O Discurso no Virtual: conceito de comunidades discursivas relacionado às comunidades e redes virtuais

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Volume 4 – Número 2 - Agosto/Dezembro de 2014

O Discurso no Virtual: conceito de comunidades discursivas relacionado às comunidades e redes virtuais

Jorge Luís Rocha Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas Faculdade de Letras Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected]

Resumo Este ensaio discute a relação entre os estudos de Swales (1990), a respeito das comunidades discursivas, e as teorias de comunidades e redes virtuais, baseadas nas novas tecnologias da comunicação e da informação (TIC). Em meio à Era da Informação, intensificada pelo forte impacto da internet nas relações e interações sociais, a interconexão dos indivíduos em rede faz com que os aspectos de identidade, afinidade e diferenciação recebam novos pontos de vista – alterando crucialmente a maneira como os discursos são formados, transformados e adaptados. Palavras-chave: comunidades discursivas, comunidades virtuais, redes, discurso.

Discourse in Virtual Environments: concept of discourse communities related to virtual communities and networks Abstract This essay discusses the relationship between studies of Swales (1990), about the discursive communities, and theories of networks and virtual communities, based on information and communication technologies (ICT). In the midst of the Information Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

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Volume 4 – Número 2 - Agosto/Dezembro de 2014 Age, intensified by the strong impact of the Internet on social relations and interactions, the interconnection network of individuals and its aspects of identity, affinity and differentiation crucially changes the way discourses are formed, transformed and adapted. Keywords: discourse communities, virtual communities, networks, discourse.

Introdução O homem é fundamentalmente cercado por discursos. Considerando-se sua definição por Eni Orlandi (1994), em um sentido amplo, como “efeito de sentido entre seus interlocutores”, chega-se à conclusão de que a comunicação humana em todos os níveis está comprometida com as discursividades que giram em torno de cada indivíduo. Isso porque

o discurso supõe um sistema significante, mas supõe também a relação deste sistema com sua exterioridade já que sem história não há sentido, ou seja, é a inscrição da história na língua que faz com que ela signifique (ORLANDI, 1994).

Isso não significa apenas que o homem é influenciado pelas significações atreladas a seus diversos discursos, estando aí envolvida também a ideia de que os próprios discursos são formados, adaptados e recriados à medida que se aceitam ou se rechaçam. É assim que se criam as identidades discursivas, objetos de estudo de algumas áreas do conhecimento, como a corrente de Análise do Discurso. Em meio aos traços identitários e distintivos dessa esfera, alguns teóricos dedicaram seus estudos à categorização de grupos sociais por meio dos elementos discursivos

que

o

caracterizam,

criando

novos

parâmetros

de

análise

sociolinguística. Um desses vieses de análise denominou certos grupos como as comunidades discursivas.

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A Identidade Lingística no Discurso: as comunidades discursivas No final da década de 80, o teórico britânico John Swales publicou estudos a respeito da afinidade discursiva gerada em grupos, por meio do compartilhamento social de elementos de diversos âmbitos. Cunhando-os como comunidades discursivas, Swales (1990) analisou a assimilação de discursos e a identificação mútua, por meio deles, dos indivíduos pertencentes a determinadas comunidades. Em linhas gerais, segundo o britânico, as comunidades discursivas são grupos nos quais indivíduos se identificam entre si, por meio de fatores ocupacionais, de especialidade ou de gostos pessoais. Sendo assim, indivíduos pertencentes a uma comunidade discursiva não só dominam um determinado repertório de gêneros discursivos, hábitos e experiências em comum, como também conservam uma relação de aproximação com os mesmos. Essa proposta teórica acaba representando um contraponto de análise linguística ao que se denomina comunidade de fala. Esta, centrada essencialmente em aspectos prosódicos, culturais e pragmáticos, está relacionada à demarcação local e geográfica de falantes de uma determinada variante linguística – ou seja, definindo-os como integrantes de uma comunidade de fala por meio dos elementos físicos e culturais de sua comunição dialetal. Já as comunidades discursivas, ainda que também considerem fatores lexicais e expressivos, estão mais livres do fator espacial, pois os elementos de significação do discurso são compartilhados pelos indivíduos por mecanismos não apenas relacionados à comunicação direta presencial em um meio social físico específico (um jornal, por exemplo, já possibilitaria esse compartilhamento). Outra importante diferença é que as comunidades de fala tendem a aglutinar novos integrantes por meio do contato linguístico, criando uma fronteira instável de influência com as demais comunidades do mesmo tipo. Enquanto isso, comunidades discursivas, ao contrário de tenderem à absorção, acabam por separa os indivíduos entre si, por meio de distinções relacionadas a grupos ocupacionais, de especialidade ou de interesse. Isso significa que o processo de identificação e

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Volume 4 – Número 2 - Agosto/Dezembro de 2014 pertencimento a elas não é automático, e sim, implica em uma escolha. Segundo Swales (1990), para que um indivíduo efetivamente se integre ao contexto de uma determinada comunidade discursiva, é necessário atingir algumas “metas” comuns, o que inclui a assimilação de mecanismos comunicativos específicos, assim como da experiência temática e dos gêneros discursivos dominados pela comunidade – e, consequentemente, a aquisição dos léxicos envolvidos nesses gêneros 1 e temas. É possível resumir, para maior clareza, que Swales identificou seis parâmetros fundamentais para a categorização e definição de uma comunidade discursiva:  Uma comunidade discursiva possui um conjunto compartilhado de metas comuns – as metas, publicamente reconhecidas, são objetivos comuns que podem ser concretos ou abstratos, simples ou complexos;  Uma comunidade discursiva possui mecanismos de intercomunicação entre seus membros – tais mecanismos não necessariamente levam ao contato interpessoal, podendo geralmente servir a uma intercomunicação paralela entre os membros;  Uma

comunidade

discursiva

utiliza

prioritariamente

mecanismos

participativos para oferecimento de informação e de seu retorno – mecanismos participativos seriam ações de participação efetiva nos meios de comunicação e informação da comunidade discursiva;  Uma comunidade discursiva utiliza e domina um ou mais gêneros como apoio comunicativo a suas metas – considera-se que para tal algumas

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Vale salientar que o conceito de gêneros, no qual se baseia Swales (1990), é o de Bakhtin (2003). Ou seja, de que gêneros do discurso são produtos comunicativos que se distinguem pela utilização de tipos relativamente estáveis de enunciados em sua composição. Na visão bakhtiniana, tais gêneros seriam flexíveis e mutáveis, por meio de novas utilizações e reorganização de suas funções; porém, para isso, seria necessário o pleno domínio dos gêneros de base. Isso justifica, no aspecto discursivo, a necessidade de um indivíduo assimilar os gêneros de uso de uma comunidade discursiva para integração com a tal, compreendendo seus usos, seus modelos e, principalmente, seus desdobramentos. Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

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Volume 4 – Número 2 - Agosto/Dezembro de 2014 comunidades tomam “empréstimo” de alguns gêneros característicos de outras;  Além de seus próprios gêneros, uma comunidade discursiva possui uma rede específica de léxicos e contextos – ou seja, vocabulário específico, siglas, formas de coloquialidade, jargões, sentidos particulares, valoração, juízos, etc.;  Uma comunidade discursiva possui certo nível de membros com grau elevado de conteúdo relevante e de experiência discursiva – há sempre uma razão viável entre o número de membros altamente próximos aos elementos da comunidade e aqueles novos, em nível inicial.

Posteriormente, outros trabalhos realizaram críticas a respeito de alguns desses parâmetros e conceitos (inclusive o próprio Swales, que inicialmente considerou a predominância da prática escrita, anos mais tarde admitindo a aplicação da noção de comunidades discursivas também à oralidade), mas a estrutura de sua análise segue sendo referência em estudos atuais sobre o tema. Embora noção delimitadora de comunidades discursivas não atenda necessariamente a fatores geográficos e de contato direto pessoal, devido à época em que seus principais estudos saltaram ao meio acadêmico, não se considerou a possibilidade de uma ainda maior virtualização do processo. Tal aspecto social, como passou a ocorrer, passou a ser encarado pelos estudos a respeito de redes sociais e comunidades virtuais na atualidade.

A Era das Comunidades Virtuais e das Redes As primeiras décadas do século XXI marcaram o intenso desenvolvimento das novas tecnologias da informação e da comunicação (TIC), impactando de modo determinante o modo como os indivíduos se relacionam socialmente. A partir desse fenômeno, o conceito de comunidade virtual foi se desdobrando à ideia de redes. Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

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Volume 4 – Número 2 - Agosto/Dezembro de 2014 O espanhol Manuel Castells (1993), ao notar as mudanças que iam ocorrendo nas maneiras de se informar e comunicar, percebeu o desenvolver-se de uma nova cultura de massa, em movimentos novos, mas similares ao ocorrido em outros pontos de nossa história. Observando o impacto que a internet já no início da década de 90 trazia às relações humanas, Castells previu uma alteração tão significativa dos meios de informação e comunicação quanto ao advento da revolução industrial, da imprensa e da teledifusão. Para ele, a internet criou redes entre as sociedades e comunidades, criando um laço de interdependência não necessariamente existente de modo prévio às novas TIC. Isso porque, na visão de Castells, ela

constitui a base material e tecnológica da sociedade em rede; é a infraestrutura tecnológica e o meio organizativo que permitem o desenvolvimento de uma séria de novas formas de relação social que não têm sua origem na internet, que são fruto de uma série de mudanças históricas, mas que não poderiam desenvolver-se sem a Internet (CASTELLS, 2000, in Moraes, 2003).

As sociedades em rede, logo, acarretariam a formação de novas comunidades, impossíveis antes sem o suporte virtual, além da adaptação de comunidades já estabelecidas ao âmbito virtual, adquirindo novas possibilidades. Porém, um ponto bastante divergente entre diversos estudos está concentrado no resultado desse processo de virtualização. Alguns teóricos, como Canclini (2005), indicam que as novas TIC provocaram a passagem de um cenário global de multiculturalidade para a interculturalidade, de modo que, enquanto o primeiro apontava à diversidade, à compreensão da heterogeneidade, o segundo tende ao homogêneo, às relações de troca entre culturas, levando o panorama virtual a uma cada vez maior assimilação de aspectos de uma comunidade dominante culturalmente. Já outros, como Acioli (2007), apontam que na verdade em um “mundo em redes [grifo do autor], onde há mais quantidade do que qualidade de informação, a possibilidade de fragmentação de saberes e culturas, e, portanto Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

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Volume 4 – Número 2 - Agosto/Dezembro de 2014 de sujeitos é muito grande”. Isso significaria, dentro dessa lógica, que há uma valorização de vários elementos da construção de identidade dos indivíduos, inclusos aí os aspectos de sua cultura local, segundo o pensamento da autora.

Discursos sem Fronteiras Com esse viés virtual de comunidades, atrelado ao conceito de redes amplas, pode-se considerar que há também a possibilidade de verificar sua aplicabilidade na ideia de assimilação de discursos, presente nas comunidades discursivas. A abrangência desta, sob a visão de Swales, pode ser considerada alta ao perceber que, ao falarem da virtualização das comunidades, de redes e do impacto das novas TIC e de seu fator globalizante, teóricos de outras áreas terminam por definir esses conceitos com parâmetros muito semelhantes ao utilizados pelo teórico. Exemplo disso ocorre na seguinte reflexão de Castells:

A sociabilidade está se transformando através daquilo que alguns chamam de privatização da sociabilidade, que é a sociabilidade entre pessoas que constroem laços eletivos, que não são os que trabalham ou vivem em um mesmo lugar, que coincidem fisicamente, mas pessoas que se buscam: eu queria encontrar alguém que gostasse de andar de bicicleta comigo, mas primeiro tenho que procurar esse alguém. Por exemplo: como criar um clube de ciclismo? Como criar um clube de gente que se interesse por espeleologia? (CASTELLS, 2000)

Ou seja, o que o espanhol define como comunidade virtual possui atributos compartilhados com o conceito de comunidades discursivas: integração por afinidade e escolha, não necessidade de contato direto e físico, etc. A internet em ambos

os

casos

tornou-se

um

dos

mais

recorrentes

mecanismos

de

intercomunicação entre os indivíduos que integram as comunidades discursivas. Independentemente do impacto provocado pelo fator globalizante da internet sob as diversas culturas e sociedades, ela inegavelmente faz com que as interações sociais Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

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Volume 4 – Número 2 - Agosto/Dezembro de 2014 se deem de um modo mais frequente e rápido, sem as fronteiras e limitações dos meios sociais correspondentes aos espaços físicos – inclusive rompendo barreiras linguísticas, o que também influencia nos níveis de aproximação e distanciamento das diferentes comunidades discursivas existentes. O impacto disso é crucial para a formação e adaptação dos discursos em suas várias esferas, tendo em vista que a comunicação e sua significação transitem por contextos que cada vez mais os influenciam – tornando mais diversificada a composição de formações discursivas e, consequentemente, de suas comunidades de discurso. Desse modo, utilizando as reflexões de teóricos como Castells, expande-se a aplicação das categorias focadas no discurso, encontrando aí um interessante ponto comum entre teorias de análise social e de discurso, auxiliando-se mutuamente, além de abrir-se uma margem para outras possíveis relações entre o conceito de comunidade discursiva e outras áreas que estudem o contexto social do modo como os indivíduos interagem entre si e assimilem novas formas de discurso.

Referências ACIOLI, S. Redes Sociais e Teoria Social: Revendo os Fundamentos do Conceito. Inf. Londrina, V. 12, n. esp., 2007. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. CANCLINI, N. G. Diferentes, Desiguais e Desconectados – Mapas da Interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. CASTELLS, M. A internet e a sociedade em rede. In: MORAES, Denis de (org). Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 255 a 287 ________________. A sociedade em rede. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

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Volume 4 – Número 2 - Agosto/Dezembro de 2014 ORLANDI, E. P. Discurso, imaginário social e conhecimento. In: Em Aberto, n.61, ano 14. Brasília: INEP, jan./mar. 1994, 53-59. SWALES, J. M. Genre Analyzis: English in Academic and Research Settings. Cambridge: Cambride University Press, 1990.

Sobre o Autor Jorge Luís Rocha Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, graduado em Língua Espanhola pela UFRJ; educador e escritor no Estúdio de

Criação

Dumativa

(RJ).

E-mail:

[email protected]

Revista Desenvolvimento Pessoal. ISSN: 2237-096X. Volume 4, Número 2, Agosto/Dezembro de 2014. Data de submissão: 22/4/2014; aceito para publicação em: 2/6/2014.

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