O “estrondo das armas”. Violência, guerra e trabalho indígena na Amazônia (séculos XVII e XVIII)

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O “estrondo das armas”: Violência, guerra e trabalho indígena na Amazônia (séculos XVII e XVIII)* Rafael Chambouleyron* Vanice Siqueira de Melo** Fernanda Aires Bombardi*** Resumo Este texto busca compreender de que maneira a violência se tornou um elemento fundamental da política da Coroa e de boa parte dos portugueses em relação aos índios, ao longo do século XVII e boa parte do século XVIII, no Estado do Maranhão e Pará. A experiência das guerras e dos descimentos de índios revela que as fronteiras entre as categorias de índios inimigos e aliados eram pouco claras. Assim, a violência foi uma ferramenta fundamental das autoridades (e da própria Coroa) inclusive para estabelecer alianças e compelir os índios ao serviço dos moradores portugueses. É que, como se procura apresentar neste texto, apesar da legislação instituída pela própria Coroa, a política em relação aos índios adaptou-se às circunstâncias concretas, mais do que a princípios gerais.

Abstract This text analyses the role played by This text analyses the role played by violence in the relationship established by Portuguese and Indian peoples in colonial Portuguese Amazon region, throughout the 17th and 18th centuries. It argues that even as allies or enemies, violence had an important function in Portuguese policies towards Indian nations. This was because, despite the legislation, the portuguese dealings with Indian groups were defined by specific and concrete situations, rather than general principles. Keywords Violence; descimentos; war; Indians; State of Maranhão and Pará; 17th and 18th centuries.

Palavras-chave Violência; descimentos; guerras; índios; Estado do Maranhão e Pará; séculos XVII e XVIII. Projeto História, São Paulo, n.39, pp. 115-137, jul/dez. 2009

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Trabalhos, misérias e afrontas No início dos anos 1640, um “principal do Grão-Pará” escrevia ao rei Dom João IV uma carta em que denunciava as “tiranias e potências” dos governantes do Estado do Maranhão e Pará sobre os moradores portugueses e sobre os “miseráveis índios naturais, tão desamparados de toda a justiça”. De fato, relatava, apesar das determinações do governador Bento Maciel Parente, de que pessoa alguma, “de qualquer qualidade, condição, grau e preeminência”, pudesse escravizar os índios das “aldeias de paz”, o seu próprio sobrinho, João Velho do Vale fora por ele mandado ao rio Amazonas, onde cativara índios das aldeias “com título de escravos, que o não são, senão livres e isentos”. Tempo depois, continuava o documento, o mesmo capitão Velho do Vale, depois de pacificar os índios Nheengaíba (da ilha do Marajó), atacou-os “de rapina, com soldados e outros índios”, cativando a maior parte deles. Enfim, advertia o “papel”, não havia palavras bastantes para descrever “o quão oprimidos e avexados são estes miseráveis índios, tão desamparados”. Tanto é que, denunciava o “principal”, da imensa quantidade de índios “de diferentes línguas e nações”, todos de paz com os portugueses, não havia nem o décimo deles, “e todos acabados”. Pedia, finalmente, que o rei acudisse a tantos desmandos, restituindo a liberdade aos índios escravizados ilicitamente, proibindo os resgates de índios nas aldeias de paz e, finalmente, “que os governos não os acabem de consumir com tantos trabalhos e tiranias”.4 Cartas como essa certamente não eram muito comuns na Amazônia portuguesa do século XVII, tal qual em outros lugares da América, como as célebres reduções guaranis.5 Entretanto, para o Estado do Maranhão, algumas dessas cartas existem e, embora pouco examinadas,6 constituem um excelente ponto de partida para se examinar a maneira como os próprios índios (aliados) percebiam a ação dos portugueses e a maneira como se construíam as relações entre esses grupos. Este texto busca compreender de que maneira a violência – traduzida de diversas maneiras pelos índios e pelos próprios portugueses – se tornou um elemento fundamental da política da Coroa e de boa parte dos portugueses em relação aos índios, pelo menos ao longo do século XVII e boa parte do século XVIII. Nesse sentido, trata-se de recolocar, igualmente, um velho debate da historiografia sobre a legislação e política “indigenista” portuguesa. De fato, ao se criticar a velha interpretação de que as leis em relação aos índios eram oscilantes e ambíguas (cujo primeiro porta-voz foi João Francisco Lisboa), insistiu-se na idéia de que essa aparente ambigüidade escondia uma política claramente distinta para os índios amigos e para os índios inimigos – traduzida basicamente na aliança e no cativeiro.7

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Ora, a experiência das guerras e dos descimentos de índios, como veremos, revela, pelo menos para o Estado do Maranhão, que as fronteiras entre essas duas categorias eram pouco claras; por outro lado, a violência foi uma ferramenta fundamental das autoridades (e da própria Coroa) inclusive para estabelecer alianças e compelir os índios ao serviço dos moradores portugueses. Na verdade, apesar da legislação instituída pela própria Coroa, a política em relação aos índios parecia adaptar-se às circunstâncias concretas, mais do que a princípios gerais. Pouco tempo depois da carta do “principal do Grão-Pará”, um outro principal, Antonio da Costa Marapirão, da nação Tabajara, escrevia ao rei.8 Na verdade, são dois os textos. Ambos, escritos em 1649, traduzem as queixas dos índios em relação aos portugueses. O primeiro, escrito somente por Marapirão. O outro por ele e doze outros principais indígenas que assinam em cruz: Goacapuhuba (principal do Maracanã), Bento Gerumicanga (principal de Morotigobira), Paulo Goacuramondoca (principal de Guaramiranga), Francisco Moacaogaiba, Duarte Taiacanga (principal dos Tupinambá), Antonio Abatioba (principal dos Tupinambá), Alexandre Goanaguhenga, Orucatu (principal dos Nheengaíba), Jagoacamo (principal dos Nheengaíba), Yagoaretera (principal dos Nheengaíba), Manuel Goapecunparu (principal dos Tupinambá) e Yapity (principal dos Nheengaíba). O primeiro deles é um relato pessoal de Marapirão em que conta os problemas da presença holandesa, principalmente no Ceará, e as relações e alianças feitas com vários grupos – fundamentalmente os Tabajara, seus “parentes”. O documento trata ainda da dificuldade de dar conta do “particular que V.M. me encarregou da conservação dos poucos índios”, dada a sanha dos moradores por mais e mais escravos. Assim, escreve Marapirão, estava muito “arraigada esta posse de os tratarem como cativos”, razão pela qual o próprio principal tinha se “malquistado” com o governador, que o tinha desterrado para a capitania do Pará. Concluía que se os de sua “geração” estavam desamparados no Maranhão, “acho que no Pará estão muitos mais queixosos”, pelos abusos dos portugueses. Enfim, advertia ao rei que “este governo carece de homem prático nestas conquistas que nos ouça e fale sem intérpretes, e que conheça nossas naturezas e que nos administre justiça, tanto para nos premiar, como para nos castigar”.9 Já o papel escrito por Marapirão com os demais principais do Pará era mais delicado e ameaçador. A carta começava alertando que “muitas vezes temos escrito a V.M. a miséria que padecemos os povos índios que V.M. tem nesta conquista do Pará”. Os leais serviços dos índios traduziam-se em serem tratados “piores que escravos” pelos governadores e capitães-mores. As autoridades obrigavam os índios a ir ao sertão, a fazer guerra e cativar mais índios, “com que se enchem de fazenda e dinheiro e nos padecendo mil misérias e penúrias”. Queixavam-se ainda que não tinham descanso, porque, voltando das jornadas, Projeto História, São Paulo, n.39, pp. 115-137, jul/dez. 2009

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“somos logo ocupados em lavouras de tabacos, canas e roçarias”. Além de elogiar e criticar alguns capitães e religiosos, pediam ao “governador com quem nos entendamos e nos entenda nossa língua, e que dê à execução as ordens mandadas de V.M. e que vivamos como forros que somos e não como cativos”. O final da carta era, no entanto, um advertência bastante clara, ao pedir que o rei mandasse resolver rapidamente esses problemas, “para não arriscar o que a desesperação pode fazer em nós, que não é tal nossa vontade nem ânimo”.10 Tanto a carta do “principal do Grão-Pará” como os escritos de Marapirão e os demais principais, é claro, têm que ser pensados em perspectiva. De fato, como aliás deixa claro o documento dos principais, nenhum deles foi escrito pelos próprios índios. Por outro lado, fica evidente nos documentos que essas cartas de índios serviam também para se colocar problemas que diziam respeito aos portugueses e seus descendentes que viviam no Estado do Maranhão e Pará. O elogio feito várias vezes ao capitão-mor Sebastião de Lucena de Azevedo (nas duas cartas escritas por Marapirão), por exemplo, ou as críticas ao vigário-geral Mateus de Sousa Coelho e ao cônego Manuel Teixeira, feitas no documento dos treze principais, não deixam de revelar e traduzir os inúmeros conflitos que marcavam aquela sociedade,11 que Arthur Cezar Ferreira Reis corretamente considerou estar em “turbulência permanente”.12 Isso não significa que cartas como as escritas pelo “principal do Grão-Pará” ou por Marapirão e seus aliados fossem apenas meios para fazer valer os interesses portugueses. Isso seria transformar novamente os índios em indivíduos incapazes de expressar seus interesses – e de por eles lutar – na sociedade colonial, o que definitivamente (e cada vez mais tem-se consciência disso) não era o caso. O que não pode nos escapar à análise é o fato de que, justamente porque buscavam os seus interesses, os índios também se relacionavam e conflitavam com os vários grupos da heterogênea sociedade colonial. Alguns anos mais tarde, outros índios manifestavam-se novamente contra os portugueses. Desta vez, as acusações eram menos genéricas e se voltavam para um problema concreto, relacionado com os missionários jesuítas. A partir de um traslado feito em meados do século XVIII, conhecemos a petição dos índios da aldeia de Maracanã, escrita em 1661, enviada ao governador, Dom Pedro de Melo, em que se mostram inconformados com a prisão de seu principal Lopo de Sousa. Este Lopo de Sousa, ou Lopo de Sousa Copaúba é provavelmente o mesmo que assinava a carta junto com Marapirão e os outros principais. Chefe da aldeia de Maracanã, seu poder não era nada desprezível, uma vez que como principal do Maracanã, comandava a aldeia (a partir dos anos 1650, sob administração dos jesuítas) responsável pelo beneficiamento das salinas do rei na capitania do Pará.13 118

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Em meados dos anos 1650, seu sobrinho e um outro parente viajaram a Portugal, para, segundo o Conselho Ultramarino, requerer o hábito de Cristo para Francisco, filho de Lopo, “que lhe há de suceder na casa”. Embora não se saiba da decisão final quanto à concessão do hábito da Ordem de Cristo (procedimento bastante comum nos primeiros anos da conquista), pois a questão devia ser examinada pela Mesa da Consciência e Ordens, o fato é que o Conselho Ultramarino reconhecia o valor e papel dos índios de Maracanã para o domínio português no Maranhão. Escreviam os conselheiros que o apoio aos índios podia “redundar em conveniência do serviço de V.M. e benefício dos vassalos que nela tem”.14 Essa era a razão de poucos anos depois causar consternação a petição dos índios de Maracanã que relatavam que, estando “quietos e pacíficos como sempre”, chegara à aldeia o padre jesuíta Francisco Veloso, com um escrito do padre Antonio Vieira, então superior da missão, o qual o chamava para encontrar-se com ele no colégio de Belém. Lá chegando, segundo os índios queixosos, “os aplausos com que o receberam foi com o desarmarem de suas armas, e lhe tirarem o hábito de Cristo, de que S.M. lhe fez mercê, e fazendo de uma cela cárcere privado, o meteram nela com um grilhão nos pés, onde esteve alguns dias, e dali foi levado para o forte do Gurupá”. Indignados, os índios argumentavam não saber a razão de se lhe fazer “semelhantes agravos e injustiça”. Desfiavam então os inúmeros serviços que fazia a aldeia de Maracanã, comandada por Lopo de Sousa, lembrando que foi sempre grande servidor assim na conquista e restauração deste Estado, em que se achou como no zelar todas suas coisas, tanto assim que salinas que há nas terras da dita aldeia as beneficia e delas se provêem todas aquelas partes circunvizinhas, de onde o dito senhor [o rei] tem grandes direitos, que todos perderá pela vexação que se fez ao dito principal, como também à navegação destas partes [capitania do Maranhão] para as do Pará, e das do Pará para estas, porquanto na dita aldeia faziam escala todas as canoas que de uma e outra parte navegavam, onde consertavam se era necessário, e se lhes faltavam remeiros, se proviam deles, e de sustento e de tudo o mais de que necessitavam.

Ameaçavam abandonar a aldeia, “por verem as injustas afrontas que lhe fazem ao dito seu principal”, argumentando ainda que se algum crime tivesse cometido Lopo de Sousa, se fosse em relação à Igreja, deveria ser investigado pelo vigário-geral; se relativo ao serviço real, pelas autoridades régias. Como anteriormente, a petição terminava em uma ameaça, pois encontrado o principal e corretamente julgado, quando fosse o caso, “se evitam os inconvenientes que podem resultar, assim no serviço de Deus, como de S.M.”.15 Diante do problema, o governador foi obrigado a instaurar uma inquirição. Foram ouvidos religiosos de outras ordens e moradores que apoiavam a versão dos índios e reProjeto História, São Paulo, n.39, pp. 115-137, jul/dez. 2009

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forçavam o papel fundamental da aldeia para a região. Diante de todos os testemunhos, o ouvidor acabou concluindo que não parecia haver culpa alguma contra Lopo de Sousa e, o pior, que de sua ausência resultariam “perdas muito consideráveis” à Fazenda real e ao Estado, dada a situação estratégica da aldeia de Maracanã. Insistia que o governador ordenasse a volta imediata do principal, para que, caso culpado, fosse devidamente julgado, “sem ódio nascido de ambições”, em alusão clara à ação do padre Vieira.16 Com todas as precauções, Dom Pedro de Melo ordenava, baseado no despacho do ouvidor, que Lopo de Sousa fosse imediatamente remetido preso ao forte do Pará, onde o padre Vieira “remeterá as culpas que tem dele, para conforme elas ser castigado”. Insistia o governador que o padre Vieira assim o fizesse, para “evitar as inconveniências que do contrário podem resultar”.17 No mesmo dia do seu despacho, o governador escrevia carta ao religioso requerendo-lhe novamente que “V.P. me faça mercê querer mandar entregar o principal da aldeia do Maracanã, Lopo de Sousa, preso para se remeter no forte dessa cidade, pelas razões e protesto que me têm feito”. No final da carta ainda escrevia, “torno outra vez a pedir a V.P. isto por mercê por evitar o que relato”.18 Os “trabalhos”, “tiranias”, “misérias”, “penúrias” e “afrontas” que os índios aliados denunciavam – termos por meio dos quais se queixavam da ação dos portugueses – revelam que a violência, entendida aqui como os excessos cometidos pelos portugueses, era um aspecto fundamental das relações que se estabeleceram entre estes e os grupos indígenas, fossem eles aliados ou inimigos. A violência se tornou assim um recurso fundamental da política da Coroa e dos portugueses, em geral, em relação aos índios. A experiência dos descimentos e, é claro, das guerras contra as nações indígenas revela o quanto o conflito, o castigo e a coação representaram aspectos fundamentais da ação dos portugueses. O “caminho da violência” Desde de abril 1680, quando é decretada a lei de liberdade irrestrita dos índios (que somente irá durar até 1688)19 e à medida que a colonização do Estado do Maranhão vai se consolidando e expandindo, há uma maior necessidade de arregimentar mão-de-obra livre para suprir a falta de escravos nativos. Nesse sentido, os descimentos se tornaram um instrumento fundamental de inserção de trabalhadores indígenas livres na sociedade colonial em tempos de liberdade incondicional, e mesmo quando a escravidão era regulamentada. Entretanto, ao contrário do que parece e de como a historiografia sobre os índios vem trabalhando sobe esse tema, essa modalidade de arregimentação conformou-se de maneira complexa e distinta ao longo do final do século XVII e da primeira metade do XVIII, mediante o desenrolar das negociações e conflitos que existiram entre as populações indígenas e os grupos que praticavam os descimentos. 120

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Os índios livres descidos garantiam os interesses de todos os grupos coloniais lusos. Os descimentos abasteciam de índios os aldeamentos, de onde eram repartidos pelos moradores, para que realizassem serviços reais e para que trabalhassem nos próprios aldeamentos (essa função se confundindo, muitas vezes, como trabalho para os missionários), se configurando, dessa forma, como os principais defensores do território, mão-de-obra essencial para atividades agrícolas e de extração de drogas do sertão, e almas para serem convertidas e aumentar o rebanho de cristãos católicos nas conquistas. Com muita freqüência, o governador enviava ordens aos principais dos aldeamentos do Estado do Maranhão para que cedessem índios para a realização de diversas atividades concernentes à vida econômica, social e administrativa da conquista. Em um bando de novembro de 1738, por exemplo, o governador ordenou ao principal do aldeamento de Cametá que desse 30 índios para a constituição de uma tropa de resgate.20 Para formar a mesma tropa, o governador ordenou ao principal do aldeamento dos Bocas que desse quantos índios fossem necessários ao capitão-mor Jerônimo de Almeida,21 ao principal do aldeamento do Igarapé Grande que desse oito índios22 e aos principais de mais dois aldeamentos que dessem de dez a doze índios cada.23 Em março de 1740, o governador ordenou aos principais das nações estabelecidas no aldeamento do Pindaré que dessem de 60 a 80 índios cada para a realização de uma guerra contra os índios das nações Acoroá-Açu, Acoroá-Mirim, Gueguê e outras.24 Em abril do mesmo ano, o governador ordenou aos principais dos Barbados que dessem 150 índios guerreiros armados para a guerra que se promoveria contra aqueles índios inimigos.25 Ordenou também ao capitão da escolta do Mearim que fosse buscar à Serra de Ibiapaba 250 índios para a mesma guerra.26 E, por fim, ordenou ao principal João Mogú de Deus, chefe dos Arayos e Aranhy, que desse 30 índios.27 A partir desses documentos, fica evidente a necessidade e a importância que havia em se estabelecer alianças com os índios, por meio dos descimentos, para os interesses portugueses no Estado. É nesse sentido que o rei Dom Pedro declarava em novembro de 1686 que “a segurança dos sertões, e das mesmas povoações do Maranhão e de toda a América consiste na amizade dos índios”.28 Sem eles não haveria guerras, como fica claro na grande quantidade de índios aldeados que foram utilizados na guerra mencionada acima, fundamentais para o aniquilamento do denominado “gentio do corso” e para a segurança do Estado. Também não haveria resgates. Os descimentos seriam mais difíceis – já que eram os índios que remavam as canoas, ou que, já no século XVIII, se tornaram importantes intermediadores nessas negociações e que também passaram a constituir tropas para obrigar índios a descerem. E, sem esses índios, finalmente, não haveria fortificações, lavouras, fortalezas. Logo, a conquista portuguesa somente se efetivou a partir das alianças que se Projeto História, São Paulo, n.39, pp. 115-137, jul/dez. 2009

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estabeleceram com as mais diversas populações indígenas, alianças realizadas também a partir dos interesses desses grupos nativos, como a busca de proteção e de terras nos aldeamentos.29 Diante desse contexto de intensa necessidade de mão-de-obra indígena, principalmente em épocas de liberdade do gentio (1680-1688), uma das políticas conformadas com o intuito de delegar também a responsabilidade aos moradores sobre os descimentos indígenas foi instituída na provisão régia de 2 de setembro de 1684 que legalizava os descimentos privados. Segundo o rei, tendo consideração a estarem as aldeias do Estado do Maranhão muito diminutas e serem poucas e haver nelas muito poucos índios, e não bastarem para o serviço dos moradores, nem serem os necessários para as entradas do sertão, e por esta causa se pode temer não somente a falta do comércio, que consiste na indústria dos mesmos índios, mas que continuando-se a omissão de baixarem novas aldeias se venha a perder de todo a sua comunicação, sendo princípio desta causa a dificuldade com que os ditos índios se repartem.30

Essa política dispunha também que os moradores, reunidos ou isoladamente, poderiam descer índios do sertão, embora sobre eles não tivessem jurisdição nem domínio (título de “administradores”), devendo realizar o descimento juntamente com um missionário que analisava se os índios desejavam descer por vontade própria e levar os indígenas aos aldeamentos, sendo repartidos por toda a vida, somente aos que custeassem os descimentos, para o seu serviço.31 Apesar de ter sido decretada em meados da década de 1680, essa prática efetivou-se somente a partir da última década do século XVII e se intensificou em tempos de maior necessidade de mão-de-obra, relacionando-se principalmente aos surtos de epidemias com várias cessões de autorização de descimentos particulares e desenvolvendo-se a partir da instituição do uso da violência. Num primeiro momento, principalmente nas cartas régias, são relatados casos em que se recomendava que os índios que descessem para os aldeamentos fossem tratados sem violência. Os argumentos eram vários: para que não fugissem, para que não fizessem guerras contra os portugueses e para que se desse o exemplo para que outros grupos quisessem descer e se aldear. Ao longo da segunda metade do século XVII e início do século XVIII, são vários os casos aludidos pela Coroa para se atentar contra o perigo dos excessos nos descimentos. Em 8 de junho de 1675, por exemplo, o rei referia-se à queixa feita pelo donatário da capitania da Ilha de Joanes de proibir que se retirassem índios da ilha para trabalharem “em terra firme” – acarretando, devido aos maus tratos a que eram submetidos, fugas para o interior e guerras contra os portugueses. Essa situação gerava graves prejuízos ao donatário – já que desejava descer índios “para poder formar Vila com Igreja, casa 122

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da Câmara, pelourinho e cadeia com que tenha ao menos cem vizinhos”.32 Pouco tempo depois, em carta de abril de 1680, o rei determinava que nas incursões ao sertão não se levasse “gente de guerra”, para que “o estrondo das armas não afugente os índios”.33 Em outubro de 1702, o rei ordenou ao governador que retirasse os quatro capitães escolhidos tempos antes por Fernão Carrilho. Segundo a carta, Carrilho, que ocupava o cargo de loco-tenente do Estado do Maranhão, o fizera mediante a alegação de que os missionários que iam aos sertões tinham dificuldades em descer índios “pelos acharem sem escolta de soldados”; entretanto, o rei recebera notícias dos excessos que estavam sendo cometidos, determinando também que se investigassem esses crimes.34 Em abril de 1709, em resposta a uma carta do governador de 17 de julho de 1708, relativa a um descimento e à pretensão de descer mais mil índios da região do Sari, o rei determinou que se continuasse o descimento, “pondo todo o cuidado em que baixem voluntariamente sem que seja pelo caminho da violência”, dando-lhes terras e não deixando que fossem mal tratados, “porque desta maneira não só se proverão as aldeias de maior número de índios, mas terão estes moradores quem os sirva”, além de gente que defendesse o Estado.35 Em muitos casos, a documentação deixa claro que era preferível estabelecer alianças com grupos indígenas, incentivando-os a descer aos aldeamentos, a fazer-lhes custosas guerras. Em fevereiro de 1691, por exemplo, o rei agradeceu a atitude do ex-governador de ter concedido perdão geral aos índios que viviam em Caiena pelo assassinato de religiosos da Companhia, para que eles se sentissem seguros em povoar o aldeamento do principal Francisco, além de ter ordenado que o mesmo principal fosse ao sertão buscálos para residirem em seu aldeamento.36 Anos depois, em fevereiro de 1699, o rei respondia à representação do governador sobre as hostilidades do “gentio do corso” contra os moradores do Maranhão, da vila Icatu, do Mearim e do Itapecuru, e ordenava que se fizesse guerra contra o dito gentio e que os prisioneiros se tornassem cativos. No entanto, deixava a ressalva de que se algum grupo quisesse se aldear não poderia fazer-se-lhe guerra, dando-se-lhe a liberdade.37 Caso ainda mais exemplar da preferência de alianças deu-se em novembro do mesmo ano. Nessa situação, o rei, tendo em vista o pedido da Junta das Missões de se fazer guerra contra os índios do Cabo do Norte, determinou que não fosse feita, pois os índios poderiam “achar no amparo dos franceses a sua segurança”; assim, o melhor seria “que pelo caminho do perdão e das persuasões trabalheis pela sua redução”.38 Entretanto, a partir de 1710, ficava claro que a questão tomara definitivamente novos rumos. De fato, em uma petição, Francisco Rodrigues Pereira declarava a dificuldade de os índios aceitarem descer aos aldeamentos por vontade própria. Segundo Francisco PeProjeto História, São Paulo, n.39, pp. 115-137, jul/dez. 2009

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reira, apesar de ter autorização para baixar índios para seus currais na Ilha do Marajó, com o auxílio dos capuchos de Santo Antônio, não conseguira fazê-lo. Por um lado, “os ditos religiosos não querem fazer semelhantes descimentos”; mas também, “os índios raramente querem sair dos seus sertões por sua vontade”.39 Além dessa constatação, tornava-se claro o interesse do Estado em expandir a colonização a partir do estabelecimento de diversos povoamentos, para os quais era necessário formar aldeamentos com a finalidade de abastecer de mão-de-obra aos moradores da nova vila. Assim, a política colonial sobre os descimentos foi se modificando gradualmente.40 Desde abril de 1709, o rei ordenou ao governador que mandasse todos os anos escolta nos descimentos de indígenas do sertão, pois, segundo Frei João de Santo Antonio, Comissário da Província de Nossa Senhora da Conceição, a escolta era importante para ir à costa “por se obrigar com ela não só a baixarem muitos índios para as aldeias”, mas também se retirar os índios que faziam comércio com os franceses.41 Em março de 1718, foi finalmente instituído legalmente o uso da força nos descimentos a praticamente todo e qualquer grupo indígena não inserido na sociedade colonial. O rei declarou que os descimentos deveriam ser de dois modos: os missionários deveriam entrar no sertão e convencer os índios a se aldearem por vontade própria, de maneira pacífica, e que nos aldeamentos fossem tratados como livres; já, se os índios não quisessem descer, não se lhes deveria obrigar a fazê-lo, exceto nos casos em que os índios andam nus, não reconhecem rei, nem Governador, não vivem com forma, e modo de República, atropelam as leis da natureza, não fazem diferença de mãe e filha para satisfação de sua lasciva, comem-se uns aos outros, sendo esta gula a causa injustíssima das suas guerras, e ainda fora delas, os excita a flecharem os meninos inocentes.42

Estes sim poderiam ser descidos à força, sob a condição de que não fossem mortos nem nos descimentos e nem se fugissem dos aldeamentos, devendo nestes ser tratados como livres.43 É evidente aqui o paralelo que se estabeleciam entre as condições que permitiam o “descimento forçado” e as causas de escravização legítima determinadas pelo alvará de 1688. Este último revogara a lei de liberdades de 1680, autorizando a realização de guerras justas e de resgates, pois tendo guerras entre si os ditos índios pelas quais os cativam os levam a vender a terras estrangeiras e dentro dos meus domínios fazem admitir resgates deles, e quando o não podem fazer, pelas distâncias ou outros impedimentos, os prendem à corda e os matam cruamente para os comerem.44

A argumentação sobre o modo de vida dos grupos indígenas ser apartado dos moldes cristãos e civilizados europeus e a percepção de que os portugueses deveriam interferir para salvá-los de sua “bestialidade” está presente nesses dois casos. No entanto, a extensão do uso da força se deu para os descimentos em 1718, o que não ocorrera em 1688. 124

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Mas, o que poderia ter suscitado tal mudança? Em 1728, temos indícios importantes para entendermos os interesses do uso da violência nos descimentos. Ao longo desse ano, inúmeros alvarás régios dão permissão para que vários particulares desçam indígenas dos sertões. A partir de justificativas simples, como a necessidade de índios para trabalharem nas lavouras, foram autorizadas várias solicitações para a aquisição de mão-de-obra. No entanto, um elemento tornou-se importante para essas concessões. Em quase todos existe a referência de que os moradores solicitavam índios porque os que trabalhavam em suas terras haviam fugido ou morrido; exemplar nesse sentido era o alvará de novembro de 1728, por meio do qual se concedia a Manoel Martins autorização para descer 50 índios porquanto os indígenas que tinha haviam morrido de bexigas.45 Encontra-se neste caso uma referência clara à epidemia que ocorrera na região na década de 1720.46 Por outro lado, é preciso ressaltar também a própria resistência dos indígenas em se aldear, representada principalmente na imposição dos índios de certas condições nos acordos para a realização dos descimentos, desde o século XVII. Três casos são exemplares nesse sentido. Em dezembro de 1697, tendo sido informado que os 25 casais de índios que haviam sido retirados dos aldeamentos dos padres da Companhia, pelo cabo da escolta João Velho do Vale, o haviam feito por vontade própria para ir ver seus parentes em São Luís, o rei ordenara que se desse liberdade de escolha a estes índios de voltar para o aldeamento ou ficar.47 Em maio de 1703, o rei respondia à carta do frei Jerônimo de São Francisco, comissário de Santo Antonio, referente aos dois aldeamentos que fizera “junto da cidade habitada no gentio do Cabo do Norte” (uma delas sendo dos índios Aruã), que tinha aceitado viver neles com obrigação de levar peixe, algodão e o que produzissem à cidade e de não irem ao sertão a buscar cravo e cacau. Neste caso, o rei declarou que esses índios deviam ser muito bem tratados para que continuassem como aliados e para que se pudesse descer mais.48 Entretanto, em agosto de 1706, o presidente das missões da província de Santo Antonio declarou que os índios Aruã, do mesmo aldeamento, estavam voltando para suas terras e solicitou que se repartissem os índios na Ilha dos Joanes, pois os moradores queriam que fossem repartidos em maior número do que era permitido. Em virtude disso, o rei determinou ao governador que respeitasse as suas leis e que mandasse um missionário descer estes índios que estavam fora do aldeamento.49 Finalmente, um caso bastante esclarecedor ocorreu em abril de 1723. Em carta datada de 10 de agosto de 1722, o governador informava sobre o descimento que realizara dos índios que viviam nas praias do Maranhão e da Parnaíba da nação Tremembé. Declarava que somente não os descera antes devido ao comércio que se estabelecia de peixes e cascos de tartaruga com essa nação. Entretanto, relatava, os padres da Companhia foram lhes Projeto História, São Paulo, n.39, pp. 115-137, jul/dez. 2009

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fazer visita, com a qual os índios quiseram se aldear e batizar, pedindo para que o padre João Tavares os assistisse e que fossem aldeados perto do rio Tamara, por ser mais fácil viver e para ficar longe das escravizações injustas realizadas pelos moradores, “o que eles conhecem muito bem como práticos e ladinos”. O governador argumentara que deferira o pedido, com a alegação de que eles seriam úteis para avisar a chegada de navios inimigos e impedir os fugitivos que iam pela praia. Solicitara ao rei que com a finalidade de estes índios não se aliarem a inimigos lhes fossem dadas ferramentas, anzóis e pano à custa da Fazenda real, procedimento este que devia ser realizado nos demais descimentos.50 Desse modo, percebe-se como, paulatinamente, os índios foram impondo condições para se aldear e resistindo à escravização a que estavam sendo submetidos, negociando e conflitando com a nova realidade em que estavam se inserindo. A violência configurou-se, portanto, como uma estratégia de arregimentação de mão-de-obra livre essencial para a garantia dos interesses dos diversos segmentos coloniais lusos em um contexto de consolidação da conquista, no qual a expansão e a formação de povoamentos eram de fundamental importância para a garantia de fronteiras, de exploração econômica e de evangelização de almas a partir da constituição de aldeamentos. “Bárbaros com repetidos assaltos” Nos séculos XVII e XVIII, o relacionamento entre os grupos nativos da capitania do Maranhão e os novos habitantes da região, que se empenhavam em aproveitar economicamente o território, foi caracterizado por constantes conflitos. Os moradores dos rios Mearim, Munim e Itapecuru conviveram com diversos assaltos repentinos e correrias realizadas pelos índios do corso. Na tentativa de conter as investidas indígenas e propalar o avanço e domínio português pelo território, a coroa portuguesa lançava mão da “guerra justa”. Ao que tudo indica, durante o século XVII algumas expedições foram formadas para punir os índios pelas investidas que cometiam aos moradores. Um registro do Conselho Ultramarino lembra que na década de 1670, Manuel da Costa de Carvalho teria ido “por cabo de três canoas ao rio Itapecuru achando-se na peleja que houve com os tapuias, que tinham sitiado os engenhos do dito rio, fazendo-os retirar com perda de gente”.51 Apesar disto, é somente no último decênio do século XVII que o governo português se empenha em combater os ataques realizados pelos grupos indígenas aos moradores dos rios Itapecuru, Munim e Mearim através da realização das guerras justas. Este interesse é parte de um esforço de dominação e ocupação desta região.52 Isto se torna claro, pois é a partir da década de 1690 que há indícios de grandes expedições realizadas contra os índios hostis naquela área da capitania do Maranhão. 126

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Assim, em 1691, é realizada uma guerra contra os índios Caicai e os Guarati. Dizia a devassa desta guerra que os índios encontravam-se em “diversos tempos dando repentinamente” nas “casas dos moradores e seus currais”.53 Queixavam-se os habitantes dos rios da região que esses índios “lhes furtavam os mantimentos de suas roças” e “a cada passo faziam hostilidades, acometendo uns, matando outros, como tinham morto dois rapazes curraleiros nossos e ferido outro de outro morador”, como lembrou o padre jesuíta João Felipe Bettendorf.54 Dessa maneira, em 6 de outubro de 1691, foi convocada na cidade de São Luís a Junta Geral na qual “se propôs se era ou não conveniente dar-se guerra ao gentio que assiste no rio Itapecuru”.55 Decidiram nesta Junta “que licitamente se podia fazer guerra contra as nações Caicais e Guarati ficando legitimamente escravos os que no conflito se cativassem”, como dizia o ouvidor Manuel Nunes Colares em carta escrita ao rei.56 Foi então “o governador em pessoa, com bastantes soldados e índios, para dar guerra” aos Caicai e Guarati. Ao que tudo indica, a tropa que ia contra estes índios foi dividida. Um grupo iria contra os Caicai “que tinham ficado em sua aldeia sobre o rio Munim” enquanto os outros investiriam contra os “que tinha ido para as campinas da banda do Itapecuru”.57 Apesar do cuidado que a tropa do governador “aplicara para lhe não chegarem [aos índios inimigos] as notícias por avisarem já como culpados com cautela”,58 um africano (“tapanhuno”) escravo do capitão-mor do Itapecuru “lhes manifestou tudo quanto os brancos intentavam” e os índios Caicai “fugiram com toda pressa”.59 Seguindo os inimigos pelos rastros que tinham deixado, uma parte da tropa os achou, guerreando-os “matando uns, cativando outros”.60 Em 1693, o rei reconhecia como “justa e necessária” a guerra que fora realizada contra este gentio do corso que infestava os rios Itapecuru e Mearim.61 Na devassa tirada sobre esta guerra foram questionadas dezesseis pessoas. Muitos diziam que estas hostilidades dos índios eram ocasionadas “com traição debaixo de amizade” ou então “debaixo de amizade e compadrio com quem tem com os brancos”. Manuel Correia, soldado, quando foi inquirido, dizia que fora “por soldado em uma das escoltas que foi ao rio Mearim” para “toparem com algum tapuia” e acharam umas cabanas que acreditavam ser do gentio do Itapecuru. Prosseguiram a jornada, “acharam uma estrada feita a foice e machado pela qual se ia dar aos outros tujupares da mesma nação do gentio do Itapecuru”. Por isso, Manuel Correia acreditava que os índios que assaltavam no rio Itapecuru eram os mesmo que investiam contra os moradores do Mearim, pois “por aquele caminho e trilhas não podem vir outros tapuias de outros sertões mais longes” sem passarem despercebidos pelos índios do Itapecuru. Além disso, como a estrada havia sido feita com foice e machado, o soldado acreditava que os assaltos eram desempenhados Projeto História, São Paulo, n.39, pp. 115-137, jul/dez. 2009

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pelo “gentio do Itapecuru que têm comércio com os brancos que lhe dão ferramentas”. Assim, entendiam os moradores do Maranhão que aqueles ataques eram ocasionados “debaixo de paz e amizade”.62 Parece que os índios prometiam paz aos portugueses e simultaneamente pretendiam expulsá-los dos rios Itapecuru, Mearim e Munim. Para os portugueses uma vez aliados, era impensável, até certo ponto, que continuassem a cometer hostilidades contra os eles. O padre Bettendorf, por exemplo, lembra que os ataques dos Caicai às roças dos moradores eram permitidos, pois “sabiam a necessidade da gente novamente descida que ainda não tinham roças de onde pudessem sustentar-se”. Porém, quando os assaltos passaram a provocar mortes e ameaçar a expansão portuguesa na região não foram mais tolerados. Esses discursos que assinalam a “fereza” e “crueldade” dos índios, por um lado, são importantes mecanismos usados para provar a presença real do inimigo e, assim, justificar a realização das guerras justas. Trata-se da idéia de construção do inimigo, lembrada por Beatriz Perrone-Moisés.63 Por outro, sugere que o grupo que propunha a paz não era o mesmo que declarava guerra aos portugueses, embora pudessem pertencer ao mesmo grupo étnico.64 Além disso, o mesmo grupo, agindo etnicamente em bloco ou não, poderia manter relações de amizade e hostilidades com os portugueses, como lembra o depoimento de Manuel Correia, referido anteriormente. Exemplar também nesse sentido é o que relata o padre Bettendorf. Segundo este religioso, o padre Bento de Oliveira teria mandado o religioso João de Avelar buscar alguns índios que haviam fugido para o sertão. Alguns retornaram, mas se evadiram novamente. Dizia então que esta fuga deixava o Maranhão “cercado de tapuias inimigos por todas as bandas, com grande perigo dos moradores do rio Itapecuru, principalmente do capitãomor Pedro Paulo e do alferes Miguel Ribeiro” aos quais os índios diziam que “haviam de matar se os apanhassem, por lhes constar que estes dois nunca lhes tiveram nem têm boa vontade”. Quanto ao filho de Baltasar de Seixas “não dão moléstia nenhuma” morando “com toda sua família sempre no seu engenho sobre o rio Munim” onde os índios o visitam como amigos “pelo bom trato que seu pai e ele sempre lhes deram”.65 É verdade que o padre Bettendorf não identifica de que grupo ou de quais grupos eram os tapuias que mantinham relacionamentos diferenciados com os portugueses. Apesar disto, o testemunho do padre Bettendorf indica que um grupo de índios, do mesmo grupo étnico ou não, mantinha tratamento diferenciado quando se tratava de um ou outro morador. Ou seja, eram amigos do filho de Baltazar de Seixas, mas eram hostis ao capitão-mor Pedro Paulo e ao alferes Miguel Ribeiro. Assim, estes índios não assaltavam indistintamente qualquer morador. Parece que suas investidas eram condicionadas pelo tratamento que recebiam dos diversos moradores da capitania do Maranhão. 128

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A condição de inimigos e aliados dos portugueses, portanto, não eram excludentes num mesmo contexto. Isto pode ser verificado para as diversas “reações” de um grupo indígena, nas quais uns preferem estabelecer pactos de amizade com os portugueses e outros optam por permanecerem hostis a eles. Os grupos indígenas não mantinham apenas um tipo de tratamento em relação a todos os portugueses, mas variadas relações com diversos grupos. Esse capitão-mor Pedro Paulo, alvo de práticas violentas dos índios, foi um dos que preparou o ataque aos Caicai em 1695, o qual resultou numa guerra que trataremos agora. Após a guerra que relatamos, dizia o padre Bettendorf que “ficou algum tanto, ainda que não de todo, seguro o recôncavo do Maranhão”, pois estes índios “não se acovardaram com a diminuição e foram continuando suas hostilidades”.66 Assim, os ataques dos Caicai e provavelmente de outros grupos indígenas continuaram até que em meados da década de 1690 foi pensada a realização de outra guerra contra esses índios na capitania do Maranhão. Na cidade de Belém o governador Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho escreveu uma carta ao rei explicando que antes de partir de São Luís para capitania do Pará deixara disposta “uma tropa de guerra contra o gentio do corso da nação Caicai”, nomeando por cabo o sargento-mor Domingos de Matos Leitão e Silva. No regimento de guerra dado ao cabo da tropa, o governador do Maranhão justificava o ataque contra os índios e explicava que a capitania do Maranhão estava atenuada por causa de seus moradores se não poderem valer da terra firme para a cultura de suas lavouras a respeito de ser infestada pelo gentio de corso principalmente os do rio Mearim, Itapecuru e Munim aonde há muitos anos continuam esse bárbaros com repetidos assaltos, fazendo aleivosias, mortes e roubos sem que bastassem para se evitar várias tropas de guerra que meus antecessores formaram.67

Havendo essas “razões e dificuldades sendo por” ele “ponderadas e consultadas por pessoas de experiência e atendendo ao muito que convém remediar prontamente esta opressão”, o governador decidiu pelo recurso à guerra para impedir esses danos.68 A tropa se preparava para ir ao interior da Capitania do Maranhão investir contra os Caicai. Contudo, antes que a tropa os encontrasse foi “o mesmo gentio com suas famílias que seriam oitocentas almas ao rio Itapecuru dizendo que a pedir-me paz”, como referiu o governador do Maranhão. Os moradores do rio Itapecuru, entretanto, não acreditaram nas propostas do gentio em estabelecer paz, pois a experiência havia ensinado a eles que embora estes índios proferissem amizade, “a pretexto dela executaram sempre estes bárbaros os seus insultos”,69 como muitos moradores da capitania do Maranhão relataram na devassa da guerra narrada anteriormente. Dessa maneira, uniram-se ao capitão-mor do Itapecuru para aprisionar os índios e conduzi-los para as suas povoações. Projeto História, São Paulo, n.39, pp. 115-137, jul/dez. 2009

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Os Caicai desconfiaram que estes homens iam ao encontro deles “com as canoas armadas para nenhum outro fim” senão para conduzi-los “como prisioneiros e não ser sua suspeita sem fundamento”.70 Assim, os índios “se foram lançando muitos no mar à vista do que os ditos moradores lhes deram guerra matando os que escaparam de afogados”, na qual “foram poucos os fugitivos que livraram as vidas, em cujo conflito chegou a tropa, que teve nesta guerra alguma parte”.71 Nesse sentido, provavelmente a tropa do sargentomor Domingos de Matos Leitão não teve ampla participação no ataque dos Caicai. O padre Bettendorf explica que esta tropa “também se achava no rio Itapecuru por aquela ocasião, mas ausente do lugar da matança” e que Domingos Matos de Leitão “sabendo do sucesso, muito prazeroso de terem escapado alguns, foi em seguimento dos fugidos com sua tropa”.72 Após o conflito com os Caicai, a tropa do sargento-mor prosseguiu “a jornada para o sertão a exercitar as demais diligencias expressadas no seu regimento”.73 Segundo o padre Bettendorf, Domingos de Matos Leitão “tinha ordem do governador” para “levar os Guanaré como forros para o Maranhão, para também de lá se mudarem para o Pará”. O sargento-mor e sua tropa “chegado aos Guanaré, achou Moacara”, que era a “principalessa maior” dos Guanaré,74 e sabendo dela que os outros índios “tinham ido à caça, disse-lhe os mandasse chamar”, pois “queria levá-los para dar nos Caicai, inimigos de uns e outros”. Moacara atendeu ao pedido do sargento-mor e os índios regressaram prontamente. Estavam então os índios “ocupados a torrar as farinhas dos paneiros que haviam de levar para ir dar a guerra”, quando “saltaram os brancos neles e os mataram, e não escapou a pobre Moacara”. Para justificar o acontecido e a escravização, o sargento-mor explicou que “tendo os Guanaré pedido para ajudarem os brancos contra os Caicai, souberam que no mato se queriam levantar contra eles e matá-los”.75 Contudo, uma consulta realizada pelo Conselho Ultramarino afirmava que “não se constava pelas evidências” que índios estivessem planejando “levantar-se contra os nossos porque suposto assim o confessou um língua pelos ditos de alguns ditos de alguns índios da mesma nação”.76 Quanto aos prisioneiros, o rei ordenou a Antonio Coelho de Carvalho que “se conservem estes índios como livres na Ilha de Joanes os que para lá foram mandados”. Quanto aos “pequenos de menor idade que se repartiram pelos soldados no Maranhão”, o soberano preceituou ao governador que os mudassem “para a Ilha de Joanes para que logrem a sua liberdade aldeando-os”.77 Aproximadamente dois anos após estas recomendações régias, o governador do Maranhão escrevia ao rei informando que havendo reunido os índios a fim de mudá-los para Joanes “se acharam alguns rapazes só unicamente por os mais terem falecido dos contágios das bexigas” e os que haviam sobrevivido à epidemia

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estavam “bem tratados das pessoas que os têm com os termos assinados”, em que se comprometiam a entregar estes índios “como forros que são todas as vezes que os pedirem”.78 As guerras foram assim declaradas como injustas. Foi a própria experiência portuguesa no litoral do atual Brasil que ensejou a adoção do conceito de guerra justa no século XVI.79 Assim, a violência passou a ser legitimada pela coroa portuguesa no trato com os grupos indígenas. Entretanto, é claro que ela já estava inserida no cotidiano dos habitantes antes dessa institucionalização. No Estado do Maranhão e Grão-Pará ela foi muito presente na relação entre índios e portugueses. Na Amazônia, os grupos indígenas constituíam os principais trabalhadores, o que explica diversos episódios nos quais os nativos são alvos de abusos dos portugueses, como a guerra de 1695, que foi declarada por injusta. Em fevereiro de 1699, como vimos antes, o monarca português escrevia ao governador do Maranhão autorizando a realização de uma guerra ao gentio do corso que fazia “continuas hostilidades” aos “moradores da terra firme dessa capitania [Maranhão] e novamente aos da vila Icatu cujo povo se acha muito atemorizado, e não menos os do Mearim e Itapecuru”. Embora o rei concedesse permissão para essa guerra, dizia ele “que querendo alguma destas nações reduzir-se a aldear-se a vosso arbítrio as não possam cativar”.80 Desta maneira, ainda que a guerra fosse autorizada parece que o estabelecimento de alianças com os índios hostis por meio do aldeamento era preferível à guerra, como já vimos. Provavelmente por esta razão a guerra de 1695 foi declarada como injusta. Os moradores da capitania do Maranhão podiam até mesmo não acreditar mais nos discursos de amizade proferidos pelos índios, uma vez que continuavam com seus assaltos e correrias e, por isso, optaram por investir contra os índios, ao invés de aceitarem suas promessas de paz. Assim, o assalto dos moradores aos índios, embora a guerra houvesse sido autorizada pelo governador e aparecesse na legislação como meio de se relacionar com índios hostis e escravizá-los, figura como uma prática que não estava em pleno acordo com a política da coroa. Nos relatos que o religioso João Felipe Bettendorf e o governador do Maranhão fizeram do episodio, a violência dos moradores figura como regra, pois outros eram seus interesses. Não há dúvida quanto ao caráter escravista dessas guerras, como inúmeras das que ocorreram no Estado do Maranhão. A epidemia de bexiga ocorrida em 1695 pode ajudar a explicar a investida dos moradores do rio Itapecuru e do capitão-mor do mesmo rio aos índios Caicai (refiro-me a guerra de 1695) bem como o ataque do sargento-mor Domingos de Matos Leitão aos Guanaré. Essa epidemia assolou o Estado do Maranhão, “que fez tanto estrago nos índios, assim forros como escravos, e mais nos tapanhunos [africanos]”, Projeto História, São Paulo, n.39, pp. 115-137, jul/dez. 2009

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os quais “caíram e foram morrendo tantos”.81 Três anos após essa epidemia, os oficias da Câmara da vila de Icatu escreviam ao rei queixando-se da falta de escravos. Como “remédio” para isto, sugeriam ao monarca que permitissem que os moradores de Icatu fossem ao “Ceará todos os anos a fazer certo número de resgates” com os índios que habitam na capitania do Ceará “que por não terem brancos que hajam de resgatar com eles, os mandam vender a Pernambuco”.82 Fica claro, portanto, que as guerras na capitania do Maranhão podem ser pensadas como mecanismos de obtenção de mão-de-obra naquele contexto. As causas da guerra justa mudaram ao longo da colonização. Dentre as motivações para justificar a guerra estavam: o impedimento da propagação da fé, a recusa à conversão, a quebra de pactos celebrados. Quanto às hostilidades dos indígenas contra os vassalos portugueses e seus aliados, elas aparecem como a principal razão em todos os documentos como causa para se mover a guerra.83 Dessa maneira, a violência parece também ter sido muito usada pelos grupos indígenas. Estes a usavam contra os portugueses não só para agir contra a nova ordem que estava sendo imposta a eles e as agressões que sofriam; entretanto, praticavam assaltos, correrias e mortes as roças e currais dos moradores do Maranhão também na tentativa de buscar meios de sobrevivência, pois a nova organização territorial que emergiu com a expansão portuguesa, com a criação de engenhos, currais e lavouras, modificou substancialmente o modo de vida dos grupos indígenas, impondo a eles novas territorialidades e maneiras de sobreviver. Assim, eles passaram a buscar sua sobrevivência também nos povoamentos portugueses e, provavelmente, a experiência ensinou a eles que o meio mais eficaz de conseguir alimento era através das diversas práticas violentas contra os novos moradores do continente americano. As histórias relatadas neste texto procuram dar conta da necessidade de se estudar o conflituoso relacionamento dos portugueses com os grupos indígenas – mesmo aqueles “integrados” à sociedade colonial – a partir dos contextos concretos em que essas relações se estabeleceram. Não só a condição de aliado ou inimigo podia alterar-se repentinamente, mas, principalmente, as formas de tratamento de uns e outros, apesar das ambíguas recomendações da Coroa, parecem ter se encaminhado para o uso indiscriminado de violência, principalmente quando os problemas de aquisição de trabalhadores se tornavam mais dramáticos. O Estado do Maranhão e Pará parecia viver assim num contraditório equilíbrio entre a manutenção de suas alianças – fundamentais para a própria sobrevivência da sociedade colonial – e as necessidades de mão-de-obra – que “obrigavam” os moradores a recorrer à

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coação, aos abusos e à violência como mecanismos para garantir não só os trabalhadores necessários, mas igualmente, o território pacificado para o “aumento” de suas lavouras e realização das jornadas ao sertão. Recebido em Outubro/2008; aprovado em Março/2009.

Notas Doutor em História pela Universidade de Cambridge. Professor da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará. E-mails: [email protected] e [email protected] ** Bacharel e Licenciada em História pela Universidade Federal do Pará (bolsista PIBIC/CNPq); aluna do curso de Mestrado em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará; bolsista da FAPESPA. E-mail: [email protected] *** Aluna do curso de História da Universidade Federal do Pará; bolsista PIBIC/CNPq. E-mail: [email protected] 4 Carta do principal do Grão-Pará. C. 1640. Arquivo Histórico Ultramarino [AHU], Pará (Avulsos), caixa 1, doc. 46. 5 Ver: NEUMANN, E.S. Práticas letradas guaranis: produção e usos da escrita indígena (séculos XVII e XVIII). Rio de Janeiro, Tese de Doutorado (História). Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005. 6 À exceção de alguns trabalhos. Ver: CARDOZO, A. “Índios sem medo das letras”. BrHistória, vol. 2 (2007), pp. 51-55; e CARDOZO, A. “Letras Gentílicas: a arte da escrita e os índios da Amazônia (século XVII)”. In: FONTES, E.J.O.; BEZERRA NETO, J.M. (Orgs.). Diálogos entre História, Literatura e Memória. Belém, Paka-Tatu, 2007, pp. 355-378. 7 PERRONE-MOISÉS, B. Índios livres e índios escravos. Os princípios da legislação indigenista colonial (séculos XVI a XVIII). In, CUNHA, M.C. (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo, Cia das Letras, 1992, pp. 115-132. 8 Pouco tempo antes das duas cartas, Antonio da Costa havia sido agraciado com várias mercês pelo próprio rei, em Lisboa (a primeira carta dele justamente inicia relatando que fizer “boa viagem”). Em decreto ao Conselho da Fazenda, Dom João IV determinava dar a Marapirão “trinta mil réis empregados em coisas miúdas que ele escolher e tiverem valia naquelas partes, e de um vestido para sua mulher e outro para ele em forma que vá luzido diante de seus parentes, e a seu exemplo se animem uns e outros a me servir; ordene o Conselho da Fazenda que por estar a pique a embarcação em que vai o mesmo Antônio da Costa seja com brevidade provido das coisas referidas com declaração que no vestido de sua pessoa leve o hábito de Cristo cozido”. “Mercês a índios do Maranhão (Docs. offerecidos pelo B. de Studart)”. Revista do Instituto do Ceará, vol. XX (1906), pp. 339-340. 9 “Carta de Antonio da Costa Marapirão para Dom João IV”. Pará, 2 de setembro de 1649. AHU, Pará (Avulsos), caixa 1, doc. 75. 10 “Carta de Antonio da Costa Marapirão e principais do Pará para Dom João IV”. Pará, 6 de setembro de 1649. AHU, Pará (Avulsos), caixa 1, doc. 76. 11 A respeito dessa perspectiva a partir dos documentos citados neste texto, ver: CHAMBOULEYRON, R. Missionários, índios, capitães e moradores: relações e conflito na Amazônia seiscentista. In, FORLINE, L.; MURRIETA, R.; VIEIRA, I. (Orgs.). Amazônia além dos 500 anos. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2006, pp. 129-150. 12 REIS, A. C. F. Síntese de história do Pará. 2ª Ed. Belém: Amazônia Edições Culturais, 1972, p. 41. 13 Quem dá notícias da aldeia de Maracanã, que ao acreditarmos em seu testemunho, deriva de um descimento dos índios Pacajá, é o padre Domingos de Araújo, autor de uma crônica ainda inédita. Ver: ARAÚJO, D., SJ. “Chronica da Companhia de Jesus da missam do Maranham”, c. 1720. Biblioteca Pública de Évora, códice CXV/2-11, ff. 229-230. *

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“Consulta do Conselho Ultramarino a Dom João IV”. Lisboa, 3 de setembro de 1655. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 3, doc. 369. 15 A petição, provavelmente de abril de 1661, está incluída em “Treslado do registro de huns papeis que em forma d. instromento vieraõ da ciade de Saõ Luis do Maranhaõ”. Biblioteca Nacional de Portugal, Reservados, Coleção Pombalina, ff. 525-526. 16 Cópia do despacho do ouvidor-mor Diogo de Sousa e Meneses, escrito em São Luís a 26 de abril de 1661, incluído em ibid., ff. 532v-533v. 17 Cópia do despacho do governador, escrito em São Luís a 26 de abril de 1661, incluído em ibid., f. 533v. 18 Cópia de carta do governador ao padre Vieira, escrita em São Luís a 26 de abril de 1661, incluída em ibid., f. 534. Não queremos aqui entrar nos detalhes do acontecido, que o próprio padre Vieira considerou como uma das razões diretas de sua expulsão do Estado do Maranhão e Pará, em 1661. Segundo o religioso, eram muitos os “vícios” do principal; por outro lado, argumenta ele, a aldeia não teria se amotinado, “como falsamente se publicou, mas havendo muitas pessoas eclesiásticas, e seculares, e ministros de V.M., que persuadiram aos índios que se levantassem”. VIEIRA, A., SJ. “Ao rei D. Afonso VI” Praias do Cumã, 21 de maio de 1661. Cartas. Coordenadas e anotadas por João Lúcio de Azevedo. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1997, vol. I, p. 563. O padre João Felipe Bettendorf fala também do seu “amancebamento” como causa do conflito do principal com o padre Vieira. BETTENDORF, J. F. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Maranhão [1698]. Belém, SECULT, 1990, p. 188. 19 “Ley Sobre aliberdade do gentio do Maranhão”. 1º de abril de 1680. Anais da Biblioteca Nacional [ABN], vol. 66 (1948), pp. 57-59. 20 Arquivo Público do Estado do Pará [APEP], códice 25, doc. 106. f. 29. 21 Id., doc. 112. f. 30. 22 Id., doc. 114. f. 30. 23 Id., doc. 115. f. 30. 24 Id., doc. 276. f. 71. 25 Id., doc. 271. f. 70. 26 Id., doc. 277. f. 72. 27 Id., doc. 281. f. 72. 28 “P.a o g.or e cap.am geral do Estado do Maranhaõ. Sobre os sitios mais convenientes para se fazerem as fortalezas p.a segurar o dominio daquella praça”. 24 de novembro de 1688. AHU, códice 268, ff. 51v52v. 29 ALMEIDA, M. R. C. Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 102. 30 “Sobre se conçeder administrações de Aldeas livres de gentios aos moradores do Estado do Maranhaõ q. elle baixarem com as condições q. esta provizaõ declara”. 2 de setembro de 1684. AHU, códice 93, ff. 377-378. 31 Id. 32 “Sobre se não tirarem Indios da Capitania da Ilha de Joanes de que he donatario Antonio de Souza de Macedo para com elles formar Villa de cem vizinhos”. ABN, vol. 66 (1948), p. 37. 33 “Provisão sobre a repartição dos Indios do Maranhão e se encarregar a conversão d’aquella gentilidade aos Religiosos da Companhia de Jesus”. 1° de abril de 1680. ABN, vol. 66 (1948), p. 51-56. 34 “Que faça recolher os Capitaes que forão ao Certão de escolta aos Missionarios”. 27 de outubro de 1702. ABN, vol. 66 (1948), pp. 219-20. 35 “Sobre os Indios que tinhão baixado”. 10 de abril de 1709. ABN, vol. 67 (1948), p. 40-41. 36 “Sobre o perdão Geral que se concedeu, aos Indios auzentes pelas mortes dos Padres Missionarios da Companhia, e outros particulares”. 17 de fevereiro de 1691. ABN, vol. 66 (1948), p. 120. 37 “Sobre a guerra que semanda fazer ao gentio do Corço pelas hostilidades que fez aos moradores do Maranhão”. 10 de fevereiro de 1699. ABN, vol. 66 (1948), pp. 186-87. 38 “Sobre a guerra dos Indios do Cabo do Norte”. 27 de novembro de 1699. ABN, vol. 66 (1948), p. 196. 14

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O “estrondo das armas”

“Sobre a licença que se concede a Francisco Rodrigues Pereira para baixar á sua custa vinte Cazais de Indios, não sendo com o titulo de administrador”. 4 de julho de 1710. ABN, vol. 67 (1948), pp. 72-73. 40 Ainda que a política sobre os descimentos tenha se modificado com o uso da violência, sempre existiram referências de casos em que o rei ordenava que se fizesse paz com os índios através dos descimentos, evitando as guerras e, em certos casos, os maus tratos. Ver: “Para o Governador do Maranhão. Sobre os Indios que esperava para continuar a guerra ao Gentio, e selhe recomenda faça esta na forma determinada”. ABN, vol. 67 (1948), p. 210; “Manifesta-se a estima com que se recebeu a noticia de que os indios Barbados do Maranhão, temidos pelas suas tropelias”. 1° de fevereiro de 1727. Annaes da Bibliotheca e Archivo Publico do Estado do Pará [ABAPP], tomo I (1901), pp. 242-43; “A paz firmada entre o governador e os indios Barbados”. 4 de fevereiro de 1727. Ibid., pp. 244-45; “Informe o governador da verdade a respeito da representação do Comissário das Missões da Provincia da Piedade”. 25 de março de 1727. Ibid., pp. 246-49; “Para o Padre Henrique de Carvalho. Em que se lhe partecipa a queixa que se faz de huns Missionarios e que ponha outros em seu lugar”. 28 de junho de 1729. ABN, vol. 67 (1948), pp. 230-31; “Informe o governador o requerimento do padre frei Joseph da Payva”. 21 de abril de 1732 contida nos ABAPP, tomo VI (1907), pp. 133-37. 41 “Sobre se lhe ordenar continue em mandar todos os annos escolta para a Costa”. 15 de abril de 1709. ABN, vol. 67 (1948), pp. 50-51. 42 “Sobre os Indios que se descerem para as Aldeas ficarem nellas livres, e não comoEscravos”. 9 de março de 1718. ABN, vol. 67 (1948), pp. 152-53. 43 Id. 44 “Alvará em forma de Ley expedido pelo Secretario de Estado que deroga as demais leys que se hão passado sobre os Indios do Maranhão”. 28 de abril de 1688. ABN, vol. 66 (1948), pp. 97-101. 45 APEP, códice 10, ff. 60-61. 46 Dauril Alden refere-se a uma epidemia de varíola em 1724-25. ALDEN. “El indio desechable en el Estado de Maranhão durante los siglos XVII y XVIII”. América Indígena, vol. XLV, nº 2 (abril-junio 1985), p. 435. 47 “Sobre os vinte e cinco cazaes de Indios que os Padres da Companhia descerão para a Costa do Mar trazendo-os para as Aldeas do estado do Maranhão”. 12 de dezembro de 1697. ABN, vol. 66 (1948), p. 176. 48 “Sobre as duas Aldeas de gentio que Frei Hieronimo de Sam Francisco fez junto a Cidade do Maranhão”. 6 de maio de 1703. ABN, vol. 66 (1948), p. 246. 49 “Sobre vários particulares acerca das Missões de que dá Conta o Provincial de Santo Antonio”. 23 de agosto de 1703. ABN, vol. 66 (1948), p. 287. 50 “Sobre se Aldearem os Indios da Nação Tarammambes”. 24 de abril de 1723. ABN, vol. 67 (1948), pp. 192-93. 51 “Informação do Conselho Ultramarino sobre os serviços de Manuel da Costa de Carvalho”. Lisboa, 27 de março de 1685 [post.]. AHU, Serviço de Partes, caixa 3, doc. 423. 52 Foi a partir da década de 1680 que a coroa portuguesa ensejou tentativas de consolidar sua presença nos rios Itapecuru, Mearim e Munim através da jornada de reconhecimento dos sertões dos rios Mearim, Munim e Itapecuru feita por João Velho do Vale, pela tentativa de repovoar as terras às margens do Itapecuru e pela criação da Vila de Icatu. MELO, V.S.. “Aleivosias, mortes e roubos”. Guerras entre índios e portugueses na Amazônia colonial (1680-1706). Belém, Monografia de graduação (História), 2008. 53 O traslado de uma devassa que se tirou sobre a guerra que se deu ao gentio do corso em o rio do Itapecuru pelas hostilidades que os ditos gentios tinham feito em o rio Mearim encontra-se anexado em “Consulta do Conselho Ultramarino a Dom Pedro II”. Lisboa, 10 de fevereiro de 1693. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 8, doc. 862. 54 BETTENDORF. Op. cit., p. 514. 55 O Termo de Junta Uniforme escrito em São Luís em 22 de abril de 1692 encontra-se anexado a “Consulta do Conselho Ultramarino a Dom Pedro II”. Lisboa, 10 de fevereiro de 1693. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 8, doc. 862. 56 “Carta do ouvidor-geral Manuel Nunes Colares a Dom Pedro II”. São Luis, 4 de maio de 1692. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 8, doc. 851 57 BETTENDORF, op. cit., p. 515 39

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Rafael Chambouleyron, Vanice S. de Melo e Fernanda A. Bombardi

58 “Sobre o que escreve o g.or e ouvidor geral do Maranhaõ acerca da guerra que se mandou fazer aos Tapuyas do corço que infestavaõ os Rios Meari Itapericu e outros”. Lisboa, 9 de novembro de 1692. AHU, códice 274, ff. 86-86v. 59 BETTENDORF, op. cit., p. 516. 60 A consulta do Conselho Ultramarino ao rei de 9 de novembro de 1692 encontra-se anexada em “Consulta do conselho ultramarino a Dom Pedro II”. Lisboa, 10 de fevereiro de 1693. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa. 8, doc. 862. 61 “Para o governador do Maranhão. sobre a guerra feita ao Gentio do Corso se lhe aprova por justa”. Lisboa, 21 de fevereiro de 1693. ABN, vol. 66 (1948), p. 138. 62 O traslado da devassa que se tirou sobre a guerra que se deu ao gentio do corso em o rio do Itapecuru pelas hostilidades que os ditos gentios tinham feito em o rio Miary encontra-se anexado em “Consulta do conselho ultramarino a Dom Pedro II”. Lisboa, 10 de fevereiro de 1693. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 8, doc. 862. 63 PERRONE-MOISÉS, B. Para conter a fereza dos corsários: guerras na legislação indigenista colonial. Cadernos Cedes, nº 30 (1993), p. 60 64 “Um só etnônimo pode encobrir vários grupos étnicos e, reversamente, vários etnônimos podem estar sendo utilizados nas fontes para designar um mesmo grupo étnico”. FARAGE, N. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro, Paz e Terra/ANPOCS, 1991. p. 19. 65 BETTENDORF, op. cit., p. 568. 66 Ibid., p. 517 67 A cópia do Regimento que levou o sargento mor do Estado Domingos de Matos Leitão e Silva encontrase anexada em “Consulta do Conselho Ultramarino a Dom Pedro II”. Lisboa, 26 de Janeiro de 1696. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa. 9, doc. 912. 68 Ibid. 69 A carta do governador do Maranhão para o rei escrita na cidade de Belém em 9 de julho de 1695 encontra-se anexada na “Consulta do Conselho Ultramarino a Dom Pedro II”. Lisboa, 26 de Janeiro de 1696. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 9, doc. 912. 70 “Consulta do Conselho Ultramarino a Dom Pedro II”. Lisboa, 26 de Janeiro de 1696. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 9, doc. 912. 71 Ibid. 72 BETTENDORF, op. cit., p. 558. 73 “Consulta do Conselho Ultramarino a Dom Pedro II”. Lisboa, 26 de Janeiro de 1696. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 9, doc. 912. 74 BETTENDORF, op. cit., p. 511. 75 Ibid., pp. 558-59. 76 “Com o extrato que fez o Des.or Joaõ de Sepulveda e Mattos sobre a devassa que se tirou na cidade de Saõ Luiz do Maranhaõ da guerra que se deo ao gentio Cahycai e Gonares”. Lisboa, 26 de janeiro de 1696. AHU, códice 274, ff. 107v-108v. O padre Bettendorf lembra que os índios Guanaré haviam sido praticados pelo padre Antão Gonçalves e “situados sobre o rio de Tapecuru, entre o engenho do capitão-mor João de Sousa Soleima” e a “aldeia de S. Gonçalo, onde os padres tinham sua residência”. BETTENDORF, op. cit., pp. 509-13. 77 “Para o governador do Maranhão. Sobre se dar livramento aos culpados que concorreram no cativeiro do gentio”. Lisboa, 1° de fevereiro de 1696. ABN, vol.66 (1948), p. 159. 78 A carta do governador Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho ao rei, escrita em Belém a 20 de julho de 1697, encontra-se anexada em “Consulta do Conselho Ultramarino a Dom Pedro II”. Lisboa, 12 de novembro de 1697. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 9. doc. 945. 79 Ver: MONTEIRO, J. M. As Populações Indígenas do Litoral Brasileiro no Século XVI: Transformação e Resistência. In, DIAS, J. (Org.). Brasil – nas vésperas do mundo moderno. Lisboa, CNCDP, 1992, pp. 121-136. Ver também: DOMINGUES, A. Os conceitos de guerra justa e resgate e os ameríndios do norte

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do Brasil in SILVA, M. B. N. (org.). Brasil: colonização e escravidão. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2000, pp. 45-56. 80 “Para o governador do Maranhão. Sobre a guerra que se manda fazer ao gentio do Corço pelas hostilidades que faz aos moradores do Maranhão”. Lisboa, 10 de fevereiro de 1699. ABN, vol. 66 (1948), p. 186-87. 81 BETTENDORF, op. cit., pp. 585-588. 82 A carta escrita pelos oficiais da Câmara de Icatu de 13 de junho de 1698 encontra-se anexada em “Consulta do Conselho Ultramarino a Dom Pedro II”. Lisboa, 23 de dezembro de 1698. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 9, doc. 973. 83 PERRONE-MOISÉS, op. cit., pp. 123-24.

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