O contemporâneo e a poesia

June 7, 2017 | Autor: Aline Costa | Categoria: Poesia
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O contemporâneo e a poesia



Antes de falar de poesia contemporânea é preciso ter em mente o
conceito de contemporâneo. Não estamos falando aqui do simples conceito que
diz ser "aquele que é de nosso tempo, atual, moderno"¹, mas sim do conceito
de literatura contemporânea, especialmente voltado para a poesia, uma
discussão que vai muito além desse princípio, gerando opiniões diversas
entre críticos do assunto. Giorgio Agamben, Suzana Scramim e Beatriz
Resende são alguns desses críticos sobre os quais falaremos no presente
trabalho.
Pode-se lidar com a poesia contemporânea como aquela produzida a
partir da semana de 22. A escolha dessa data deve-se à Semana de 1922,
grande marco da arte moderna no Brasil. Cabe aqui lembrar que os autores
que produziram os trabalhos apresentados foram incompreendidos pela
sociedade da época e por isso não foram bem aceitos, como demonstra Lucia
Helena em seu livro Modernismo Brasileiro e Vanguarda². Tal fato pode ser
visto como um indício de que aqueles artistas estavam à frente de seu
tempo, visto que viriam a se consagrar anos mais tarde. Tem-se aqui a
primeira possibilidade de visão do contemporâneo como aquele que está à
frente de seu tempo e que muitas vezes só virá a ser e aceito em um momento
futuro
Em uma outra abordagem, Beatriz Resende em seu livro Contemporâneos³
fala sobre escritores da prosa inseridos no que ela mesma chama de
contemporaníssimo, ou mais claramente, o que foi produzido nas últimas duas
décadas. Beatriz Resende traça as principais características de alguns
autores situados à margem da literatura convencional, especialmente na
prosa, apresentando textos que tratam de temas ligados à violência, e que
expressam a realidade vivida pela sociedade atual. Os autores privilegiados
pela pesquisadora fazem parte de uma minoria que busca expressão literária
para expor não só suas aflições pessoais, mas especialmente as aflições dos
tempos atuais.
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A ideia defendida pela autora é que a produção literária contemporânea
está atrelada ao cotidiano das cidades e que este cotidiano estaria
intimamente ligado à violência e aos desafios que aqueles que estão à
margem da sociedade enfrentam nos dias atuais. Vê-se, portanto, o que a
autora trata como retorno do trágico . A literatura atual mostra-se para
Beatriz Resende de forma vigorosa, inquietante e capaz de tirar o leitor de
uma zona de conforto. Pode-se destacar ainda deste texto a afirmação de que
o que atrai na arte contemporânea é: "aquilo que a ela intencionalmente
falta, o que não está evidente na obra" , tema que é melhor explorado por
Agamben, capaz de clarificar tal afirmação.

Beatriz Resende foca os seus estudos na prosa trazendo em seu livro
algumas referências à poesia utilizando-a como exemplo sem, no entanto,
elucidar suas características ou apresentar outro comentário a respeito
dela. Se não a exclui totalmente, também não a discute. Tal fato nos leva a
pensar nos motivos para tal escolha de discurso, conduzindo o leitor à
indagação se seria ou não possível traçar os caminhos da poesia
contemporânea a partir de suas ideias. Tal escolha de trabalhar com a prosa
permite ao leitor crer que uma delimitação, uma caracterização da poesia
feita a partir da mesma linha de pensamento com que elaborou o perfil da
prosa contemporânea não seja possível.
De maneira diversa ao conceito apresentado por Beatriz Resende, outro
teórico por nós elencado no presente trabalho é Giorgio Agamben que propõe
algumas definições para o conceito de contemporâneo. A primeira diz
respeito ao anacronismo do texto e a relação única que o contemporâneo tem
com o tempo. O texto assim definido não adere a nenhum momento específico
no tempo. Para ele, uma produção que coincida sob muitos aspectos com o
momento em que é escrita não seria na verdade contemporânea, pois por estar
muito conectada nesse tempo não o deixaria ver como um todo, não o veria
sob todos os aspectos. Exemplificando, é como uma pessoa dentro de uma
casa, de um cômodo. A sua visão estará restrita, diferentemente de quem
está do lado de fora e pode circundá-la, olhar pelas portas e janelas e ver
o seu interior.

Para o filósofo há uma fissura no tempo, e o contemporâneo percebe
tal fissura, além de apreender o seu tempo. A segunda definição diz
ser o contemporâneo aquele

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que percebe o escuro do seu tempo. Ele diz: "Contemporâneo é aquele que
mantém fixo o seu olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas
o escuro. Todos os tempos são, para quem deles experimenta
contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é, justamente, aquele que sabe
ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas
do presente." Agamben faz uso de teorias da neurofisiologia para explicar
o conceito de escuro que, ao contrário de uma não visão, seria fruto da
atividade das off-cells, que são células periféricas que tem suas
atividades ativadas por conta da falta da luz. O que ele quer dizer com
isso é que não estamos pacíficos diante do escuro. O escuro é um tipo de
visão. Ser contemporâneo é, portanto, ter habilidade para "neutralizar as
luzes que provém da época para descobrir suas trevas" . Não só isso, mas
também, ele procura alcançá-lo, sem, no entanto, poder fazê-lo. É nesta
impossibilidade de apreensão que está o contemporâneo. Há um grande
paradoxo em ser contemporâneo. Temos ainda uma terceira possibilidade de
definição: "é perceber no escuro a luz que, dirigida para nós, distancia-se
infinitamente de nós [...] é ser pontual num compromisso ao qual se pode
apenas faltar" , ou seja, o contemporâneo está ali para o percebermos, mas
é, no entanto, inapreensível, impenetrável.

O filósofo também esclarece que "a contemporaneidade se escreve no
presente assinalando-o antes de tudo como arcaico, e somente quem percebe
no mais moderno e recente os índices e as assinaturas do arcaico pode dele
ser contemporâneo".¹ Explicando, o arcaico é o que se encontra próximo à
origem, não somente em um passado cronológico, mas como algo que permanece
sendo contemporâneo do que virá a ser, do que ainda está por vir. A origem
está entranhada em toda a produção que nasce após ela. O que é produzido
não é uma novidade absoluta, mas possui nas entrelinhas todo o rumo da
criação, toda uma história.

Para Agamben, portanto, a relação entre contemporaneidade e tempo
cronológico não procede, ao menos não neste encaixe de contemporâneo e
tempo atual que é conhecido normalmente. A relação do contemporâneo e o
tempo se dá em uma outra esfera no passado e não no presente como pensado
por Beatriz Resende. Para ele,

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contemporâneo é aquele que de alguma forma dialoga com um momento, sem
estar, no entanto, necessariamente inserido neste. Dentro deste pensamento
o poeta seria aquele que enxerga a realidade de modo peculiar e a traz à
tona, colocando-a nas mãos do leitor. O que não significa que ele dirá tudo
e que dirá o óbvio, pois o contemporâneo trata do inapreensível. Dizer o
óbvio seria falar daquilo que está evidente. Quando Agamben diz que o poeta
contemporâneo percebe a obscuridade, ele fala do inapreensível no texto. O
que se lê como contemporâneo para Agamben é aquilo que sempre retorna a um
momento inespecífico. Pois ele compreende que todo o texto é produzido a
partir de algo já existe, perdendo-se assim a origem deste retorno. Esse
retorno não é nostalgia nem uma busca de uma origem. É um retorno para
lançar o poema adiante. Ou como diz Susana Scramim no texto de abertura da
tradução do livro de Agamben para o português "poesia é esse movimento do
olhar para trás operado no poema e, portanto, um olhar para o não-vivido no
que é vivido, tal como a vida do contemporâneo".¹¹

Sobre essa evidência, Roland Barthes cita em seu texto O Prazer do
Texto¹², que o que dá prazer ao leitor não é o óbvio, mas aquilo que fica
sugerido, que instiga. Para ele, o prazer que o escritor experimenta aos
escrever um texto não garante o prazer de seu leitor. É este imprevisto que
faz com que o texto seja um espaço de fruição. Não é o certo que atrai, mas
as incertezas, aquilo que não pode ser apreendido que faz com que o texto
seja instigante. Para Barthes, o texto deve apresentar características que
mostrem ao leitor o seu desejo. O texto teria duas margens: uma mais
sensata, previsível, que faz uso da língua que se conhece, fruto da
convenção social; e por outro lado haveria uma segunda margem móvel, no
qual ocorreria a morte desta mesma linguagem, para a criação de outros
sentidos. A fruição do texto estaria presente no espaço entre essas duas
margens do texto. E justamente nessas duas margens estaria o valor do
texto. Um texto realmente de valor, deveria para ele obrigatoriamente
apresentar essas duas faces.

O semiólogo explica ainda que o texto de prazer para ele é aquele que
estabelece uma relação de conforto com o leitor, que não rompe com a
cultura e que traz contentamento. Ao contrário o texto de fruição é aquele
que desconstrói e que desconforta o leitor seja do ponto de vista
histórico, cultural ou até mesmo psicológico.

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O texto de fruição coloraria em questão a sua relação com a própria
linguagem. Em outras palavras, o texto de prazer é para ele o texto
previsível sem surpresas que não mexe com o leitor no sentido de lidar com
algo para ele inesperado ou imprevisível. Já o texto de fruição quebraria
regras estabelecidas, traria um novo, algo que revê a relação entre texto e
linguagem, estabelecendo outras relações de sentido que se lançam em um
tempo que não o seu, justamente por conta desta quebra de convenções.
Barthes considera como anacrônico o texto que domina as duas margens, a
saber: a do prazer e a da fruição, uma buscando consistência e a outra
perda, desconstrução. Ele diz: "Alguns querem um texto (uma arte, uma
pintura) sem sombra, cortada da 'ideologia dominante'; mas é querer um
texto sem fecundidade, sem produtividade, um texto estéril. Um texto tem
necessidade de sua sombra: essa sombra é um pouco de ideologia, um pouco de
representação, um pouco de sujeito: fantasmas, bolsos, rastos, nuvens
necessárias; a subversão deve produzir seu próprio claro-escuro."¹³ Com
essa afirmação tem-se mais uma vez exposta a ideia de que um texto de
qualidade não pode ser absolutamente claro, ao contrário, deve possuir suas
sombras. É nessas sombras que está o potencial do texto. Ele não faz parte
de uma ideologia dominante, ou seja, não está inserido somente em um padrão
já esperado. Ele deve possuir "fantasmas, bolsos, rastos, nuvens". Ou seja,
possuir locais ocultos, entranhas que permitam que jamais seja dominado
totalmente. Ele define ainda o texto de fruição como "o prazer em porções;
a língua em porções; a cultura em porções [...]"¹ . O texto vem em porções,
não por inteiro, totalmente apreensível.

A respeito do conceito de tempo, Susana Scramim em seu livro
Literatura do presente – história e anacronismo dos textos¹ se apoia no
pensamento de Agamben, além no de outros, para chamar a atenção de seus
leitores de que é preciso repensar a relação entre tempo e história. Ambos
são conceitos distintos, porém interdependentes. Sendo assim uma concepção
de tempo segue uma concepção de história e esta por sua vez localiza-se em
uma experiência com o tempo que a condiciona. Portanto, para que se mude a
percepção de um conceito é preciso automaticamente repensar o outro. Sobre
a concepção de tempo Georges Didi-Huberman, também citado por Susana
Scramim,

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apresenta o conceito de anacronismo em seu texto Diante do Tempo¹ ,
importante termo para que se compreenda o presente trabalho.

Nele, o autor, através do exemplo de uma pintura renascentista, diz:













Ao se admirar uma obra de arte em um momento presente, não é possível
para seu observador olhá-la sob a mesma perspectiva na qual esta foi
produzida. A leitura deste que a observa será feita a partir de suas
experiências de vida pessoal, mas mais importante do que isso, ela será
feita a partir de tudo aquilo que foi construído após a concepção da obra.
Um artista que produz uma peça de arte, a partir do momento que a dá por
concluída e a entrega para a sociedade, perde totalmente o controle sob a
mesma sem nunca poder ter garantida a apreensão dela da forma em que o
artista a idealizou. A obra se lança para um tempo que não estará
estagnado, mas ao contrário, está em um movimento constante. A obra
contemporânea é capaz de ter o seu sentido refeito a todo o instante
sobreviver a este movimento. É preciso ressaltar, no entanto, que esta peça
de arte está também plena de memória. O que não significa que se deva fazer
da arte um documento histórico. O anacronismo como elemento da obra
contemporânea se faz essencial a partir do momento em que se entende que o
tempo para a cultura é relativo e que há uma reconfiguração do presente a
todo instante nas artes. Tem-se por outro lado, um retorno incessante a
memória da obra, feita de outras obras que implicitamente estão inseridas
nesta. Como já foi dito, uma obra não parte do nada. Ela nasce da
experiência de tudo o que foi criado até o momento de sua concepção. Falar
de um texto anacrônico é se referir a um texto que traz o passado implícito
e um potencial de resignificação constante.

Tal sentido é apreendido plenamente quando se compreende que ao ler um
texto escrito seja em qual momento for, não é possível lê-lo sem a
influência do que foi produzido até então e com o momento presente. Muitas
vezes o autor atingirá sentidos em seu texto que ele próprio não havia
imaginado.

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Recuperando então o que foi mencionado anteriormente sobre o conceito
de tempo e história. Para se compreender o que é o contemporâneo, é
preciso mudar a relação entre cultura, tempo e história e desvincular a
ideia de arte como documento. Compreende-se a partir da leitura feita até
aqui que um texto contemporâneo é necessariamente anacrônico, desvinculando-
se, portanto da ideia tradicional de arte como registro representante de um
tempo.

Diante das considerações apresentadas até este ponto, percebe-se que
uma delimitação temporal, como a que Beatriz Resende dá ao tratar a prosa,
não é possível. Isso explicaria o fato de a autora apresentar a poesia em
seu trabalho, sem, como já foi mencionado, desenvolver o tema. Ou seja,
percebemos nos estudos da pesquisadora uma impossibilidade de lidar com a
poesia contemporânea. Se contemporâneo é aquele que atravessa a barreira do
tempo e pode ser lido e percebido não só com a história que trás em si, mas
com o olhar de um presente, da presentificação trazido pelo leitor, percebe-
se até aqui que a literatura contemporânea não é produzida com seu sentido
pleno, vindo a buscar um sentido a partir do encontro com o seu leitor, sem
nunca atingir-lo plenamente. Ou seja, o texto que se propõe contemporâneo,
não possui uma direção certa, uma fórmula. Ele ultrapassa estas noções e se
lança para um tempo não específico. Não há previsibilidade. Não há um
caminho certo, ou mesmo um saber previsível. O que há é apenas uma
tentativa de produzir uma literatura. Como Susana Scramim diz:

"A literatura do presente que envolve uma noção muito maior do
que a noção de contemporâneo é aquela que assume o risco inclusive de
deixar de ser literatura, ou ainda, de fazer com que a literatura se
coloque num lugar outro, [...]"¹

Além da impossibilidade de tratarmos a poesia delimitando-a a um
tempo cronológico, há igualmente a perda de finalidade em buscar
características nas obras contemporâneas que as enquadrem como tal, pois
como já foi apresentado, ela não possui uma forma, ou direção previsíveis.
Se houvesse, portanto, uma busca em compreender o seu contexto, e vinculá-
la a um período de tempo esta seria uma tentativa de anexar a poesia
contemporânea a um pensamento ligado à história, o que se mostrou
inapropriado.

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O foco sobre a literatura do presente deve permanecer em seu
potencial, o que ela potencialmente traz ou no que está em seu interior e
não em como se apresenta externamente. Percebe-se que tudo o que é escrito
em um determinado momento, possui entranhado em si o que foi escrito
anteriormente, pois não é possível produzir algo a partir do nada. A
impossibilidade de uma experiência totalmente inédita faz parte da
realidade atual. Há no texto literário, portanto, duas dimensões. Uma
dimensão de tempo no qual o poema foi efetivamente escrito e outra
anacrônica, que usará o seu potencial para possibilitar formações de
sentido independente de tempos cronológicos. Isso não quer dizer que o
leitor apreenderá o texto como um todo, ao contrário na impossibilidade de
apreensão do texto que está o seu potencial, tornando-o contemporâneo
efetivamente.

Tendo claro o conceito de contemporâneo, passasse à questão dos pontos
que auxiliam a percepção do que tomamos como potencial do texto. Para isso
recorre-se mais uma vez ao texto de Susana Scramim. A respeito do potencial
ela diz:




"As obras que consideramos portadoras desses estratos de tempo
'presente'¹ serão aquelas que lograram selecionar os valores que se
encontram formalizados numa economia dos afetos, que não são
precisamente uma forma, mas antes maneiras de combinar os efeitos do
processo de 'vir-a-ser' e extinguir-se das obras"²



Ao contrário do que aconteceu em outros momentos da história, não se
busca hoje reunir escritores em um bloco com características que os
aproximam, mas ao contrário, os escritores contemporâneos não possuem um
desejo pelo "fazer artístico", mas um desejo de "arte". A maneira como se
atingirá isso será diversa e menos importante do que o que potencialmente
se quer atingir, que é a própria arte. O autor contemporâneo arrisca-se no
potencial de seu texto, não no que ele apresenta no momento em que é findo
o seu processo de criação, mas em todas as possibilidades de leitura e
entendimento que se criarão em tempos futuros em sua obra. Pode-se até
dizer que o texto não termina quando é concluída a sua escrita. Na verdade
ele estaria apenas começando. A chamada economia dos afetos diria respeito
às formas de combinar elementos, ideias que possibilitará este 'vir-a-
ser', não limitando o potencial da obra.

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Essa é a verdadeira arte: o saber manipular valores, entendimentos e lançá-
los para todo o seu potencial de sentido. Não é, portanto, "um ato de
linguagem", pois este se esgota quando o objetivo da comunicação é
alcançado.

O contemporâneo se veria em meio a uma "aporia", isto é, ausência de
caminho. E aceita a condição de haver em seu texto um "querer fazer" sem a
certeza de que este objetivo sequer será alcançado. Não se sugere, no
entanto, que o poeta escreva abandonando todo o seu conhecimento e conceito
de literatura. O que Susana Scramim sugere é que se abandone "a concepção
de poesia baseada na tradição"²¹

O erro cometido pelos críticos que rejeitam a poesia contemporânea é
a busca dos elementos da tradição no que é produzido por esses poetas. A
poesia contemporânea envolve o comum, todos os tempos e busca a "aporia",
lembramos, porém, que o passado está implícito em toda a obra. Quando se
avalia uma obra criticamente não se pode basear apenas em critérios como
uma língua comum, uma identidade linguística, de pertencer a um gênero ou
de fazer parte de um grupo artístico. Não há um estilo em que possa ser
enquadrado ou uma tipologia que o identifique, como esclarece Susana
Scramim. Ela diz ainda: "Não importa identificar no texto as diversas
linguagens ali presentes, e constatar se estão, ou não, adequadas ao
contexto que as produziu,importa é não deixarmos escapar, bem como
preservar a sua 'potência de não-'".²² Em outras palavras, é preciso
garantir a não apreensão do texto em sua plenitude. Tentar desdobrar e
compreender um texto como um todo e matar o seu potencial. Se o conseguimos
fazê-lo é porque este texto não é verdadeiramente contemporâneo. A poesia
do presente é "uma poesia que não se preocupa com a atualização e
homologação do arquivo ou mesmo do passado, uma vez que compreende o
presente como um aqui e agora"²³. Ela se lança para além desse tempo, porém
atenta a este e trazendo em si a herança de um passado.

Conclui-se no presente trabalho a revisão do termo Contemporâneo
elevando-o para um conceito muito mais amplo do que o que o assinala como o
que vive no mesmo tempo cronológico. Cabe a todos os que trabalham com a
literatura, garantir a sua sobrevivência a partir de uma não apreensão,
deixando-a livre para exercer todo o seu potencial de significados. A
poesia contemporânea é, nesse sentido, a aquela que é fruto de tudo o
fazer poético executado até o presente, é a poesia que não se
prende a

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conceitos, fórmulas e formas, que se arrisca e que não se atém a um tempo
cronológico. Ela é detentora de duas escalas de tempo: a de um tempo
cronológico, em que é efetivamente produzida, e a de um tempo contido em si
mesma que se reconfigura a todo instante, refanzendo-se em sentidos que se
constroem incessantes, e se tornam não -identificáveis diante de um olhar
histórico, podendo sempre fazer parte de um tempo presente seja ele qual
for. O poeta contemporâneo é que aquele que enxerga o que não é visto por
outros, mas ao contrário do que se pensava, ele não o faz para apreender,
dominar um sentido, mas para deixá-lo em seu mistério. Delimitar o
contemporâneo em um tempo atinge o efeito contrário, a de assumir a sua não-
contemporaneidade. O poeta contemporâneo não é, portanto, delimitável, mas
justamente aquele que não se encaixa em uma concepção cronológica e assim
também o é sua poesia.





































Referência bibliografia:

AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo. Trad. Vinicius Nicastro Honesko.
Chapecó: Argos, 2009.

BARTHES, Roland. O prazer do texto. Trad. J. Guinsburg. 4 ed. São Paulo:
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DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante do tempo. História da Arte e anacronismo das
imagens. Paris: Les Éditions de Minuit, 2000.

HELENA, Lúcia. Modernismo brasileiro e vanguarda. São Paulo: Ática, 2000.
p.10

RESENDE, Beatriz. Contemporâneos – expressões da literatura brasileira do
século XXI. Rio de Janeiro: Casa da Palavra. 2008.

SCRAMIM, Susana. Literatura do presente: história e anacronismo dos textos.
Chapecó: Argos, 2007.












































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¹ BUENO, Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD,
2000. p .193
² HELENA, Lúcia. Modernismo brasileiro e vanguarda. São Paulo: Ática, 2000.
p.10
³ RESENDE, Beatriz. Contemporâneos
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