O Corpus do PS.Performance para além da linha do horizonte

September 28, 2017 | Autor: Rosemary Brum | Categoria: Art, Performance Studies
Share Embed


Descrição do Produto

O CORPUS DO PS PERFORMANCE ALÉM DA LINHA DO HORIZONTE Niura Borges1 Patricia Soso2 Rosemary Brum3

Resumo O presente artigo propõe-se a desenvolver uma reflexão sobre o projeto PS desenvolvido pelo 4[1] grupo de estudo de performance de Porto Alegre, o Geperformancepoa. O projeto PS encerra duas proposições artísticas, PS e PS REDE, que nasceram do desejo de comunicabilidade do corpo em performance e da busca da dimensão ampliada das relações em espaços diferenciados de conexão. No primeiro, o corpo exercita-se como agente de comunicabilidade em presença física, material, circunscrito à dimensão localizada; no segundo amplia o campo de relações da performance em seu estado sensível e imaterial, exercita-se em performance para além da linha do horizonte, na participação, na troca, no compartilhamento performático das ações. Palavras-chave: performance, comunicação, deslocamento, post-scriptum.

Abstrat This article intends to reflect about the PS Project carried out by the performance study group from Porto Alegre, Geperformancepoa.[1]. The PS Project holds two artistic propositions, PS and PS NETWORK, which came from the desire for communicability of the body in performance and from the search for an enlarged dimension of the relations in different spaces of connection. In the first one, the body exercises as the agent of communicability in physical presence, within a localized dimension; in the second it amplifies the field of relations of the performance in its sensitive and immaterial state, exercises in performance beyond the line of the horizon, in participation, in exchange, in performatic sharing of the actions.

1

Niura Borges - Artista visual e videoartista. Mestre em Artes Visuais (UFRGS). Especialista em Artes Visuais - poéticas visuais: gravura, fotografia e imagem digital (Feevale). Pesquisadora Imagem Escultura do Tempo (UFRGS). Atua principalmente nas seguintes áreas: Videoarte, Audiovisual Documental, Experimental e Performance. 2 Patricia Soso - Atriz e performer. Formada pela Scuola di Teatro Arsenale, em Milão/Itália. Possui experiência profissional Internacional. Pesquisadora CNPq Interartes:: processos e sistemas interartísticos e estudos de performance. Formada em Ciências Jurídicas e Sociais (UNISINOS, São Leopoldo). 3 Rosemary Fritsch Brum – Historiadora, socióloga e performer. Pesquisadora do Grupo Interartes: Processos e Sistemas Interartísticos e estudos de performance. Socióloga do Núcleo de pesquisa em história (UFRGS) Trabalha com estudos de Historia oral, Migraçao e Sensibilidades. Especialista em filosofia da linguagem e do pensamento (UNISINOS).Mestre em sociologia (UFRGS), Doutora em história (PUCRS). *Fernanda Stein- Formada em Antropologia (UNISINOS),bailarina pela Marta Graham School of Contemporany Dance. Co-Diretora do MEME.Apenas não participou da escrita do artigo, por motivo de força maior.

Keywords: performance, communication, displacement, postscript.



PS

PS surgiu como proposta de pesquisa, atendendo à convite da exposição Galeria Regresso5, realizada no Memorial do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, em 2011, e organizada pelo artista-curador brasileiro Pablo Ferretti, cuja curadoria procurou redesenhar o conceito de Arte Postal, entendendo pessoas

como

geografia,

englobando

questões

como

efemeridade

e

deslocamento. Pessoas como Geografia reuniu trabalhos da Inglaterra e vários pontos do Brasil como São Paulo, Goiania e Uberlandia. Os deslocamento

questionamentos e

efemeridade

em

do

coletivo

performance,

geperformancepoa atentou

a

sobre

possibilidade

comunicativa do corpo e sua relação com o espaço. A investigação levou a pesquisa em direção àquilo que o corpo poderia ter dito, ou que havia esquecido de dizer, ou seja, um caminho em direção ao corpo em Post Scriptum. Mas de que forma o corpo poderia se fazer em ação revelando aquilo que ele havia esquecido de dizer? Optamos por construir uma proposta de apresentação do corpo em PS, em corpo pessoal, revelando-o particularizado e ao mesmo tempo, interligado aos corpos do coletivo. A pesquisa sobre arte postal nos remeteu ao passado já que os meios de

troca/comunicação

impessoalidade,

ou

eletrônicos pessoalidade

são

mais

imediatos

particularizada.

e

com

certa

Pensamos

que

necessariamente poderíamos utilizar meios eletrônicos na nossa proposta mas que seria mais contundente remetermos as origens de arte postal pois isso poderia gerar questionamentos quanto as mudanças dos meios de comunicação e de troca.

5

Em suas edições anteriores consistiu em exposições em um apartamento vazio, uma loja fechada e um hotel abandonado

em Londres (2009, 2010) . Essa quarta edição do projeto seguiu a idéia de continuar utilizando espaços alternativos para as Artes Visuais.

Um elemento acrescentou-se ao corpo como possibilidade de resgate do “ainda não dito” - máquinas de escrever antigas. Com ela criamos quatro (4) variações de performance PS, particularizadas em nossas áreas específicas de pesquisa, artes visuais, dança, sociologia e teatro. Para falar do “ainda não dito”, Fernanda Stein criou Gavetas. Cartas de família de um tio falecido, esperando um destino final, foram espalhadas sobre “sua máquina”, no piso do corredor, por onde necessariamente o público passaria para ir até a sala de exposição, onde estava instalada a mostra Galeria Regresso. A performer sentada ao chão, com uma lingerie delicada , antiga, reforçava a idéia de passado, memória, dor e separação. Oferecia ao público a leitura intima de seu familiar querido. Niura

Borges

concebeu

seu

PS

em

uma

videoperformance

denominando-a Um corpo através da janela. A proposta surgiu de um desejo de captação da ação do corpo em performance e da projeção simultânea em imagem vídeo, em tempo real, na sala da exposição Galeria Regresso. Para ação de performance, a artista escolheu como local, as escadarias de acesso ao último piso do memorial do Rio Grande do Sul e ali escorregou seu corpo sobre os degraus, levando junto a máquina de escrever. A cada patamar de escada se debruçava sobre a máquina tocando as teclas PS. A imagem desta ação foi captada em ponto de vista da escada em abismo e projetada, através de pequena janela, localizada bem ao alto na sala de exposição. "As janelas e sua localização, bem ao alto, me instigavam a utilizá-la, como forma de provocar o ponto de vista do espectador, fazendo-o procurar para ver através da janela, provoca-lo na sua visualidade, intimando-o como um explorador a andar para ver, a descobrir por si mesmo." Olhando para a janela, o espectador curioso, pode ver em tempo presente, a ocorrência da ação nas escadarias. Patricia Soso partiu da dificuldade de falar. Que coisas foram difíceis de serem ditas ou escritas? A dificuldade da mesma maneira foi encontrada ao engolir algo. "Lembrei-me da expressão ‘engolir sapos’, tida como metáfora de impossibilidade de resolver, digerir certa situação." O ‘nó na garganta’ foi outra expressão encontrada que representava a relação da fala e a garganta, lugar onde passa o som e também os alimentos. "Que alimento eu tenho dificuldade de comer? Pensei em uma cebola. Uma cebola comida como se fosse uma maçã. E pimentões crus." No momento da performance, a artista carregava cebolas e

pimentões e os colocava dentro de uma máquina de escrever. "Era como se fossem as palavras que eu não conseguia dizer, eu decidi engoli-las. Comecei a descascar a cebola e a comê-la. Aconteceu uma situação que não fora prevista. Meu organismo rejeitou a cebola, e de um golpe expeli com um vomito o vegetal. Segurei na boca num reflexo e então decidi abrir um pimentão e colocar dentro todo o conteúdo expelido, fazer um funeral num outro objeto e deixar que repousasse." Após essa ação involuntária a artista começou a falar as frases de PS. Que ela gostaria de ter dito. E também cantou. "O canto expressa por meio lírico aquilo que também queremos dizer, mas trata-se de assunto ‘ indigesto’." Rosemary Brum denominou seu PS O carteiro e o poeta. Apresentouse na sala de exposição arrastando uma máquina de escrever sobre um longo manto de lã. A artista caminhava entre o público enquanto retirava de uma sacola de correio e distribuía para eles, cartas com instruções, enviadas pela performer londrina.

6

Ao final, abandonou o manto e as cartas não distribuídas, no chão, ao

lado de “sua máquina”. Durante toda a abertura da exposição, como um oráculo, as pessoas, apanhavam as cartas e internalizavam as mensagens. A intervenção da performer Londrina convidada e discutida durante a elaboração do trabalho foi integrada somente neste P S. "Como jogos surrealistas, as "instruções" enviadas funcionaram particularmente como uma forma de chain game chamada one into another, propósito desses jogos englobaria as possibilidades de encontrar um caminho entre os nossos interesses e isso poderia ser a performance em si."



PS REDE

Provocando o corpo à conexões em seu estado sensível e tangível, à exigência de sua comunicabilidade, nasceu PS REDE, em novembro de 2011, uma elaboração continuada, um desdobramento do PS, na qual o corpo expande sua dimensão territorial, circunscrito a comunicação restrita e atinge a relação de troca imediata e a posteriore, como performance além da linha do horizonte,

6

Roberta Vaz. Performer. Central Saint Martins College of Art and Design e University of The Art london. Formada em Comunicação social (PUCRS). Artista convidada pelo coletivo geperformancepoa, para participar do projeto PS no Memorial do Rio Grande do Sul.

centrada na comunicabilidade do corpo, ou sua potencialidade comunicativa, na troca. A cotidiana e a massiva utilização das redes sociais como meio comunicador, incitou o coletivo a transpor para o mundo virtual o corpo em Post Scriptum. Na comunicação instantânea das redes sociais existiria possibilidades de construção de PS? O que haveria de performance em uma ação em rede social? Como o PS, que deriva do post-scriptum pode também ser utilizado como uma estratégia retórica? Como funcionaria na rede social mais precisamente no facebook? Uma incógnita. O que e como seria postado? Qual o tom da postulação? Solicitação? Súplica? Arrependimento? Memória? Desejo? Quais seria os sujeitos e objetos das postagens? Os actuantes são os que postam. E nós, o que seremos? Somos também pessoas que postam, mas de outra camada? A investigação direcionou-se às camadas mais profundas: o que temos a dizer? Quando dizemos, o que queremos dizer através de um meio eletrônico? Isso muda o dizer? Ao lerem os PS, haveria influencia mutua entre os participantes? Quantos PS uma pessoa poderia postar? Que imagem, escrita, som, música caberiam num PS? O excesso de informação da rede social aproxima a comunicação? A tecnologia da internet e rede social é um facilitador da interatividade? Qual o papel dos meios sobre as relações? Com estas indagações projetamos, ‘ferramentas de trabalho’ que viabilizassem deslocamentos virtuais das postagens. Ela daria conta do “meio” de realização da performance e atendeu ao que situa como a “condição contemporânea do artista”. Ou seja, como proposta de fluência, deslocamento e mobilidade como valores, venham a ser

desenvolvidas tendo em vista a

ação/intervenção. No nosso caso, na rede social Facebook. Para tanto, criamos uma página específica no Facebook e denominamos COLETIVO GEPERFORMANCEPOA. Neste espaço virtual, abrimos o evento postando uma solicitação de participação no trabalho artístico e enviando-a a alguns amigos. “Convidamos para um trabalho artístico colaborativo. No nosso endereço no facebook coletivo geperformancepoa você pode expressar o seu PS, postando em qualquer formato, imagem, som, música, escritos...”

Junto ao convite e solicitação, postamos uma poesia de autoria do coletivo desenvolvida para o primeiro projeto PS. “Você gostaria de participar de um trabalho artístico ? VOCÊ QUER? POSTE SEU PS!! “antes que eu me esqueça O que eu não disse Quando não quero dizer mais nada Não fui no local combinadoHouve um atraso Ou o texto era longo e não caberia num postal ou se você estivesse na frente do computador?”

Iniciada a postagem, ao mesmo tempo que iniciou-se a troca de caráter informativo, explicando de que se trata o

PS, entramos em uma zona de

incertezas: “Proposição na qual a ação performática localiza-se no deslocamento das relações na rede social, sobre as possibilidades de ações dos espectadores com vistas a compreensão de si próprios , através da construção de eventos e situações’” Inicialmente não foi possível estabelecer se houve mútua influencia entre os PS. Alguns participantes postaram mais de um P.S., outros solicitaram informações e outros não postaram. A performer Rose Brum acompanhou intensamente o processo com cuidado e atenção. Tomou as ideias e as investigou a partir da Hermenêutica do Sujeito de Michel Foucault (2010). A escuta e o olhar como possibilidades de cuidados de si, a possibilidade de recuperação do sujeito através da linguagem, sua transformação. Em vista disso será o FACEBOOK um templo dos deuses? Um oráculo que buscamos na rede? O PS é um “conhece-te a ti mesmo? A epimeléia heautoû é o cuidado de si mesmo. Na meditação do autor, desde os gregos ao cristianismo é uma noção cuja amplitude vem se ampliando. Designa uma certa perspectiva de estar no mundo. Implica em atenção, cuidado,

um olhar e uma relação consigo mesmo e com o outro. Constitui um corpus importante para a história das representações, das teorias e das práticas de subjetividade. . Com as ideias de atenção e cuidado, Rosemary Brum acompanhou nos três turnos as postagens, mais interessada no aprendizado do processo do que no resultado possível, no produto que daí deriva. “Produto implica a elaboração de um programa, normalmente de caráter documental, destinado a ter uma distribuição formal a mais ampla possível; processo pelo contrário, implica uma atividade na qual se reduz ao mínimo o intervalo de tempo que vai da produção do material a sua apresentação pública, assim como a distância espacial que normalmente separa o lugar de produção do lugar 7 de exibição. ”

Passou a sentir os PS em seu corpo. Incentivou e comentou, percebendo que a maior parte das postagens vinham de amigos pessoais que convidara. No geral, mantinha neutralidade, agradecendo as postagens sempre que ocorriam. As postagens ocorriam no endereço de e-mail pessoal, ou do coletivo. Talvez por desconhecerem o procedimento: postagem no “ menu”. Essa alta subjetivação da plataforma do lado de “cá”- pela performer “respondente” influenciou a troca. A relação entre arte e tecnologias não é nova, mas, com certeza, as novas tecnologias de produção de imagem atuais, incitam formas de relações inusitadas. A partir delas, pela relação homem-máquina se molda novos paradigmas na arte. Como nos diz Edmond Couchot: “Uma nova técnica figurativa não conduz forçosamente a uma nova arte, mas faz surgir as condições de sua aparição. Ela modela a percepção, age sobre o imaginário, impõe uma lógica figurativa, uma visão do 8 mundo. ”

A proposta pelo seu envolvimento direto com a tecnologia é atingida pelo conceito de reversibilidade, ou seja, uma mudança na qual um sistema e sua 7

8

BONET, Eugèni apud MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. p, 93.

COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte: da fotografia à realidade virtual. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2003. p, 19.

evolução não ocorre pelo isolamento, mas sim, pela interação com outros sistemas e com as singularidades do humano. O compartilhamento produzido pela troca é capaz de gerar novos sistemas abrir novos territórios dentro de uma proposta de pesquisa. Na expectativa de participação do convidado, como mais uma faceta do modo de nos revelarmos na rede, convidamos a visitar o blog do grupo. Entendeu-se a necessidade de uma atitude mais ativa, isto é, era preciso insistir, convocar. Na sequência, o projeto tomou direções distintas. Da análise dos PS confidenciados ao projeto, fomos tomados pela vontade de configurar nossos PS. Dar uma boca para essas escritas tornando-as mais vivas, mais atuantes. Como veríamos e sentiríamos um PS? se apenas nos detêssemos em uma boca que fala? Uma palavra dita e registrada? E se déssemos ‘corpo’ – boca, voz, pele – a essas

palavras

escritas?

Optamos pela

releitura

de

PS

selecionados,

reconfigurando-o em imagem movimento vídeo. Tomamos como referencia para construção dos vídeos o texto de Samuel Beckett, Not I9. A peça apresenta a performance de dois personagens: a boca e o ouvinte. Trata-se de uma boca que fala em fluxo ininterrupto, palavras, pensamentos, imagens. Boca esta que passou os últimos anos em silêncio. A verborragia é uma resposta, uma ação, um fazer, um reagir contra tudo, contra todos os sistemas opressores e inibidores. É um grito que revela angústias, desesperos, medos, mas acima de tudo que quer reagir, que necessita ser. Na gravação em vídeo, o corpo é recortado, enquadrado no espaço virtual da tecnologia. Sua presença em performance é intermediada pela máquina, um corpo tecnologizado atuante em performance pela presença em tempo real de gravação e presença em tempo diferido, conservando-se infinitamente. O plano de filmagem em close-up, focado na boca das performers, que pronunciavam o texto, retomou a corporeidade e singularizou-a, na sua particularidade íntima, boca personagem, boca sujeito.

9

Not I peça de Samuel Beckett escrita em 1972. Encenada pela primeira vez no Forum Theatre do Lincoln Center com performance de Jessica Tandy como Boca e encenação de Alan Schneider e no Royal Court Theatre em Londres em 1973 com a performance da aclamada atriz inglesa Billie Whitelaw e encenação de Anthony Page.

O REDE PS. enquanto vídeo quer colocar num mesmo grito todas essas palavras não ditas. Palavras essas que sozinhas não tiveram a força de serem proferidas. O texto das postagens coletivas, acreditamos tratar-se de um cem número de vozes, de bocas, de dores, de memórias, agora vivas através das nossas bocas registradas em imagem movimento. O participante do PS REDE, ao acessar o PS Not I, ao mesmo tempo que sente um estranhamento, se identifica e se projeta sobre ela, fazendo de um fragmento de corpo, órgão emissor da fala, a boca, um personagem. O que há de performance art aqui? Performance é a arte da ação por princípio,

e se faz no campo prático do tempo presente. Ação implica em

descrição, compreensão, interação, ética, moral. Tomamos aqui a concepção de Cohen (1999, p.225), que entende o fenômeno performativo “enquanto um momentum de

passagem, da

transmissão

sinestésica, entre atuante, platéia

da

intervocalidade

corpóreo-

na gesta e na fixação do fato e do texto

cultural”. Cohen (1996, p.69) afirma que a performance “está apoiada numa tríade: linguagem (texto, narrativa), suporte (mídia) e atuação”. O poder de criação do performer exige a convocação do corpo, da ação e do público. O tempo e o espaço de ocorrência, por sua vez, independem do controle direto do performer. De que corpo estamos tratando no PS REDE? Corpo sígnico, corpo humano? Certamente próximo do manifesto por Ponzio, Augusto, Calefato, Petrilli, Patrizia, Petrrilli ( 2007, p.239) Entendemos o conceito de "corpo" em um duplo sentido: como matéria extra-sígnica e como "corpo humano" como já se viu, deve-se considerar a linguagem verbal como ancorada estreitamente na produção, troca e consumo sígnicos não verbais. Questão também parte constitutiva da realidade social: do simples gerir e posicionar-se do corpo humano às relações sexuais, à circulação de mercadorias, á comunicação de signos e sinais feitos de imagens, sons, cores, etc. PS REDE engendrou, manipulou, explorou o campo prático, e ainda sugeriu um corpo cuja base se manifesta entre o material e o imaterial, e ainda pretendeu agir nele e através dele. Pensando como Mark Hansen ( 2006, 94)

“Nós não podemos mais confinar a corporificação ao corpo, não podemos mais contê-la dentro da pele orgânica, porque as técnicas contemporâneas facilitam a distinção mundo-corpo (uma não divisão) que é fundamentalmente informacional em sua imaterialidade e porque a atividade humana corporificada é, de alguma maneira, o agente desta dissolução. “

A pergunta sobre como o público poderia interagir no espaço público das redes sociais proposto pelo PS REDE, via Facebook, sem transferir a responsabilidade e riscos da ação, que é do performer, para si foi em parte respondida, como veremos a seguir. Constituir o Corpus do P S REDE tratou-se, pois, de uma proposição na qual a ação performática localizou-se no deslocamento das relações e redes. A proposta PS REDE realizada na rede de relacionamentos Facebook abordou possibilidades de ações do corpo e sua amplitude das ações em deslocamento sobre

a

possibilidade

ampliada

das

relações de

corpos no

espaços.

Transpusemos para o espaço virtual a demonstração do processo artístico e de pesquisa do grupo. Percepção,

presença,

deslocamento,

intercambio,

mapas

afetivos

roteiros, psicogeografia (BRUNO, 2007) emocional ou sensível de todo modo estiveram entre as premissas do projeto P.S seguindo as pesquisas e trabalhos já realizados pelo grupo desde sua formação (2009). P S REDE foi pensado no sentido relacionado à nossa intenção: a experiência

na extensão da rede social, do desejo de comunicação de uma

sensibilidade não expressada ainda. Mas qual seria o novo sentido sendo a ação transposta para um domínio público exponencial, como a rede social. Seria compreendido? O sentido não seria a resultante da própria interação? não sabíamos. A performance - toda ela - está no campo da comunicação, o seu discurso se constrói nas relações e confrontos que torna possível identificá-la como performance arte e não outra coisa. Na rede social, contando com inúmeras possibilidades expressivas, sem precedentes no campo artístico com um trabalho semelhante (daí o interesse da experimentação), como seria?

O PS REDE quis, pois, provocar o corpo à conexões de seu estado sensível e tangível, à exigência de sua comunicabilidade. O que há de performance no P.S. REDE? Esta foi a questão levantada pelo coletivo durante a elaboração do trabalho e tornou-se nosso desafio. O potlatch esclareceu-nos. Apazigou-nos no que buscávamos, como veremos mais adiante. As relações em rede geraram

uma potlatch, com espelhamento durante e ao fim, dos

especatadores/actuantes. Igualmente essa proposta de trabalho artístico em que a interação do espectador foi viabilizada através de solicitação ao espectador à participar de uma experiência

artística

é

concretamente

realizável

como

performance

art.

Entendemos que o facebook faz parte da circulação de mercadorias simbólicas, são mensagens sígnicas de um meio eletrônico. Acreditamos na força da palavra, na força ondulatória das ações que elas desencadeiam no tempo e no espaço. Este trabalho teve um caráter contaminador. Não por acaso usamos a terminologia biológico/virtual ‘vírus’ para nomear os efeitos destas ações performáticas. No decorrer dos meses de planejamento e execução das performances PS. e. REDE P.S. houve um crescente familiarizar-se com questões afetivas, tocadas pelas performances, que se traduziram em tomadas de decisões e observamos como a participação do público teve um caráter catártico: E uma vez que propusemos um projeto em rede, pudemos perceber esta performance ressonar mais longe e de maneira mais disseminada e livre. Percebemos como as pessoas falavam de si, de suas histórias, de suas vivências. Ao publicarem seus P.S. elas abriram mão de suas individualidades, e talvez não sem esforço, e compartilharam estes pensamentos com outras pessoas. Estas palavras que estavam presas, e tinham motivos para estarem no lugar onde estavam, apareceram com uma vontade de serem ditas. Mesmo doces ou engraçadas, as palavras não foram colocadas ao acaso. Não tratava-se simplesmente de mensagens cotidianas, de avisos, de recados. Foram palavras pensadas. Cada vírgula tinha o seu motivo de ser. Sentíamos a responsabilidade, a dor, a alegria, o humano sendo ‘materializado’ através de caracteres numa página de uma rede social.

Com uma lógica de conexão que se estabelece compartilhada, gerando multiplicidades,

com

agenciamentos

internos

próprios

de

cada

sujeito

participantes, mas sem limites, com conexão em todas as direções e dimensões. Como o que nos propõe Deleuze e Guattari, na formação rizomática10. “...um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança. A árvore impõe o verbo ‘ser’, mas o rizoma tem como tecido a conjunção ”e. e...e...” Há nesta conjunção força suficiente 11 para sacudir e desenraizar o verbo ser. ”

Uma formação multiplicante, onde o sujeito se instala no meio, em um tecido específico, construído pelo exercício do corpo na atuação de postagem na rede facebook. Como multiplicidades, sujeitos no exercício da performance, ampliam seus corpos para além da linha do horizonte, atuantes como grandezas e dimensões que não podem crescer sem a conexão, sem a partilha, sem o intercambio, sem a interação, sem a troca. Semelhante ao potlatch. Potlatch é uma linguagem de troca para uma forma de linguagem não verbal em que circulam relacionamento entre seres humanos. Marcel Mauss (1925) examinou como os métodos de troca nas sociedades tidas como primitivas compreendia uma complexa rede de reciprocidades, intercambio e seria a origem antropológica do contrato social. A palavra potlatch, que significa dar, era ritualizada em gestos de oferta de bens e de riquezas. Incentivava uma espécie de competição, na medida em que os grupos sociais (tribos ou famílias), no trocar e exibir dons de valor na ação conduzia a uma desigualdade subjacente. O sistema de trocas era estabelecido porque o agraciado ao receber presentes, aceitava e obrigava-se à reciprocidade do gesto. Forma não verbal, em chave semiótica o potlatch, em quantidade e a qualidade de dons trocados torna-se signo de uma relação social desejada. Potlatch foi o campo das interações mantidas pelos P S. Dádivas em forma e razão das trocas na rede social onde:

10

O conceito de rizoma é discutido na introdução de Mil platôs, mas reaparece ao longo do trabalho de Deleuze e Guattari ramificado em outros conceitos e denominações. Rizoma é uma forma de organização não-arborescente, sem raízes, sem eixo central, com conexões em todas as direções e dimensões. 11 DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, Rio de Janeiro: Editora 34. 1995. v.1. p. 37.

a. Artefato, produto e obra postados que o corpo visivo e o olhar soube despender sobre uma linguagem cinésica , das cores, da escuta. b. As

relações em rede geraram espelhamento durante e ao fim, dos

espectadores /actuantes. c. Quanto ao Oráculo? No sec XXI buscamos na rede.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASBAUM, Ricardo Basbaum. O que exatamente vocês fazem, quando fazem ou esperam fazer curadoria? http://revistatatui.com/revista/tatui/11/ladoa acessado em 20/11/2011. BONET, Eugèni. In MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. p, 93. BRUNO, Giuliana. Atlas of emotion. Journeys in Art, Architecture, and Film. Verso: London, 2007. COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte: da fotografia à realidade virtual. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2003. p, 19. COHEN, Renato. Performance e contemporaneidade: da oralidade à cibercultura. In FERREIRA, Jerusa Pires (Org.) Oralidade em tempo & espaço. São Paulo: EDUSC/FAPESP, 1999. p. 225-240. COHEN, Renato. Performance-anos 90: considerações sobre o Zeitgeinst contemporâneo. In: TEIXEIRA, João Gabriel L. C. Performáticos, performance e sociedade. Brasília: Transe/CEAM, 1996. p.23-28. DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, Rio de Janeiro: Editora 34. 1995. v.1. p. 37. FOUCAULT, Michel Foucault.A hermenêutica do sujeito Martins Fontes, São Paulo, 2010. HANSEN, Mark. B. N. Bodies in Code. Interfaces with digital media. New York, London. Routledge, Taylor and Francis Group. 2006. p.94.

LEVY, Pierre. O que é o Virtual?. Rio de Janeiro: Editora 34,1996. MCLUHAN, Marshal. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo; Cultrix, 1964. MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. ----------IN Sociologia e Antropologia. V II, São Paulo: EDUSP, 1974 [1923-24] PONZIO, Augusto, CALEFATO, Patricia, PETRILLI, Susan .Fundamentos de filosofia da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2007. WEISSBERG, J-L. Présences à distance. Paris: Harmattan, 1999. ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção e Leitura. São Paulo: Educ. 2000.

ENDEREÇOS ELETRÔNICOS http://en.wikipedia.org/wiki/Surrealist_techniques acessado em 02/05/2011. http://www.scribd.com/doc/27349495/Other-People-s-Rejection-Letters-edited-byBill-Shapiro-Excerpt acessado em 17/05/2011. http://jhouse78.wordpress.com/ acessado em 20/05/2011. http://revistatatui.com/revista/tatui/11/ladoa acessado em 20/11/2011.

VÍDEOS http://www.youtube.com/watch?v=TEcxQDTE54U&feature=share http://www.youtube.com/watch?v=KOPAgFTqny4&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=uUNhEnsy8v8&feature=related

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.