O FAZER, O VER E O SENTIR: proposta de azulejos ecológicos a partir da reciclagem do papel pós-consumo

May 30, 2017 | Autor: Lauro Cohen | Categoria: Design, Recycled Materials, Do It Yourself (DIY), Surface Design
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Descrição do Produto

O FAZER, O VER E O SENTIR: PROPOSTA DE AZULEJOS ECOLÓGICOS A PARTIR DA RECICLAGEM DO PAPEL PÓSCONSUMO Lauro Arthur Farias Paiva Cohen1, Nubia Suely S. Santos1 1

Universidade do Estado do Pará - UEPA (Brasil)

Resumo Esse trabalho foi realizado a partir de conceitos que englobam métodos do fazer manual, do design de superfície e a da sustentabilidade, envolvendo a reciclagem de papeis no seu pós-consumo para a produção de azulejos ecológicos, de forma artesanal, tendo como matéria prima o papel que seria descartado. Dessa forma, foi analisada a sociedade atual, suas necessidades, sua demanda, princípios e, por consequência, a influência no processo de criação e construção do produto.

Palavras-chave: Design de superfície, reciclagem, sustentabilidade, resíduos, materiais renováveis

1

INTRODUÇÃO

A proposta do “faça você mesmo” está presente de uma forma mais intensa no cotidiano das pessoas, graças ao advento das novas tecnologias, como a impressora 3D e a internet, que promoveram a democratização das ferramentas de invenção e de manufatura [1]. Sendo assim, um sujeito com uma ideia pode transformá-la em um produto ou serviço, e, dessa forma, lançar no mercado global. A sensação de poder idealizar e produzir seus próprios produtos mexe com o emocional das pessoas, principalmente com aquelas que buscam atividades alternativas para satisfazerem seus desejos. Segundo Papanek, estabelecer laços estreitos entre a natureza e a humanidade é uma necessidade contemporânea [2], por outro lado, o que presenciamos é uma sociedade na qual o bem-estar é associado ao consumo de bens materiais, desse modo, provocando uma enorme extração de matéria prima do meio ambiente, muitas vezes de forma irresponsável, para atender a demanda social. Visando esse atual estilo de vida, é preciso que haja uma consciência ecológica nos indivíduos, frente aos diversos problemas ambientais que atingem o planeta, muitos provocados pela falta de educação ambiental, como por exemplo, a enorme produção de resíduos, como é o caso dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU). Uma prática muito comum para tentar solucionar esse problema é a reciclagem, entretanto, além disso, é necessário o desenvolvimento de projetos de reutilização, com o intuito de prolongar o ciclo de vida dos produtos ou das matérias primas, já que o redirecionamento dos resíduos evita que eles sejam deslocados a lugares como aterros sanitários, aumentando o seu tempo de vida útil [3]. Nesse contexto, a definição de sustentabilidade mais difundida é a da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), criada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a qual considera como desenvolvimento sustentável aquele que satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer as necessidades das gerações futuras, além de buscar um equilíbrio entre os aspectos ambientais, econômicos e sociais [4]. Afirma-se, então, que a partir da percepção dos indivíduos para a atual conjuntura e aos problemas ambientais, será possível a redução de impactos ao meio ambiente, buscando atingir um estilo de vida ligado a sustentabilidade. Entretanto, essa realidade encontra-se um pouco distante, visto que grande parte dos consumidores ainda possui o hábito de consumir em uma enorme quantidade, alguns de forma inconsciente, ignorando as consequências sociais e ambientais de seus atos. Considerando que muitas vezes os descartes são feitos de forma inadequada, acabam-se acumulando diferentes tipos de resíduos no ambiente, e um

deles é o papel, o qual consiste em um dos materiais mais utilizados pelo homem [5]. O grande consumo do papel é ligado à falta de responsabilidade dos seus usuários, sendo que o seu valor monetário não é alto, além do fácil acesso em lugares como escolas, universidades, escritórios e outros, por isso, a geração de resíduos cresce no mesmo ritmo em que aumenta o consumo [6]. Os princípios sociais, econômicos e ambientais permitem um novo olhar para o projeto de design, em que a ética e a sociedade são fatores que podem proporcionar uma aceitação maior que a esperada nos produtos. De acordo com Rafael Cardoso, os designers devem usam a criatividade com o intuito de provocar benefícios sociais, trabalhando com o homem e para o homem, dessa maneira, o produto de design estabelece uma relação com o meio ambiente e com o bem-estar social [7]. Por conseguinte, incorporando o problema de design em uma lógica sustentável e ligada à superfície, essa área do design pode gerar diferentes situações em ambientes externos ou internos, utilizando diversos tipos de materiais, como os azulejos para revestimento. Os azulejos possuem uma origem árabe, como peça decorativa, e sua expansão deram-se pela possibilidade de conquista, como aconteceu na península ibérica, e o seu processo de utilização original tinha como função revestir as paredes e os pisos com cores diferentes e tamanhos irregulares, causando um efeito policrômico nos ambientes [9]. Em Portugal, esse tipo de o revestimento começou a se desenvolver no século XVI, através de Sevilha, por meio de importações espanholas, e ficou livre da influência árabe apenas nos séculos XVII e XVIII, em que os azulejos passaram a compor construções de paisagens da cidade e espaços nobres [9]. A utilização deles na arquitetura brasileira foi uma herança trazida de Portugal no início da colonização, em 1549 por Tomé de Souza, tornando-se essenciais para a decoração na arquitetura, garantindo uma proteção eficaz contra as intempéries de um país tropical [10], e como resultado criou uma forma de design de superfície, na qual se pode aplicar e construir visualmente um raciocínio modular para as peças. No Brasil, o estado da Bahia concentra o maior número de azulejos históricos portugueses nas fachadas de prédios construídos no período colonial, principalmente na capital Salvador, a qual possui um importante conjunto arquitetônico da época do Brasil colônia, o qual, inclusive, faz parte do patrimônio histórico brasileiro. Da mesma forma, as cidades de Belém (PA) e São Luís (MA) também possuem grandes casarões e prédios históricos, revestidos com as peças portuguesas [9]. A importância da estética atrelada aos azulejos abrange também outros sentidos, como ligados à emoção, com isso o design busca provocar emoções no consumidor, através de experiências, as quais sejam um diferencial no produto, baseando-se nos demais oferecidos no mercado [10]. O objetivo deste trabalho é mostrar como uma atividade prática (de laboratório, curricular ou artesanal) de reciclagem do papel pós-consumo pode envolver campos lúdicos do fazer manual, do design de superfície e da sustentabilidade. Resultando em um produto artesanal que busca refletir sobre o descarte de resíduos e o seu redirecionamento.

1.1

Movimento Maker (Fazer)

Durante muito tempo, a inovação esteve concentrada nas mãos de grandes indústrias e centros de pesquisa: antes da era digital, da internet, do barateamento de ferramentas tecnológicas e do fácil compartilhamento de ideias, a partir das redes sociais por exemplo. Os fatores citados permitem que na atual realidade, pessoas com poucos recursos e ferramentas, possam criar novos produtos e serviços para os problemas sociais, econômicos e ambientais [1]. Nesse contexto, o fazer manual transformou-se em uma cultura, sendo o chamado movimento Maker uma vertente dessa cultura, na qual os principais agentes transformadores são pessoas comuns, com ou sem vínculo acadêmico e técnico com as atividades em questão. Transformando o movimento em uma forma mais didática, Mark Hatch, escreveu o The Maker Moviment Manifesto, o qual será utilizado neste trabalho como base. O autor discute que o ato de fazer coisas é fundamental para o ser humano, já que grandes soluções para necessidades humanas surgiram a partir de experimentos manuais, como o domínio do fogo [11]. Existe um lado emocional, considerando que há algo especial em produzir peças, como se colocássemos um pedaço de nós em produtos físicos, indo contra o predomínio da produção em larga escala industrial [7]. Segundo o autor, é importante que os usuários aprendam a fazer, devendo sempre procurar aprender mais sobre a realidade a sua volta, utilizando materiais que seriam despejados ao lixo, ou resolvendo problemas diários a partir de peças encontradas em casa, uma vez

que as ferramentas para o maker, como um computador pessoal e o acesso à internet, nunca foram tão baratas, tão fáceis de usar, ou tão poderosas [11]. Com os problemas sociais e ambientais atuais, é de grande importância que se usem materiais e técnicas alternativas, além da realização de atividades artesanais. Com relação à técnica, é importante ressaltar que quanto mais tempo você passa praticando uma atividade, mais experiência você adquire, dessa forma, conseguindo atingir a perfeição, descobrindo novos talentos e suprindo necessidades latentes. Os objetos que produzimos são capazes de significar algo por meio da sua aparência, que é resultado de todo o processo produtivo, por isso, durante a produção deve-se atentar a comunicação visual e aos valores simbólicos, os quais envolvem cores e texturas que dão ao artefato artesanal uma história diferente, um traçado próprio de quem o manipula, entretanto, partindo de um principio [7]. O design deve proporcionar práticas experimentais, voltadas ao futuro, além disso, provocar a sensação de conclusão, prazer e realização ao criar algo novo [2], complementando os princípios do movimento maker.

1.2

Design de Superfície (O ver)

O primeiro contato do homem com a superfície foi com a arte rupestre nas paredes das cavernas, quando houve a definição de forma, para representar pessoas, armas e animais, cenas e hábitos do cotidiano em geral. Com o passar dos anos, houve as representações dos egípcios, com uma riqueza em detalhes nos desenhos e a lei do frontalidade, e também a técnica da pintura em vasos, com os gregos, até chegar à atualidade, em que a superfície tornou-se um importante meio de expressão para a humanidade [12]. Desde então o campo do design de superfície é muito explorado por designers, utilizando como matéria-prima papéis, plásticos, emborrachados e vidros, além dos mais comuns, os produtos têxteis e cerâmicos [12]. De acordo com Ruthschilling: “Design de superfície é uma atividade criativa e técnica que se ocupa com a criação e desenvolvimento de qualidades estéticas, funcionais e estruturais, projetadas especificamente para constituição e/ou tratamentos de superfícies, adequadas ao contexto sociocultural e às diferentes necessidades e processos produtivos” [13]. As possibilidades expressivas do campo do design de superfície vêm se apresentando cada vez maiores com o surgimento de tecnologias que permitem a construção de formas e estruturas de alta complexidade, como a impressão 3D, além da prática manual que acompanha o homem desde o início da sua evolução [14]. Quando falamos de superfície, não há como se desassociar dos estímulos sensoriais que esta produz e da importância destes na construção e determinação do objeto. Atualmente, nota-se a preferência dos consumidores por produtos com textura em sintonia com preceitos contemporâneos de conforto físico, psicológico e ambiental [13]. A popularização dos azulejos em igrejas, casarões coloniais e em residências contemporâneas, seja no interior ou no exterior, mostra a influência lusitana nos costumes e na arquitetura brasileira, durante a colonização do Brasil, esse material tornou-se indispensável na decoração externa e interna, por garantir uma proteção eficaz contra as intempéries do país tropical, como a abundância de chuva e a forte ação do sol. Na arquitetura contemporânea, redescobriu-se o valor estético das superfícies revestidas com azulejos e suas aplicações tornaram-se frequentes a partir de trabalhos como os painéis criados por Portinari para o Ministério da Educação e Cultura no Rio de Janeiro [9]. O uso deste material resistiu ao tempo, e, até a atualidade, inova-se a cada dia, procurando novas possibilidades na utilização funcional e também como forma de expressão artística, com a aplicação de diferentes técnicas, cores, estampas e materiais, sendo que o seu principal uso deixou de ser apenas funcional, tendo uma considerável importância estética, principalmente para a composição de ambientes, uma vez que os azulejos decorativos são uma tendência, resultando em composições com uma forte aceitação no mercado brasileiro e internacional, ligando a arquitetura e a arte [15]. Esse artefato é um objeto que utiliza de símbolos para diversas finalidades, como a representação histórica de estilos artísticos, como sinalização e até para indicar nome de lugares, em alguns casos realizando referências ao passado no presente. De acordo com Rafael Cardoso, um artefato, como o azulejo, não é apenas um artefato, ele é especifico dentro de uma gama de possibilidades, carregado de informações sobre o estilo retratado, procedência, valor, uso e assim por diante, podendo ser um artefato de grande

importância para uma pessoa, ou algo comum para outra [7]. Os revestimentos representam uma importante área de atuação do design de superfície, com revestimentos cerâmicos para paredes e pisos, e, no caso dos azulejos, sendo utilizados no tratamento e composição de fachadas e transmitindo informações aos indivíduos, sociedade e meio envolvido. Com isso, encontra-se a necessidade de buscar novas experiências visuais e sensações perceptivas através de estímulos sensoriais, mudando relações do observador com o objeto, alternando os modos de ser e habitar, explorando dos designers a criatividade necessária para solucionar os problemas e carências, para projetar superfícies [13].

1.3

Emoção (O sentir)

Para o início da analise, deve-se considerar o design de emoção um campo que abrange diversas abordagens, e um conceito viável é o do design e sentidos, o qual se refere a sentidos do corpo humano os quais não são explorados por designers, além de que essa área do design é formada pela união de critérios estéticos, simbólicos, funcionais e de materiais [10]. Segundo Donald Norman, a relação com o objeto vai além do aspecto funcional e estético: devem-se produzir experiências que não sejam cotidianas ou satisfatórias, e sim extraordinárias, sendo que os produtos participam de nossas ações diárias, de nossas experiências e desencadeiam reações e emoções diferentes em cada pessoa [10]. Com isso, o consumidor procura por artefatos que possam lhe proporcionar experiências e sensações agradáveis, além de serem eficientes, funcionais, e com uma qualidade estética aceitável ao público alvo, e como complemento, os designers devem pensar em agrupar a essa qualidades valores sociais, voltados ao bem estar da sociedade, promovendo condutas sintonizadas ao bem coletivo [10]. É necessário considerar também que o ser humano toma a maioria de suas decisões seguido pelo lado emocional [16], com isso o design pode passar a promover uma mudança de hábitos e inserir novos comportamentos na sociedade. As práticas de atividades motivadoras proporcionam ao individuo certo tipo de prazer em sua relação, gerando envolvimento e alegria, um estado mental de flow (fluxo) e além de serem imprescindíveis para a constituição de experiências extraordinárias [10]. Esse fenômeno é formado por meio do design de experiência, o qual tem como propósito criar condições para a realização de experiências satisfatórias ao usuário. Com isso, deve-se levar em consideração Michael Lerner [17], o qual estudou a classe média americana e mostrou que grande parte dela é infeliz nos seus respectivos trabalhos, pois sentem que sua verdadeira vocação está sendo desperdiçada, e que apesar de haver um retorno financeiro, existe um enorme vazio e uma frustração muito grande. Apesar de o estudo estar prestes a completar 20 anos, essa realidade ainda é presente nas diferentes classes sociais e nos mais diversos países. Uma consideração importante que deve ser feita é a de que o homem está buscando dentro de si, cada vez mais, o potencial criativo, buscando o equilíbrio físico e mental, uma fuga a rotina e a procura por novas paixões e sentidos na vida [18]. Para entender o significado do artefato é necessário entender o que já se passou com ele, a existência do objeto decorre dentro de um ciclo de vida que comporta desde a sua criação até a sua destruição, sendo importante que os designers entendam e estudem as questões ambientais ao projetar um artefato [8]. Em um mercado saturado com produtos semelhantes, feitos em larga escala, muitas vezes sem uma identidade cultural, o usuário buscar a diferenciação, algo que possa diferenciar dos demais, e que, muitas vezes, reflita o seu estilo de vida, com isso, o emocional e o conceito que ele reflete no produto é um fator decisivo para muitos consumidores, e essa inovação deve ser uma resposta a essa e a outras necessidades do usuário, em que o produto possa melhorar as experiências individuais e sociais dos consumidores [19].

1.4

O papel

A produção de papel no Brasil iniciou no século 19, tendo um tímido crescimento até meados de 1950, entretanto na década de 60 e 70 houve uma forte expansão da indústria de papel e celulose no país e nos anos 80 ocorreu à consolidação do setor [20]. Atualmente, a produção de papel e celulose no Brasil ocupa uma posição de destaque em termos nacionais e no quadro internacional, com faturamento de R$ 17.471.045, considerando a venda de produtos manufaturados, exportando 21% da sua produção e consumindo 9.290 toneladas de papel [20]. Em 2014, a geração de resíduos sólidos no Brasil foi de 78.583.405 toneladas, das quais 58,4% teve uma destinação adequada e, do total

gerado, 22% representam papeis e papelão [21]. Na contemporaneidade, o lixo, de maneira geral, é um assunto bastante discutido, e polêmico, já que se considera lixo uma matéria desprovida de sentido para o homem, entretanto, esse conceito é relativo, uma vez que lixo para uns pode ser o luxo para outros. Um deles é o de Nimkulrat (2012) [22], o qual defende o trabalho artesanal como uma forma de atingir logicamente aos sentidos do homem, em que o principal conceito refere-se ao usuário que executa o papel de um artesão, ou de um designer no caso, e realiza o processo de criação e produção de artefatos. Como foi relatado anteriormente, o ser humano, desde o início de sua história, registrava suas atividades em pedras, utilizando a sua superfície, e fazendo com que a comunicação gráfica de seus registros não se extinguisse com o tempo. Atualmente, essa prática pode ser feita através de um desenho, de uma fotografia, ou da escrita, de forma digital ou física, caso seja feita através da segunda opção, o papel será a principal matéria prima. A técnica de produção do papel reciclado foi inventada pelo chinês T’sai Lun no ano de 105 d.C, mostrou-se simples, de baixo custo e acessível a todas as camadas sociais e idades [23]. Em um viés sustentável, a reciclagem do papel virgem, já utilizado, é uma atividade que contribui para a redução da derrubada de árvores, além de diminuir em volume a quantidade de resíduos destinados aos lixões, tornando-se uma solução para diminuir esses impactos, já que o papel pós-uso retorna em sua totalidade como matéria-prima para o processo fabril de um novo produto, sendo assim, todo papel produto é semelhante ao que se reciclou e possui as mesmas características [24]. Com essa técnica, é necessário acrescentar a criatividade do designer, podendo aplicar texturas diferentes ao papel, aromas, acrescentando fibras vegetais, ou diferentes tons de cores, além de variar na gramatura do papel, podendo dar diversos fins a ele, podendo criar formas com desenhos ou em espaços vazios [23]. Sendo assim, esse pensamento mostra a importância do material, o qual, no presente, é utilizado para organizar a história humana: tendo essa teoria como base, a proposta dos azulejos ecológicos busca tornar física uma parte da história do usuário, expressando emoções e sendo resultado de um processo manual, utilizando a superfície, como era feito no passado.

2

METODOLOGIA

Como modelos para os azulejos ecológicos desenvolvidos neste trabalho foram utilizados peças de revestimento cerâmico da marca Eliane (Decortiles, Twenty Deluxe, linha Nude) [25], conforme mostrado na figura 1. As peças têm dimensões de 18,5 cm x 18 cm e foram utilizadas para execução dos moldes em resina de silicone. Para execução dos moldes de silicone as peças são enquadradas em madeira, deixando um espaço de aproximadamente 10 mm para formar as paredes do molde, de acordo com o desenho esquemático da figura 2 e a imagem da figura 3. Antes do vazamento da resina, o conjunto peça+quadro de madeira recebe uma camada de vaselina líquida que vai atuar como desmoldante nas interfaces cerâmica/madeira/silicone. Foram utilizadas três estampas diferentes da cerâmica da Eliane, originando três moldes diferentes para a conformação da polpa de papel. A consolidação do molde de silicone ocorre num período de aproximadamente 40 a 50 minutos em temperatura ambiente.

(a) (b) (c) Fig. 1: Modelos, TD2 Nude, TD4 Nude e TD6 Nude, respectivamente.

Fig. 2: Desenho esquemático das interfaces madeira e cerâmica.

Fig. 3: Resina de silicone sendo aplicada no azulejo modelo.

Para a produção da polpa de papel foram utilizados papeis pós-consumo coletado no Centro de Ciências Naturais e Tecnologia (CCNT) da Universidade do Estado do Pará (UEPA), os quais foram rasgados em pequenos pedaços e colocados em descanso em água limpa por 24 horas em temperatura ambiente, numa proporção de 1:3, uma medida de papel e três de água. Um liquidificador industrial, da marca metvisa, de alta rotação, modelo LAR2127CC5, com capacidade para 2 litros, foi utilizado para triturar o papel, que e colocado no copo do liquidificador na proporção citada acima, acrescentado uma colher de chá de cola branca PVA. A mistura papel, água e cola branca fica em batimento no liquidificador por aproximadamente 3 a 4 minutos. Para receber a polpa de papel triturada o molde recebe uma camada de vaselina líquida aplicada com pincel, que atuará como desmoldante na interface papel/silicone. A polpa e cuidadosamente colocada no molde de modo a preenchê-lo completamente e homogeneamente, dando uma leve pressão na superfície para facilitar o adensamento, figura 4. O molde devidamente preenchido e colocado para secar a temperatura ambiente, ou com ajuda de uma estufa, nesse caso poderá ser usado uma temperatura de 50ºC durante 4 horas aproximadamente, ou até a completa secagem do papel.

Fig. 4: Polpa de papel reciclado no molde de silicone. Depois de completamente secos os azulejos de papel recebem uma camada de massa acrílica (a base d'água) que corrige imperfeições e prepara para receber a pintura e uma camada de verniz, que possibilita a proteção contra intempéries. Os azulejos com o acabamento necessário podem ser utilizados para revestir paredes internas, acrescentar detalhes de textura na decoração, ou serem colocados em moldura. Todos os procedimentos foram realizados no Laboratório de Design da Universidade do Estado do Pará (UEPA), a temperatura ambiente de aproximadamente 30ºC e umidade relativa de 85%.

3

RESULTADOS

Uma boa limpeza da peça matriz de cerâmica que vai ficar em contato com a resina, e a formação da camada de vaselina, influenciam na uniformidade da superfície do molde, além da mistura na proporção correta resina: catalisador. A alta umidade relativa do ar interfere no tempo de secagem da polpa de papel, que demora até três dias ou mais para secarem completamente e poderem ser retirada do molde. Na figura 5 podemos ver os azulejos de papel já retirados do molde e completamente secos, onde visualizamos também as estampas/desenhos diferentes, em alto relevo, das peças que serviram de modelo para a proposta, utilizadas como modelo/matriz para os azulejos ecológicos desenvolvidos neste trabalho. Na figura 6, podemos observar os moldes construídos, os desenhos formados, em baixo relevo, e os seus respectivos modelos.

(a)

(b)

(c)

Fig. 5: Azulejos de papel pós-secagem.

Fig.6: Moldes feitos a partir dos modelos de revestimento. Observa-se, nos azulejos ecológicos da figura 5, a perfeita definição do desenho da estampa aplicada no molde de silicone, entretanto, algumas peças apresentaram defeitos e resultaram em azulejos sem a definição do desenho da estampa, ou então com muitas bolhas na superfície, visto na figura 7 e 5 (a), respectivamente. Entre as prováveis causas para isso estão: a utilização de polpa envelhecida (há vários dias em descanso na água), erro na formação da camada de vaselina líquida que serve de desmoldante, ou até mesmo limpeza insuficiente do molde de silicone antes de receber a vaselina. Outros defeitos apresentados e que podem levar a perda da peça é a variação na espessura da peça de papel/polpa, ocasionada pelo adensamento irregular da polpa de papel no molde de silicone, e a deformação do molde durante o adensamento que ocasiona peças com arestas curvas, figura 7. Uma espessura muito fina pode levar a quebra da peça durante a manipulação da peça na desmoldagem ou durante a preparação para pintura.

Fig. 7: Azulejos que apresentaram defeitos, com perca da definição das formas e deformação de tamanho, respectivamente. As formas finais, vistas nas figuras 8 e 9, são uma expressão de como a técnica incide sobre o material, podendo haver variações, sendo que a forma é fruto de uma transformação, a qual é passível de mudança e de adquirir novo significado de acordo com diferentes interpretações, mas tendo em mente que elas concretizam os conceitos por trás da criação, produzindo sentido ao universo material [7]. Um azulejo, em relação à forma e a estética, pode não igual ao outro, uma vez que o trabalho é feito de forma manual e depende do traçado da pessoa que está manipulando o objeto. Com isso, existe a possibilidade de criar uma grande variedade de composições, a partir do gosto e da técnica que será utilizada.

(a)

(b)

Fig.8: Azulejos pintados à base de tinta acrílica, com cores escolhidas para representar o conceito do artefato.

Fig.9: A imagem do autor, mostrando como os azulejos ecológicos podem fazer parte da decoração de interiores e para a apreciação dos usuários. A novidade de hoje representa o amanhã, com carga acumulada no passado [7], e com todo esse fenômeno, os azulejos ecológicos, assumem uma posição de destaque e renovação, a partir uma expressão artística manual, com traços do estilo artístico Art Nouveau, emocional, os quais utilizam uma matéria prima alternativa para o objeto. As cores que compões os azulejos tem por finalidade combinações que tornem os ambientes agradáveis e influenciar a percepção do objeto, atraindo o olhar dos usuários, uma vez que as cores podem comunicar interações complexas, ou tornar mensagens acessíveis [26]. Com essa proposta, é necessário dividir as pessoas que estarão envolvidas, os tipos de usuários e suas respectivas funções. O primeiro usuário é aquele que realiza o processo produtivo do produto, o que está centrado no seu fazer. O designer não é necessariamente o único profissional, ou sujeito, capaz de desenvolver a metodologia proposta, contudo é o mais adequado para conduzir essa atividade e estabelecer todos os significados A cada etapa do processo temos um usuário diferente, seja aquele que acompanha o a produção dos azulejos ecológicos, ou que esteja envolvido no ambiente e nas sensações que o produto finalizado causará. Com isso, além de pensar no design como um produto físico, deve-se considerá-lo como uma experiência, tanto para os profissionais, quanto para os diferentes tipos de usuários. Pode-se apresentar como aplicação do resultado o painel: “O ver e o sentir a partir dos azulejos ecológicos”, figura 10, formado a partir dos azulejos feitos com papel pós-consumo, o qual teve como objetivo experimentar campos lúdicos da sustentabilidade, do design de superfície e do fazer manual, debatidos ao longo do artigo. A instalação está localizada no campus V da Universidade do Estado do Pará (UEPA).

Fig.10: Painel “O ver e o sentir a partir dos azulejos ecológicos”. Diante da aplicação do resultado, pode-se levantar algumas considerações, dentre elas relacionadas a reação do material no ambiente, em que o painel gerou a curiosidade e interesse da comunidade acadêmica e externa, em que as pessoas tiveram a oportunidade de utilizar o tato para interagir com os objetos, apreciar a beleza e o contexto histórico do produto, além de debater sobre a individualidade das peças e do impacto delas juntas. O processo reativo das peças com o ambiente está dentro dos padrões aceitáveis, visto que a aplicação da massa acrílica, da tinta acrílica (em todas as partes do produto) e do verniz em spray possibilitaram um acabamento resistente ao ataque de fungos e bactérias. Além disso, o resultado mostra que o uso do produto está voltado a ambientes internos.

4

CONCLUSÃO

A proposta dos azulejos ecológicos, feitos a partir do papel pós-consumo, demonstra como a atividade pode influenciar de forma benéfica nos problemas ambientais, no caso do grande descarte de resíduos de papel, e as necessidades latentes. A metodologia e os resultados são importantes para demonstrar como a atividade pode ser desenvolvida, envolvendo campos lúdicos, ligados ao fazer manual, sustentáveis, do design de superfície e da emoção humana. Somado a isso, a

simplicidade do objeto, com o acabamento necessário, busca a explorar os caminhos da superfície tridimensional, sendo assim, despertando sentidos como o do tato e abrangendo a experiência do design a outros públicos-alvo, como o de pessoas com deficiência visual, por exemplo. Pode ser também voltada para o desenvolvimento de ambientes, especificamente o de interiores, tendo os azulejos como um objeto simbólico. Além disso, com os resultados obtidos, espera-se que as peças possam transmitir uma mensagem ao consumidor, de modo em que a sofisticação, a partir de ambientes descontraídos, seja visual ou emocional, possa despertar diferentes interpretações e usar as cores para agregar benefícios estéticos ao espaço, além de provocar certo impacto nos usuários. O desafio conceitual é manter constante a identificação do usuário com o produto, visto que existe uma mudança de matéria prima, e suas qualidades presumidas. Com todas as e características da proposta dos azulejos ecológicos, podemos perceber que abordagens simples, como a reciclagem de papel pós-consumo, podem se transformar em abordagens complexas, como a fabricação de peças de decoração, em que estilo, materiais, tecnologia e o processo produtivo estão fortemente relacionados.

REFERÊNCIAS [1] [2] [3] [4] [5] [6]

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