para economizar o tempo de um amigo ou garantir que um colega poupe uns dólares na próxima vez que for ao supermercado, informação útil ajuda”14. Este princípio, para Berger (2014, p. 133), demonstra que as pessoas gostam de ajudar os outros. E por fim, o sexto princípio são as Histórias, pois “as pessoas não compartilham apenas informação, elas contam histórias”. Gostamos de compartilhar histórias, e as informações importantes podem viajar entre uma pessoa e outra através de conversa fiada. Assim, podemos falar sobre responsabilidade e comprometimento recorrendo à história dos três porquinhos e do lobo mal (contos infantis são repletos de morais e lições). Em suma, o autor explica-nos como as opiniões dos outros nos afetam mais do que anúncios, que compartilhar, falar e ajudar são comportamentos fundamentais do humano e que muitas vezes compramos e agimos por influência social. Contagiar é conectar, propagar e influenciar. Ao falar sobre o quarto princípio do contágio, Berger (2014, p. 135), fala-nos também sobre a “mentalidade de rebanho”, que incita a imitação tanto de consumo quanto de ações, mentalidade que também é observada por Lindstrom (2009). Contudo, Lindstrom (2009, p. 55) atribui esse comportamento aos “neurôniosespelho”, ou seja, “neurônios que se ativam quando uma ação está sendo realizada e 13 14

(BERGER, 2014, p. 75). (BERGER, 2014, p. 157).

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quando a mesma ação está sendo observada”. Lindstrom (2009, p. 56) explica-nos: “quando assistimos alguém fazendo algo, seja um pênalti convertido em gol ou um arpejo perfeito em um piano de calda Screinway, nosso cérebro reage como se nós mesmos estivéssemos realizando aquelas atividades”, em outras palavras, “é como se ver e fazer fossem a mesma coisa”. Deste modo, os neurônios-espelho explicam porque sorrimos quando alguém nos sorri, porque ao lermos um livro sentimos as emoções dos personagens e também porque compramos coisas que os outros estão comprando – “quando vemos um par de fones de ouvidos estranhos saindo da orelha de alguém, nossos neurônios-espelho desencadeiam em nós um desejo de ter acessórios descolados iguais àqueles”. Não é à toa que os fones da Apple são brancos, lembra-nos Lindstrom (2009, pp. 57-58). Observar os outros comprando e repetir seu comportamento de compra é justificado tanto pelos neurônios-espelho quanto pela dopamina, “uma das substâncias químicas cerebrais ligadas ao prazer”. Sobre esta combinação de imitação + prazer, Lindstrom (2009, pp. 61-62) relata-nos que “existem sites de compartilhamento de vídeo inteiramente dedicados a esse tipo de prazer delegado: em www.unbox.it.com e www.unboxing.com, os internautas podem assistir a estranhos de todo o mundo abrindo suas várias compras”. Para Chad Stoller (apud LINDSTROM, 2009, p. 61) isso “é o ápice da luxúria”, pois “há muitas pessoas que aspiram que querem ter alguma coisa que está fora de seu alcance financeiro e que ainda não podem comprar. Estão procurando por uma maneira de saciar seu apetite”. Ao contrário de Stoller, não acreditamos que as pessoas observam os atos de compras de terceiros apenas porque não podem consumir tal produto e este seria o único modo de terem seu desejo saciado, ou seja, através de outra pessoa. Não excluímos tal motivação, contudo, somos mais adeptos da concepção de Berger (2014, p. 130) em acreditar que o comportamento dos outros nos nutre de informações e nos estimula a imitar (o autor define tal contexto de uma forma bem simples: “o macaco vê, o macaco faz”). Percebemos também que tal prática não se restringe apenas a sites específicos para esta finalidade.

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No YouTube15, por exemplo, há uma quantidade considerável de vídeos que contemplam o título “Unboxing” (tirar da caixa), com gravação de pessoas abrindo suas encomendas, mostrando suas novas aquisições e falando sobre as suas impressões sobre o produto, bem como características destes, tais como formato, cheiro e valor. Para David Butter (2013, online), “é impossível compreender a marca de nossos dias sem passar pelo fenômeno do unboxing”, onde “todo o embalável pode ser desembalado para o mundo”. Acredita que esta prática é a passagem do consumo ao prazer. É como se, através da mão do homem e sua tesoura (ou seu estilete), o produto viesse ao mundo, dotando-se de vida própria. Vida que aguardava revelação, dentro da caixa. Além desta vida própria, deste colorido novo ao produto, o unboxing também apresenta uma narração. Aliás, a narração é um de seus principais aspectos. A “cerimônia do unboxing”, de acordo com Butter (2013, online), emanciparia o consumidor do “artificialismo das propagandas”. Através desta prática, o consumidor toma a palavra para si, e explana suas percepções de consumo de forma espontânea, crua e sem mediações, validando-se por meios das redes sociais, de uma forma geral. Esta validação, por sua vez, se dá tanto através da adesão ao produto quanto através da crítica a este. Há demonstrações de pessoas abrindo caixas de produtos que vão desde celulares16, tablets17, brinquedos – atraindo também criança, como conta-nos Erica Buist (2014, online), videogames18, maquiagens19, até compras de Kindles20 e livro. Estes, em especial, são o nosso foco de análise neste trabalho. A seguir, apresentaremos alguns exemplos de vídeos unboxing, acompanhados de trechos de sua narração. 15

É importante ressaltar que o unboxing não acontece somente em sites especializados nesta prática ou no YouTube. É possível realizar tal prática no Twitter, por exemplo, através de fotos, tal como fez Gabriel Von Doscht, demonstrando-nos sua experiência de consumo com a Paçoquinha Cremosa. Disponível em: . 16 Disponível em: . Acesso em: 08 jun. 2014. 17 Disponível em: . Acesso em: 08 jun. 2014. 18 Disponível em: . Acesso em: 08 jun. 2014. Há também unboxing que são produzidos pelas empresas, e não pelos usuários. Disponível em: . Acesso em: 08 jun. 2014. 19 Disponível em: . Acesso em: 08 jun. 2014. 20 Disponível em: . Acesso em: 08 jun. 2014.

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Figura 2: Prática de Unboxing com livros no YouTube. Fonte: . “Ai meu Deus, essa sensação é maravilhosa. Abrir uma compra é tipo ... orgasmos. [...] Livros, livros, livros, muitos livros. [...] A Tatiane Feltrin, em um vídeo dela, indicou e eu comprei porque tava barato. [...] Olha isso aqui! O Chamado do Cuco. Calma que eu vou abrir pra vocês. [...] O cheiro disso aqui é maravilhoso [...] Não é uma porcaria não, vou mostrar pra vocês [...] Dá pra ler nas férias, tô feliz”.

Figura 3: Prática de Unboxing com livros no YouTube. Fonte: . “Cheirinho de livro novinho. [...] Eles são daquela capa normal, eles não brilham, infelizmente. Se eu gostar desses, eu compro os brilhosos. [...] É muito bonita essa capa. [...] Folha amarela, graças a Deus. [...] Esse livro tem mapa, ó, muito maneiro. [...] É muito, muito livro, não é mesmo?”

Figura 4: Prática de Unboxing com livros no YouTube. Fonte: . “Estou aqui para gravar um vídeo sobre os livros que comprei no Submarino. [...] Comprei, estava na promoção. [...] Finalmente aqui estão os livros. [...] Muito bonita a capa. [...] As brumas de Avalon, que sempre entravam em promoção então revolvi comprar, sempre tive vontade. [...] Achei que fosse maior, por isso estava em promoção. [...] No escuro, esse eu comprei pela capa. [...] Belo casamento, esse eu comprei pela capa também, espero não me arrepender [...] É um box, a capa muito linda [...] E aqui está, a pilha com os 34 livros [...].

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Figura 5: Prática de Unboxing com livros no YouTube. Fonte: . “Os livros vieram embalados assim. [...] Quando eu abrir eu mostro pra vocês [...] Lembrando que esses livros eu comprei nas Americanas, naquele Black Friday, então eu já não sei quanto deve tá cada uma [...]. Mas até ontem tava esse valor, então se você quiser, corre lá que talvez ainda dê tempo [...].

A prática de unboxing com livros contradiz as percepções de Tavares (2011, online) e Butter (2013, online). Este último acredita que tal prática “tem como objeto, sobretudo, produtos com „brandscência‟, de marcas às quais se associa mais do que apenas valor de uso ou valor de troca, mas também uma aura”. Esta afirmação contemplaria produtos da Apple, por exemplo. Já para José Eduardo Tavares (2011, online), o unboxing trata-se da “abertura de embalagens de produtos de alto valor agregado”, pois através deste, o possível consumidor do produto poderia nutrir-se de informações de outros consumidores antes de efetuar uma compra que poderia “denotar um alto grau de racionalidade para esta compra”.

3 Consumo e experiência: um jogo sensações do outro eu A prática do unboxing pensada através da concepção Barbosa e Campbell (2006) sobre consumo, centra-se em conceber que a experiência do consumo também é construída através do acesso, não apenas por meio da aquisição de um produto ou serviço, como abordado comumente pela visão tradicionalista sobre o consumo a partir da observação do constructo etimológico derivado do latim consumere, que significa usar tudo, esgotar e destruir. Trata-se de uma experiência de consumo concebida por vieses essencialmente sociais, culturais e psicológicos. Assim, consumo e experiência são essencialmente imbricados e distancia-se da percepção superficial constituída no consumo atrelado apenas ao status/classe 12

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social. Como abordado por Rocha (2006), o consumo compreende diferentes códigos culturais que quando veiculado pelos meios de comunicação constroem um complexo processo de socialização, que implicam em diferentes condições de envolvimento característico da cultura contemporânea. A relação construída supera o ato de compra de diferentes produtos, evidenciando um mistério sustentado nas sensações, constituídas pelas diversas práticas e saberes desencadeados no simples ato de abrir a caixa e descobrir o segredo como, no caso do unboxing. Desta forma, a experiência do consumo e o consumo da experiência parecem estar atrelados a questões que as pessoas possam se fazer em relação a sua realidade e a necessidade de ser, mas também saber (CAMPBELL, 2006). É evidente que essas maneiras de representar o ato do consumo nas redes sociais trata-se de um fato social, onde o outro precisa lançar mão da sua privacidade e expor-se ao demais como ator principal de uma narrativa que pode ser experimentada por todos, cada um a sua maneira e consequentemente, com processos de significação distintos, que conforme Barbosa (2006, p.108) “toda atividade, das mais triviais e cotidianas às mais excepcionais e específicas, ocorre sempre em um determinado sistema simbólico que lhe dá significado”. Ainda, para pensar o consumo e a experiência também vale lembrar-se de uma afirmativa de Rocha (2006, p. 86) “é preciso conhecer como a cultura constrói essa experiência na vida cotidiana, como atuam os códigos culturais que dão coerência às práticas [...]”. A experiência do consumo propagada nas e pelas mídias digitais, em especial o YouTube, configuram uma forma privilegiada de ler o mundo que nos cerca, com diferentes significações advindas da esfera econômica, social e cultural responsáveis por conformar a maneira de ser dos sujeitos e seus modos de consumir. Ao observar o mundo que nos cerca e que condiciona grande parte das nossas ações, é perceptível à curiosidade e a necessidade de saber fatos relacionados ao outro como algo intrínseco nos sujeitos, que não se satisfazem mais com a compra em si, mas com os modos como essa aquisição é tratada pelos demais e convertida em informação. 13

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Tudo isso, nos encaminha para o que Rocha (2006) chama de a “cultura do outro”, que no presente artigo é retratado através da elaboração de vídeos que expressam o momento do desvendar, ou seja, experimentar aquele momento de contato com o produto, o livro. A partir da construção de uma narrativa, que apresenta o sujeito que possui o poder de compra e demonstra esse próprio poder através de uma relação subjetiva com os valores agregados ao produto, expressados em seu discurso. Deste modo, temos no fenômeno unboxing de livros a vivência da experiência do outro, como fator propulsor para a constituição de uma nova experiência, agora do eu espectador, por meio de um vídeo caseiro, que apresenta uma linguagem informal e um lugar cotidiano, que explicita como as pessoas estabelecem suas relações com os valores subjetivos presentes no objeto e para com os outros, através do compartilhamento de suas experiências via rede social, buscando dar sentido ao seu mundo, mais do que efetuar classificações ou seleções.

4 Conclusões Ao gravar o vídeo, o consumidor retrata a sua experiência de consumo, narrando e mostrando a quem assiste aquilo que desembala. Quando o vídeo é assistido, outro consumidor possui um consumo de experiência, a experiência de outro consumidor, desconhecido ou não, que lhe transmite, através da tela, a fruição do produto e do ato de consumir. Para, além disso, o unboxing de livros nos mostra que este consumo relaciona-se não somente ao ato de ler a obra, mas sentir, tocar, apreciar. A leitura é enriquecida de outros sentidos, complementando tanto a experiência de consumo quanto a experiência da leitura. Os fabricantes desses produtos, assim como as lojas que os comercializam através do sistema de vendas via internet (e-commerce) também se preocupam cada vez mais em propiciar ao consumidor uma experiência agradável (para não dizer única) ao receber suas encomendas. Considerando que, talvez, o único contato que ocorre entre as partes se dá no momento da entrega, o invólucro, o acondicionamento, a apresentação e demais cuidados com o referido produto são muito importantes e tem 14

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uma função essencial para criar um vínculo emocional entre aquele que vende e aquele que compra, fidelizando o cliente, entre outros fatores, também através da experiência do unboxing. Referências BARBOSA, Livia. Cultura, consumo e identidade: limpeza e poluição na sociedade brasileira contemporânea. In: BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (Org.). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006. p.107-136. BERGER, Jonah. Contágio: por que as coisas pegam. Rio de Janeiro: Leya, 2014. BUIST, Erica. Unboxing – the YouTube phenomenon that lets you see what you're getting. The Guardian, 2013. Disponível em: . Acesso em: 01 ago. 2014. BUTTER, David. Unboxing de tudo. Disponível em: . Acesso em: 01 ago. 2014. BURGESS, Jean; GREEN, Josua. YouTube e a Revolução Digital: Como o maior fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. São Paulo: Aleph, 2009.

CAMPBELL, Colin. Eu compro, logo sei que existo: as bases metafísicas do consumo moderno. In BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (Org.). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006. p. 47-64. DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron C. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2004. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. 2ª ed. São Paulo: Aleph, 2009. LINDSTROM, Martin. A lógica do consumo: verdade e mentiras sobre por que compramos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. ROCHA, Everardo. Representações do consumo: estudos sobre a narrativa publicitária. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Mauad, 2006, p. 85-119.

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