O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial dos De institutione grammatica libri tres em Espanha

July 24, 2017 | Autor: Rolf Kemmler | Categoria: Historiography of Linguistics, History of Grammar, History of the Language Sciences
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Humanidades Linguíst icos Revista Portuguesa de

Estudos

VOL. 16-1 ANO 2012 Universidade Católica Portuguesa Faculdade de Filosofia de Braga

Humanidades

Linguíst icos

Revista Portuguesa de

Estudos

DIRECTOR

MIGUEL GONÇALVES

SECRETÁRIOS

José CÂNDIDO de Oliveira MARTINS; Ana Paula Pinto

CONSELHO DE REDACÇÃO ALFREDO DINIS; AMADEU TORRES (†); ANA PAULA PINTO; ANTÓNIO MELO; AUGUSTO SOARES DA SILVA; JOÃO AMADEU SILVA; José CÂNDIDO de Oliveira MARTINS; JOSÉ GAMA; LUÍS DA SILVA PEREIRA; MANUEL LOSA; Maria JOSÉ FERREIRA LOPES; MÁRIO GARCIA E MIGUEL GONCALVES COMISSÃO CIENTÍFICA

 ntónio martins de araújo, UNIVERSIDADE federal do rio de janeiro; clarinda azevedo A maia, UNIVERSIDADE DE COIMBRA; dieter messner, UNIVERSIDADE DE salzburg; dirk geeraerts, UNIVERSIDADE DE leuven; enrique bernárdez, UNIVERSIDADE complutense de madrid; evanildo bechara, UNIVERSIDADE do estado do rio de janeiro; horácio rolim de freitas, UNIVERSIDADE estadual do rio de janeiro; isabel hub faria, UNIVERSIDADE DE lisboa; joão malaca casteleiro, UNIVERSIDADE DE lisboa; jorge morais barbosa, UNIVERSIDADE DE coimbra; José luis cifuentes honrubia, UNIVERSIDADE DE alicante; leodegário a. azevedo filho (†), academia brasileira de filologia; mário vilela, universidade do porto; milton M. azevedo, UNIVERSIDADE Da califórnia, berkeley; nicole delbecque, UNIVERSIDADE DE leuven; oswald ducrot, ehess - paris; per aage brandt, UNIVERSIDADE DE aarhus; ramón almela pérez, UNIVERSIDADE DE murcia; ronald w. langacker, UNIVERSIDADE De califórnia, san diego; toru maruyama, UNIVERSIDADE De nanzan, naggva

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0874-0321

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119141/97

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COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO

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O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial dos De institutione grammatica libri tres em Espanha Rolf Kemmler * Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Vila Real) [email protected]

Abstract This paper presents an authentic document, written by the Portuguese grammarian Manuel Álvares (1526-1583), author of the famous Latin grammar Emmanvelis Alvari è Societate Iesv de Institvtione grammatica libri tres (1572). The document constitutes a power of attorney established in June, 1579, conceding all rights to the publication of the author’s grammar in Spain to the Fathers of the Society of Jesus in Seville. Due to the historical and linguistic implications of the document, the present paper addresses questions relative to the publishing tradition of Alvares’ Jesuit grammar throughout the territory of the Spanish realm. Keywords :  historiography of linguistics, Latin grammar, Manuel Álvares, Portugal, Spain

1. Introdução No domínio das letras em Portugal, o ano de 1572 merece destaque pela impressão, em Lisboa, de duas obras de grande relevo. Foi neste ano que o impressor António Gonçalves imprimiu a epopeia nacional Os Lvsiadas do poeta Luís de Camões e o tipógrafo João da Barreira imprimiu a gramática latina Emmanvelis Alvari e Societate Iesv de institvtione grammatica libri tres. Se bem que a publicação no mesmo ano possa ser considerada uma mera coincidência curiosa, não deixa de ser notável que as duas obras viriam a

  * Investigador do Centro de Estudos em Letras (CEL) da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

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adquirir um papel essencial não somente na cultura portuguesa mas também na cultura europeia ao longo dos séculos seguintes.1 No que respeita à edição princeps da gramática do jesuíta madeirense Manuel Álvares (1526-1583), não se sabe em que medida o próprio autor estaria imediatamente envolvido no processo censório que levou à licença de impressão em 9 de setembro de 1572, especialmente considerando que o privilégio geral de 1567 concedera ao tipógrafo João da Barreira o direito de imprimir todos os manuais escolares dos padres jesuítas. A recente descoberta, porém, de um documento autógrafo do próprio gramático permite uma nova abordagem do envolvimento do próprio gramático na divulgação da sua gramática. 2. A procuração autógrafa de Manuel Álvares Sob a cota 9-3702-5, a Biblioteca da Real Academia de la Historia em Madrid conserva na sua Colección Jesuitas (tomos), um manuscrito em formato 21 × 28 cm. O documento (1579, junho 12), que apresenta texto apenas nos dois lados do primeiro fólio, permite o estabelecimento da seguinte transcrição paleográfico-linguística:2 1

/ Jesus 3

/ Eu Manoel Aluarez da Companhia de Iesus por este por 3/ mĩ feito e assinado dou poder ao padre Reytor do collegio 4/ da dita Comp[anhi]a na cidade de Seuilha, e ao procurador da 4/ da mesma Comp[anhi]a residente na Corte do Serenissimo Rey 6/ Catolico dom Felipe a ambos Juntamente, ou a cada hũ deles 7/ in solidum pera q[ue] por mĩ e em meu nome peçã e 2

1   Sempre consciente da importância da obra de Manuel Álvares, o saudoso Mestre Professor Amadeu Torres dedicou-lhe o artigo Humanismo inaciano e artes de gramática: Manuel Álvares entre a “ratio” e o “usus” de 1984, reeditado em 1998 (Torres 1984, 1998a, 1998b). 2   Dado que os dois textos notariais são de leitura bastante difícil, somos gratos pela ajuda de Maria do Rosário Morujão, Professora do Departamento de História, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; investigadora do Centro de História da Sociedade e da Cultura (CHSC) da mesma Faculdade. 3   Acima do documento notarial lê-se a anotação “S. 30”. Uma vez que a folha seguinte apresenta o número 31, tudo leva a crer que se trate de uma paginação que remontará à altura em que o documento estava ainda encadernado com outros. Não se sabe qual poderá ser o significado de ‘S’.

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possam 8/ pedir a sua M[agesta]de, e aos Sen[h]ores, de seu muy alto e Real 9 / Conselho, ou a quẽ necessario for, licença e poder p[er]a q[ue] se imprima 10 / e possa imprimir a arte de gramatica q[ue] eu fiz, e que nã 11/ a possa imprimir, nẽ trazer a uender aos Reynos despanha 12/ o tempo que aos ditos padres parecer outra pessoa senã o dito 13/ padre Reytor, ou quẽ elle nomear, e p[er]a este effeyto 14/ possa o dito padre Retor, e o dito procurador geral, ou 15 / quẽ elles & cada hũ deles nomearẽ fazer e apresentar quaesquer 16/ petiçoẽs e suplicaçoẽs, e tirar as cedulas e prouisoẽs necessarias 17/ e fazer todo o mais que for necessario como eu fizera e podera 18/ fazer em pessoa e p[er]a isso lhe dou todo meu poder com 19/ liure e geral administraçã, em lisboa a noue de Junho 20/ ano de mil e quinhentos e setenta e noue. 21 22

/+

/ Manoel Aluarez 23

/+

/ Eu pero tome tabaliaõ pubryco das notas 25/ por el Rei noso s[enho]r nesta cidade de lixboa [fol. 1 r] 26/ e seus termos faco fe e sertefiquo q[ue] a letra 27/ e synall atras he do padre manoel all- 28/ varẽz da companhia de Jesus nele comteudo 29/ e por verdade fis esta e[m] q[ue] fis meu pubryco 30/ synall oje seis dias do mes de Junho do anno 31/ de mill e quynhemtos e setemta e nove 32 / annos 33 / [sinal] saychel 4 24

34

/+

/ Eu bertollameu gomes pinhe[i]ro tabalião 36/ pubriquo p[or] elR[ey] noso s[e]n[hor] nesta cidade de 37/ L[i]x[bo]a e seos termos sertefiquo e dou fe que 38 / pero tome q[ue] a Justifiquasão asima fez 39/ e asinou c[onhecimen]to p[ublic]o he pubriquo tabaliã 40/ nesta cidade e seos termos e p[or] V[e]r[da] de 41/ me asinei aq[ui] de meu p[ubli]co sinall aos d[o]ze 42/ dias do mes de Junho de m[i]ll e q[ui]nh[en]tos 43/ e setẽta e noue anos 35

nada [sinal]

Trata-se de uma procuração autógrafa, através da qual Manuel Álvares cedeu, de 9 de junho de 1579 para sempre, todos os aspetos do direito de impressão e de divulgação da sua obra em Espanha aos Padres da Companhia   O traçado de leitura difícil não permite o estabelecimento absolutamente seguro desta palavra. 4

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de Jesus em Sevilha, bem como o seu procurador junto com a corte em Madrid. No lado retro da procuração, escrita e assinada pelo próprio autor dos De institutione grammatica libri tres, seguem-se as primeiras duas linhas do reconhecimento da assinatura do tabelião lisboeta Pero Tomé,5 datada de 6 de junho de 1579.6 Este continua no verso, seguido pela apostila de outro tabelião lisboeta de 12 de junho de 1579 que se identifica como Bartolomeu Gomes Pinheiro. Este último elemento constitui uma espécie de apostila da procuração do gramático: através do reconhecimento da autenticidade da assinatura de Pero Tomé como tabelião público, a certificação efetuada por Bartolomeu Gomes Pinheiro serve como legalização necessária para ser apresentada no país vizinho. Para além disso, a bibliografia existente sobre a obra alvaresiana leva-nos a constatar que não parece, até ao momento, ser conhecido outro documento autêntico e autógrafo que ligue o próprio Manuel Álvares à publicação e divulgação dos De institutione grammatica libri tres a nível nacional ou internacional como detentor dos direitos autorais.7 Como demonstra ao longo do seu artigo Rogelio Ponce de León Romeo (2003a), houve, em finais dos anos setenta e inícios dos anos oitenta do século XVI uma acérrima batalha entre os detentores do privilégio nas Introductiones latinae (1481) do nebrissense e os jesuítas espanhóis que queriam introduzir a gramática alvaresiana no reino da Castela. Segundo o

  O mesmo tabelião aparece num documento intitulado “Doação das saboarias das ilhas de S. Jorge e Terceira a Manoel Corte Real de 2 d’abril de 1518, confirmada a sua filha D. Beatriz de Mendonça em 1575”, reproduzido por Canto (1883: 155). 6   Não temos dúvidas acerca da leitura da data do tabelião lisboeta: “[...] seis dias do mes de Junho do anno de mill e quynhemtos e setemta e nove annos [...]”. Face à óbvia discrepância em relação à data referida pelo autor do documento (isto é, a semelhante posterioridade do documento reconhecido de 9 de junho de 1579 ao reconhecimento de 6 de junho de 1579), julgamos lícito constatar que um dos dois intervenientes no processo se deverá ter enganado na data, pois não parece provável que Pero Tomé tenha procedido ao seu reconhecimento da assinatura de Manuel Álvares antes que este tivesse escrito a própria procuração. 7   Para além das edições portuguesas e da edição espanhola, pelo menos houve umas edições internacionais dos De institutione grammatica libri tres publicadas em Dillingen (hoje Alemanha), Lyon (França), Roma (hoje Itália) e Veneza (hoje Itália). Por ser possível que o autor tenha outorgado procurações semelhantes para os padres da Companhia de Jesus de Dillingen, Lyon, Roma e Veneza e talvez até para aqueles que pretendiam imprimir somente o segundo livro De constructione octo partium orationis liber, não se pode excluir a possibilidade de existirem documentos semelhantes noutros países. 5

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seu biógrafo português (que ainda acrescenta um comentário de cariz negativo sobre a gramática do nebrissense), o próprio Álvares teria preferido não participar na batalha jurídica frente ao Consejo de Castilla: Tambem he bom argumento de sua humildade a alegria, que mostrou, quando lhe disseram, que no conselho real de Castella fora sua Arte julgada pella mesma de Antonio de Nebrissa, & prohibida, que se naõ lesse, nem pudesse comprar, pedindolhe os Padres de Castella acodisse pella verdade, que elles queriam defender, o Padre escuzava aos acuzadores, folgando de naõ ter nome de Autor. E certo pouco era necessario pera se ver a verdade, pois a Arte de Nebrissa a respeito da do Padre Manoel Alvres he como o pano grosseiro a respeito da seda fina. (Franco 1719: 97)

Apesar desta atitude de não-intervenção, consta que o gramático interveio num momento crucial (se bem que num sentido mínimo) através da transferência dos direitos de autor aos jesuítas sevilhanos. Assim, parece lícito concluir que a procuração de Manuel Álvares, que tão obviamente foi outorgada em consequência da tentativa da introdução na Espanha dos exemplares impressos da ‘arte menor’ lisboeta (Álvares 1578), tem por finalidade adicional a de comprovar para fins legais que a gramática pertencia a ele como legítimo autor devidamente identificado, dirimindo assim quaisquer questões que punham em questão a originalidade da gramática alvaresiana ao supor a identidade entre as duas gramáticas latinas.8

3. A tradição espanhola da De institutione grammatica libri tres No seu famoso artigo “Storia e fortuna della Grammatica di Emmanuele Alvares, S. J.” de 1962-1963, o jesuíta italiano Emilio Springhetti não só fornece informações importantes sobre a génese da gramática alvaresiana como manual básico do ensino linguístico jesuítico, mas também apresenta uma tabela com

8   Segundo Ponce de León Romeo (2003a: 128), os jesuítas espanhóis tentaram comprovar a originalidade com o seguinte impresso não datado: Informacion de derecho que la compañia de Jesus pretende tener en el pleyto que A de Nebrixa le tiene puesto, sobre la Arte de Grammatica que ha compuesto el padre E Aluarez, religioso de la dicha compañia de Jesus. Este texto interessante, hoje raríssimo, encontra-se reproduzido na íntegra em Ponce de León Romeo (2003a: 140-145).

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as edições conhecidas.9 Desta tabela extraímos as informações referentes às edições espanholas segundo Springhetti (1962-1963: 304) País

Cidades editoras

11 Espanha

8

Número de edições por país e século Século XVI

5

Século XVII Século XVIII Século XIX

2

2

5

Soma

14

Quanto às edições espanholas da gramática de Manuel Álvares, Springhetti refere-se a um total de catorze edições, incluindo cinco no século XVI, duas no século XVIII, duas no século XVIII e cinco no século XIX. Neste contexto afigura-se algo problemático que não podemos ter certeza de quais foram as catorze edições da gramática alvaresiana consideradas por Springhetti para sua tabela... Torna-se óbvio que o resultado destas investigações não se pode considerar como definitivo – ainda mais se considerarmos que o levantamento virtual LUSODAT (s.d.) não oferece nada menos que 651 edições totais ou parciais da obra alvaresiana desde 1570 até 1974. No entanto, o referido levantamento inclui todas as edições cuja autoria, numa maior ou menor dimensão, pode ser atribuída ao autor madeirense, excluindo muitas obras que igualmente pertencem ao universo da gramática alvaresiana, como, por exemplo, os cartapácios vernáculos de Bartolomeu Rodrigues Chorro, João Nunes Freire, José Soares, António Franco, João de Morais de Madureira Feijó e outros.10 Para que hoje possamos começar a adquirir uma noção deste universo, conviria fazermos um levantamento não só com base em edições nacionais, mas também em relação ao uso da metalínguagem (latim versus línguas vernáculas) a tradição em que se insere a obra (se deriva da própria De institutione grammatica libri tres ou da publicação anterior

  Segundo Springhetti (1962-1963: 304), a tabela das edições foi estabelecida com base nas seguintes informações: “Questa statistica, compilata sul Sommervogel, op. cit. e su ricerche personali, è imperfetta e certamente suscettibile di notevole aumento”. O jesuíta italiano terá, portanto, consultado a bibliografia de Backer / Backer / Sommervogel (1890-1916). Dado que o levantamento de ACL (1983) é posterior, é óbvio que Springhetti não podia tomar em conta estes resultados de pesquisa nas bibliotecas portuguesas. Quanto à tabela é de notar, finalmente, que o cálculo certo de todas as edições referidas no artigo do jesuíta deveria levar à soma correta de 532 e não 530 edições. 10   Sobre o advento de este tipo de obras explicativas da doutrina alvaresiana desde o século XVII, cf. o artigo Ponce de León (2001b).  9

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De constructione octo partium orationis liber ou mesmo de outras publicações que devem ser consideradas), como ainda baseado em outros critérios. Para além disso, pelo menos no que concerne às edições que Springhetti atribuiu a países que já não existem, tais como a Checoslováquia e a Jugoslávia,11 deverá ser analisado a que país atual as edições em questão pertencem hoje. Deixando por ora de lado quaisquer pretensões de estabelecer um levantamento ‘definitivo’, pode constatar-se que o levantamento ACL (1983: 208-355) informa sobre as seguintes edições da obra De institutione grammatica libri tres (duas edições no século XIX: Barcelona 1878, Barcelona 1888)12 e a edição parcial Prosodia del Padre Emanuel Alvarez de la Compañia de Jesus (duas edições no século XVIII: Cervera 1722, Cervera 1764; duas edições no século XIX: Palma 1805, Palma 1831).13 Quanto à obra De constructione octo partium orationis liber são referidas sete edições (seis edições no século XVI: Sevilla, 1573; Madrid, 1587; Alcalá de Henares, 1589; Madrid, 1593; Barcelona, 1596; Alcalá de Henares, 1597; uma edição no século XVII: Valencia, 162814).15 Para além disso, as investigações de Rogelio Ponce de León Romeo (2003b: 573, 2007: 2981) permitem a inclusão de outras duas edições impressas em Barcelona, uma em 1596 por Jaume Cendrat, a outra em 1599 por Gabriel

  Por não se saber quais foram as edições consideradas como pertencendo ao território alemão (histórico ou atual), a questão se o mesmo se pode aplicar à Alemanha que antes de 1945 tinha outras dimensões que hoje deverá igualmente ser analisada. 12   A este número, a consulta atual de LUSODAT (s.d.) permite acrescentar um total de doze edições, nomeadamente três do século XVII (Palma, 1604; Caller, 1671; Caller, 1686), duas do século XVIII (Caller, 1742; Caller 1756), duas do século XIX (Barcelona, 1874; Barcelona, 1883), bem como cinco do século XX (Barcelona, 1900, 1909, 1927, 1928, 1945). Para além disso, deve-se acrescentar a primeira edição espanhola da ‘arte menor’ (Álvares 1579) que não se encontra referida em nenhum dos levantamentos bibliográficos das gramáticas de Manuel Álvares. 13   Cf. ACL (1983: 280-281, 321 e 331, 333-334). A este número, LUSODAT (s.d.) permite acrescentar um total de oito edições, nomeadamente uma do século XVII (Barcelona 1680), cinco do século XVII (Cervera 1738, 1740; Valencia, 1760; Pamplona, 1768; Cervera, 1785) e duas do século XIX (Palma 1813, 1815). 14   Segundo ACL (1983: 248), trata-se de uma obra intitulada Indices verborum, nominum, adverbiorum & interjectionum syntaxis que pelo título parece pertencer à sintaxe. 15   A este número, LUSODAT (s.d.) permite acrescentar um total de quatro edições, nomeadamente três do século XVI (Burgos 1574, Cordoba 1578, Burgos 1584) e uma do século XVIII (Alcalá de Henares 1797). 11

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Graells e Giraldo Dotil,16 nas quais as glosas espanholas são substituídas por glosas catalãs (Ponce de León Romeo (2007: 2981-2983). O aproveitamento da grelha analítica de Springhetti às edições que sem qualquer margem para dúvidas foram publicadas em Espanha ao longo dos séculos, fornece o seguinte resultado: Obra

De institutione grammatica Prosodia del Padre E. Alvarez De constructione octo partium Soma

Século XVI

 3  9 12

Número das edições por século Século Século Século Século XVII XVIII XIX XX

3 1 1 5

 2  7  1 10

4 4

5

8

5

Soma

17 12 11 40

Ao serem certas as atribuições dos bibliógrafos, podemos constatar que, desde a primeira edição de uma das obras metalinguísticas alvaresianas em 157317 até 1945 houve, no mínimo, 40 edições que foram publicadas em Espanha em relação com o nome do gramático madeirense.18 Face às não menos de nove edições do segundo livro De constructione octo partium no século XVI, torna-se óbvio que no século de vida do autor a versão espanhola da ‘arte menor’ da gramática propriamente dita De institutione grammatica libri tres teve menos impacto editorial em Espanha do que a versão catalã. Foi somente ao longo dos séculos que a obra parece ter adquirido a importância que lhe cabia por força da Ratio Studiorum da Companhia de Jesus.

  Na enumeração das quatro edições publicadas em Espanha até 1604 (das quais, como acertadamente constata, nenhuma foi publicada na Castela) Ponce de León Romeo (2003b: 573) identifica as duas edições com os seguintes elementos: “[...] Barcelona, 1596 – ex typographia Iacobi Cendrat – (BPEB, sig.ª R. 12.657 y R. 37568; BUB, sig.ª B-58/9/32); Barcelona, 1599 – ex typographia Gabrielis Graells & Geraldi Dotil- (Archivo Histórico Comarcal de Cervera, sig.ª R. 1446) [...]”. 17   Como constata Ponce de León Romeo (2004: 277-278), a primeira edição castelhana de uma gramática de Manuel Álvares foi a edição sevilhana do De constructione octo partium orationis liber (Álvares 1573b), à qual se seguiram outras seis edições espanholas até finais do século XVI (cf. também ACL 1983: 208, n.º 1223). 18   Torna-se óbvio que este levantamento deverá ser oportunamente verificado no âmbito de uma consulta de todas as edições espanholas existentes. Parece provável que existam outras edições que não sejam do conhecimento dos bibliógrafos ou dos investigadores modernos. 16

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4.A edição cesaraugustana (1579) Apesar de ausente dos principais repertórios bibliográficos,19 a primeira edição do conjunto De institutione grammatica libri tres no Reino de Espanha foi realizada em Zaragoza em 1579, 20 isto é, no mesmo ano em que Manuel Álvares outorgou a procuração a favor dos Padres da Companhia de Jesus de Sevilha. Sem licenças propriamente ditas, a obra foi impressa “Cum facultate Illustris Domini, Vicarij, Generalis” em Zaragoza (Aragón) pelo tipógrafo Juan Alteraque ou Juan Alterach que, segundo o historiador Jerónimo Borao y Clemente (1821-1878) teria exercido a arte tipográfica de 1582 até 1589.21 Em relação com a edição princeps em formato in-4º,22 a edição cesaraugustana apresenta-se como ‘livro de bolso’ em formato in-8º, com um total de 211 fólios,23 dos quais os fólios ímpares são numerados.   As bibliografias ‘convencionais’ de Backer / Backer / Sommervogel (1890, I: cols. 223-247 e 1898, VIII: cols. 1615-1620) e ACL (1983: 207-376) não mencionam nenhuma edição dos De institutione grammatica libri tres anterior ou correspondente à edição de Zaragoza. O mesmo acontece no repertório bibliográfico intitulado “Edições completas ou parciais da gramática de Manuel Álvares (1526-1583)” que se encontra online em Lusodat (s.d.) e que atualmente não reúne nada menos que 651 obras metalinguísticas atribuídas (mas talvez nem sempre verdadeiramente atribuíveis) a Manuel Álvares. A edição cesaraugustana encontra-se, sim, referida por Ponce de León Romeo (2003b: 573). 20   O exemplar consultado encontra-se na Biblioteca Pública del Estado en Huesca (cota B-15-2365). Agradecemos ao Prof. Rogelio Ponce de León Romeo por nos ter facultado acesso à digitalização da obra. 21   Veja-se a respetiva entrada em Borao y Clemente (1860: 46): “Juan Alteraque: 1582-1589. En la primera fecha Poesías concretadas á la muerte de Ana de Austria por Miguel Berenguer; en la segunda Institutiones Tabellionatus por el notario José Pozuelo. También publicó, en 1587, Suma de fueros y observancias por Ibando de Bardají y Escolios á la prosodia de Nebrija por Berenguer. Algunas veces se escribe Alterach y otras Altaraque”. Parece óbvio que Borao y Clemente não acerta inteiramente na sua tentativa de reconstruir os inícios da tipografia em Zaragoza, uma vez que a própria edição da gramática alvaresiana é anterior à suposta atividade tipográfica de Juan Alterach. Debaixo da entrada “Alterach, Juan”, a publicação on-line regionalista Gran Enciclopedia Aragonesa (GEA s.d.) retoma estas informações sem grandes retoques. 22   Com [VIII] páginas não paginadas, 243 fólios (dos quais o fólio ímpar é paginado) [= rectè 249 fólios] e [III] páginas não paginadas. A divergência dos fólios paginados da edição princeps explica-se pelo facto de a paginação saltar do fólio 36 para o fólio [33] não paginado e de 244 para 243. 23   Também a folha do rosto da obra é paginada. O fólio 55 (entre 54 e 56) apresenta o número ‘45’, o fólio 99 (entre 98 e 100) o número ‘96’, o fólio 174 (entre 173 e 175) o 19

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Para além das óbvias diferenças no rosto (que se devem às localidades e aos impressores diferentes), uma comparação entre as edições impressas em Lisboa 24 e em Zaragoza permite observar que a edição cesaraugustana não apresenta nem as licenças nem o privilégio que encontramos na edição princeps lisboeta.25 Ao passo que as duas edições partilham o prefácio “Emmanuelis Aluaris è Societate Iesu de Institutione Liber primus. præfatio”,26 bem como os poemas “Auctoris carmen ad librum” e “Idem ad Christianum Præceptorem”,27 encontramos um paratexto que Rogelio Ponce de León Romeo acertadamente identifica como o anúncio da omissão dos escólios na presente edição:28 AVCTOR LECTORI. LIbros de Grammatica Institutione quos nuper explanationibus illustratos edideram, compulsus sum, Lector humanissime, nudos ferè, ac luce priuatos, diligentiùs tamen correctos denuo foras dare: tũ ne scholiorum multitudine impedirentur tyrones, tum vt eis non solùm ad diuites, sed etiã ad tenuiores (quorum multo major semper fuit copia) aditus pateret. Quare te etiam, atque etiam rogo, vt eorum tenuitatem vel nuditatem potius boni consulas. Vale (Álvares 1579: fol. 4 r)29 n.º ‘147’, o fólio 187 (entre 176 e 178) novamente o n.º ‘147’. o fólio 203 (antes de 204) o n.º ‘103’. Os fólios 112 e 202 não apresentam paginação, o fólio 192 (entre 191 e 193) apresenta a paginação incompleta como ‘92’. O último fólio 201 apresenta o n.º ‘2011’. 24   É digno que nota que a edição fac-similada da gramática alvaresiana, realizada por João Pereira da Costa em 1974, não chega a respeitar a composição original da gramática do jesuíta madeirense. Acontece que o editor moderno acrescentou páginas em branco às páginas não numeradas [II], [IV], [X] e [XII], aumentando assim o número de páginas a doze em vez de oito. 25   No entanto, a primeira edição espanhola do segundo livro da gramática, intitulada De constructione octo partium orationis liber, que foi publicada seis anos antes da edição cesaraugustana, contém não só o privilégio não datado que o Papa Pio V concedeu aos impressores venezianos Francesco e Michele Tramezzino na primeira edição deste livro (Álvares 1573b: [III-V]), mas também a licença real do ‘Consejo de Castilla’ de 12 de outubro de 1573 (Álvares 1573b: [VI-VIII]). Para mais informações sobre esta edição cf. Ponce de León Romeo (2002: CLXIX-CLXXI). 26   Cf. Álvares (1974: [V-VII]) e Álvares (1579: fols. 2r-3r). 27   Cf. Álvares (1974: [VIII]) e Álvares (1579: fol. 3v). 28   Ponce de León Romeo (2001a: 237-238) reproduz o mesmo texto daquilo que supõe ser da edição eborense de 1596 com o seguinte comentário: “Sea como fuere, Manuel Álvares indica las razones que le llevan −quizás no de muy buen grado− a eliminar las glosas en una advertencia al comienzo de la [edi]ción sin escolios”. 29   O mesmo texto já se encontra publicado em Álvares (1573: [VIII]) e em Álvares (1578: fol. 4r). Veja-se a tradução portuguesa do paratexto “O autor ao leitor”, estabelecida

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Neste paratexto interessante, o autor queixa-se de ter sido obrigado dar a luz a reedição da obra sem os comentários elucidativos para deixá-los, julga ele, ‘muitas vezes nuas e privadas da luz’ [tradução RK], a fim de evitar que o número elevado de escólios e o preço elevado do livro possa dificultar ou mesmo impedir o acesso aos principiantes ou aos mais pobres. Os escólios com os quais o gramático preferiu enriquecer a sua obra 30 na ‘arte maior’ original,31 e cuja omissão lhe parece ter pesado bastante, constituem, com efeito, a principal divergência entre as duas edições. Tal como constata Rogelio Ponce de León Romeo (2002: XLII e CLXVII), a edição lisboeta de 1578, cuja impressão tão aparentemente foi realizada por António Ribeiro para o mercado livreiro em Espanha, tendo sido custeada por parte dum livreiro que se identifica como ‘Ioannes Hispanus Bibliopola’, ou seja, ‘o livreiro João por Rogelio Ponce de León Romeo: “Os livros sobre a instrução gramatical que recentemente dei à luz ilustrados com comentários, vejo-me obrigado, humaníssimo leitor, a publicá-los de novo quase nus e privados de brilho – embora rigorosamente revistos –, com a finalidade de, por um lado, os principiantes não serem embaraçados pela multidão de escólios e de, por outro, com eles ser possível o acesso não só aos ricos, mas também aos mais humildes (dos quais houve sempre muita maior quantidade). Por isto, peço-te encarecidamente que estimes antes como boas a humildade e a nudez daqueles. Saúde”. 30   Sobre a natureza dos escólios alvaresianos veja-se a constatação de Ponce de León Romeo (2002: XXXII): “[...] en la primera edición íntegra de la gramática hay un más que abundante número de escolios en que el autor madeirense vierte afirmaciones personales de carácter lingüístico y pedagógico, así como pareceres de otros gramáticos y citas de escritores latinos”. Para explicar o conteúdo e a função dos escólios, Gómez Gómez (2002: XXXVII) explica o seguinte: “Por su parte, los escolios introducen comentarios de crítica textual, reflexiones lingüísticas en la línea de la gramática racional, diferenciaciones de registros (oratoria, historia, poesía), comentarios propios sobre la mayor o menor elegancia de determinadas construcciones, así como comentarios a los versos de Terencio y Virgilio por parte de autoridades tales como Donato o Servio, comentarios sobre la etimología de ciertos términos, etc. Todos estos comentarios estarían –en nuestra opinión– destinados a un doble fin: enseñar a los estudiantes de niveles superiores los usos más elegantes de la lengua latina y proporcionar a los maestros una serie de recursos pedagógicos en materia de ejemplos y de metodología, que pudieran aprovechar para cumplir con la sección historice de la gramática consistente en la interpretación de los autores”. Com o intento de comprovar estas considerações, o artigo de Gómez Gómez (2003) dedica-se à questão da crítica textual nos escólios da gramática alvaresiana. 31   Para a terminologia ‘arte maior’ para as edições com os escólios versus ‘arte menor’ para veja-se Iken (2002: 60) que apresenta uma tentativa de repertório completo das edições e reimpressões da gramática alvaresiana em Portugal desde 1572 até 1755, incluindo nada menos de sete variantes da primeira edição.

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Hispano’.32 Apesar das glosas castelhanas que lhes merecem um lugar próprio dentro da historiografia linguística latino-espanhola, parece que as edições de Álvares (1578) e Álvares (1579) constituem no mesmo tempo a segunda e terceira edições da tradição editorial chamada ‘arte pequena’ (Springhetti 1961/1962: 291) ou ‘arte menor’ (Iken 2002: 60), pois têm em comum com a edição lisboeta de 1573 o facto de não apresentarem os escólios da ‘arte grande’.33 Para além disso, observa-se que a edição cesaraugustana parece reproduzir com bastante fidelidade as glosas castelhanas34 do capítulo “DE VERBORVM CONIVGATIONE” 35 até aos “Verba defectiva” memini, noui, odi, cœpi,36 que encontramos na edição

  Consta que o livreiro Juan Hispano realizou outros projetos editoriais com o mesmo tipógrafo, tais como Ecclesiasticae rhetoricae (Lisboa, 1575) de Luís de Granada, etc. 33   Com as licenças de 1 e 5 de janeiro de 1573, tudo leva a crer que o exemplar de Álvares (1573a) que é uma obra em formato in-8º que se conserva com a cota V.T.-18-7-3 na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (obra a que somente tivemos acesso há pouco) corresponde à primeira edição da ‘arte pequena’. Para o parentesco entre as artes alvaresianas (‘arte grande’ ou ars maior e ’arte pequena’ ou ars minor), cf. Kemmler (no prelo). 34   Sobre as glosas castelhanas veja-se Ponce de León Romeo (2001: 247; 2007: 2979-2981). 35   Na edição princeps, as glosas em língua portuguesa encontram-se ao longo do capítulo “DE VERBORUM Coniugatione” em Álvares (1572: fols. 11v-38r). A partir do capítulo “De Verbis Anomalis” (Ibid.: 38 r-45r) já não se encontram nenhumas glosas vernáculas. Veja-se o comentário de Schäfer-Prieß (2011: 124) sobre as glosas portuguesas: “Na verdade, o texto latino da primeira edição contém um número considerável de glosas e comentários em língua portuguesa que aparentemente foram omitidos em edições posteriores – possivelmente por causa da divulgação internacional da obra [...]”. Para mais informações sobre as glosas portuguesas, cf. os artigos de Ponce de León Romeo (2001a: 245-246; 2007: 2976-2979). 36   Na edição princeps da ‘arte maior’, os verbos defetivos não são apresentados em forma de um paradigma verbal, nem são acompanhados por qualquer exemplo em vernáculo, uma vez que o texto a estes verbos somente se encontra escrito no tipo itálico que é próprio dos escólios (cf. Álvares 1974: fols. 43v-44r). Quanto ao uso das glosas vernáculas no sistema verbal, veja-se a constatação de Reyes Carmona / Postigo (1997: 538): “Primera edición de la obra, no recogida por Palau. Se observan algunos ejemplos de la gramática en lengua portuguesa a diferencia de ediciones posteriores, que los llevan en español”. De forma coerente, as investigadoras espanholas constatam no tocante à edição lisboeta de 1578 (bem como a edição cesaraugustana de 1578): Reyes Carmona / Postigo (1997: 538), que esta edição lisboeta apresenta os “Ejemplos gramaticales en castellano”. 32

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lisboeta da ‘arte menor’ que foi publicada em Lisboa no ano anterior (Álvares 1578: fols. 13v-98r).37 5. Conclusão Em relação às edições conhecidas de outros países como a Itália, Bélgica, Polónia e Alemanha, o impacto livreiro da gramática alvaresiana em Espanha parece bastante reduzido. No entanto, uma investigação nos repertórios bibliográficos existentes e outras fontes fiáveis dão notícia de que o impacto direto da obra alvaresiana (publicada parcial ou integralmente) em território espanhol é bastante mais importante do que se pensava, uma vez que não houve menos de quarenta edições pertencentes ao universo das obras alvaresianas, publicadas nas várias partes de Espanha entre 1573 e 1945! Neste contexto são bastante notáveis os resultados das investigações de María Dolores Martínez Gavilán (2008) sobre a recognitio da gramática do nebrisense, levada a cabo pelo jesuíta espanhol Juan da Cerda (1558-1643).38 Assim parece que as edições da gramática latina do nebrissense desde 1601 serviram não somente para uma introdução de elementos doutrinais da Minerva do Brocense na obra do gramático castelhano, mas ainda mais para garantir pelo menos uma introdução parcial da doutrina gramatical de Álvares

37   Estas glosas encontram-se ao longo do texto de Álvares (1579: fols. 16r-72r). No entanto, observa-se que a edição cesaraugustana não distingue os exemplos vernáculos através do uso de itálicos como a edição princeps ou Álvares (1578). Deixando de lado as divergências de natureza tipográfica, Ponce de León Romeo (2007: 2879) constata sobre a edição cesaraugustana: “[...] esta última se puede decir que reproduce la impresión lisboeta, sin diferencias textuales perceptibles”. 38   No âmbito dos seus trabalhos editoriais, o redator jesuíta dos Aelii Antonii Nebrisensis de Institutione Grammaticae libri quinque (Madrid, 1601) aproveitou-se da possibilidade de introduzir uma parte considerável dos conteúdos linguísticos da gramática alvarense na sua recognitio da obra de Nebrija, o que a investigadora espanhola explica com as seguintes palavras: “Dados los problemas de difusión de la obra alvaresiana, y dado que la cédula de 1598 habría truncado definitivamente la posibilidad de utilización de este o de otros manuales, la oficialidad a que estaba destinada su versión del Arte de Nebrija le permite salvaguardar en la enseñanza de la gramática tanto el método como la doctrina específicos del ideario jesuítico. Son, pues, las directrices pedagógicas de la Orden ignaciana las que guían y condicionan en sus aspectos esenciales la reforma llevada a cabo por el padre Juan Luis de la Cerda sobre las Introductiones Latinae” (Martínez Gavilán 2008: 235).

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na Castela, se bem que somente fosse de forma camuflada através da recognitio lacerdiana. A primeira edição espanhola da ‘arte menor’ –  pelo que se sabe a única com as glosas castelhanas no século XVI – foi impressa em 1579 em Zaragoza. Os eventos históricos levam a crer que a edição se deve à intervenção pessoal do próprio gramático que, na procuração de 9 de junho de 1579, concedeu todos os direitos na publicação da gramática ao colégio da Companhia de Jesus em Sevilha. O documento tem valor singular para a historiografia linguística latinoespanhola mas também latino-portuguesa, pois trata-se de um documento escrito pela própria mão deste gramático importantíssimo, com assinatura do mesmo que foi reconhecida pelo tabelião lisboeta Pero Tomé a cuja assinatura é aposta a apostila do tabelião Bartolomeu Gomes Pinheiro. O exemplar cesaraugustano de 1579 apresenta as mesmas caraterísticas textuais do que, por exemplo, a ‘arte pequena’ publicada em 1578 em Lisboa – inclusive as glosas espanholas no capítulo “DE VERBORVM CONIVGATIONE”, sem os famosos escólios eruditos, tão típicos pelas edições da ‘arte maior’. Referências 1579, junho 12 – Lisboa. Procuração de Manuel Álvares, concedendo a licença e o direito ao privilegio de impressão da obra De institutione grammatica libri tres em Espanha ao reitor do Colégio da Companhia de Jesus de Sevilha e o seu procurador, com reconhecimento notarial e apostila, manuscrito, Real Academia de la Historia, Biblioteca, Colección Jesuitas (tomos), cota 9-3702-5.39 ACL  

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39   Graças à autorização generosamente concedida pela Real Academia de la Historia como detentora do documento original, o documento reproduz-se em anexo ao presente artigo.

O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial dos De institutione grammatica libri tres

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