O dia em que Schengen acabou

June 14, 2017 | Autor: João Pedro Dias | Categoria: Terrorism, Paris, Terrorismo, Schengen
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O dia em que Schengen acabou João Pedro Simões Dias - 2015.11.17

O terrorismo voltou, em força, a atacar a Europa. A mais recente batalha desta “terceira guerra mundial em parcelas”, como lhe chamou Sua Santidade o Papa Francisco, voltou a ter Paris por palco e a França por alvo. Num ataque mais elaborado, mais planificado e portanto mais cobarde que os anteriores, o daesh voltou a trazer para a Europa e para a pátria da liberdade, da igualdade e da fraternidade a carnificina bárbara, a que já nos habituou. Inevitavelmente o debate teria de se colocar – facilitará, a livre circulação de pessoas consagrada pelos acordos de Schengen no espaço europeu, a eclosão destes fenómenos? A França começou por pensar que sim – uma das primeiras medidas tomadas na sequência dos atentados foi decretar a reposição de controles nas suas fronteiras. Outros países seguiram-lhe o exemplo. O debate está, portanto, relançado e é impossível fugir a ele. A abolição dos controles fronteiriços internos na Europa, instituída pelos Acordos de Schengen, marca um dos momentos mais simbólicos do processo de construção da unidade europeia. Consagra plenamente o princípio da liberdade de circulação de pessoas, pilar fundamental e pedra angular do mercado comum europeu. Com igual carga simbólica, só mesmo a introdução do euro que traduzia a criação da união económica e monetária. Numa União Europeia burocratizada, na imensa maioria das vezes presa a decisões que pouco ou nada dizem aos seus cidadãos, a abolição das fronteiras internas e a criação de uma moeda comum significaram os dois momentos mais visíveis e mais tocantes para a vida dos cidadãos em concreto.

Com o euro, sabe-se o que se passou. Uma primeira crise económica e financeira à escala mundial chegou para evidenciar as omissões associadas à moeda única e as falhas na sua criação e na falta de instrumentos complementares à existência de uma moeda. À pressa e sob a pressão dos factos, houve que tentar remediar as omissões e suprir e integrar as lacunas. Relativamente a Schengen teremos, provavelmente, chegado ao momento em que a reflexão terá de ser efetuada. Sobretudo porque, constata-se agora – apesar de alguns o terem denunciado, com pouco sucesso diga-se, no tempo certo – que o princípio da liberdade de circulação e da abolição de fronteiras repousa num equívoco que permanece sem resposta. O equívoco é o seguinte: a União Europeia determinou a abolição dos controles fronteiriços entre os Estados membros que aderiram a Schengen; porém, não curou de criar, a nível supranacional, um sistema eficaz de segurança das fronteiras, de vigilância e controle dos movimentos de cidadãos, da própria criminalidade transnacional. Na sua essência, essas tarefas continuaram entregues aos diferentes Estados nacionais – que perderam a possibilidade de controlar quem entra nos seus territórios mas permanecem responsáveis, em última instância, pela manutenção da segurança dentro das suas fronteiras. Enquanto tudo corre bem, estas omissões e deficiências sistémicas podem ser omitidas ou esquecidas. Quando as coisas começam a correr mal, olha-se para o sistema e repara-se nas suas omissões. O que acaba de ocorrer em Paris (como o que anteriormente acontecera em Madrid, em Londres e também em Paris) é um desses momentos. Um momento que, seguramente, vai obrigar a repensar as regras implementadas e o sistema vigente. E a tendência é para que assistamos a um reforço da componente securitária em matéria de segurança interna naqueles Estados que se considerem mais ameaçados ou mais vulneráveis.

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Daí que, associado ao debate sobre o futuro de Schengen, vá aparecer inevitavelmente um outro: irão, a França e os restantes Estados europeus, ceder aos criminosos e reduzir drasticamente direitos e liberdades consagrados na nossa civilização, fazendo aquilo que os facínoras querem com estes atos de violência? Ou terão o discernimento para afirmarem as suas opções, intensificando o combate à barbárie, mas mantendo a afirmação dos nossos valores e forma de vida? Vamo-nos voltar a fechar sobre nós mesmos, como pretendem os terroristas, ou tentar uma presença civilizacional em várias partes do mundo, não cedendo ao medo nem à chantagem das armas? Mais coisa menos coisa, é isto que vai ter de ser discutido e irá estar subjacente a todas as discussões. Simplificando: como vamos conciliar as nossas liberdades e direitos, de que não queremos prescindir, com as exigências da nossa segurança que não poderemos deixar de reclamar? Também para este debate teremos de estar preparados. Não sendo dos que pensam que a resposta nacional resolverá as questões do terrorismo a nível europeu, somos todavia dos que acreditam que o sistema vigente não resistirá à prova dos factos: e que Schengen, objetivamente, como o conhecemos, morreu a 13 de novembro de 2015. Foi enterrado nas ruas de Paris. Doravante, ou caminharemos na estrada da renacionalização das políticas de segurança nacionais ou assistiremos ao aprofundamento da dimensão comunitária nesta matéria e neste domínio, com a criação de mecanismos à escala europeia que permitam compensar a perda de soberania dos Estados europeus neste domínio. Esta seria, seguramente, a opção mais eficiente, mais eficaz e mais aconselhável. Se, para tanto, houvesse coragem política e lideranças de exceção. Como, uma vez mais, os factos acabarão por se impor, o mais provável é que assistamos à inflexão do caminho e ao retrocesso do pilar europeu da liberdade de circulação de pessoas. Não sendo um bom augúrio, é o

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que se afigura mais provável. Sobretudo nesta Europa e com estes governantes.

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