O CURIOSO CASO DO ARTIGO 489, §1º, INCISO II DO NOVO CPC BRASILEIRO

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O CURIOSO CASO DO ARTIGO 489, §1º, INCISO II DO
NOVO CPC BRASILEIRO


Tiago Gagliano Pinto Alberto
Doutor em Direito pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da
Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da
Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE).
Professor da Faculdade das Indústrias – IEL. Membro
fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação
Jurídica (ILAAJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de
Fazenda Pública da Comarca de Curitiba. E-mail:
[email protected]; [email protected].




SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O que tem cara e rabo de jacaré é... um
lagarto; 2.1. A falácia naturalista; 2.2. O paradoxo de Townes; 2.3.
A ideologia tecnocrática, ou, em outras palavras, a "doutrinocracia";
2.4. O Universalismo Vs. Particularismo. 3. Determinado é o que está
em sua cabeça; 4. Qual o motivo do motivo? 4.1 A descrição do motivo;
5. O problema final: incidência ou aplicação? 6. Conclusão; 7.
Referências bibliográficas.


SUMMARY: 1. Introduction; 2. What has the face and alligator tail is
... a lizard; 2.1. The naturalistic fallacy; 2.2. The Townes paradox;
2.3. The technocratic ideology, or in other words, "doutrinocracy";
2.4. Universalism vs. Particularism. 3. Determined is what's in your
head; 4. What is the reason of why? 4.1 The description of the
reason; 5. The final problem: incidence or application? 6.
Conclusion; 7. References.


RESUMO: O presente estudo objetiva analisar a estrutura do artigo 489,
§1ᵒ, inciso II do CPC no que diz respeito à argumentação e teoria da
decisão judicial. Objetiva-se perquirir se a redação do mencionado inciso
revela-se compatível, a nível sintático, semântico e pragmático, ao fim que
pretende, qual seja, de explicitação da racionalidade ínsita à decisão
judicial que, no corpo da fundamentação fizer uso de conceitos jurídicos
indeterminados resolução de determinado caso.
PALAVRAS-CHAVE: Poder Judiciário; conceitos jurídicos indeterminados;
decisão judicial.
ABSTRACT: This study aims to analyze the structure of article 489, §1ᵒ,
II CPC based on argumentation and judicial decision theory. The purpose is
to verify if the article´s redation proves to be compatible, in syntactic,
semantic and pragmatic legal, to the purpose wanted, namely, the
explanation of the inherent rationality to the court decision that uses
indeterminate concepts as motivation to adjudicate the solution in a
certain claim.
KEY-WORDS: Judiciary branch; indeterminate juridic concepts; judicial
decision.


INTRODUÇÃO


O novo Código de Processo Civil aprovado em 2015, Lei nº. 13.105, de
16/03/2015 - DOU 17/03/2015, inseriu, no artigo 489, alguns critérios de
validade para a decisão judicial com o objetivo bem evidente de tentar
introduzir elementos de racionalidade no ambiente decisório brasileiro.
Atualmente, sabemos, reclama-se, em boa parte dos países que se ajustam ao
Estado de Direito, que a decisão judicial apresente em seu âmago o que se
denomina legitimidade argumentativa, isto é, que se encontre afinada ao
direito e, por isso, legitimada se e enquanto dispuser em seu cerne de
argumentos tidos como racionais, passíveis de controle pelos destinatários
do serviço jurisdicional e do cidadão genericamente considerado[1].
Há, evidentemente, quem insista em que a decisão, por ser um ato
produzido nas entranhas da subjetividade do prolator, deve observância aos
parâmetros constitucionais e legais, ademais, tão somente, da consciência
do Julgador. Estes que assim ainda se pronunciam, simplesmente ainda não
acordaram do que se convencionou chamar de "sonho dogmático", em que se
postula resposta para todos os conflitos e imbróglios sociais tão somente
nos documentos normativos escritos de que dispomos em nosso dia-a-dia[2]. A
realidade, como sempre mais criativa do que os legisladores, apresenta,
contudo, diversas gamas de situações em que, para além da Constituição e
das leis, algo a mais deve ser chamado a intervir para viabilizar a
adjudicação do direito postulado ao caso e, ao mesmo tempo, conferir
efeitos intra e extraprocessuais consentâneos ao direito à decisão.
Principalmente nestes casos – afora outros que nada de excepcionalidade
costumam apresentar, mas que, igualmente, reclamam a objetivação dos
argumentos utilizados para fins decisórios –, costuma ficar mais evidente a
criatividade judicante e, por via de consequência, a escapada às falácias,
argumentos meramente subjetivos, ou, até mesmo, desabafos e pregações na
fundamentação[3]. Muitas vezes o defeito no argumento se encontra na
pretensa, ou aparente, fundamentação, em que princípios, conceitos
jurídicos indeterminados, cláusulas gerais e outros tantos veículos
normativos mais abertos são invocados e tidos como premissa normativa para
resolver a celeuma. Nestas hipóteses, a erronia não está propriamente na
utilização dos princípios, mas, em realidade, na forma como tal se dá,
igualmente aberta e em geral sem qualquer apego à racionalidade, ademais de
forçar de maneira equivocada a argumentação dedutiva quando o caso pede
outro tipo de técnica decisória.
Com o objetivo de tentar aplainar essas dificuldades, inseriu-se o
artigo 489 no CPC e, especialmente no tocante aos princípios, cláusulas
gerais e conceitos jurídicos indeterminados, o inciso II do §1º e o §2ᵒ da
mencionada regra. Doravante à entrada em vigor do texto processual legal, o
juiz, ao chamar a atuação quaisquer daqueles construtos normativos deverá
empreender correlação entre o preceito que invocou e o caso concreto[4].
Ocorre que, tanto como o artigo 489 em sua completude pode ser
criticado sob diversos vieses, o inciso II também não enseja a
racionalidade tão esperada no contexto da decisão judicial. Ao transcorrer
deste artigo, tenho o objetivo de demonstrar que, conquanto dotado de boa
intenção, o inciso II complica por demais a construção da decisão judicial,
que, ao final, pode acabar correndo o risco de ensejar ainda maior
indeterminação do que se não existisse a norma a ser observada. Esta
particularidade poderá atabalhoar ainda mais o funcionamento institucional
e orgânico de Varas e Tribunais, atrasando em muito a prestação
jurisdicional como resultado de eventuais nulidades que poderão ser
suscitadas em decorrência da inobservância, ou errônea observância, do
contido no inciso II do §1º do artigo 489 do NCPC.




1. O QUE TEM CARA E RABO DE JACARÉ É... UM LAGARTO
O primeiro dos vários problemas contidos na redação do inciso II do §1º
do artigo 489 é a alusão a "conceitos jurídicos". Nesse campo e para
iniciar o problema, tanto faz mencionar se os conceitos são determinados ou
não, porque ambos são igualmente indeterminados. Rudolf Von Ihering, em
"Jurisprudencia en broma y en serio", descreve a seguinte fantasia,
denominada "O céu dos conceitos jurídicos":


Yo me había muerto. Un halo luminoso rodeó mi espíritu al
abandonar el cuerpo.
- "Ya estás libre de las ataduras de los sentidos, las
cadenas con las que tu espíritu estaba sujeto al cuerpo,
han saltado, ya eres únicamente espíritu.
(...)
- Te doy gracias por tus informes. Así, aproximadamente,
me había imaginado la cosa, pero me agrada escuchar de tu
boca la confirmación. ¿Como debo llamarte?
(...)
- Llámame Psicóforo, el conductor de almas. Yo soy quien
ha de conducirte al lugar de tu destino (...) Como tú eres
un romanista, vas destinado al cielo de los conceptos
jurídicos. (...) Aquí son premiados los teóricos de la
jurisprudencia por los servicios que les han prestado en
la tierra (...) Las cuestiones para las que en vano
buscaron una solución durante su existencia terrenal, son
contestadas aquí y resueltas por los proprios conceptos.
(...)
(...)
- ¿De modo que es sólo para teóricos? ¿Adónde van, pues,
los prácticos?
- Tiene su más allá especial, pero pertenece todavía al
sistema solar. El sol hace lucir allí sus rayos y existe
aire atmosférico, apropriado para las duras construcciones
de un prático, de la misma manera que sería inadecuado
para los conceptos; allí domina aún una vida como la de la
tierra: en una palabra, el práctico encuentra allá todas
las limitaciones de la existencia terrena. No podría
respirar en el cielo teórico ni podría avanzar un paso de
su lugar, como quiera que sus ojos no están hechos para la
profunda oscuridad que allí domina.
- ¿Luego se trata de un lugar oscuro?
- Completamente. Allí reina la noche más profunda. Los
astros que se encuentran en este más allá, no pertenecen
al sistema solar y no reciben ni un rayo de sol. El sol es
la fuente de la vida toda, pero los conceptos nada tienen
que ver con la vida, y necesitan de un mundo que exista
sólo para ellos, alejado de cualquier contacto con la
vida[5].




A partir deste ponto, Ihering passa a descrever, por intermédio de
Psicóforo, o céu dos teóricos, em que imperam os conceitos jurídicos,
desapegados à vida e burilados por meio de maquinários que permitem
aprofundar cada vez mais as minúcias, controvérsias e questões jurídicas
imbricadas nas discussões que lhes são pertinentes. A só menção à sua
funcionalidade na vida prática pode gerar a imediata expulsão do céu dos
teóricos, a fim de que se preservem os conceitos em sua máxima plenitude,
válidos por si sós, resplandecentes por natureza quais anjos celestiais.
O mesmo Autor destacou a necessidade de se estabelecer uma
diferenciação entre o que denominou jurisprudência inferior e superior,
sendo aquela a ordinária, do dia-a-dia dos Tribunais e esta a direcionada,
tão somente e de maneira exclusiva, ao exame dos conceitos jurídicos. O
traço fundamental da jurisprudência com esta tão sublime tarefa deve
obedecer a três princípios: i) observância do material objetivo das
definições; ii) regra da consistência (ausência de contradição); e iii)
regra da elegância jurídica. Não resisto a dizer que elegância jurídica é
algo tão curioso quanto à classificação em si: acaso estaria na observância
formal à lei, à quantidade de características do conceito, ou à forma como
desenvolvido?
Para Ihering, portanto, os conceitos jurídicos devem receber o
tratamento de "corpos jurídicos", gozando de independência dos institutos
aos quais aparentemente vinculados e alçando o status de entidades
existentes, independentes; verdadeiras individualidades lógicas a permear a
vida do ser. À jurisprudência "superior", dessa feita, caberia a
investigação das estruturas, propriedades e relações existentes entre os
corpos jurídicos (conceitos jurídicos) sedimentados em proposições
jurídicas.
Ao que se pode perceber, a procura pela independência, as estruturas a
definir e propriedades a descobrir, além, claro, do caráter de
individualidade lógica, ou seja, a supervalorização dos conceitos jurídicos
enseja a sua evidente indeterminação, ademais de outros problemas a seguir
explorados. Phillip Heck partilha da mesma crítica, destacando que apesar
da autoridade de Ihering, deve ser rechaçada completamente a sua
visualização corpórea dos conceitos jurídicos, além do que a divisão da
jurisprudência em inferior e superior nada mais traria do que confusão ao
cenário jurídico[6].
Ainda na linha da imprestabilidade da menção aos conceitos jurídicos na
regra contida no artigo 489, §1º, inciso II do NCPC como forma de
racionalizar a decisão judicial, interessante observar que a importância
que outrora se atribuiu aos conceitos jurídicos ensejou até mesmo uma
classificação, algo mecanicista, da jurisprudência alemã em jurisprudência
dos conceitos, dos interesses e dos valores. Desde o conhecido "movimento
do Direito Livre", capitaneado, entre outros autores, por Hermann
Kantorowicz, que explicitamente anunciava, em contrariedade à
jurisprudência dos conceitos, que não se deve fabricar direito positivo por
meio de uma jurisprudência de conceitos[7], passando por Karl Ehrlich e Max
Rümelin e, enfim, pela, na minha opinião, indesejável abstração que se
seguiu, da jurisprudência dos interesses que negava sua anterior faceta,
dos conceitos, não se logrou estabelecer no que e em que os conceitos
jurídicos podem ser determinados e, como consequência disso, auxiliar na
produção da decisão judicial. Recaséns Siches advertia, a propósito, que a
jurisprudência dos conceitos acreditava que estes figuravam como ideias
básicas do direito e o método que utilizava, de burilar conceitos até que
apresentassem a solução do caso, não se prestava para os fins a que se
propunham, porque "tropeçava com o inconveniente de que às vezes fossem
possíveis várias construções diferentes"[8].
Ora, se o prius, o conceito jurídico, já pode trazer diversas
construções, como o posterius, a decisão judicial que dele se utiliza,
poderá não padecer da mesma pecha?
Há mais.


1.1. A falácia naturalista.


Tomar indevidamente um conceito jurídico, isto é, uma entidade
abstrata, como premissa normativa a viabilizar a utilização da metodologia
dedutiva consolidada principalmente, embora não absolutamente, pelo modus
ponens em que A implica B; ora B, então A, inviabiliza a aferição do
resultado final do produto do silogismo como algo válido. Isso porque,
evidentemente, uma das premissas, a normativa, não garante o resultado
final.
Dito de outro modo: imagine o leitor que determinado juiz, no exercício
de seu mister, considere que a função social, da propriedade ou posse, não
importa, presta-se a figurar como premissa normativa apta a incidir em uma
premissa fática para, a partir daí, resultar em uma conclusão que defina a
quem deva ser adjudicado o direito. A premissa fática, neste caso, encontra-
se bem delimitada, supondo; mas a normativa demandará uma análise
subjetiva, uma valoração, uma compreensão no sentido da adjetivação do que
se qualifica juridicamente como "função social". Precisamente esta
necessidade de valoração, isto é, a inserção de elementos subjetivos para
definir algo que, em tese, seria objetivo é que retira a validade lógica da
conclusão, porque poderá variar dependendo de quem empreenda a análise do
caso e verifique se tal ou qual situação cumpriu, ou não, a "função
social".
Esta é uma falha argumentativa bem interessante, denominada por Georg
Edward Moore de "falácia naturalista"[9], também conhecida como "Lei de
Hume", e que consiste em obter juízos prescritivos a partir de juízos
descritivos, o que invariavelmente ultima por invalidar a argumentação por
dedução.
Então, não parece que, tomando a falácia naturalista como problema a
inviabilizar a utilização de conceitos jurídicos indeterminados
isoladamente como premissas normativas, a só menção ao motivo de sua
incidência no caso, como exige a lei processual, poderá resolver a questão
da racionalidade da decisão. Parece que, antes, deverá o juiz explicitar o
que compreende por conceitos jurídicos, depois o que são conceitos
jurídicos indeterminados e por qual motivo aquele que invoca em sua
sentença assim deve ser considerado para, somente após, estabelecer o
motivo da sua incidência no caso concreto.
Isso pode ser feito? Claro que sim, mas, em primeiro lugar, a lei não
exige que o juiz explicite o que compreende por conceito jurídico e,
tampouco, por conceito jurídico indeterminado; e, depois, que a cláusula
que invoca assim possa ser enquadrada. Ao que parece, a própria lei deve
sofrer um processo de racionalização.


1.2. O paradoxo de Townes:


Outro problema gerado pela regra em discussão é o paradoxo de Townes,
ou "paradoxo do casuísmo", lembrado por Alfonso García Figueroa, como
aquele em que em função do caráter único e particular de cada caso, faz-se
necessário estabelecer parâmetros muito abstratos para a sua solução[10] e
estes acabam sendo obtemperados por parâmetros particulares, que demandam
parâmetros gerais e assim por diante.
Admitindo que, para se valer da explicação acerca do(s) motivo(s) que
ensejou(aram) a aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados para a
solução de determinado caso o juiz tenha que, previamente, explicitar quais
seriam esses conceitos e, na mesma linha, suas características, estrutura
e, finalmente, incidência ou aplicação (assinalarei mais adiante este
problema), estaria, por obra desta busca e detalhamento de minúcias,
definindo a particularidade do caso e a necessidade de aplicação do
conceito indeterminado para resolução. Ocorre que, ao empreender esta
tarefa, o juiz estará, ao mesmo tempo, moldando o que compreende
genericamente pelo conceito utilizado, de modo a se vincular, ante a ratio
decidendi que enunciará, para o desfecho de casos futuros, conquanto nestes
– e aí vem o paradoxo – tenha que novamente deslindar as minúcias que o
levaram a aplicar o conceito e, com isso, estabelecendo novos parâmetros
abstratos que o vincularão e assim ad infinitum.
Observe que este raciocínio não se aplica quer em relação às regras que
possuem um antecedente fixo, quer no tocante aos princípios e, agora é
curioso, tampouco em relação aos conceitos jurídicos indeterminados,
cláusulas gerais e entidades normativas de semelhante tipo. Paradoxalmente,
o problema não reside na utilização em si de quaisquer dos veículos
normativos assinalados, mas na demanda pela mineração da estrutura,
características, efeitos e conexos da definição do conceito jurídico
indeterminado e a explicitação dos motivos que levaram o juiz a aplicá-lo.
Não há problema, em termos argumentativos, na utilização de quaisquer
entes normativos para construção de uma solução decisória racional. A
questão é que, ao exigir a explicitação do(s) motivo(os) e não mencionar
algum parâmetro a lastrear esta forma de justificação, a lei abre tanto o
flanco para diversas formas de explicação que na prática torna o
dispositivo de dificílima aplicação, ou absolutamente inefetivo.
Teria andado um pouco melhor a lei, embora não de maneira suficiente,
se, ademais de exigir a alusão ao(s) motivo(os), deixasse claro em que
classe de motivos deve o juiz caminhar, isto é, se econômicos, sociais,
antropológicos, para citar alguns. Assim não tendo atuado, de pouca, ou
nenhuma valia, apresenta-se o dispositivo, porque na prática, qualquer tipo
de argumento mencionado como motivo deverá ser tido como válido e capaz de
atender ao que demanda a legislação.


1.3. A ideologia tecnocrática, ou, em outras palavras, a "doutrinocracia".


Há uma outra questão, de fundamental importância, a considerar no
tocante à incidência do dispositivo em voga. Já observei anteriormente a
dificuldade na definição dos conceitos jurídicos, assim como a problemática
que esse tipo de abordagem pode causar na doutrina e, por consequência, na
jurisprudência. Avanço ao exame do tema pontuando que uma possível solução
para o definitivo esclarecimento acerca da definição de conceitos
jurídicos, suas características e formas de aplicação seria o conhecimento
doutrinário a respeito.
Observe, por exemplo, o atual direito de danos, sucessor da
responsabilidade civil para determinados autores e setor da jurisprudência.
Entre os seus elementos de caracterização, denominados pressupostos
contemporâneos do dever de indenizar, encontra-se o "dano injusto",
conceito jurídico de dificílima definição, eis que envolve dois temas
diversos, o dano, e o seu caráter de injustiça[11].
Acaso hipoteticamente a doutrina venha a esmiuçar o conceito, burilando-
o ao extremo, de modo a que praticamente se tenha por definido do que se
trata o tal "dano injusto", teremos, então, a aplicação de um pressuposto
que não encontra correspondência imediata na lei e cuja caracterização se
deu em terreno doutrinário, por intermédio de autores que, evidentemente,
não guardam legitimidade direta ou indireta extraída da Constituição.
Habermas tratou de problema assemelhado, ao apresentar uma ressalva à
chamada "ideologia tecnocracia"[12]. Na oportunidade de seu trabalho, a
crítica, é bem verdade, foi direcionada ao trabalho de profissionais da
ciência que eventualmente se arvorassem em salientar que encontraram um
parâmetro último de acerto da proposição que apresentavam, ensejando a
utilização do resultado de suas pesquisas em outras frentes de atuação,
tomando-a como definitiva. O alerta foi lançado no sentido de que nem
sempre poderemos acreditar neste tipo de acerto último, porque mesmo a
apreciação de dados objetivos pode guardar particularidades que variam de
pesquisador para pesquisador.
No caso dos conceitos jurídicos, ainda que pacificamente considerada
como acertada e definitiva, com alto grau de precisão, a conceituação de
determinada expressão, nem por isso se poderá dizer que inexistirá variação
importante no futuro a ser considerada e, por isso, capaz de alterar a
solução final de determinado caso sob apreciação.
Por isso, a advertência de Habermas também vale neste ambiente. Adotar
a ideologia tecnocrática quanto à definição de conceitos e utilizá-los no
contexto decisório como se definitivos fossem implicaria, por via
transversa, atribuir uma legitimidade à doutrina que não conta com
embasamento democrático.




1.4. O Universalismo Vs. particularismo.


No âmbito da teoria da norma, existe grande e acirrada discussão acerca
do caráter particularista ou universalista de enunciações e regras. Costuma-
se discutir se a adoção de uma ou outra vertente de pensamento impactará na
linguagem decisória como diretriz interpretativa, integrativa, de aplicação
de normas vigentes, ou todas as coisas ao mesmo tempo. Também se discute,
ainda nesse contexto, se valores e emoções devem ser utilizados como
metalinguagem, ou a linguagem propriamente dita, na composição da norma, ou
na adjudicação de direitos e aferição objetiva da constitucionalidade das
normas questionadas.
Neste trabalho não há como aprofundar o tema, senão apenas apresentá-lo
de maneira bem perfunctória e especificamente direcionada ao estudo do
artigo vergastado. Assim é que ao mencionar que os conceitos jurídicos
indeterminados podem ser utilizados como forma de fundamentação desde que o
juiz apresente os motivos que os correlacionam com o caso concreto, mas sem
explicitar a que tipo de motivos faz referência, corre-se o acentuado risco
de universalização de fins e ideologias por intermédio das decisões.
Bastará, para tanto, que o juiz apresente uma justificação, a título de
motivo, que se lhe apresente de ordem primordial, ainda que não
necessariamente jurídica. Motivos estritamente econômicos, no caso de
quebra de contratos, psicológicos, no caso de litígios em direito de
família, antropológicos, em situações de reconhecimento de sociedades
tradicionais, entre outros que poderiam figurar em um elenco bem abastado,
poderão ser invocados de maneira exclusiva para fins de atendimento à regra
legal. E estes não seriam nem tão ruins se, no prosseguimento do
desenvolvimento do argumento, pensássemos em motivos de ordem religiosa;
ou, ainda, afetos a questões mais pragmáticas (no mau sentido do
pragmatismo), como excesso de trabalho, poucos servidores, pressão etc.
Em todas essas situações, haverá o atendimento formal ao que exige a
lei para fins de utilização de conceitos jurídicos indeterminados,
conquanto, evidentemente, não se possa considerar que existe um argumento
sólido, ou, ao menos, legítimo, no caso decidido.




2. DETERMINADO É O QUE ESTÁ EM SUA CABEÇA.


Vamos supor, a despeito das críticas supra, que inexiste qualquer
dificuldade para definir o que sejam conceitos jurídicos. Hipoteticamente,
superamos todas as considerações anteriormente mencionadas e, por igual,
eliminamos todos os problemas que eventualmente poderiam surgir como
resultado da pouca clareza do texto legal ora em análise. Ainda assim,
enfrentaríamos questões de dificultosa solução para compreender o que
efetivamente pretende o inciso II do §1ᵒ do art. 489 do CPC dizer ao
mencionar conceitos jurídicos indeterminados.
Se compreender o que é indeterminado é intrincado, examinemos o oposto:
o que é um conceito jurídico determinado?
Seria aquele diretamente tratado pela lei? Acaso positivo, não há como
deixar de lembrar, como já advertiu Neil MacCormick, que no âmbito do
estabelecimento de premissas normativas, entre elas, claro, figurando o
pretenso conceito jurídico determinado, por vezes nos vemos na necessidade
de resolver problemas de interpretação, correlacionado à descoberta da
incidência da norma ao caso concreto; ou de pertinência, atinente a
perquirir se existe norma que incida no caso[13]. Naquela situação, a do
problema de interpretação, poderia ser cogitada a dúvida quanto à
incidência das normas inseridas no contexto da Lei Maria da Penha aos
homossexuais. Por outro lado, a título de problemas de pertinência poderia
ser lembrada a situação do dever lateral de cumprimento de contrato, em que
existe um conceito jurídico aparentemente indeterminado, como a boa-fé, por
exemplo, que deve ser examinada não sob o ponto de vista do esclarecimento
conceitual, mas sim da incidência, ou aplicação (já veremos o problema da
distinção; não desista) ao caso em debate.
Observe que em ambos os casos, tanto conceitos determinados
(aparentemente), quanto os indeterminados apresentam semelhante
problemática a malsinar a compreensão da determinação dos conceitos como
mera alusão ao texto normativo posto. Parece, bem ao contrário, que a
interpretação da regra terá de ser sempre e inexoravelmente empreendida, o
que nos leva a uma ausência de espaço de sentido para a determinação e, por
consequência, à alusão à indeterminação. Em último grau, se determinados ou
indeterminados equivalem ao mesmo, em todos os casos o juiz deverá
mencionar, para atender ao que determina o inciso II do §1ᵒ do artigo 489
do CPC, o motivo que o levou a aplicar o conceito ao caso concreto. Não
parece que tenha sido esse o escopo da lei processual e, por outro lado,
tal pretensão dificultaria muitíssimo o dia-a-dia.
Mas, admitindo que esteja errado este pensamento e que a determinação
de conceitos possa ser diretamente obtida a partir de um texto normativo
posto, caberá ainda perguntar a qual texto se está a referir.
Talvez definir o que é poeira espacial seja mais fácil do que a norma.
Há um sem-número de definições a respeito; cito, numerus apertus, apenas
algumas: i) normas como ato linguístico; ii) normas como fenômeno histórico
(Marxismo); iii) norma como juízo lógico-prescritivo; iv) norma como juízo
de adesão; v) normas a partir de movimentos policentristas etc.
A questão se complica ainda mais ao se considerar que no âmago de cada
uma das definições podem se encontrar divisões, classificações e sub-
divisões.
Ora, se nem a definição de norma se afigura pacífica, o que se pode
dizer do conceito jurídico pretensamente determinado definido em seu
elemento prescritor?
Então, supondo que o conceito jurídico determinado não possa ser obtido
a partir da compreensão de norma, seria possível hauri-lo diretamente dos
princípios? Em sendo possível, poderemos cogitar que a indeterminação seria
obtida a partir do seu revés; ou seja, o que não é estabelecido pelos
princípios, seria indeterminado.
Essa seria uma solução, não fosse o fato de que a utilização dos
princípios para esse fim apresenta ao menos dois problemas: i) seu nível de
abstração muito mais acentuado do que o das normas; ii) a conceituação e
classificação dos princípios, imbróglio teórico de efeitos práticos que não
se logrou superar por ora, quer em sede acadêmica, quer no dia-a-dia[14].
Assim, inviável a determinação de um conceito por intermédio de uma
norma, ou um princípio, seria necessário perquirir algum outro veículo para
alocar o conceito cuja determinação a partir da lei se procura. E, entre os
que sobram, encontram-se apenas as cláusulas gerais, abertas e os próprios
conceitos jurídicos indeterminados, o que nos leva a um raciocínio circular
e, por isso, falacioso: o conceito jurídico determinado será aquele que se
oponha ao conceito jurídico indeterminado. Nada se resolve com isso.
O que pretendo demonstrar com a digressão ora realizada é que, ao
exigir que o juiz se desincumba do ônus argumentativo de demonstrar o
motivo da incidência do conceito jurídico indeterminado no caso concreto, a
norma desconsiderou, primeiro, que o conceito jurídico determinado pode ser
tão indeterminado quanto o indeterminado em si; e que não há parâmetro
legal para definir quando um conceito será, efetivamente, determinado.
Todos estarão sujeitos a interpretação e, bem por isso, sejam
indeterminados ou determinados, em todos os casos o juiz haverá de expor o
motivo – seja lá o que isso quer dizer – de sua incidência. A norma se
aplica a tudo e, por consequência, a absolutamente nada.
Mas, imaginemos que existe a perfeita possibilidade de se delimitar o
que são conceitos jurídicos indeterminados. Neste caso, superando esta
questão, resta outro ponto nodal a ser superado.


3. QUAL O MOTIVO DO MOTIVO?
Para quem começou a ler a partir deste ponto, a legislação processual
exige, por força do artigo 489, §1ᵒ, inciso II do CPC, que o juiz, ao
invocar conceitos jurídicos indeterminados por oportunidade da motivação,
exponha os motivos da sua incidência no caso concreto. Assim não agindo,
estará a decisão inquinada no plano da validade, devendo ser proscrita do
cenário positivo.
A questão não anda bem quanto à delimitação sobre o que seriam
conceitos jurídicos e quais seriam os determinados ou indeterminados, mas,
no tocante aos motivos, parece que existirá um evidente vácuo entre o que
pretende a norma e o que decerto se verá no cotidiano forense.
Ao enunciar "o motivo concreto de sua incidência no caso", não ficou
claro qual motivo se está procurando, o que pode vir a produzir nefastos
efeitos, como passo demonstrar.
Uma possibilidade de explicação do "motivo" mencionado pela lei seria o
mais óbvio: motivo jurídico. Parece que assim estaria resolvido o problema,
já que caberia ao juiz tão somente apresentar o motivo baseado em lei,
precedente, enfim, todo aparato jurídico positivo disponível para
evidenciar porque utilizou determinado conceito jurídico indeterminado em
um caso controvertido. Ocorre que o aspecto jurídico, para falar somente
desse, é por demais aberto quanto ao viés de abordagem de que pode se valer
o juiz no ambiente decisório.
Ao trazer à tona o motivo jurídico, poderá o juiz lastreá-lo em uma das
muitas vertentes de pensamento afetas à justiça, contemporâneas ou não; ou
seja, poderá se valer de pensamentos utilitaristas, libertários,
jusnaturalistas, neojusnaturalistas, positivistas inclusivos, exclusivos,
éticos, lógico-inclusivo, realistas, realistas moderados, realistas
psicológicos, neopositivistas, marxistas, feministas, comunitaristas entre
outros, o que lhe abrirá o leque de inúmeras possibilidade para apresentar
o pretenso motivo da incidência do conceito jurídico indeterminado no caso.
Se o objetivo era a racionalização por meio da objetividade, não parece que
com a exigência, na forma como posta, tal intento será acolhido.
Acaso o juiz não se sinta muito atraído pelas várias teorias da
justiça, algumas das quais retro mencionadas, poderá adentrar ao campo das
teorias da eficiência e as suas particularidades, procurando apresentar o
motivo jurídico com aporte comportamental-econômico, institucionalista, neo-
institucionalista, baseado em raciocínio eficiente, teoria dos jogos etc.,
o que igualmente viabiliza a abordagem da questão por inúmeros flancos, não
sendo possível garantir ou racionalidade, ou objetividade na enunciação do
motivo jurídico pretensamente exigido.
Mas, se de justiça ou eficiência não for simpático o juiz, poderá então
recorrer às teorias ideológicas, ou da moral, psicológicas, antropológicas
etc, cada qual representando possibilidades, classificações, divisões e
subdivisões que beiram ao infinito, o que recomenda proscrever a
compreensão segundo a qual o motivo jurídico eventualmente exigido pela lei
seria capaz de conferir algo como racionalidade e objetividade
argumentativa à decisão que o venha a enunciar.
Procurar o motivo jurídico parece uma inglória tarefa. Vamos abandoná-
la, por ora.
Seriam então os motivos fáticos aqueles buscados? A substituição parece
razoável, já que permitiria uma interface entre os conceitos jurídicos
indeterminados (algo de jurídico) e os motivos concretos (algo de fático)
no contexto da decisão. Mas, se por um lado a substituição parece razoável,
a sua explicação assim não se revela. Acaso tenhamos por fático o motivo
concreto a ser enunciado, por igual teremos problemas para delimitá-lo.
Neil MacCormick, ao tratar da premissa fática, que está em questão
nesta possibilidade interpretativa, salienta que problemas de prova e de
fato secundário poderão ter que ser resolvidos apenas para se delimitar
qual a premissa fática com a qual se está lidando[15]. Este não é o momento
ideal para verticalizar o estudo de cada um dos problemas lembrados por
MacCormick; todavia, ao que se pode perceber da observação teórica, nem
sempre será tão fácil assim pacificar o que se compreende pelo problema de
fato que envolve a controvérsia. Isso para citar apenas um autor que tratou
do tema.
Aliás, tampouco será demais lembrar que o raciocínio fático, por si só,
já guarda em seu âmago o caráter indutivo, isto é, fincado em juízo de
probabilidade e não de certeza como elemento de definição. E aonde impera a
probabilidade, a certeza não encontra espaço, deixando aberto à
interpretação e, por consequência, à discordância, a compreensão do
ocorrido.
Dessa maneira, ainda que explicitado o motivo concreto da incidência do
conceito jurídico indeterminado, tal, em verdade, revelará a visão
subjetiva do julgador a respeito do motivo fático que o levou a aplicar
sobredito conceito, o que, por se tratar de opinião contra a qual apenas se
pode aventar discordância, nada garante em termos de controle
argumentativo.
Não sendo jurídico ou fático o motivo que se procura, então teremos o
problema já descrito neste trabalho da indefinição do próprio escopo da
lei, de modo que, lançando mão de abordagens econômicas, psicológicas,
antropológicas, emotivistas, filosóficas, jurídicas, fáticas, religiosas,
entre outras, estará o juiz atendendo ao que pretende o artigo, porém de
maneira extremamente aberta e indefinida.


3.1 A descrição do motivo.


Supondo, no entanto, que o motivo concreto tenha sido alcançado, ainda
subsistirá o problema de definir a metodologia para a sua descrição. O que
pretende a lei?
Façamos alguns testes.
A descrição do motivo deverá se dar a nível de metalinguagem decisória,
isto é, uma espécie de fundamentação da fundamentação, ou, como querem
alguns autores, justificativa externa, em que o juiz explica como decidiu.
Em sendo assim, algumas outras questões deverão ser necessariamente
enfrentadas:
A descrição a nível de metalinguagem decisória poderá se dar no
contexto da relação de causalidade entre a utilização do conceito jurídico
indeterminado e o motivo descrito. Dessa maneira, deverá o juiz especificar
qual das várias teorias da causalidade compreende adequada a figurar como o
motivo que o impulsionou a fazer uso do conceito;
A descrição poderá se dar no ambiente da lógica. Neste caso, outro
mundo de possibilidades será aberto ao juiz, podendo apresentar uma
justificação da justificação a partir da lógica clássica até a não-
clássica, passando por abordagens aristotélicas, paraconsistentes, difusas,
fuzzy, intuicionistas, monádicas, diádicas, triádicas, poliádicas, modal,
deônticas etc. Bem se vê que a tarefa do juiz não seria fácil neste campo.
Poderá, ainda, optar pela descrição, a nível de metalinguagem, pela
epistemologia, o que, além de tornar ainda mais densa a justificação,
talvez possa estar inserindo conceitos, elementos e critérios inadequados
para o objetivo de tornar mais clara a enunciação dos motivos. Isso para
não falar que a epistemologia anda passando por uma espécie de crise de
personalidade nos últimos tempos.
Acaso, todavia, opte por uma descrição a nível de linguagem decisória,
a exigência da alusão ao motivo concreto não terá razão de ser,
precisamente porque equivalerá à própria explicação do conceito jurídico
indeterminado e, portanto, será desnecessária. Por exemplo: no caso de
violação ao dever lateral de cumprimento do contrato, a menção à boa-fé,
como iterativamente vem sendo utilizada pelos Tribunais pátrios, já
guardará, em sua explicação, as particularidades necessárias para a sua
"incidência" no caso concreto. A boa-fé foi tratada como subjetiva,
objetiva, malferida em ocasião pós-contratual, contratual, durante a
execução do contrato, pré-contratual etc? Ao definir estes parâmetros, o
juiz alcançará decerto um grau de particularismo em que a descrição do
motivo concreto da incidência do conceito jurídico indeterminado (cláusula
aberta, ou demais entidades normativas equivalentes) já estará
compreendido.
Em assim sendo, a nível de metalinguagem a descrição do motivo se
encontra por demais aberta; e, no tocante à linguagem decisória puramente
considerada, será desnecessária.
Como – e por quê – optar entre o desnecessário e o impossível para fins
de racionalização da decisão judicial?


4. O PROBLEMA FINAL: INCIDÊNCIA OU APLICAÇÃO.
Agora a última questão que vem à tona com o curioso caso do inciso II
do §1º do artigo 489 do Novo CPC. Repare no seguinte detalhe: a lei
menciona "empregar conceitos jurídicos indeterminados" ao tempo em que os
correlaciona com o fenômeno da incidência ("motivo concreto de sua
incidência no caso"). A dúvida, então, que se coloca é a de saber se os
conceitos jurídicos indeterminados incidem, à moda de regras, ou são
aplicados, tais como os princípios.
E por qual motivo isso é importante?
A importância ressai da existência de técnicas diversas aplicáveis para
ceifar eventual antinomia de regras, ou colisão de princípios. Naquele
caso, pode-se optar ou pelas regras clássicas da anterioridade, hierarquia
ou especialidade, ou, em faceta mais moderna, pela teoria do diálogo das
fontes; ao passo que no caso dos princípios deve-se dar fluxo à ponderação,
ou técnica equivalente, em que um princípio não seja necessariamente
afastado para a aplicação do outro, senão reduzido em seu âmbito de
aplicabilidade para viabilizar que outro prepondere em determinado caso. E
há, como que correndo paralelo às duas possibilidades, a teoria da
derrotabilidade, aplicada por vezes entre regras, por vezes no ambiente
princípio-regra.
Acaso se defina pela incidência, tratando o conceito jurídico
indeterminado como se regra fosse (partindo do pressuposto de que se
definiu o que vem a ser regra, problema já visto anteriormente), não haverá
como dar vazão à técnica da ponderação/razoabilidade, devendo eventual
antinomia conceito-regra ser resolvida pelos critérios clássicos/teoria do
diálogo das fontes, ou, no máximo, a derrotabilidade, se for o caso desta
última. Nesta hipótese, como o juiz resolverá o caso de confronto entre
dois ou mais conceitos jurídicos indeterminados, ainda que no mesmo
quadrante central; digamos, para exemplificar, função social da posse em
confronto com função social da propriedade? Simplesmente não haverá de
afastar algum em prol de outro, porque não se trata de especialidade,
hierarquia, ou precedência temporal. Do mesmo modo, o diálogo das fontes
não auxiliará, porque algum, no final, haverá de prevalecer. A
derrotabilidade tampouco parece ser opção, já que em sendo adotado um ou
outro, provavelmente alguma particularidade será preservada, como no caso
da indenização pelas benfeitorias de boa-fé etc.
Agora vamos ao raciocínio oposto. Os conceitos jurídicos
indeterminados, porque mais aproximados dos princípios, sofrem processo de
aplicação e não de incidência. Bem, neste caso, para começar, a lei não
trata dessa hipótese, eis que menciona expressamente "incidência". Então,
já partiríamos de uma interpretação legal corretiva, ou seja, corrigindo um
grave defeito no âmbito da teoria da norma.
Mas, superando isso, será que os conceitos jurídicos indeterminados
sofreriam aplicação? Fosse este o caso, estariam pragmaticamente idênticos
aos princípios, conquanto semanticamente assim não o sejam. Na prática,
portanto, daria no mesmo falar em conceitos jurídicos indeterminados,
cláusulas abertas etc e princípios. Afinal, todo jacaré tem um pouco de
lagarto. Entretanto, não há como negar a existência de diferenças bem
evidentes entre estes enunciados[16], o que torna impraticável a sua
similitude.
Mas, sendo o caso da aplicação, como explicar: i) a redação legal; ii)
a alusão a colisão e ponderação apenas no §2º do artigo 489; iii) a
utilização de técnicas diferenciadas no inciso II do §1º e no §2º do mesmo
artigo? Isso para circunscrever a crítica apenas ao artigo 489 do NCPC.
Algo está errado: ou a lei falou em incidência quando deveria ter
mencionado aplicação, ou de fato conceitos jurídicos indeterminados
incidem, o que torna impossível a aplicação da técnica de colisão de
princípios e muito mais dificultosa, quando não onírica, a tarefa de
justificação racional da decisão. Não parece haver uma terceira via e,
nesse quadro, como exigir uma decisão lastreada em racionalidade?


CONCLUSÃO
O artigo 489, §1º, inciso II do NCPC é espinhoso.
Ao longo do presente artigo, vimos que, embora com o intento de obter
racionalidade a partir da decisão que invoque conceito jurídico
indeterminado, o artigo em tela não atende, em si próprio, a este escopo. É
como se esperasse um reflexo no espelho e nada visse além de um borrão.
Em breve escorço, temos que:
a) a menção a conceitos jurídicos não é unívoca; ao contrário, é
polissêmica e pode trazer uma série de divergências, desde paradoxos cuja
solução não se encontrou, até uma espécie de doutrinocracia, em que a
doutrina atuará como se legitimidade tivesse no ambiente constitucional;
b) ainda que superada a questão da indefinição da expressão conceito
jurídico, tampouco haveria como delimitar do que tratam os conceitos
jurídicos "indeterminados"; a menção a determinados nos conceitos
jurídicos, ao que se pôde perceber, é tão imprecisa quanto o indeterminado,
o que, em último grau, levaria o juiz a justificar o motivo de sua
incidência de qualquer maneira, o que é pragmaticamente impossível;
c) definido, no entanto, o âmbito de abrangência dos conceitos
jurídicos indeterminados, restaria explicitar de que motivos se está a
tratar, se jurídicos, ou fáticos, sendo certo que ambos guardam
particularidades não definidas pela norma que pretende exigir
racionalidade;
d) ainda no plano dos motivos, haverá a possibilidade de compreendê-los
não como jurídicos, mas isso abriria por demais o flanco para fundamentação
com amparo em outras ciências, o que, por igual, tornaria dificultosa a
definição do tema no quadrante decisório;
e) remanesce, ainda nessa linha, o problema de se perquirir qual tipo
de justificativa a lei está exigindo: algo a nível metadecisório, ou em
linguagem decisória? As duas situações guardam particularidades e não são
de tão fácil trato como inicialmente se poderia supor;
f) por fim, conquanto mencione incidência, este seria o caso dos
conceitos jurídicos indeterminados? Ou estaríamos lidando com a aplicação?
A importância da definição se deve ao fato de que no caso de colisão ou
antinomia, impõe-se saber com qual técnica trabalhar para solução do
imbróglio. A lei, nesse ponto, menciona uma, a incidência, que não se
coaduna necessariamente com os conceitos jurídicos indeterminados.
Enfim, a despeito de todas as questões tratadas, temos um artigo, o
489, que passa a exigir algo que jamais se viu no cenário decisório
nacional: a adoção de critérios racionais para legitimidade da decisão
judicial. E, acaso inobservada a exigência legal, pune-se o déficit de
legitimidade com a invalidade.
O artigo 489 é muito defeituoso e o inciso II do §1º talvez seja um dos
piores incisos, mas, de qualquer sorte, pode vir a auxiliar na tarefa de
racionalizar as decisões. Tudo dependerá de como será interpretado.
Neste artigo, foram apontados os vícios do inciso II do §1º do artigo
489. Não haveria espaço para uma exposição propositiva no sentido da sua
interpretação e aplicação. Entretanto, comprometo-me a tanto em um futuro
bem próximo, submetendo, por ora, à crítica os pensamentos ora
apresentados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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-----------------------
[1] O conceito de legitimidade argumentativa foi cunhado por Robert Alexy
com o objetivo de refutar a tese do caráter contramajoritário da atuação
das Cortes Constitucionais. Flávio Pedron noticia o pensamento de Robert
Alexy: "Em recente trabalho, Alexy busca justificar a legitimidade de uma
Corte Constitucional não em razão da potencial participação e aceitação
racional da sociedade, mas a partir do que ele considera uma representação
argumentativa: 'The representation of the people by a constitutional court
is, in contrast, purely argumentative. The fact that representation by
parliament is volitional as well as discursive shows that representation
and argumentation are not incompatible. On the contrary, an adequate
concept of representation must refer – as Leiholz puts it – to some ideal
values. Representation is more then – as Kelsen proposes – a proxy, and
more than – as Carl Schmitt maintains – tendering the repraesentandum
existent. To be sure, it includes elements of both, that is, representation
is necessarily normative as well as real, but these elements do not exhaust
this concept. Representation necessarily claims to correctness. Therefore,
a fully-fledged concept of representation must include an ideal dimension,
which connects decision with discourse. Representation is thus defined by
the connection of normative, factual, and ideal dimensions'. Nesse sentido,
o déficit de legitimidade das Cortes Constitucionais poderia ser superado
pela existência de pessoas capazes de avaliar as pretensões de validade de
correção das normas." PEDRON, Flávio Quinaud. A contribuição e os limites
da teoria de Klaus Günther: a distinção entre discursos de justificação e
discursos de aplicação como fundamento para uma reconstrução da função
jurisdicional. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DA UFPR. Curitiba, n. 48, p.
187-201, 2008, p. 199. A despeito disso, porém, pode ser utilizado para as
decisões judiciais em quaisquer instâncias, eis que, a teor dos
ensinamentos do próprio Autor, o Juiz atua verberando os argumentos de
correção do próprio sistema, devendo demonstrá-lo por meio da argumentação,
em ordem a viabilizar a comprovação de legitimidade dos provimentos que
profere. ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Tradução de
Gercélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 43-
48.
[2] José Juan Moreso, em interessante obra, destaca o "nobre sonho" e o
"pesadelo" como parâmetros teóricos já conhecidos na argumentação jurídica,
introduzindo o seu conceito de "vigília" como sendo o objetivo a ser
perseguido pela atividade judicial. MORESO, José Juan. La indeterminación
del derecho y la interpretación de la Constitución. Lima: Palestra
Editores, 2014.
[3] A propósito deste tema, remeto ao leitor ao texto "Argumentação
inexistente e decisão judicial: quem no mundo irá dizer que existe razão
nas coisas feitas pelo coração" por mim escrito na coluna "Argumentação
jurídica, justiça e cotidiano", disponível em
http://emporiododireito.com.br/argumentacao-inexistente-e-decisao-
judicial/. Acesso em 17 fevereiro de 2016.
[4] Eis a redação do mencionado inciso: "Art. 489. omissis; §1°: Não se
considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória,
sentença ou acórdão, que: II – empregar conceitos jurídicos indeterminados,
sem explicar o motivo de sua incidência no caso."
[5] IHERING, Rudolf Von. Jurisprudencia en broma y en serio. Traducción de
Román Riaza. Madrid: Editora Reus S.A., 2015, p. 279-281.
[6] HECK, Philipp. El problema de la creación del derecho. Traducción de
Manuel Entenza. Granada: Editorial Comares, S.L., 1999, p. 38-41.
[7] KANTOROWICZ, Hermann. La lucha por la ciência del derecho Apud: SICHES,
Luis Recaséns. Nueva filosofía de la interpretación del derecho. México:
Editorial Porrúa S.A., 1973, p. 53.
[8] SICHES, Luis Recaséns. Nueva filosofía de la interpretación del
derecho. México: Editorial Porrúa S.A., 1973, p. 58-61.
[9] MOORE, G.E. Principia Ethica. Tradução de Maria Vázques Guisán.
Barcelona: Crítica, 2002, p. 33.
[10] FIGUEROA, Alfonso García. Uma primeira aproximação da teoria da
Argumentação Jurídica. Tradução de Eduardo Ribeiro Moreira. In: MOREIRA,
Eduardo Ribeiro. Argumentação e Estado Constitucional. São Paulo: Ícone,
2012, p. 26.
[11] Interessante leitura a respeito do direito de danos é a seguinte:
ALTHEIM, Roberto. Direito de danos. Pressupostos contemporâneos do dever de
indenizar. Curitiba: Juruá Editora, 2008.
[12] Rogério Gesta Leal assim explica o pensamento de Jürgen Habermas
acerca do tema: "No texto Conhecimento e Interesse percebemos que o autor
aprofunda sua reflexão epistemológica, dando conta dos fundamentos de sua
teoria dos interesses cognitivos, oportunidade em que reivindica a unidade
indissociável de conhecimento e interesse. Em outras palavras, Habermas
procura demonstrar que a neutralidade das ciências é uma exigência que não
resiste ao exame crítico das condições do conhecimento como tal, pelo
simples fato de que este invariavelmente está arraigado em certos
interesses. Com tal perspectiva, o autor alemão explicita a fragilidade do
argumento que sustenta a neutralidade das ciênc[13]CDEab89gh? –—˜ ¡¢¯°âåþ


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Jias naturais, revelando o interesse que orienta o processo do conhecimento
das mesas, a saber, aqui em especial, o interesse técnico de dominação da
natureza. (...)É interessante antecipar, com Habermas, que na perspectiva
de ações instrumentais ou estratégicas desenvolvidas pelos sujeitos
sociais, há um interesse destacadamente técnico, baseado em regras
técnicas, pelas quais o homem se relaciona com a natureza, submetendo-a ao
seu controle para fins pragmáticos voltados à satisfações interpessoais. De
outro lado, naquelas ações humanas que visam não só atingir pragmaticamente
um fim de caráter não necessariamente coletivo, é possível perceber-se um
outro tipo de interesse, fundamentalmente comunicativo, que fomenta os
homens a se relacionarem entre si, por meio de normas linguisticamente
articuladas, e cujo objetivo é o entendimento mútuo. Ambas as formas de
conhecimento, geradas pelos respectivos interesses, servem a um interesse
mais fundamental: o da emancipação da espécie.". LEAL, Rogério Gesta. A
teoria do conhecimento em Habermas: conceitos aproximativos. In: REVISTA DA
FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS. Belo Horizonte, volume 9, 1999, p. 186-
187.
[14] MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução
de Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 23-64.
[15] Por exemplo, os princípios da legalidade, dignidade da pessoa humana e
democracia encontram-se no mesmo nível? Acaso negativo, o que os
diferencia?
[16] MACCORMICK, Neil, op. cit., p. 30-57.
[17] Este não é o momento para aprofundar o conceito de princípios, normas,
regras, conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas abertas e entidades
normativas afins. Assim é que partirei do pressuposto de que existem
diferenças que inviabilizam a idêntica correlação.
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