O fim da história, o início da história: um adendo.

September 27, 2017 | Autor: I. Costa | Categoria: Historia, História, Teoria Social, Teoria Sociológica, TEORIA MARXISTA
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O FIM DA HISTÓRIA, O INÍCIO DA HISTÓRIA: UM ADENDO


José Flávio Motta
Iraci
del Nero da Costa *


No es difícil darse cuenta, por lo demás, de que vivimos en
tiempos de gestación y de transición hacia una nueva época. El
espíritu ha roto con el mundo anterior de su ser allí y de su
representación y se dispone a hundir eso en el pasado,
entregándose a la tarea de su propia transformación.


(HEGEL, 1983, p. 12)

Em artigo anterior (MOTTA & COSTA, 1995) explicitamos nosso posicionamento
acerca da interpretação do capitalismo enquanto forma final da
sociabilidade humana; esclarecemos nosso entendimento do capitalismo como
forma superior e derradeira, sim, mas da existência natural da aludida
sociabilidade. Não se trata, pois, "(...) do fim da História, mas do fim da
história natural do homem e da emergência de condições que tornam possível
o início de uma História verdadeiramente humana, na qual se torna possível
a existência de um Homem que atuará como sujeito que o é em si, para si e
por si, tornando-se, assim, senhor autoconsciente de seu futuro. História
esta que se marcará, não pela negação da natureza enquanto tal, nem pela
supressão da 'necessidade' por ela imposta, mas, sim, pela sua superação,
mediante a ação consciente do Homem" (idem, p. 23).

Entre as principais fontes de inspiração do artigo citado destacavam-se as
idéias de Hegel. Entretanto, muito embora nossa compreensão de tais idéias
se apresentasse convergente com as visões de outros pensadores - caso de
HYPPOLITE (1974, p. 539) e CORTÉS DEL MORAL (1980, p. 210) -, fizemos a
seguinte ressalva: "Saliente-se que outras interpretações do pensamento
hegeliano conduzem a conclusões aparentemente muito apartadas das aqui
esposadas; a título de exemplo, lembre-se KOJEVE (1985)" (MOTTA & COSTA,
1995, p. 23). É a essa contraposição aparente que dedicamos os comentários
constantes deste adendo.

Nosso enfoque da interpretação de Kojève coloca-se como oportuno, ademais,
na medida em que tal interpretação é apontada como principal fonte teórica
do exemplo mais evidente da recente revivescência equivocada e distorcida
da temática do fim da história, vale dizer, o escrito de F. Fukuyama. É
patente neste último autor o tratamento simplista, efetivo empobrecimento
das idéias hegelianas: "Para Hegel, (o fim da história-JFM/INC) seria o
Estado liberal ... . Isso não significava o fim do ciclo natural de
nascimento, vida e morte ... . Significava, isso sim, que não haveria mais
progresso no desenvolvimento dos princípios e das instituições básicas,
porque todas as questões realmente importantes estariam resolvidas"
(FUKUYAMA, 1992, p. 12-13). Mais ainda: "Com as revoluções francesa e
americana, Hegel concluiu que a história chega ao fim porque a aspiração
que impulsionou o processo histórico - a luta pelo reconhecimento (do
homem pelos outros homens, como ser humano-JFM/INC) - está agora
satisfeita numa sociedade caracterizada pelo reconhecimento universal e
recíproco. Nenhum outro ajuste das instituições humanas é mais capaz de
satisfazer essa aspiração, e portanto não é possível nenhuma outra mudança
histórica progressiva" (idem, p. 19). E Fukuyama evidencia sua filiação ao
pensamento de Kojève: "Escrevendo no século XX, Alexandre Kojève, o grande
intérprete de Hegel, afirma intransigentemente que a história terminou
porque o que ele chama de 'Estado homogêneo e universal' - que podemos
entender por democracia liberal - definitivamente resolveu a questão do
reconhecimento, substituindo a relação senhor-escravo pelo reconhecimento
universal e de igualdade. O que o homem vem procurando através da história
- o que deu impulso aos primeiros 'estágios da história' - é o
reconhecimento. No mundo moderno, ele o encontrou finalmente e ficou
'completamente satisfeito'" (idem, p. 22-23).

Avancemos, pois, nossas considerações. Primeiramente, é preciso apontar,
como o faz Perry Anderson, que a leitura de Hegel feita por Kojève envolve
um desvirtuamento da própria substância do Estado: "Para Hegel, o
Rechsstaat é a consubstanciação racional da liberdade moderna. Os
principais temas de toda a sua exposição do desenvolvimento político são
Razão e Liberdade, as quais se concretizam ambas na substância ética do
Estado moderno. Na visão de Kojève do fim da história, elas recuam
gradualmente para o background - as referências a ambas tornam-se cada vez
mais residuais, até mesmo vestigiais. Em lugar delas, dois conceitos muito
diferentes passam a dominar a cena: Desejo e Satisfação. Kojève extraiu-os
da dialética da autoconsciência no quarto capítulo da Fenomenologia: o
desejo humano é fundamentalmente desejo do que não é ele próprio - a
consciência desejosa de outros. É essa dinâmica que desencadeia a disputa
recíproca de subjetividades cuja primeira figura histórica é a dialética do
senhor e do servo, na qual o que está em jogo é o reconhecimento. A vitória
nessa luta (...) é Befriedigung: satisfação. Com efeito, Hegel usa o termo
para indicar o objeto da dialética do desejo: 'a autoconsciência só realiza
a sua satisfação numa outra autoconsciência'. Mas, em si mesmo, isso
constitui apenas um episódio na aventura do espírito. Quando o relato de
Hegel atinge o quinto capítulo da Fenomenologia, o vocabulário de desejo e
satisfação desaparece: um outro e mais alto drama é agora encenado, cujo
palco é a razão. Para além dele, por sua vez, residem as vicissitudes das
liberdades inauguradas pela vontade geral. Na época em que veio a escrever
sua filosofia política propriamente dita, quinze anos depois, Hegel faz
pouca menção de desejo ou reconhecimento. A satisfação ainda é uma
categoria central, mas o seu registro é agora principalmente econômico,
relacionado com necessidades materiais. Assim, Kojève não foi totalmente
infiel a Hegel; mas realçou o que Hegel tendia a abandonar ou a suplantar"
(ANDERSON, 1992, p. 60-61).

Ora, quando recuperamos esse registro fundamentalmente econômico, isto é,
ao pensarmos a Liberdade e a Necessidade no seio da sociedade capitalista,
abrimos espaço para nossa visão sobre o fim da história. Pois no
capitalismo, como bem observa Marcuse, "o indivíduo é 'livre'. Nenhuma
autoridade lhe pode dizer como ele deve se manter; cada um pode escolher
trabalhar no que lhe aprouver. Um indivíduo pode decidir produzir sapatos,
outro, livros, um terceiro, rifles, um quarto, botões de ouro. Mas os bens
que cada um produz são mercadorias, isto é, valores de uso, não para ele,
mas para outros indivíduos. Cada um deve trocar seus produtos por outros
valores de uso que satisfarão suas próprias necessidades. Em outras
palavras, a satisfação das necessidades de cada um pressupõe que o produto
do seu trabalho atenda a uma necessidade social. Mas ele não o pode saber
com antecedência. Só quando traz os produtos do seu trabalho ao mercado é
que pode verificar se empregou, ou não, um tempo de trabalho social. O
valor de troca dos seus bens vai mostrar-lhe se estes bens satisfazem ou
não uma necessidade social. Se ele pode vendê-los ao custo da produção, ou
acima deste custo, a sociedade estava disposta a empregar uma porção do seu
tempo de trabalho na produção desses bens; de outra forma, ou ele
desperdiçou ou não gastou tempo de trabalho socialmente necessário. O valor
de troca das suas mercadorias decide seu destino social. (...).
"Marx chama este mecanismo pelo qual a sociedade produtora de mercadorias
distribui, entre os diferentes ramos da produção, o tempo de trabalho à sua
disposição, de lei do valor" (MARCUSE, 1978, p. 275-276).

A lei do valor na sociedade capitalista funciona, assim, como uma "lei
natural", "um mecanismo cego fora do controle consciente dos indivíduos". E
isto é desse modo exatamente na medida em que, no capitalismo, "a sociedade
não é um sujeito consciente" (idem, ibidem). Retorna-se, por conseguinte,
ao nosso entendimento da sociedade capitalista como o estágio final de uma
história "natural", que se fez por e mediante os homens, mas não foi posta
por eles, "não podendo, pois, ser considerada como criação efetivamente
humana, vale dizer, como produto resultante da ação consciente do homem"
(MOTTA & COSTA, 1995, p. 20).

Por outro lado, não obstante o reparo que acima fizemos à interpretação de
Kojève, ainda assim observávamos no início deste artigo ser apenas aparente
a contraposição entre o seu e o nosso entendimento sobre o fim da história.
Esclareçamos este ponto recorrendo às palavras do próprio Kojève: "Así,
para que el Hombre pueda conocerse a sí mismo, debe previamente
objetivarse, exteriorizarse, devenir um Mundo: 'el Hombre, dice Hegel, debe
realizarse en primer término y objetivarse por la Acción, antes de poder
conocerse'. Y la objetividad del Hombre, es precisamente la existencia de
sus Trabajos y de sus Luchas, o sea, la existencia de la Historia que es el
Tiempo. Ahora bien, en tanto que dura el Tiempo, en tanto que hay Historia
el Objeto permanece exterior ao Sujeto y el Hombre no se reconoce pues en
sus obras objetivas; el Mundo histórico que ha creado se le aparece como un
Mundo creado por otro que él: por un Espíritu, ciertamente, pero por un
Espíritu que no es el suyo, es decir, por un Espíritu divino (...). Pero la
Historia, es la oposición entre el Hombre y el Mundo (natural). El comienzo
del 'movimiento', es lo que no está en el movimiento; es la ausencia de
oposición entre el Hombre y el Mundo, o lo que es igual, es la ausencia del
Hombre. Por eso Hegel dice: 'el Círculo presupone su comienzo', es decir:
el Tiempo presupone el Espacio; el Hombre presupone el Mundo; la identidad
del Hombre y del Mundo es antes del Hombre. Dicho de otro modo, esta
identidad es la identidad no-revelada del Mundo, que es recóndito o mudo
porque todavía no implica al Hombre. Mas, este origen del Hombre no existe
para el Hombre. Porque el Ser-para-el-Hombre es el Ser-revelado-por-el-
concepto y desde que hay revelación del Ser, ya existe el Hombre que lo
revela por su Discurso. Y el Hombre es la Acción, es decir, la oposición
entre el Hombre y el Mundo, esto es, precisamente el 'movimento-dialéctico'
o el Tiempo. El Tiempo (humano) tiene entonces un comienzo en el Mundo: la
Historia comienza en un Mundo (natural) ya existente. Pero la Historia es
la historia de la Acción humana, y esa Acción es la 'supresión-dialéctica'
de la oposición entre el Hombre y el Mundo. Y la 'supresión' de la
oposición es la 'supresión' del Hombre mismo, es decir de la Historia y por
tanto del Tiempo (humano). En consecuencia, el fin del 'movimiento' es
también Identidad, como lo es su comienzo. Sólo al final la Identidad es
revelada por el Concepto. El 'movimiento', es decir, la Historia que es en
última instancia el proceso de la revelación del Ser por el Discurso, no
alcanza (erreicht) por tanto su comienzo sino al final: es que sólo al
final de la Historia la identidad del Hombre y del Mundo existe para el
Hombre, o en tanto que revelada por el Discurso humano. La Historia que há
comenzado tiene necesariamente un fin: y ese fin es la revelación
discursiva de su comienzo ... . Mas si el comienzo del Hombre, de la
Historia y del Tiempo no existe, para el Hombre, sino al final del Tiempo y
de la Historia, este fin ya no es un nuevo comienzo ni para el Hombre ni
del Hombre, sino verdaderamente su fin. En efecto, la identidad revelada
del Hombre y del Mundo suprime el deseo que es precisamente el comienzo de
la Historia, del Hombre y del Tiempo. El Círculo del Tiempo no puede ser
recorrido más que una sola vez; la Historia se acaba, pero no recomienza
más; el Hombre muere y no resucita (por lo menos en tanto que Hombre).

"Pero aun no siendo cíclico, el Tiempo es necesariamente circular; al final
se alcanza la Identidad del comienzo. Sin esa identidad (es decir sin el
Mundo natural) la Historia no habria podido comenzar; sólo se termina con
el restablecimento de esa Identidad; mas entonces se termina
necesariamente. Se vuelve por último al punto de partida: a la nada del
Hombre" (KOJEVE, 1985, p. 159-163).

A longa citação acima ilustra nossa postulação de uma contraposição
aparente entre nossa posição e o entendimento de Kojève sobre o fim da
história. Isto é particularmente evidenciado ao considerarmos nossa
afirmação de que a superação do "natural" coloca-se como requisito
necessário de uma história posta pelo homem, pois o que resta asseverado
por Kojève é justamente a absoluta subordinação ao Espírito e a anulação do
homem, e isto, tendo-se em conta o quadro no qual foi elaborada a obra de
Hegel - afirmação plena do capitalismo -, está em concordância com a tese
aqui defendida de que este modo de produção, na ausência da ação política
consciente do homem, perpetua-se no "espaço", anulando o tempo e reduzindo
sua subsistência a mera duração.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



ANDERSON, Perry. O fim da história: de Hegel a Fukuyama. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1992.

CORTÉS DEL MORAL, Rodolfo. Hegel y la ontologia de la historia. México,
D.F.: Universidad Nacional Autónoma de México, 1980.

FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro:
Rocco, 1992.

HEGEL, G. W. F. Fenomenología del espíritu. Madrid: Fondo de Cultura
Económica, 1983.

HYPPOLITE, Jean. Génesis y estructura de la "Fenomenología del Espíritu" de
Hegel. Barcelona: Ediciones Península, 1974.

KOJEVE, Alexandre. La antropología y el ateísmo en Hegel. Buenos Aires:
Editorial La Pléyade, 1985.

MARCUSE, Herbert. Razão e revolução: Hegel e o advento da teoria social.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. (O Mundo Hoje, 28).

MOTTA, J. Flávio & COSTA, I. del Nero da. O fim da história, o início da
história. Informações fipe. São Paulo: FIPE, n. 172, p. 20-23, janeiro de
1995.

* Professores da FEA/USP.
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