O contexto em que vivia Wittgenstein

June 21, 2017 | Autor: Alado Shadaw | Categoria: Ludwig Wittgenstein
Share Embed


Descrição do Produto



O nosso objetivo neste ponto não é descrever as políticas dadas durante o Império Austro-húngaro, mas sim descrever um pouco sobre como se desenvolveu tal Império. Ciente disto, não adentraremos muito em detalhes sobre o assunto, contudo, para um maior aprofundamento recomendamos a leitura de http://www.dw.de/1918fimdoimp%C3%A9riodoshabsburgos/a672182.
Kakania é um termo criado por Robert Musil para se referir ao modo particular do Império Austro-húngaro. Com um significado ambíguo, Kakania faz referência as iniciais K.K. (Kaiserlich-Königlich – imperial-real) ou K. u. K. (Kaiserlich und Königlich – imperial e real), pois não havia uma distinção presente na mentalidade das pessoas, onde oficialmente se chamava Monarquia Austro-Húngaro, nas ruas desta monarquia falava-se em Áustria. O segundo significado, num sentido pejorativo, relembra a linguagem de jardim de infância alemão, trazendo a memória a correspondência com "excremência" ou "País de Merda".
Antes da liberdade sexual, onde a prática sexual era destinada para pessoas casadas, muitos jovens vienense procuravam prostitutas para satisfazerem seus desejos. Contudo, a sociedade dissimulava tal fato para não pôr em público (o que já era) a "honra" de tais cidadãos. A maior causa desta falsidade está no fato que as prostitutas viviam na maior miséria e desprezo.
Ele foi utilizado de cobaia nos experimentos de Wittgenstein em psicologia. (BUCHHOLZ, 2009, p. 40)
A ideia de que o amor é mais forte na ausência do ser amado; a proximidade física aumenta o desejo sexual e contamina o amor (Cf. 92-93, MONK, R. Wittgenstein. O dever do gênio. Tradução de Carlos Afonso Malferrari. São Paulo, Cia. Das Letras, 1995.)"
Este código não era difícil de decifrar e consistia em inverter a ordem das letras do alfabeto da seguinte maneira: 'a' corresponde a 'z', 'b' a 'y', 'c' a 'x' e assim por diante. Provavelmente, Wittgenstein tenha escrito dessa forma para impedir que seus companheiros de guerra lessem seus escritos. (Cf. PINTO, 1998, p. 47)
Publicado pela primeira vez em 1890 na Suíça, Breve exposição do evangelho traz uma visão de um pensamento altamente pessoal acerca do cristianismo. Tolstoi defendia para cada ato sobrenatural presente nos Evangelhos uma explicação lógica e racional. Segundo ele, tudo é subordinado pela razão (Cf. PINTO, 1998, p. 79), resgatando um princípio do filósofo medieval Abelardo (1079-1142) intelligo ut credam, defende que, para crer, é preciso entender.
SUMÁRIO
Primeiro capítulo 2
1. o caráter essencial da INTELECTUALIDADE vienense no período anterior ao tractatus 2
1.1 A monarquia dual: O império Áustro-Hugara e seu declínio 2
1.1.1 Viena: O Centro Onde Todos Se Encontravam 4
1.2 O contexto ético-metafísico influenciador de Wittgenstein 6
1.3 O contexto da análise da linguagem nas décadas de 1890 e 1900 11
1.4 O Teatro do Absurdo 15



Primeiro capítulo
1. o caráter essencial da INTELECTUALIDADE vienense no período anterior ao tractatus
1.1 A monarquia dual: O império Austro-húngaro e seu declínio
Como se deu a história de um império com mais de 600 anos de reinado. A dinastia dos Habsburgos, onde seu poder alcançava uma extensão que superou o império de Carlos Magno, se estendia de Gibraltar à Hungria e da Sicília a Amsterdã, tiveram seu poderio tão extenso que alcançaram o Novo Mundo. Nos debrucemos agora sobre a grande história deste império.
A família Habsburgos tem sua origem em Aargau, na Suíça, passando a fazer parte das famílias reais da Europa a partir dos primeiros anos do século XI. O reinado deu início com a nomeação de Rodolfo I para imperador do Sacro Império Romano-Germânico, e, passado muitos anos, um período de muita expansão territorial se deu com Maximiliano I (1459-1519), graças a política idealizada por este, por meio de casamentos e heranças, anexou a tal império os territórios dos Países Baixos, do reino de Borgonha, o norte da atual Itália, a Hungria e Boêmia. Casando seu filho, Filipe, com Joana, herdeira das possessões de Castela e Aragão (inclusive Nápoles e Sicília), o grande beneficiado com isto tudo foi o herdeiro Carlos V. Com isto, a Casa de Habsburgo passa a ter domínio sobre as coroas de quatro grandes dinastias reinantes na Europa Moderna (Castela, Aragão, Borgonha e Áustria), posteriormente são anexadas as coroas da Boêmia, Hungria, Portugal, Inglaterra, chegando a conquistar territórios espanhóis e o Novo Mundo. Com um império com uma território imenso, Carlos V sonhava em ter um Estado europeu, e por que não citar o comentário de um de seus ministros que falava de uma "monarquia mundial". Porém, na vida dos sonhos dos Habsburgos tudo é uma possibilidade de existência, um dos grandes impedimentos para isso se concretizar como também manter o grande império já conquistado era a infelicidades que no decorrer de suas conquistas "os Habsburgos simplesmente tinha inimigos demais a combater e frentes demais a defender" (KENNEDY, 1989, p. 55). Prova disto é o fato de entre 1519 a 1659, os Habsburgos tentaram dominar a Europa, mas foram derrotados nesta pretensão pelos reis franceses e príncipes germânicos. Sua decadência começou com a queda da Europa central, com as investidas napoleônicas, sobre tudo, com as tropas de Napoleão dominando Viena. A partir de 1849, período de reinado de Francisco José, os principados germânicos, unificados na então Alemanha, derrotaram as tropas austríacas. Este declínio se agravou com as separações da Hungria que conseguiu sua independência e os povos eslavos sua autonomia.
Essas separações que muito prejudicou o Império Austro-húngaro é uma consequência da posse de várias etnias sobre seu domínio – "uma ingovernável mistura de alemães, rutenos, italianos, eslavos, romenos, tchecos, poloneses, magiares, croatas, saxões, sérvios e transilvanos" (A. Janik e S. Toulmin, 1991, p.34) – somando ao ponto de que a política era envolvida numa Kakania, havia uma dualidade nas ações do governo: tendo um sistema clerical, suas atitudes eram de uma vida liberal; mesmo possuindo um parlamento, este não funcionava, pois os parlamentares viviam em tão grande liberdade ao ponto do parlamento ser mantido fechado, sem mencionar a Lei de Poderes de Emergência, outorgando a administração sem Parlamento. Torna-se perceptível que a vida governamental do império funcionava seguindo "uma estrutura constitucional há muito estabelecida e, portanto, ultrapassada, não conseguia, em pontos fundamentais, adaptar-se ao processo de mudanças exigido pela sua contingência histórica." (ALBUQUERQUE, 2008, p.50).
A fase de decadência da dinastia deu-se no final de mais uma derrota de suas tropas numa luta armada. O golpe nunca pensado por Rodolfo I, tão devastador para o grandioso império, ocorreu na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando a Áustria perdeu três quartos do seu território e passou a não deter de saída marítima.
Na tentativa de fuga dessa desordem do Império, a burguesia, que estava em ascensão, expressava sua posição contra a já ultrapassada aristocracia católica da monarquia Habsburgo. Dentro de seu castelo, nas próprias mobílias dos lares, o burguês começa a contemplar o belo que há ou que pode haver em seu lar, ele "descobrira na arte um instrumento de instrução em virtude metafísica e moral" (A. Janik e S. Toulmin, 1991, p.39). Nos anos áureos da Cidade dos Sonhos, ser burguês também equivalia ser contemplador das artes, mais apenas como mais um critério dos requisitos para ser considerando um autêntico burguês. Uma sociedade enfestada de hipocrisia para permanecer perante os demais desta sociedade numa situação favorável. O resultado dessa geração de burgueses, foi uma mudança da mentalidade nas gerações posteriores, onde antes o "Negócio é Negócio" e a arte era uma evidência dessa vida de negócio, agora a "Arte é Arte" e os negócios eram uma distração que levava as pessoas a desviar da criação artística, o que antes prestigiava os valores do passado por meio de coleções, a nova geração era inovadora e contemplava o futuro, isso era o que movia as vidas dos novos vienenses.
Na verdade, como centro intelectual e cultural reconhecido, Viena era completamente incapaz de enfrentar seus críticos. (Wittgenstein é reconhecido como) um dos gênios a perceber que o escapismo dos estetas não passava de uma falsa solução narcisista para romper com o engessamento da forma de vida burguesa. Assim, coube a ele (...) exercer uma crítica fundamental dos meios usuais de expressão. (ALBUQUERQUE, 2008, p.54.)
A tal geração posterior de estetas tinha na poesia uma liberdade das prisões colocadas pela sociedade burguesa, pois utilizavam de uma linguagem mais autêntica. Isto provocou uma reflexão por parte de Karl Kraus, Arnold Schönberg, Adolf Loos e Ludwig Wittgenstein, ao que se refere a essa fuga que os estetas tanto desejaram, o quarteto a cima percebeu no escapismo dessa geração uma pseudo-solução narcisista do problema.
1.1.1 Viena: O Centro Onde Todos Se Encontravam
O império-reino dos Habsburgo não era uma grande ligação de centros culturais, podíamos encontrar tudo o que era preciso na tão sonhadora Viena. No país só havia uma universidade confiável, sem mencionar que possuía um desenvolvimento notável em relação a circunvizinhança e grande parte desse desenvolvimento se encontrava num mesmo lugar não muito grande.
Viena era o centro do império para a burguesia, a referência por onde tudo e todos deviam passar. A partir destas últimas palavras, podemos compreender o porquê de Anton Bruckner ser professor de piano de Ludwig Boltzmann; de Gustav Mahler ser acompanhado por Freud; que este bateu-se em duelo com Viktor Adler, que por sua vez frequentou o mesmo colégio de Carlos I; como também o mesmo Adler, juntamente com Schnitzler e Freud, tinham sido assistentes na clínica de Meynert. Com isso, percebemos o contexto em que se encontravam os líderes culturais da cidade nos últimos respiros da Monarquia dos Habsburgo, em um centro urbano não muito grande em comparação com os macrocentros contemporâneos, não havia nenhuma dificuldade deles se cruzarem em um passeio pelas ruas de Viena, ou se depararem num café e começarem uma conversa, sem comentar que muitos eram amigos íntimos. O fato de trabalharem nos mais diversos e distintos campos, seja na arte, pensamento ou assuntos públicos, não impediam de terem uma bela conversa. O maior resultado dessa aproximação é percebermos grandes criações intelectuais e artísticas que estavam "íntima e conscientemente relacionadas com a crítica da linguagem e da sociedade conduzida por Karl Kraus, podemos considerar-se até extensões daquela." (A. Janik e S. Toulmin, 1991, p.98). Criações estas que vão da música de Arnold Schönberg à arquitetura de Adolf Loos, como também a maneira de Ludwig Wittgenstein. Cada um deles percebeu a inspiração de Kraus e de igual forma influenciado por tais ideais que poderiam ser chamados de krusianos, no entanto "a integridade de um krausiano exigia, de cada caso, que a luta contra a corrupção moral e estética fosse continuada por uma crítica daquela área específica da experiência humana com que cada artista ou escrito estava mais familiarizado." (A. Janik e S. Toulmin, 1991, p.98). Sendo esta área para Loos a arquitetura e o design; para Schönberg a música e para Wittgenstein a filosofia.
Neste meio, houve o grandioso poeta Hugo von Hofmannsthal. Vindo de uma família onde nunca ouviu falar da lei "negócio é negócio, arte é arte", suas obras trazem um diferencial das demais do seu tempo. Com a mentalidade dos estetas da época voltados para uma essência da arte ser a criação da beleza unicamente através da forma, o que restava ao artista era produzir obras visando a perfeição da forma. No entanto, Hofmannsthal trouxe seu objetivo de expor em suas poesias a unidade entre o Eu e o mundo. Essa união estava diretamente ligada as suas impressões, a poesia tornou-se um registro dessas impressões e imagens. Esse seu objetivo ganhou forças ao se deparar com a teoria do conhecimento de Ernst Mach ao afirmar que o mundo consisti unicamente em nossas sensações e, assim sendo, temos conhecimento apenas das sensações (Cf. A. Janik e S. Toulmin, 1991, p.122). O jovem Hofmannsthal não será o mesmo depois dos seus 25 anos de idade, momento em que não consegue mais expressar em palavras o que percebe do mundo, com isso, assim, tornando essa problemática no campo da linguagem.
Não desejo em consequência disso, afirmar que a linguagem ou a sua linguagem é carente de sentido, e sim, que para assuntos de suprema importância na vida, como o significado de viver, os valores essenciais, sua filosofia não conseguia propagar. Não quero falar com isso, que sua linguagem não possa expressar nada. Por encontrar tal conclusão acerca de sua impossibilidade de transmitir o que percebia no mundo por meio de conceitos e imagens (Bilder), Hofmennsthal concentra seus esforços em transmitir por meio de uma concreta experiência de vida (Gebärde), da mesma forma como deve ser. Abjurou dos conceitos e imagens pelos quais tentava com malogro transmitir suas impressões do mundo, em favor de uma tentativa mais nobre, transmitir a própria essência do homem, sobretudo seu lado moral, difundindo não meras ideias, mas como modificar a forma que o homem regia sua vida.
Essa preocupação para com o modo de viver do homem sofreu influências diretas do contexto em que viviam (Primeira Guerra Mundial). A Áustria, juntamente com a Alemanha e a Itália, fazia parte de um grupo: a Tríplice Aliança. Devido essa aproximação com os alemães, ela foi invadida por preceitos prussianos que muito diferenciavam de seus costumes. O único recurso encontrado por Hofmennsthal para inverter esse quadro de novos costumes que modificavam a vida dos vienenses foi o retorno de forma radical aos valores mais antigos da herança Habsburgo. Com isso, tem-se um recurso prático para a conduta que por hora estava desordenada da sociedade de Viena.
Hofmennsthal, entre vários escritores ao qual destaco Kraus, Schönberg, Loos, Rilke e Musil, percebeu o grande papel da linguagem sobre os demais assuntos abordado em nosso cotidiano. Esta percepção teve grande impacto na cidade dos sonhos por volta das décadas de 1890 e 1900, onde emergiu três pilares filosóficos que muito influenciou o pensamento dos jovens vienenses. A base desses pilares estavam nas pessoas de Ernst Mach, com seu neo-empirismo, onde destaca sua visão acerca das impressões sensoriais e a ciência natural; as reflexões sobre Kant e sua representação e esquema, tendo como um fiel seguidor Arthur Schopenhauer; e Soren Kierkegaard juntamente com Leão Tolstoi com suas análises críticas sobre a estética e a moral. Percorramos agora as ideias influenciadas por estes pensadores, ideias que muito formaram a maneira de pensar e agir dos vienenses, dentre eles Wittgenstein.
1.2 O contexto ético-metafísico influenciador de Wittgenstein
Arthur Schopenhauer (1788-1860) publicou sua extensa obra O Mundo como vontade e representação em 1819, Wittgenstein teve contado com a mesma por influência de sua irmã, e no começo do Tractatus podemos perceber a grande semelhança do seu pensamento em comparação ao de Schopenhauer ao analisarmos o principal aforisma deste: o mundo é minha representação. Colocando tudo o que existe (mundo) como objeto para um sujeito (eu), onde o objeto não perde sua matéria, mas sua existência está intrinsecamente ligada a percepção do espírito.
"Pela mesma função cerebral que faz surgir um mundo perfeitamente objetivo, palpável e tangível, surge também a representação do mundo objetivo que vemos quando estamos despertos. Com efeito, esses dois mundos, ainda que diferentes quanto à sua matéria [Materie], são moldados da mesma maneira. Esse molde é o intelecto [Intellekt], a função cerebral." (SCHOPENHAUER, 2014, p. 46)
Temos um esquema cognitivo (função cerebral) de caráter apriorístico que exerce influência ao que é dado na experiência sensível, dessa maneira o esquema cognitivo do sujeito estrutura a representação. Não podemos deixar passar despercebido o meio do sujeito, isto é, o mundo, uma vez que faz parte desse mundo. É o conhecimento desse sujeito que concede admissível o mundo como representação. (Cf. PINTO, 1998, p. 55). Observamos uma grande semelhança nos primeiros axiomas do Tractatus, ao afirmar que o mundo é tudo aquilo que percebo, minha representação de mundo. Nesta obra de Wittgenstein é posto em evidência o solipsismo que pode ser direcionado a mesma influência de Schopenhauer com o seu idealismo transcendental.
Outro influenciador de Wittgenstein foi o seu conterrâneo Otto Weininger (1880-1903), sua principal obra, Geschlecht und Charakter (Gênero e caráter), lançada em 1903, onde esclarece a diferença entre homens e mulheres com demonstrações de cálculos. Também percebemos uma explicação acerca da homossexualidade. O que enfatizaremos aqui de mais importante na relação Weininger-Wittgenstein é a forma de tratarem a lógica e a ética.
"são fundamentalmente o mesmo, elas nada mais são do que dever para consigo mesmo. Elas celebram sua união pelo serviço mais elevado da verdade, que é obscurecida em um caso pelo erro e, em outro, pela inverdade. Toda ética é possível apenas pelas leis da lógica, e a lógica nada mais é que o lado ético da lei. Não apenas virtude, mas também intuição, não apenas santidade, mas também sabedoria são os deveres e tarefas da humanidade. Somente pela união delas surge a perfeição." (WEININGER, 1906, apud PINTO, 1998, p. 63)
A ligação entre a lógica e a ética, ambas juntas, é o mesmo caso do seu primeiro escrito, onde de um lado estava a lógica e de outro a ética, e também há a semelhança de ambas no conteúdo do Tractatus. Muito vem nesta obra somente ideias no campo da Lógica, porém, há outros que também percebem um lado ético.
Não podemos esquecer de Kierkegaard nas leituras de Wittgenstein. As influências que a compreensão de comunicação direta e indireta em Kierkegaard constituíram no desenvolvimento da linguagem, sobretudo no primeiro Wittgenstein. O aforismo 5.631 do Tractatus logico-philosophicus demonstra que as influências não são poucas: "o sujeito que pensa, representa, não existe" (WITTGENSTEIN, 2001). É acertado afirmar que esse aforisma resume "magistralmente o conteúdo do segundo capítulo intitulado a verdade subjetiva, a interioridade; a verdade é a interioridade, da segunda seção do Postscritpum conclusivo onde Kierkegaard "desenvolve uma profunda análise da comunicação direta" (ALMEIDA, 2008, p. 30), como unívoco, do pensamento especulativo e objetivo cuja aspiração era conhecer a realidade última e a comunicação indireta de tal forma como subjetividade, gestada na interioridade e que é unívoco de ética. Essa relação torna-se mais forte ao lermos os relatos entre os anos de 1929-1931 H.D.P. Lee relembra que "Wittgenstein lhe disse que havia estudado dinamarquês para poder ler Kierkegaard nos textos originais", "e que nutria pelo pensador dinamarquês uma grande admiração" (LEE: 1979, upud ALMEIDA, 2008, 31). Assim, temos mais um forte influenciador na área da ética na vida de nosso filósofo vienense, Wittgenstein.
No período que Wittgenstein estudava com Russell na cidade de Cambridge, teve contado com a obra de William James, As variedades da experiência religiosa. Onde expõe o valor moral de encarar a morte com heroísmo. Esse ideal também é encontrado nos escritos de Schopenhauer, que, como acabamos de apresentar, também exerceu influência sobre a vida de Wittgenstein, os princípios de James o influenciou de tal forma que se alistou para servir na Primeira Guerra Mundial, e ainda mais na linha de frente, era uma tentativa de morte ou encará-la?! Podemos perceber que o pensamento de James levou o nosso filósofo a procurar o sentido da vida próximo da morte.
O que poucos sabem é que, na ocasião de seu alistamento, sua vida não estava as das melhores. Enquanto estava em Cambridge nos seus estudos de Lógica, teve contato com Moore, engrandecendo seus contatos neste assunto; teve um envolvimento amoroso com um rapaz chamado David Pinsent (Cf. PINTO, 1998, p. 44); e concomitantemente a isto, cresciam suas diferenças com Russell. Esta diferença com seu velho professor-amigo, somando com um ideal de Weininger, fez com que se dirige "para a Noruega, onde pretendia continuar solitariamente suas pesquisas em lógica. (...) [E] para atingir a grandeza do gênio, deveria estar afastado da pessoa amada." (PINTO, 1998, p. 44). Por tudo isto ele se desloca para a Noruega, onde, longe de Pinsent e movido pela contrariedade para com Russell, viaja para estudar a lógica de modo mais completo e livre.
Como se isso não bastasse, rompeu sua amizade com Moore e houve perdas familiares. Tudo começou quando mandou seus escritos por Moore para serem aceitos na Universidade como monografia de bacharelado, recebeu uma resposta negativa, e como não lhe agradou, enviou uma carta a Moore muito agressiva, esse fato levou a próspera amizade acabar rapidamente. Esse episódio de sua vida é assim assinalado nas palavras de Isidoro Reguera (171): "Tormentos espirituais, depressões, efervescências anímicas, tensão íntima extrema; este é o panorama interior de Wittgenstein na Noruega, imediatamente antes da guerra." Por fim, em 1914 retorna à Áustria, decorrente do falecimento de seu pai Karl Wittgenstein. "Foi com esse estado de espírito que ele chegou a Viena no verão de 1914. Ao que tudo indica, sua vida carecia de sentido, permitindo prever ou um desfecho trágico, pelo suicídio, ou uma alteração radical na personalidade." (PINTO, 1998, p. 45) Com a morte de seu pai, voltou para Áustria, onde ficou com a família. É então que estoura a Primeira Grande Guerra e há o seu alistamento. Em um estado de crise, Wittgenstein se ver sem suas amizades com Russell e Moore e distante da pessoa amada, David Pinsent. William James e Schopenhauer tem uma contribuição enorme nessa sua decisão, encarrar a morte com heroísmo, executando as tarefas mais perigosas no campo de batalha.
Durante a guerra, ele escreveu cadernos de notas que podemos nos debruçar como desvendar seus conflitos íntimos. Muitos desses escritos foram por ele queimados, por sorte alguns escaparam desse fim ardente. Os que sobraram, chamam a atenção pela maneira que foram escritos. Divididos em duas partes, do lado direito
"redigiu em alemão corrente suas observações sobre a lógica. Do lado esquerdo, redigiu em código suas preocupações éticas pessoais. No final, só há observações do lado direito. (...) São essas anotações em código que revelam o drama existencial de um homem solitário que busca o sentido da vida no perigo da frente de batalha." (PINTO, 1998, p. 47).
Wittgenstein tinha uma angústia o envolvendo, este sentimento também exerce uma certa influência nas suas questões. Na compreensão de sua filosofia é importante ter conhecimento de sua vida íntima, de seu estilo de vida, compreender a sua forma de viver. Evidenciando a influência do russo Liev Tolstoi (1828-1910) sobre seus pensamento, após a leitura da obra tolstoiana "Breve exposição do evangelho" começando a lê-la no dia 1ª de setembro de 1914 (Cf. Diários secretos, 1991: 2/9/14, 49). Essa conturbação será solucionada depois de suas conclusões sobre a obra supracitada, pelo ambienta hostil que se encontrava devido a guerra e pela morte de seu grande amigo David, essa solução acarretou uma transformação na personalidade de Wittgenstein, possibilitando o esquecimento, ou a não existência de conflitos internos importantes, prova disto é a estrutura da obra Diários Secretos, inicialmente contendo escritos acerca da lógica à direita e éticos à esquerda das páginas, posteriormente há apenas escritos lógicos, os éticos dão a entender que foram solucionados. Mesmo procurando a guerra para encontrar a morte (Cf. WUCHTERL, K., HUBNER, A. (1986). Ludwing Wittgenstein. Hamburgo, Rowohlt Taschenbuch Verlag GmbH), por mais contraditório que pareça, ele declara que a guerra salvou sua vida. Em plena linha de frente de batalha, ter como dádiva da guerra a sua vida. (Cf. McGuinness 1988: 204; 238; citado por REGUERA, I. (1980). La Miseria de la Razon (El Primer Wittgenstein). Madri, Taurus Ediciones).
Os Diários secretos foram escritos em forma de diálogo consigo mesmo, sobre uma perspectiva de um indivíduo envolvido por vários tormentos que procura, através do seu trabalho intelectual santificado, resolver a problemática da crise na qual sua vida se encontrava. Nos Diários é descrito a guerra dualista em que ele estava travando, uma no seu interior, solucionando seus problemas pessoais, e, paralelamente, a outra no seu meio externo, infiltrando-se nas trincheiras inimigas na Grande Guerra. Notamos uma forte semelhança neste escrito com o Tractatus, onde também podemos encontrar as duas fases do mesmo rosto weiningeriano, lógica e ética, por apresentar descrições
"do relato sofrido de sua batalha diária com a vida e com a morte, a carne e o espírito. Por meio desses escritos, podemos supor que Wittgenstein foi à guerra por motivos intelectuais (seus trabalhos lógicos) e morais (conservar decência diante do perigo). A pista mais importante que eles nos fornecem, todavia, é que a luta pessoal de Wittgenstein tinha por objetivo encontrar uma forma de permanecer impassível diante das desgraças do mundo, vivendo imperturbavelmente no instante eterno do presente. Isso constituía para ele a solução do desafio ético que a vida lhe apresentava e tinha um sentido nitidamente religioso de união com Deus na perspectiva do cristianismo tolstoiano." (PINTO, 1998, p. 128)
Por fim, as doutrinas desses pensadores nos permite adentrar na problemática existencial na qual se encontrava o jovem Wittgenstein no referente ao contexto ético-metafísico. Onde é possível analisar nos filósofos acima descritos um pensamento de tendência a pressupor uma existência de uma experiência mística de natureza não-discursiva, isto é, uma crença no possível contato com uma realidade superior. O que podemos em suma afirmar desses autores, é a comum ideia da liberdade da escravidão do homem através de um esforço sobre-humano. A influência recebida pelo filósofo austríaco, desembocará na forma de escrever as ideias na sua filosofia tractatiana, onde notaremos um lado lógico e ético.
1.3 O contexto da análise da linguagem nas décadas de 1890 e 1900
Podemos dividir essas autores em dois grupos: um onde predomina a análise da linguagem lógica e científica, composto por Hertz, Boltzmann, Frege e Russell; no outro está Mauthner e sua crítica cética da linguagem.
Heinrich Hertz foi um dos físicos mais importantes do século XIX. Sua obra de maior repercussão foi Os Princípios da Mecânica, publicado em 1894, onde alvitra novidade na organização da física perante as épocas passadas. Através desta obra, Hertz elaborou sua crítica à estrutura matemática da mecânica e uma explicação acerca da maneira como a teoria de Newton era capaz de elaborar um sistema matemático de axiomas e deduções, como também era capaz de descrever o mundo existente da natureza em comparação aos demais mundos logicamente concebíveis. Wittgenstein, por ser engenheiro, era familiarizado com a física de Hertz e Boltzmann, como também "considerava que a estrutura matemática da 'linguagem mecânica' era a garantia de sua univocidade e depuração de ambiguidades" (CARVALHO, 2007, p. 89). Contudo, para poder utilizar o problema de Hertz, fazia-se necessário uma matemática da linguagem para que seja possível a construção de uma teoria modelo da linguagem.
Wittgenstein percebe que a crítica da mecânica de Hertz permitia que "realizada de dentro da própria teoria, definindo internamente a natureza e os limites da mecânica, sem a necessidade de recorrer a uma teoria sobre a mecânica, como foi feito por Mach." (CARVALHO, 2007, p. 91). O modelo (Bild) de Hertz manifestava as limitações de suas explicações. A começar de uma generalização desse pensamento de Hertz, poder-se-ia mostrar a natureza e os limites da linguagem em relação a sua estrutura.
Dentre tantos de seus pensamentos, estava a ideia que todos nós formamos imagens (Bilder) dos objetos externos. Na sua obra, formula três critérios que o condicionarão a avaliar criticamente qualquer teoria: a permissibilidade, lógica (correção) e a adequação (Hertz, 1956, p.2). Com esses três critérios, a imagem é colocada à prova comparando-a a realidade, onde as imagens não podem contrariar as leis, devem ser compatíveis com os dados empíricos, e devem estar em conformidade com a realidade. Contudo, a forma que damos às imagens é tal que as consequências necessárias das imagens no pensamento são sempre as imagens das consequências necessárias na natureza das coisas retratadas, as consequências necessárias das imagens no pensamento se confundem, pois devem ser iguais com as consequências necessárias na natureza. Com isso, está exposto o requisito principal a que tais imagens precisam satisfazer, serem iguais as coisas retratadas na natureza. Mas, não significa que esse requisito decide de modo confuso as imagens que podemos formar das coisas, pois é possível elaborar do mesmo objeto observado várias imagens distintas, como também há a possibilidade de afirmar sem ambiguidade se a imagem elaborada é consistente ou não com base nas leis do pensamento.
"São possíveis vários modelos [Bilder] dos mesmos objetos, e esses modelos podem diferir em vários aspectos. Devemos assinalar imediatamente como inadmissíveis todos os modelos que implicitamente contradizem as leis do nosso pensamento. Por conseguinte, postulamos que, em primeiro lugar, todos os nossos modelos serão logicamente permissíveis – ou, sucintamente, que eles serão permissíveis. Distinguiremos como incorretos quaisquer modelos permissíveis se as suas relações essenciais contradizem as relações com as coisas externas, isto é, se não satisfazem o nosso primeiro e fundamental requisito. Daí postularmos, em segundo lugar, que os nossos modelos sejam corretos. Mas dois modelos permissíveis e corretos dos mesmos objetos externos podem ainda diferir no tocante à adequação. De dois modelos do mesmo objeto, o mais adequado, mais apropriada, é aquele que inclui o maior número de relações essenciais do objeto – o modelo que podemos chamar o mais distinto.de dois modelos de igual distinção, o mais apropriado é aquele que contém, além das características essenciais, o menor número de relações supérfluas ou vazias – o mais simples dos dois." (HERTZ, 1956, apud JANIK E TOULMIN, 1991, P. 156) COLOCAR NA BIBLIOGRAFIA (HERTZ, Heinrich, The Principles of Mechanics Persented in a New Form, 1956, In: JANIK, Allan, TOULMIN, Stephen; tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Campus, 1991.)
De acordo com as novas ideias de Hertz, ainda é possível afirmar sem ambiguidade se tal imagem elaborada é correta ou não com base pelo menos no estado atual da experiência. Contudo, não é possível afirmar sem ambiguidade se tal imagem elaborada é apropriada ou não. No entanto, ela pode ser mais correspondente a um propósito do que a outro, as várias imagens distintas se adequam a diferentes intenções. Logo, a escolha da imagem mais adequada somente poderá ser realizada pelo teste gradual com as várias imagens. Essa reflexão em volta de um assunto não muito contemplado pelo físicos até então, possibilitou Hertz trazer novidades para um momento forte das ciências.
Com um pensamento diferente acerca da física, Hertz propõe um termo muito comum no Tractatus, imagem (Bilder), sendo esta a relação com o meio que percebemos. Como também é notável a semelhança com outros conceitos contidos nesta obra, semelhança esta que nos permite perceber aspectos dos primeiros passos da filosofia tractatiana. O que Hertz entende por Bilder para tê-la como centro de sua nova teoria. Na opinião de Janik e Toulmin, a palavra alemã "Bilder, que traduzimos aqui por 'imagem', significa, de fato, em Hertz, 'modelo'. Além disso, esses autores acreditam que a 'imagem' ou 'modelo' hertziano deve ser entendido como 'esquema conscientemente construído para conhecer'." (1991, P. 139-140). A palavra Bilder não significa apenas uma imagem, mas sim um modelo, e este o representa com maior significado. Perceberemos que Wittgenstein apoderou-se dessa expressão alemã para explicar sua teoria da linguagem no Tractatus, evidenciando seus estudos na área da filosofia da ciência.
Ludwig Boltzmann escreveu o livro Escritos Populares, do qual Wittgenstein teve contado, e por estranho que pareça, este expõe ideias que se revelam espantosamente compatíveis com a ideia de "coordenadas transcendentais", é válido salientar que esta ideia não está presente no livro a pouco citado, mas não tem como não perceber a tão grande semelhança entre as ideias de ambos, e por que não dizer a influência do alemão sobre o austríaco. Wittgenstein toma posse de termos utilizados na ideia de coordenadas transcendentais, pois descreve a proposição atômica sendo um "ponto" num sistema de referência cujas "coordenadas" são os signos simples da qual faz parte. E essas coordenadas são, da mesma forma para Boltzmann,
"condições de possibilidade dos 'pontos', pois dissecando-se uma dada série de 'coordenadas' elimina-se o 'ponto' correspondente. [...] (É perceptível que) para explicar como é possível a proposição dotada de sentido, Wittgenstein acaba por 'transcendentalizar' o modelo de Boltzmann." (PINTO,1998, P. 155).
Gottlob Frege (1848-1925) é um filósofo com estudos no campo da lógica, considerado o maior lógico da contemporaneidade. E o mesmo não poderia deixar de ocorrer no campo que ganhou destaque nos discursos contemporâneos, a linguagem, pois os trabalhos de Frege "repercutiram enormemente em todos os autores que trabalharam com filosofia da linguagem no século XX" (PINTO,1998, P. 88). Este não passou despercebido aos olhos de Wittgenstein, principalmente ao defender a ideia de que as palavras não possuem sentido sozinhas, na sua individualidade, mas somente inseridas num contexto onde há outras palavras que também dependem de um contexto para possuírem sentido, dito por Frege, o contexto da proposição. Assim, é encontrando a menor unidade linguística detentora de sentido, a sentença. Isto é facilmente percebido quando analisamos qualquer parte de um discurso, notaremos que esta parte é composta por uma sentença. Logo, cada parte (sentença) do discurso compõem uma parte do sentido do discurso, e posta harmonicamente com as demais partes forma o sentido total do trecho analisado.
Encontramos uma das maiores contribuições de Frege para a filosofia tractatiana exposta no trabalho de Margutti Pinto ao escrever sobre palavras isoladas, elas "não constituem unidades de sentido, mas combinadas com outras palavras podem contribuir para a construção de uma unidade de sentido [a sentença]" (1998, p. 89). Há, nesta contribuição, uma quebra do que era considerado verdade na linguagem natural, onde houve a defesa das palavras ter sentido nelas mesmas, como já vimos, Frege, grande difusor da Lógica, põe em questão tal sentido apresentado pelas palavras isoladas. Este filósofo desejava nos levar a profundidade dos sentidos expostos nos discursos, com isto, poderíamos sair da superficialidade da linguagem, e ir ao encontro da clarificação conceitual, esta deve ser a primeira preocupação de um lógico.
Em sua obra Conceitografia, uma linguagem formal do pensamento puro imitada da linguagem formal da Aritmética, publicada em 1879, esse pensamento é exemplificado na sentença 'A é B', onde está impresso múltiplos sentidos e ambiguidade, pois explica que 'A' é idêntico a 'B', como também 'A' pertence ao grupo 'B', mas também 'A' pode conter em 'B'. A clarificação conceitual está justamente para evitar tal ambiguidade de sentidos, a qual Frege insiste em ser levada a atividade primeira do lógico. É importante destacar mais uma grande contribuição deste pensador para a linguagem, e diretamente para Wittgenstein quando a usa na formulação de sua análise da linguagem. Sua interpretação acerca dos termos sentido (Sinn) e significado (Bedeutung), onde o sentido é o modo como o objeto é apresentado e o significado é o objeto em si. (Cf. PINTO, 1998, P. 98). 'A é B' pode ter vários sentidos, como visto anteriormente, de identidade, pertença e inclusão. Contudo, apenas um significado: 'A é B'.
Depois que se formou em aeronáutica, em maio de 1908, se dirigiu para Manchester na esperança que continuar seus estudos. Mas não contava que nas suas pesquisas sobre construção de hélice (procurar citação do site) se depararia com umas das obras que mais o influenciaria pelo resto de sua vida, Os princípios da matemática, de Russell. Uma leitura que auxiliá-lo-ia no desenvolvimento de hélices, na verdade, se fascinou ao se deparar com uma apologia da lógica como originadora da matemática, Wittgenstein percebeu um mundo diferente na visão lógica. Visão que o leva a percorrer caminhos nunca antes pensados pelo austríaco, ele deixa suas pesquisas nos estudos aeronáuticos e se lança profundamente na sua nova esperança, nos estudos da filosofia, sobre tudo Linguagem. O seu desejo de entender melhor Os Princípios, o levou a ter aulas com o próprio Russell, em Cambridge.
No decorrer das aulas, Wittgenstein percebeu que não tinha aptidão para Lógica como pensava que teria ao ler os escritos de Frege e seus diálogos com o mesmo. Russell não era tudo aquilo que ele imaginou, teria tido um momento de frustação por ter largado a engenharia aeronáutica?! Ele dirigiu-se ao professor e o informou que iria deixa de frequentar suas aulas por não possuir inclinação para tal. A resposta de Russell a essa ação de seu aluno foi pedi-lhe um texto acerca de qualquer assunto que percebesse interessante escrever. No outro dia, Wittgenstein trouxe o texto pedido e ao ler o texto produzido, Russell ficou encantado com aquela habilidade e o seu domínio de assunto sobre Lógica. Assim, deu início a um extenso período de trocas de escritos.
Russell influenciou o nosso filósofo austríaco a se interessar pelos questionamentos envolvidos na análise da linguagem, mas o que mais Wittgenstein apreciava nele era a sua teoria das descrições, nessa teoria aborda-se realmente
"um exemplo brilhante de análise, que revela a verdadeira forma lógica das sentenças que contêm descrições definidas na posição de sujeito gramatical. A forma lógica superficial sugere enganosamente que a descrição definida seja o argumento e que o predicado que lhe é atribuído seja a função. Na verdade, a sentença que contém a descrição na posição de sujeito gramatical se reduz a uma conjunção de funções em que o argumento está ausente." (PINTO, 1998, p. 133).
No ponto de visto lógico, essas sentenças não possuem sujeito lógico. Russell na tentativa de encontrar a linguagem logicamente perfeita, expressa na sua teoria das descrições a importância de desvelar a lógica contida nas sentenças. Era essa clarificação, também desejada por Frege, que Wittgenstein desejava transmitir na sua primeira grande obra, o Tractatus.
No final do século XIX, cresceu uma corrente da qual a linguagem era o foco, sua crítica se resumia a negar a possibilidade da linguagem de descrever qualquer assunto. A incapacidade de conhecer através da linguagem. Dentre esta linha de críticos, estava Mauthner. Ele defende a ideia de que o sentido da vida é alcançado de modo místico e não pode ser regido pela razão, demostrando sua tendência aos assuntos ético-metafísicos, que tomam esse crítica no que se trata de alcançar a beatitude contemplativa por meio da linguagem uma impossibilidade. A forma como entende o mundo de Wittgenstein ganha novos rumos ao se deparar com o pensamento de Mauthner. Ao ter lido os escritos desse crítico "tudo indica que o jovem soldado encontra no próprio Mauthner não só a parte principal do problema que o atormenta, mas também a pista mais importante para resolvê-lo, ao extrair deste pensador cético a ideia fecunda de que a filosofia é crítica da linguagem." (PINTO, 1998, p. 137). Um ponto do qual seu pensamento contorna para basear suas ideias nas obras por ele escritas, concebendo a filosofia como crítica da linguagem, foi possível entrelaçar as ideias que borbulhavam na sua mente, unindo-as para explicar a linguagem.
1.4 O Teatro do Absurdo
Essa crítica sobre a linguagem também frutificou um movimento conhecido como o Teatro do Absurdo, mas conhecido entre os intelectuais como a filosofia do absurdo. Esse movimento surgiu na transição de mentalidade, simultaneamente ocorria as mudanças e revoluções nos campos da ciência, psicologia e filosofia. Notamos que em resposta a essas transformações, a arte, principalmente o teatro, recebeu influência na sua forma de expressão. O primeiro crítico a sistematizar o assunto foi Martin Esslin (1918-2002) quando publicou seu livro "O Teatro do Absurdo" em 1961. É impossível entende-lo do contexto europeu pós-Segunda Guerra Mundial. Mas, como algo que está na metade do século, pôde influenciar um pensador antes da Primeira Grande Guerra?! A justificativa está no fato que o Teatro do Absurdo somente foi sistematizado em 1961, mas a muito tempo estava em ação nos pensamentos de muitos escritores e filósofos, não esqueçamos do contexto do século XX, a crítica à linguagem.
Apresentando teses acerca de particularidade do homem, como também acerca da realidade, mostrando não ser possível encontrar um sentido fechado para a existência, da solidão metafísica. Logo é notável o envolvimento do Teatro do Absurdo com a "sensação de angústia metafísica pelo absurdo da condição humana [como também está presente o] repúdio aberto dos recursos racionais e do pensamento discursivo." (Esslin, 1968, adup Scherer, 2003, p. 14). Há, no pensamento absurdista, a desvalorização radical da linguagem, cada fala das personagens oblitera o que acabou de ser dito em virtude da fala posposta, as relações entre as falas são múltipla e, em certos trechos, contraditórias. Para os absurdistas, a linguagem não serve à comunicação de pensamentos. Esse teatro é, pois, uma crítica cética da linguagem, situação que
"só faz desvalorizar a linguagem como veículo do pensamento. As palavras já não dizem, escondem; as frases, particularmente as pomposas, ostentando um repertório de vocábulos difíceis e de uso incomum, muito falam, mas pouco esclarecem. O sentido original das palavras se perdeu na enxurrada de lugares-comuns, de trivialidades, de ideias já muito batidas. Enfim, diante desse barateamento, até mesmo, pode-se dizer, embrutecimento da linguagem, é permitido exclamar: 'Falou, mas não disse!'" (PENHA, 2013, p. 11).
A esse absurdo da vida do homem, Albert Camus (1913-1960) aborda sendo uma busca de sentido, como também de unidade e clareza em frente a um mundo incompreensível e ausente de Deus e da eternidade. Ele descreve vários absurdos da vida humana, e tudo desemboca na fascinante mitologia grega, na personagem de Sísifo, o neto de Prometeu, condenado a repetir sempre a mesma tarefa todos os dias: de empurrar uma pedra até o topo de uma montanha. Mas, toda vez que estava quase alcançando o topo no final do dia, a força dos deuses fazia com que a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida, anulando completamente o duro esforço despendido. (Cf. FRANCHINI, 2007, p. 440)
Em Sísifo, aquela pessoa que vive sua vida ao máximo, não se sente intimidada pela morte e cumpri uma tarefa sem sentido, é visto como um herói absurdo. A essa repetição de sua pena, Camus compara com os operários de sua época, que fazem as mesmas coisas todos os dias de sua vida, ações sem sentido, pois se tratam de imitações. Da mesma forma são as palavras, não tem mais sentido, perdeu seu poder de comunicar algo a mais. Em sua maioria, as resoluções de Wittgenstein é em resposta às críticas lançadas pelo Teatro do Absurdo, trazer à tona o poder original da linguagem. É nessa perspectiva de trazer sentido as palavras que ele cria a sua linguagem ideal, exposta na sua obra Tractatus logico-philosophicus, que estudaremos adiante.
Além do viés transcendental, o sinal característico que Wittgenstein transmitirá na sua crítica da linguagem é formado por dois caminhos que ora são paralelos, ora convergentes. Um será estabelecido por
"um empreendimento lógico (busca das condições transcendentais de possibilidade da linguagem) [e o outro] com um objetivo fundamentalmente ético (vencer a vontade individual e vivenciar o sentido da vida). Essa é a fórmula que os fatos de sua vida e as doutrinas que estudou parecem ter-lhe sugerido, obscuramente no início, mais claramente ao término, para conciliar as pesquisas lógicas com as preocupações éticas. Suas anotações pré-tractatianas, quando lidas nesta perspectivas, fornecem informações preciosas para a compreensão da solução finalmente encontrada. (PINTO, 1998, p. 138)
Ultimando, temos as ideias de realçar a dimensão lógica da linguagem e da ciência. Hertz e Boltzmann no lado na filosofia da ciência, por pouco não adentram no universo ético-metafísico, na sua concepção transcendental. Frege e Russell com sua forma lógica e sua crítica a forma superficial das expressões linguísticas, acreditam na lógica para evitar os equívocos gerados pela linguagem formal. E Mauthner, ao lado do Teatro do Absurdo, com seu ceticismo exagerado acerca da impossibilidade da linguagem descrever o que quer se seja. Tudo nos leva a pensar que o jovem Wittgenstein, ao contato com todas essas ideias, e percebendo suas contradições entre as mesmas, tentou solucioná-las escrevendo o Tractatus, obra que nos debruçaremos a partir de então.



Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.