O imaginário do herói na trilogia Mass Effect: Estudo sobre o mito e o imaginário no processo criativo do herói em jogos digitais.

October 2, 2017 | Autor: Thiago Silva | Categoria: Semiotics, Mythology, Videogames, Creative Process, Imaginary
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Thiago Tadeu R. Silva

O imaginário do herói na trilogia Mass Effect: Estudo sobre o mito e o imaginário no processo criativo do herói em jogos digitais.

Mestrado em Comunicação e Semiótica

São Paulo 2014

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Thiago Tadeu R. Silva

O imaginário do herói na trilogia Mass Effect: Estudo sobre o mito e o imaginário no processo criativo do herói em jogos digitais.

Mestrado em Comunicação e Semiótica

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob a orientação do(a) Prof.(a), Dr.(a) Lúcia Isaltina Clemente Leão.

Banca examinadora ________________________________ ________________________________ ________________________________

Agradecimentos

Em primeiro lugar, a todos os funcionários da PUC-SP que com toda dedicação nos atendem diariamente durante esta longa jornada que é o mestrado. Especialmente à Cida Bueno, secretária da pós-graduação em Comunicação e Semiótica que sempre me auxiliou desde o primeiro dia que fui até sua sala. Para a CAPES, pelo apoio com a concessão da bolsa de mestrado que desfrutei e sem a qual não seria possível ter realizado esta pesquisa. Aos professores doutores Cecília Almeida Salles, Jorge de Albuquerque Vieira, Maria Lucia Santaella Braga e Helena Katz. Por toda atenção, paciência e dedicação que tiveram ao me ensinar tudo o que consegui aprender em suas aulas. Certamente seus ensinamentos me trarão questionamentos durante toda minha vida. Aos membros do grupo de pesquisa em comunicação e criação nas mídias - CCM. Certamente o grupo de pesquisa mais animado de todos. Aos amigos da PUC. Pablo Villavicencio, Patrícia Assuf Nechar, Alexandre Sbabo, Gilmar Pereira, Fernanda Manzo Ceretta, Cassiano Mendes, Josy Panão, Daniel Amadei, Paula Carolei, Liduina Lins, Miguel Vallione e Valéria Aprobato. Vocês fizeram esta jornada valer apenas pela companhia e pela amizade. Para Ricardo Balija e Flavia Gasi. Duas das pessoas mais incríveis que tive a honra de conhecer e que levarei em meu coração para todo o sempre. Muitas das palavras escritas neste trabalho são frutos de nossas conversas. Aos amigos de longa data. Ricardo Florencio Gonçalves, Lucas de Almeida Santo, Natália Leardini e Daniele Andrade. Pessoas únicas e especiais que fazem com que qualquer problema desapareça apenas por estarem presente. Palavras não são o suficiente para lhes agradecer. Para Luiz Sansone, por todas as noites de conversa durante os últimos dois anos. Certamente um dos melhores amigos que alguém possa ter e que me acompanha desde que iniciei minha aventura no mundo da comunicação. Aos meus pais e família, que acreditaram em mim sem muitas vezes sem entender muito bem o que eu fazia ao pesquisar jogos digitais, mas mesmo assim me apoiaram em minha decisão. Para o meu querido sobrinho Felipe, que nasceu junto com esta pesquisa e tornou-se um pequeno herói para mim.

Para Lucila Arthuso Caldeira. Com todo o carinho e paciência você esteve ao meu lado em momentos difíceis. Acima de tudo, agradecimentos especiais para a professora doutora Lucia Leão, por ter me ensinado que devemos fazer aquilo que amamos, certamente a maior de todas as lições.

Título: O imaginário do herói na trilogia Mass Effect: Estudo sobre o mito e o imaginário no processo criativo do herói em jogos digitais. Autor: Thiago Tadeu R. Silva O presente trabalho tem como objetivo pesquisar o imaginário do herói em jogos digitais sendo que para isso, temos como nosso objeto de pesquisa principal a trilogia de jogos digitais Mass Effect. Para tal, buscamos de início estabelecer um diálogo com teorias fundamentais da antropologia estrutural do imaginário do teórico francês Gilbert Durand, em paralelo com estudos sobre o mito do herói e da narratologia. Consideramos as características semióticas da mídia que pesquisamos, o videogame, como um dos fatores para a nossa análise. Nossa pesquisa parte do momento que a personagem e a narrativa passam a ser integrados no processo criativo dos jogos digitais para então chegarmos aos jogos com heróis; assim, foi possível traçar um paralelo entre o herói do mito grego e o herói nos jogos digitais por meio do processo de derivação do mito do herói. A trilogia Mass Effect dispõe de um sistema de decisões que comparamos com as características pertencentes aos Regimes do Imaginário explicados em nossa fundamentação teórica. Com isso, o objetivo principal da análise é compreender como as decisões tomadas pelo jogador constroem processualmente a imagem do herói entre o início e o fim dos três jogos. Por fim, por meio de documentos que relatam o processo criativo do herói de diferentes desenvolvedores de jogos digitais, buscamos trazer para discussão não só o que os diferentes heróis possuem em comum, mas o que há de semelhante no processo criativo de diferentes desenvolvedores. Em nosso primeiro capítulo tratamos de fundamentar teoricamente o nosso trabalho com as teorias do imaginário, mito e narrativa. No segundo capítulo apresentamos o objeto de pesquisa principal bem como sua análise. No terceiro e último capítulo concluímos nosso trabalho com um estudo sobre o processo criativo do herói junto com uma proposta de um processo criativo semiótico do herói nos jogos digitais. Concluímos a presente pesquisa constatando as derivações das diversas narrativas do herói; as características dessas narrativas são encontradas em outros heróis e as consideramos como os signos pertencentes a este imaginário que assumem funções específicas de acordo com os canais semióticos da mídia em que é narrada. Do mesmo modo; observamos por método comparativo, similaridades no processo criativo de diferentes desenvolvedores de jogos digitais. Palavras-chave: videogame, imaginário, narrativa, herói, processos de criação.

Title: The hero’s imaginary on Mass Effect Trilogy. Study about the hero myth and imaginary in the creative process of videogames. Author: Thiago Tadeu R. Silva The presente work has as its objective research the hero’s imaginary on videogames wherein our main study object is the videogame trilogy Mass Effect. For this, we first looke into Gilbert Durand theories of the structural anthropology of the imaginary in parallel with studies from the hero’s myth and from narrative theories. We considered the videogame semiotic characteristics as one of the parameters for our analysis. Our research starts from the point that narrative and characters became part of videogames creative process until we reach games with hero’s; thus, it was possible trace a parallel between the hero from the greek myth’s and the hero in the videogame trough the hero’s derivation process. The Mass Effect Trilogy features a decision system that we compared to the Imaginary Regime characteristcs that we presented in our theoretical foundation. With this, the main objective of our analisys is comprehend how the decisions taken from the player can build processually the hero’s image between the first and the last game. Lastly, by means of documents that reports hero’s creative process in different game designers creative process, we looked to bring our discussion not only for what different hero’s have in common, but what is similar in different creative process from different game designers. In our first chapter we present the theoretical foundations for the development of our work. In the second chapter, we present the research main object and its analysis. In the last chapter we conclude our work with a study about the hero’s semiotic creative process on videogames. We conclude noting the different derivations from different hero’s narrative; the same characteristics of different hero’s are found in different narratives and we consider these characteriscs as signs from the hero’s imaginary that assumes specific functions according the semiotic channels from the media that is narrated. Likewise; we observed similarities in the creative process from different game designers. Key-words: videogame, imaginary, hero, creative process.

Sumário Introdução............................................................................................................................................02 Capítulo 1 - Mito, imaginário e narrativa nos jogos digitais 1. Videogame - Narrativa e personagem nos jogos digitais....................................................................05 1.1 Narrativa..........................................................................................................................................16 1.1.1 Personagem....................................................................................................................................21 1.1.2 Análise da narrative em Chrono Trigger........................................................................................24 1.2.1 - Análise de personagem - Frog.....................................................................................................31 2. O conceito de imaginário......................................................................................................................36 2.1 O trajeto antropológico da formação da imagem...............................................................................37 2.2 Os Regimes do Imaginário................................................................................................................40 2.2.1 O Regime Diurno da Imagem........................................................................................................40 2.2.2 O Regime Noturno da Imagem.......................................................................................................43 3. Fundamentos e funcionamento do mito.............................................................................................48 3.2 Mito e imagem do herói.....................................................................................................................53 3.2.1 Perseu, Héracles e Jasão..............................................................................................................55 3.3 A jornada do herói.............................................................................................................................65 Capítulo 2 - O imaginário do herói em Mass Effect 1. Dados técnicos sobre o objeto de pesquisa e método utilizado para a análise.................................69 2. A estória da trilogia Mass Effect...........................................................................................................76 2.1 Mass Effect.......................................................................................................................................76 2.2 Mass Effect 2....................................................................................................................................85 2.3 Mass Effect 3..................................................................................................................................102 2.4 A narrativa em Mass Effect.............................................................................................................116 2.4.1 O mito e o imaginário na jornada do herói em Mass Effect........................................................136 Capítulo 3 - Imaginário e processo criativo da personagem em jogos digitais 1. Influência e ação transformadora no processo de criação de jogos digitais....................................147 1.2 Por uma proposta semiótica para o processo criativo de heróis em jogos digitais..........156 2. Considerações finais........................................................................................................................165 Referências bibliográficas.................................................................................................................167

Introdução Iniciar um estudo sobre jogos digitais nos leva a um vasto campo de possibilidades cujo esforço seria impossível sem delimitar um objeto de pesquisa e algumas das diversas esferas do conhecimento que possibilitem estudar este objeto. Para tal esforço, escolhemos estudar o herói nos jogos digitais, mais precisamente na trilogia Mass Effect por meio das teorias do imaginário, do mito e da narrativa. Quando optamos por desenvolver este estudo sobre processo criativo, primeiramente voltamos um pouco no tempo, no surgimento da indústria de jogos digitais quando ainda não haviam personagens, apenas pontos (pixels) que eram utilizados pelos primeiros desenvolvedores de jogos digitais para simular objetos que o jogador podia controlar por meio de um controlador. Com o passar dos anos os pontos foram deixados de lado e a personagem foi trazida para o ambiente dos jogos digitais, e com cada personagem, novos imaginários foram desenvolvidos. Os jogos passaram a contar estórias e com isso a personagem tornou-se um herói com objetivos pré-definidos que o jogador deveria cumprir para terminar o jogo. O presente trabalho parte dos estudos realizados nos campos da antropologia do imaginário e dos estudos sobre a mitologia para compreendermos o papel do herói nos jogos digitais. Para isso, buscamos compreender primeiramente esta transição do pixel para o herói em um breve resgate da história dos jogos digitais, e como a cada novas tecnologias de videogame novas formas de narrar o mito do herói nos jogos digitais tornaram-se possíveis. Optamos por delimitar um objeto de pesquisa em específico para acompanhar o modo como o herói se desenvolve ao longo de uma trilogia de jogos digitais, sendo que as escolhas feitas pelo jogador influenciam na formação da imagem e a personalidade do herói entre o primeiro e o último jogo. Com isso, buscamos analisar como as características pertencentes aos regimes da imagem definidos pela antropologia do imaginário de Gilbert Durand atuam em um sistema de decisões que influenciam no processo criativo do herói pelas escolhas do jogador bem como o caminho narrativo a ser seguido na aventura. 02

Por meio de estudos feitos sobre o mito do herói grego, fomos buscar o que os heróis das narrativas clássicas possuem em comum com os heróis dos jogos digitais e o modo como essas similaridades atuam na mídia videogame. Além disso, procuramos compreender o ato criador do desenvolvedor de jogos digitais e o que há de similar entre diferentes criadores de diferentes épocas, ou seja, o modo como a personagem foi criada para então traçarmos uma fundamentação que nos auxilie a pensar o processo criativo de heróis para os jogos digitais. Portanto, dedicamos nosso primeiro capítulo a um resgate histórico do surgimento da personagem, do herói e da narrativa em jogos digitais; a uma introdução à antropologia estrutural do imaginário do teórico francês Gilbert Durand; aos estudos sobre o mito do herói e à jornada do herói de Joseph Campbell. Em nosso segundo capítulo, apresentamos o nosso principal objeto de pesquisa, a trilogia Mass Effect e o seu herói, o comandante Shepard. Relatamos a narrativa dos três jogos conforme nossa experiência e traçamos um paralelo como a fundamentação teórica realizada no nosso primeiro capítulo. Por fim, em nosso terceiro e último capítulo, trouxemos para discussão relatos de diferentes desenvolvedores de jogos digitais para que assim possamos compreender o ato criador de cada um deles em paralelo com teorias de processos criativos. Nosso trabalho neste percurso buscou compreender o processo criativo do herói e o que diferentes heróis possuem em comum deste as narrativas míticas aos jogos digitais. Com isso, nosso objetivo é trazer uma colaboração para os estudos acadêmicos direcionados aos processos criativos em jogos digitais com fundamentos que estimulem a pensar o processo criativo do heróis nos jogos digitais.

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Capítulo 1 Mito, Imaginário e Narrativa nos jogos digitais

1. Videogame - Narrativa e personagem nos jogos digitais Dentre as diversas características dos jogos digitais, nosso foco será no modo como eles são usados para contar histórias e apresentar ao jogador diferentes imaginários. Uma forma de criar narrativas que se constroem com a interação do jogador. Essas narrativas podem ser um pequeno argumento apenas para contextualizar o porquê de uma personagem ter que passar pelos desafios que estão por vir, histórias nas quais até mesmo um simples resgate de princesa pode vir a se tornar uma aventura épica repleta de personagens secundárias com motivações próprias que interagem com o protagonista controlado pelo jogador e o auxiliam em sua jornada. Jogos digitais misturam diversas formas de arte e linguagem de programação que possibilitam uma experiência diferente de qualquer outra forma de entretenimento. Ao pensar em criar jogos digitais, pensamos em criar mundos imaginários e possibilidades de interação que oferecem ao jogador vivenciar novas experiências. O videogame possui características únicas e desde que surgiu, toda uma nova cultura em torno dessa mídia se desenvolveu. Conforme o poder de processamento dos videogames aumentava, os jogos digitais apresentavam novas formas de representação, com possibilidades interativas que tornaram o videogame um fenômeno comunicacional em constante metamorfose. Os consoles domésticos que começaram com jogos digitais com apenas alguns bits de processamento e poucos pixels e cores na tela da televisão, evoluíuram para jogos com representações gráficas avançadas que buscam representar o mundo real por meio da modelagem de polígonos em três dimensões. Os diálogos entre as personagens pixeladas passaram de caixas de texto para a dublagem feita por atores; dramatizações cinemáticas e captura de movimento de pessoas para a animação das personagens digitais tornaram-se freqüentes no começo dos anos dois mil, e contar histórias tornou-se um importante recurso para a criação dessas experiências interativas. Antes restritos a dois jogadores que sentavam um do lado do outro para competir ou cooperar durante o jogo, os consoles foram conectados à internet, possibilitando que um jogador na América do Sul pudesse interagir, competir e cooperar com um 05

jogador na Ásia. Os joysticks deixaram de se ser apenas um aparato com botões de intermédio entre o jogador e o console pelo qual a personagem era controlada para aparatos que capturam o movimento do jogador e os transferem para a máquina, porém, precisamos esclarecer um ponto antes de prosseguirmos: o que é o “videogame” como mídia? Não há como definirmos precisamente o que é o videogame, neste aspecto sem colocá-lo em uma categoria que abrange um grande número de aparatos que possuem características e finalidades semelhantes. De uma forma geral, podemos representar os consoles domésticos com o seguinte organograma:

Controle

Console

Televisão

Figura 1: Organograma dos consoles domésticos.

Mas este modelo não representa uma totalidade, pois há os consoles portáteis como o Game Boy (1989), o PSP (2004)e o Nintendo 3DS (2011)que possibilitaram o jogador portar o console levando o jogo consigo; além disso, o aparelho de televisão que antes era indispensável para os consoles domésticos, passou a ser uma opção em consoles como o Wii U (2012), que possui uma tela em seu controle que substitui a TV, como podemos exemplificar com o seguinte organograma:

Controle

Console

Televisão

Figura 2: Organograma dos consoles domésticos que não dependem exclusivamente de aparelho de televisão.

A cada nova geração de consoles os jogos acompanhavam o aprimoramento tecnológico do aparato. O modo como as personagens eram representadas na tela do jogo passou de alguns pixels para alguns milhares de polígonos. Joost van Dreunem, em uma reflexão sobre a relação entre o desenvolvimento tecnológico e uma mídia 06

nos faz a seguinte afirmação: A relevância social do desenvolvimento tecnológico da mídia está em seu potencial de (re)introduzir elementos do romance à comunicação e expressão cultural humana. Com uma maior variedade de ferramentas à sua disposição, as pessoas são capazes de entender, manipular e expressar sua experiência de realidade de modos diferentes.1 (DREUNEM, 2008, p. 3)

Porém, em contrapartida à afirmação de Dreunem, devemos pontuar que ,se um aprimoramento tecnológico possibilita a produção de jogos digitais mais sofisticados, a necessidade de produzir jogos mais sofisticados cria a necessidade de produzir novas tecnologias para os jogos digitais, o que caracteriza uma via de mão de dupla2. Se voltarmos um pouco, ao início da história do videogame, veremos que os primeiros jogos não possuem personagens e narrativas. São pontos dispostos em um espaço que interagem ao comando do jogador. Simulavam partidas de tênis como no caso de PONG, criado em 1972 pela Atari ou uma invasão alienígena como feito por Space Invaders, lançado em 1978 pela Taito no Japão. Muitos dos jogos criados na década de setenta se assemelham neste aspecto, não possuem personagens ou contam histórias, apenas simulam uma disputa realizada entre pontos na tela, seja entre duas pessoas, seja entre um jogador e a máquina. No ano de 1979, em direção diferente do que muitas empresas de jogos digitais faziam, a empresa japonesa NAMCO, criou o arcade de Pac-Man. A importância deste jogo está em um fato pouco comum à época, o jogo possuía uma personagem, não era mais sobre pontos na tela, mas sim sobre a personagem Pac-Man que deveria coletar todos os pontos e frutas de um labirinto enquanto fugia dos fantasmas Inky, Pinky, Blinky e Clyde. Mas Pac-Man não possuía uma história, apenas um objetivo dado a uma personagem com nome e características próprias. _____________

Figura 3: PONG para Arcade.

1 The social relevance of media technological development lies in its potential to (re)introduce novel elements to human communication and cultural expression. With a greater variety of tools at their disposal, people are able to understand, manipulate and express their experience of reality in different ways. 2 Ver Flússer, 2007. Para Vilém Flússer, novas tecnologias produzem novas culturas que por sua vez modificam a tecnologia provocando assim um mecanismo cíclico.

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Esta tendência tornou-se comum na primeira metade da década de oitenta e muitos jogos passaram a seguir o exemplo de PacMan e ter uma personagem. No ano de 1981, a empresa japonesa Nintendo lançou o jogo Donkey Kong para arcade. Em Donkey Kong o jogador controla a personagem Jumpman que deve escalar algumas plataformas enquanto desvia de barris atirados pelo gorila que dá nome ao jogo para assim resgatar sua namorada que é mantida refém na última plataforma. A personagem Jumpman veio em um

Figura 4: Space Invaders para Arcade.

futuro próximo mudar de nome e a protagonizar seu próprio jogo. Agora seu nome é Mario e, ao invés de um carpinteiro, ele tornou-se um encanador que estrelou um jogo ainda no arcade em 1983 intitulado Mario Bros, no qual ao lado de seu irmão Luigi combatiam tartarugas em um esgoto , porém, é em 1985 que Mario se transforma em Super Mario ao ser o herói de seu próprio jogo no Nintendo Entertainment System (NES). Super Mario Bros coloca o jogador no controle do herói que deve resgatar a princesa

Figura 5: Pac-Man para Arcade.

Toadstool que foi sequestrada pelo vilão Bowser, que mantém a presa em um castelo. Em sua jornada, Mario conta com itens que lhe conferem poderes especiais, como o “Cogumelo de Força” que o transforma em Super Mario, a “Flor de Fogo” que o possibilita disparar bolas de fogo nos inimigos, e a “Estrela” que o deixa em estado de invencibilidade por alguns segundos. Estes itens chamados de Power-Ups tornaram-se frequentes nas demais aventuras de Mario assim como o motivo de sua aventura, salvar Toadstool de Bowser. 08

Já no ano de 1986, a Nintendo lançou outra obra criada por Shigeru Miyatmo, o mesmo criador de Mario. The Legend of Zelda contava a história do herói Link que, com sua espada e escudo percorria um mapa aberto com uma arquitetura semelhante a de um labirinto a procura de objetos que o auxiliem em sua jornada para resgatar a princesa Zelda e recuperar o poder da Triforce, ambos

Figura 6: Jumpman.

usurpados pelo vilão Ganondorf, para assim restaurar a paz no reino de Hyrule. The Legend of Zelda demonstra um elemento importante nos jogos digitais; a narrativa que, além de ser baseada na luta do bem contra o mal, apresenta ao jogador uma personagem que começa fraca, com poucos pontos de energia, o herói possui apenas uma espada para atacar. Com o avanço do jogador, Link se fortalece, encontra itens que o auxiliam em sua jornada e ganha mais pontos de

Figura 7: Mario Bros para Arcade.

vida. É um dos primeiros exemplos de jornada ascensional que temos nos jogos digitais. Tanto Super Mario Bros quanto The Legend of Zelda possuem argumentos narrativos que contextualizam o “porque” da aventura. Há um objetivo e um espaço no qual o jogo acontece; Super Mario Bros se passa no Mushroom Kingdom e The Legend of Zelda em Hyrule, porém há pouco ou nenhum diálogo com outras personagens e isso

Figura 8: Capa de Super Mario Bros.

não é primordial para que o jogo aconteça. Embora nos primeiros episódios dessas séries a narrativa não fosse fundamental, eles nos mostram características que foram mantidas ao longo de suas sequências. Tanto o universo de Mario quanto o de The Legend of Zelda possuem seu próprio imaginário, características sígnicas que se repetem nos jogos posteriores e são modificadas apenas em sua

Figura 9: Link em The Legend of Zelda.

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forma de representação, porém, quase que em todas as vezes com a mesma função. Os Power-Ups que conferem poderes à Mario em sua primeira aventura no NES perduram ao longo da história de sua franquia. Estão em Super Mario Bros 3 (1988), Super Mario World (1990) e em New Super Mario Bros Wii U (2012). O mesmo acontece com The Legend of Zelda que, em seu terceiro jogo, intitulado The Legend of Zelda - A Link to the Past, acresceu um elemento de extrema importância para a mitologia da série, a Master Sword, uma espada sagrada presa em um pedestal que obriga o jogador a passar por determinadas provações para conseguir retirá-la. Estes objetos que integram suas respectivas histórias estão semanticamente relacionados

Figura 10: Comparação entre duas variações da representação do Cogumelo de Força.

com seus respectivos imaginários e pouco variam de uma sequência para outra. O “Cogumelo de Força” de Mario possui a mesma funcionalidade nos jogos apontados acima, porém, em Super Mario Kart, um jogo que coloca as personagens da série Super Mario em uma pista de corrida, o cogumelo exerce a função de proporcionar momentaneamente o aumento da velocidade do veículo dando vantagem ao jogador para manter a liderança ou realizar uma ultrapassagem. O cogumelo de força ainda proporciona “força”, porém de uma forma derivada, já que força aqui está relacionada à potência de aceleração do veículo. Algo semelhante pode ser observado com a Master Sword. Tanto em A Link to the Past quanto em Ocarina of Time, Link deve conseguir três pingentes que são obtidos apenas após derrotar três monstros que os guardam, porém os monstros não são os mesmos e a espada não

Figura 11: Link em The Legend of Zelda - A Link to the Past retirando a Master Sword do pedestal (esquerda) e em Ocarina of Time (direita).

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está no mesmo local e possui exatamente a mesma funcionalidade. Em A Link to the Past a espada está localizada em uma floresta e deve ser conquistada para que o jogador possa quebrar um selo mágico que o impede de prosseguir na aventura e chegar ao Dark World, local em que passará por mais provações até enfrentar o vilão Ganon. Já em Ocarina of Time ela está atrás de uma porta em um templo que só pode ser aberta após Link conseguir três pingentes e tocar uma canção em sua ocarina. A espada é o marco divisor entre a infância e a vida adulta de Link, porém em ambos os jogos possuem a mesma utilidade, instrumento de luta contra o vilão do jogo. Até esta parte do nosso texto, nossas observações estão relacionadas a eventos que permeiam marcos históricos do videogame que estão entre o uso da personagem e da narrativa para a criação de novos jogos digitais, contudo, há um gênero específico em que a história é essencial para o desenvolvimento do jogo e o envolvimento do jogador com os desafios propostos, os RPG (Role Playing Games), jogos em que se presume que o jogador assuma o papel de um herói, configure algumas de suas características e o conduza em sua jornada até o cumprimento de seus objetivos. Em 1987 é lançado Final Fantasy. Criado por Hironobu Sakaguchi, o jogo coloca o jogador no controle de um grupo composto por quatro guerreiros conhecidos no imaginário do jogo como “Warriors of Light” e cuja missão é restaurar o poder de quatro cristais correspondentes a cada um dos quatro elementos naturais (Terra, Fogo, Água e Ar) para que a ordem no planeta possa ser restaurada. O jogador é responsável por construir sua personagem, podendo escolher entre algumas classes de personagem com características únicas e nomeando cada um dos quatro membros da equipe, sendo que há seis classes de personagem: • Fighter: Guerreiro com maior força; • White Mage: Mago que possui magias de cura; • Black Mage: Mago que possui magias de ataque; • Red Mage: Mago que possui magias tanto de ataque quanto de cura, porém, mais fracas; • Thief: Possui maior agilidade; 11

• Black Belt: Misto de Fighter com Thief. Outra característica importante de Final Fantasy e comum em jogos digitais de RPG é a interação com personagens não jogáveis, controlados pela inteligência artificial do jogo para a aquisição de informações e itens que ajudam os heróis a prosseguir em sua viagem. Ao contrário de The Legend of Zelda, o combate não é direto, mas realizado por turnos em que cada personagem e cada inimigo realizam uma ação, permeando em torno de uma estratégia que consiste em atacar e recuperar os pontos de vida dos aliados com o uso de itens ou magias de cura. Cada combate vencido também confere pontos de experiência ao jogador, fortalecendo a personagem para que ele assim possa enfrentar inimigos mais fortes conforme avança na história do jogo.

Figura 12: As seis classes de personagens de Final Fantasy para NES. De cima para baixo, da esquerda para a direita: Fighter, White Mage, Red Mage, Black Belt, Black Mage e Thief.

A maioria dos jogos da série Final Fantasy não possuem uma ligação entre si, sendo cada episódio possuidor de uma história particular e a maioria com personagens já pré-definidas com histórias e motivações particulares, porém, possuem características semelhantes, como inimigos, magias, itens e criaturas que auxiliam o jogador quando invocadas (summons). Este modelo de jogo com combates por turnos e a necessidade de conversar 12

com personagens não jogáveis controladas pela inteligência artificial é uma característica de muitos outros jogos digitais de RPG, tais como Chrono Trigger, Secret of Mana e Super Mario RPG, este último é um excelente exemplo de um jogo digital em que sua personagem principal, Mario, protagoniza um jogo que não é o seu ambiente natural. Em Super Mario RPG, a aventura começa da mesma forma que nos jogos anteriores, Mario

Figura 13: Mario junto de seus companheiros de jornada em Super Mario RPG.

vai até o castelo de Bowser para salvar a princesa, porém durante sua luta contra o vilão, um evento inesperado ocorre e uma enorme espada pousa sobre o castelo de Bowser, expulsando Mario e impedindo que ele retorne. Deste ponto em diante a personagem embarca em uma aventura para salvar a princesa, mas acaba por descobrir que um grupo liderado pelo vilão Smithy destruiu a Star Road, um local no imaginário do jogo em que todos os desejos

Figura 14: Cenas de Super Mario RPG.

feitos pelas pessoas são realizados. Seguindo algumas características da série Final Fantasy, em Super Mario RPG o combate é realizado em turnos e Mario não está sozinho, é acompanhado por um grupo que o ajuda em sua aventura, grupo este que tanto seu inimigo Bowser quanto a princesa Toadstool fazem parte e podem ser utilizados nas batalhas. A aventura da Mario em Super Mario RPG exemplifica o modo como um imaginário de um jogo foi utilizado para a criação de uma narrativa. Neste jogo em específico, Mario é conhecido no Mushroom Kingdom pelos seus feitos de herói que salva a princesa. Oposto dos demais jogos em que até então ele havia protagonizado, há cidades com personagens e a viagem de Mario para derrotar Smithy apresenta ao jogador um mundo que excede o Mushroom Kingdom o levando a novas paisagens. As personagens que acompanham Mario em sua viagem também possuem suas histórias particulares. Mallow deseja reencontrar sua família e o local em que nasceu; 13

Geno é uma entidade guardiã da Star Road que se apossou do corpo de uma marionete para enfrentar Smithy; Bowser deseja recuperar seu castelo que foi tomado e Toadstool não quer mais simplesmente ser salva. A aventura deixou de ser sobre salvar a princesa raptada pelo dragão para o grupo de heróis que precisa restaurar a paz e a ordem. Conduzimos nosso texto até este momento com exemplos que partiram de jogos digitais em consoles domésticos que utilizam o cartucho como mídia de armazenamento, porém, com o lançamento de consoles como o Playstation da Sony, os jogos passaram a ter como mídia o CD-ROM, que possuía uma capacidade de armazenamento muito superior aos cartuchos de Super Nintendo e Nintendo 64. Esse aumento no armazenamento dos dados trouxe novas características ao modo de narrar uma história. Os jogos antes criados com gráficos em duas dimensões, passaram a ter a modelagem de polígonos em três dimensões em seu processo criativo. Cenas em animação computadorizada passaram a integrar o entre meio de eventos principais da história como bem viu Galloway (2006, pg. 11), elas “ampliam a narrativa de alguma forma” e alguns jogos, antes veiculados em apenas um cartucho, passaram a ter diversos discos em CDROM, como Final Fantasy VII (3 discos), Final Fantasy VIII (4 discos) e Star Ocean 2 (2 discos).

Figura 15: Cenas em animação computadorizada de Final Fantasy VII.

Se o CD-ROM trouxe mudanças para o modo de narrar a história do jogo, o DVD-ROM que foi introduzido como mídia no Playstation 2 adicionou características expressivas às personagens. As personagens durante as cenas de animação passaram a ser dubladas por atores e a captura de movimento para a criação dessas animações tornou-se algo frequente. Podemos ver em jogos como Final Fantasy X e God of War, ambos para Playstation 2, as diferenças que a interpretação feita por atores humanos causa na ambientação da personagem em relação aos respectivos momentos da 14

narrativa. Elas contextualizam o jogador de forma imediata à emoção que a personagem deve passar no ato em que um evento ocorre. Com a adição desses atributos a fúria de Kratos (God of War) ou o romance de Tidus e Yuna (Final Fantasy X) foi apresentado ao jogador de um modo que seria impossível em consoles de gerações anteriores, pois o poder de processamento e a capacidade de armazenamento característicos do Playstation 2 permitiam o criador explorar essas possibilidades. Conforme um novo console é desenvolvido, com

uma

capacidade

de

Figura 16: Kratos.

processamento

superior aos consoles anteriores, novas formas de representar personagens e heróis são possibilitadas, bem como novos modos de narrar a história e possibilitar a interação do jogador e da personagem com os elementos e as outras personagens pertencentes à narrativa. A personagem, o herói e a narrativa são introduzidos no videogame pela necessidade de criar jogos digitais que não fossem limitados a naves combatendo alienígenas ou pontos interagindo

Figura 17: Tidus e Yuna.

entre si na tela da TV. Temas como a jornada do herói, imaginário e narrativa foram destacados em nossas primeiras observações sobre a narrativa em jogos digitais e daqui em diante vamos buscar discutir os fundamentos desses tópicos de forma individual para que assim possamos traçar um paralelo entre esses diferentes campos de conhecimento com os jogos digitais.

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1.1 Narrativa Diferente dos populares títulos dos anos setenta e do início da década de oitenta como Pong, Space Invaders e Pac-Man, que tinham como narrativa o resultado da experiência gerada pela interação do jogador com o jogo. Jogos como Super Mario Bros para Nintendo Entertainment System possuem o que Jenkins (2004) diz ser uma “pretensão narrativa”, quer dizer, não eram apenas sobre a interação entre pontos em um espaço, mas sobre uma personagem (Mario) que deve salvar a princesa (Toadstool) que é mantida presa em um castelo guardado por um dragão (Bowser). A narrativa é parte importante de alguns tipos de jogos digitais, como jogos de RPG (Final Fantasy, Dragon Quest e Star Ocean) e jogos do tipo adventure (Secret of the Monkey Island e Full Throttle). Portanto, para examinarmos a narrativa nos jogos digitais devemos primeiramente traçar alguns paradigmas que a partir de estudos da narratologia clássica para assim chegarmos à narrativa hipermidiática característica do videogame. Se olharmos ao longo da história da humanidade, a narrativa é parte de diferentes culturas, em diversas formas e diferentes meios. Ela se apresenta como o conto regional, como fábula, a lenda e o mito. Está na tradição oral, em registros escritos, no cinema, nas histórias em quadrinhos e, no caso do nosso trabalho, nos jogos digitais. Com relação à narrativa na história da humanidade, Roland Barthes diz que: [...] a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há em parte alguma povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm suas narrativas, e frequentemente estas narrativas são apreciadas em comum por homens de culturas diferentes, e mesmo opostas... (BARTHES, 1981, p. 19)

Uma definição derivada do estruturalismo a define como uma forma de representação em uma sequência temporal constituída por eventos, sejam eles reais ou ficcionais; são sobre personagens em um espaço em um determinado tempo. Os estudos narratológicos denominados clássicos que possuem expoentes como Roland Barthes e Umberto Eco provém da literatura e do cinema, e esses estudos muito podem contribuir para um estudo da narrativa nos jogos digitais, porém,

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devemos considerar a mídia em que uma história é contada para assim termos uma análise precisa e específica dessa forma narrativa. Ao delimitarmos nosso estudo para a narrativa nos jogos digitais, buscamos compreendê-la como uma forma de arquitetura que organiza as relações entre as personagens, os eventos e o mundo imaginário retratados nesta forma de narrar uma história. Este meio3 específico configura a narrativa de acordo com suas propriedades. Em uma reflexão sobre a relação entre a narrativa e o desenvolvimento tecnológico, Marie-Laure Ryan afirma que: O investimento da indústria de jogos digitais em interesses narrativos foi impulsionado pelos desenvolvimentos tecnológicos que aproximaram a lacuna entre o jogo e sua embalagem, tais desenvolvimentos como mais memória, gráficos aprimorados, maior velocidade, inteligência artificial aprimorada — todos esses fatores contribuíram para definições mais realistas e personagens mais críveis, o pré-requisito para uma experiência narrativa rica.4 (RYAN, 2006, p. 182)

Os apontamentos feitos por Ryan sobre a emergência da narrativa nos jogos digitais com relação à tecnologia do meio nos leva a uma nova indagação. A forma de narra um história é igual para os jogos digitais e consoles? Acreditamos que não, pois cada tipo de jogo digital possui sua forma de apresentar a narrativa ao jogador, uns com foco em diálogos entre a personagem controlada pelo jogador com as demais personagens controladas por uma inteligência artificial, enquanto outros se concentram na ação da personagem em relação a obstáculos em um espaço. Mesmo se compararmos jogos pertencentes ao mesmo tipo, porém de épocas diferentes, percebemos que há diferenças entre a forma como a narrativa é apresentada. Os jogos Final Fantasy (1987) para Nintendo Entertainment System e Final Fantasy VII (1997) para o Sony Playstation diferem no modo como os eventos são apresentados ao jogador. O primeiro está condicionado pelas características tecnológicas do console e a capacidade de armazenamento do cartucho, enquanto o segundo possui sua narrativa representada de acordo com as possibilidades permitidas _____________ 3 - Ver Mc Luhan, M. Os meios de comunicação como extensão do homem, p. 21 - 37, 1964. 4 - The investment of the game industry in narrative interest was boosted by technological developments that closed the gap between the game and its package, such as more memory, better graphics, higher speed, improved AI —all factors that contribute to more realistic settings and more believable characters, the prerequisites for a rich narrative experience.

17

pelo console da Sony, com gráficos em três dimensões e cenas animadas por técnicas de computação gráfica que acontecem entre eventos do jogo, tudo armazenado em três CD’s cada um com capacidade de armazenamento de até 700 mega bytes. Até mesmo uma comparação entre o já citado Final Fantasy para o console da Nintendo e sua reedição de comemoração de vinte anos da série lançada no ano de 2007 para o Playstation Portable (PSP) nos mostrará a influência do meio na forma de apresentar a narrativa ao jogador. Segundo Ryan (2006), devemos considerar as características dos meios digitais para o desenvolvimento da narrativa neste ambiente midiático em particular e que nos são apresentadas por Ryan (2006, p. 99), sendo elas (1) a interatividade e a natureza reativa, (2) signos voláteis e exibição variável (fluidez das imagens), (3) múltiplos canais sensoriais e semióticos e (4) capacidade de funcionamento em rede. Essas quatro características apresentadas por Marie-Laure Ryan possibilitam que a narrativa interativa em meio digital não fique restrita a uma linearidade ou não linearidade, mas sim, fazem com que a narrativa se configure em uma rede de sucessão de acontecimentos que podem ou não ocorrer de acordo com as escolhas do interator, sejam eles lineares ou não lineares. Esta configuração de múltiplos caminhos entre o início e o fim dos eventos que compõem a narrativa muito se assemelham a aquilo que o filósofo Gilles Deleuze chamou de “rizoma”3, uma configuração em que qualquer ponto da narrativa pode estar ligado a outro. Podemos exemplificar estas estruturas lineares, não lineares e com múltiplos caminhos e múltiplos finais da seguinte maneira: 1 - Arquitetura linear: A narrativa segue uma sequência de fatos sucessivos entre o início e o fim dos acontecimentos. Jogos com uma arquitetura linear em sua narrativa independem de época. Um exemplo de um jogo que nasceu no Playstation 2 e terminou sua história no Playstaion 3 de forma linear é a série God of War. Os eventos e desafios apresentados ao jogador devem ser superados de forma sequencial até seu fim. Podem ser comumente representados pelo seguinte fluxograma: _____________ 3 - Ver Deleuze, Gilles. Mil Platôs Vol.1, 1980.

18

! 1

! 2

! 3

! 4

! 5

! 6

Início dos eventos

! 7

! 8

Fim dos eventos

Figura 18: Arquitetura linear.

2 - Arquitetura não linear: Os fatos não são apresentados de forma ordenada. Após uma sucessão de eventos a narrativa pode apresentar fatos que aconteceram anteriormente ou caminhos diferentes que levam até o fim de formas diferentes. Entre os jogos com arquitetura narrativa não linear, podemos citar Super Mario Bros 3 e Super Mario World. O jogo oferece ao jogador a possibilidade de pular as fases ao achar um item específico que o transporta para um local mais a frente do jogo, porém isso não altera o final. Podemos usar os seguintes modelos para exemplificar:

! 1

! 4.1

! 5.1

! 3.1

! 4.2

! 5.2

! 6.1

! 2.1

! 3.2

! 4.3

! 5.3

! 6.2

! 7.1

! 2.2

! 3.3

! 4.4

! 5.4

! 6.3

! 7.2

! 2.3

! 3.4

! 4.5

! 5.5

! 6.4

! 7.3

! 3.5

! 4.6

! 5.6

! 6.5

! 4.7

! 5.7

Início dos eventos

! 8

Fim dos eventos

Figura 19: Arquitetura não linear.

3 - Arquitetura com múltiplos caminhos e múltiplos finais: Acontece quando as ações do jogador condicionam os eventos sequenciais de modo que eles alterem o final, proporcionando diferentes caminhos e diferentes finais. Jogos como Chrono Trigger e a série Mass Effect possuem este tipo de arquitetura, já que é possibilitado ao 19

jogador um determinado número de escolhas que alteram alguns eventos da narrativa e o final da aventura. Sua representação pode ser exemplificada de acordo com o seguinte modelo:

! 1

! 4.1

! 5.1

! 3.1

! 4.2

! 5.2

! 6.1

! 2.1

! 3.2

! 4.3

! 5.3

! 6.2

! 7.1

! 2.2

! 3.3

! 4.4

! 5.4

! 6.3

! 7.2

! 2.3

! 3.4

! 4.5

! 5.5

! 6.4

! 7.3

! 3.5

! 4.6

! 5.6

! 6.5

! 4.7

! 5.7

Início dos eventos

Fim dos eventos

Figura 20: Arquitetura com múltiplos caminhos e múltiplos finais.

Devemos ressaltar que o modo como representamos cada arquitetura acima é apenas um dos diversos modos de apresentar as inúmeras possíveis combinações entre eventos narrativos. O modo como cada arquitetura se configura, sua linearidade ou não linearidade e multiplicidade de caminhos e finais é particular a cada narrativa e a cada meio, sendo as conexões possíveis entre esses caminhos sujeitas, no caso dos jogos digitais, a um roteiro pré-estabelecido e interno aos aspectos não visíveis do jogo para o jogador, sua programação de possibilidades dentro de um roteiro que o jogador pode escolher ou não, pois o videogame é uma hipermídia e conforme afirma Lucia Leão “O que distingue a hipermídia é a possibilidade de estabelecer conexões entre diversas mídias e entre diferentes documentos ou nós de uma rede. Com isso, os “elos” entre os documentos propiciam um pensamento não-linear e multiplicidade “ (LEÃO, 1999, p. 16).

20

Ao contrário dos acontecimentos imutáveis de uma narrativa linear, seja de um livro ou de um jogo digital, já estabelecidos em eu roteiro, acreditamos que uma das principais funções possíveis da narrativa frente aos apontamos feitos anteriormente baseados nas afirmações de Marie-Laure Ryan sobre a relação entre narrativa e a tecnologia do meio digital, é a possibilidade de escolhas de caminhos dentro de um número possível de eventos que se configuram conforme o jogador toma uma decisão. A história se passa em um espaço, e quando há a possibilidade de configurar os caminhos que o jogador pode seguir, a seguinte questão em relação ao processo criativo é colocada: Quais são as possíveis narrativas que queremos neste espaço? Segundo Gasi5 (2013), o jogo digital possibilita a vivência de uma interação ludo-narrativa, ou seja, há sua parcela ludológica, em que as regras e mecânicas que permitem que o funcionamento do jogo aconteça, e sua parcela narrativa, pela qual o imaginário se manifesta apresentando para o jogador o mundo regido por essas regras de funcionamento. É por meio da personagem que o jogador toma contato com o mundo e seu imaginário, e é com as ações e características que essa personagem possui que o jogador se relaciona com os diversos desafios do trajeto entre o início e o fim da jornada. 1.1.1 Personagem Direcionando nosso estudo para a personagem como ponto central da narrativa, delimitaremos nossas observações às relações semânticas (a personagem em relação ao mundo) e sintáticas (o modo como essa personagem é construída e caracterizada) que podem ser produzidas no ambiente do jogo digital entre eles. O que nos concerne daqui em diante é compreender a personagem como ponto central da arquitetura narrativa, pois é pela sua relação com o espaço em que a narrativa acontece que o imaginário e a jornada do herói são apresentados ao jogador _____________ 5 - Ver Gasi, Flávia. Videogames e mitologia. A poética do imaginário e dos mitos gregos nos jogos eletrônicos. Pg. 39-51. 2013.

21

conforme ele avança no jogo. É necessário antes uma pequena consideração sobre a personagem nos jogos digitais. Ela está sujeita à capacidade representativa oferecida pela tecnologia do seu meio, ou em casos específicos, ao contexto criativo que o criador deseja para a sua obra. Mario não é representado da mesma forma em seus jogos mais recentes como era em suas primeiras aventuras no Nintendo Entertainment System, pois com o passar dos anos ele ganhou uma voz e o modo como é representado foi modificado de acordo com o jogo e época; o mesmo aconteceu com Link de The Legend of Zelda e Pac-Man. A personagem possui qualidades, ou seja, é caracterizada e estas características estão presentes em sua representação física, comportamento, fala e orientação moral. Quando Pac-Man foi criado, ele foi desenvolvido como uma criatura esférica amarela, diferente dos objetos expressos por pixels em jogos como PONG. Pac-Man é alguém em seu mundo imaginário, que até então era apenas um labirinto no qual ele é perseguido por fantasmas, mas assim como aconteceu com Mario, Pac-Man ganhou aventuras em um mundo particular que não era o labirinto, como podemos observar em Pac-Man 2: The New Adventures para Super Nintendo. É nesta caracterização que começamos a ver as relações sintáticas da personagem, ou seja, a construção das características que em princípio vão defíni-la para que assim, em sua relação semântica com o mundo em que está inserida ele possa em sua jornada fazer escolhas que, ao fim da aventura mostrarão ao jogador quem

Figura 21: Tela de Pac-Man 2: The New Adventures para Super Nintendo.

é essa personagem, naquilo que Robert Mckee (2006, pg.107) diz ser “a única maneira de nós conhecermos as personagens”. Tomando

novamente

os

exemplos

anteriores, as características físicas de Pac-Man, Link e Mario perduram ao longo de sua existência

Figura 22: Pac-Man em 1979 (à esquerda) e no início dos anos 2000 (à direita).

22

nos jogos digitais. Pac-Man deixou de ser apenas uma esfera e ganhou um rosto, pernas e braços, foi antropomorfizado; Link sempre foi representado com sua roupa verde, portando espada e escudo e Mario manteve seu bigode e suas roupas em azul e vermelho. A personagem está relacionada aos eventos da história. É por meio da personagem que o jogador tem contato com esses eventos e é o jogador quem decide qual decisão a personagem deve tomar caso isso seja

Figura 23: Mario em diferentes jogos.

possível. Essas decisões podem ou não alterar a geografia do lugar em que o evento acontece, podem determinar se uma personagem vive ou morre, quais alianças são estabelecidas para a formação de um grupo, etc. Quando o jogo permite fazer escolhas e tomar decisões, há a possibilidade de que cada jogador tenha uma vivência narrativa particular; uma narrativa construída a partir das decisões que podem ser orientadas por escolhas baseadas nas características pertencentes aos regimes diurno e noturno do imaginário, conforme

Figura 24: Link em diferentes jogos.

apresentaremos em nosso tópico sobre este assunto, e essas escolhas ajudam a moldar a caracterização da personagem. Por sua vez, o jogador e sua personagem enfrentarão um labirinto de eventos em que tudo se organiza para o desenvolvimento dessa personagem em relação ao seu objetivo principal. Todos os objetos e personagens secundários existem em complemento à jornada, e esses objetos e personagens podem gerar narrativas secundárias, ou micronarrativas que colocam o jogador em contato com a história particular de outras personagens ou levam o jogador à novas paisagens onde 23

encontrará itens e informações que o auxiliarão em sua aventura. As micronarrativas, no caso dos jogos digitais, podem ser definidas como eventos menores que ocorrem de forma paralela aos acontecimentos da linha narrativa principal, muitas delas estão isoladas a eventos locais ou situações particulares de personagens secundárias. Quando o jogador opta por participar desta micronarrativa ele pode ser recompensando com itens ou com a aliança de novas personagens que entrarão para a sua equipe. Elas podem ou não ser de alguma influência para a narrativa principal e podemos representá-las com o seguinte fluxograma: Micronarrativa

Início dos eventos

Fim dos eventos

Figura 25: Micronarrativa.

Para melhor exemplificar os conceitos apresentados acima, propomos a análise de Chrono Trigger. 1.1.2 - Análise da narrativa em Chrono Trigger Chrono Trigger é um jogo digital lançado em 1995 para o Super Nintendo Entertainment System e possui versões para Playstation e Nintendo DS. O enredo do jogo começa com a personagem Crono, um jovem comum que vai até a Millenial Fair e acidentalmente esbarra em uma garota chamada Marle, cuja identidade real é Nadia, a princesa do reino de Guardia, enquanto se dirigia até o local em que sua amiga Luca exibe seu mais novo invento, uma máquina de teletransporte. Durante a demonstração da máquina, Marle pede para experimentar o 24

teletransporte, o que faz com que aconteça uma reação pelo contato com o pingente que ela usa. Esta reação faz com que ela seja transportada para quatrocentos anos no passado, para uma era que corresponde ao período medieval do reino de Guardia. Crono, ao ver sua nova amiga sendo sugada pelo portal, toma o colar que ficou caído no chão do teletransportador e pede para que Luca acione a máquina para que assim ele possa resgatar Marle. Este incidente no qual Crono se envolve para resgatar Marle o coloca em uma aventura na qual ele e seus amigos viajam no tempo por diferentes eras, entre o passado na era dos dinossauros até o fim do tempo. Eles acabam por descobrir a existência de um ser alienígena chamado Lavos que vive no centro do planeta e que suga a energia dos seres vivos e influencia o desenvolvimento da vida. Crono e seus amigos decidem embarcar em uma jornada para derrotar Lavos e impedir que ele destrua o planeta. Para isso, eles viajam por diferentes eras temporais nas quais fazem aliados, influenciam em eventos locais de cada época e se fortalecem para que possam derrotar Lavos. A narrativa de Chrono Trigger segue uma linearidade até um determinado ponto do jogo. Neste trajeto, o jogador é apresentado ao mundo em que a história acontece, ao sistema de combate e às motivações individuais e coletivas de cada personagem. Após alguns eventos que culminam na morte do protagonista Crono, o grupo consegue retomar Epoch, uma máquina do tempo construída no futuro e que foi modificada com a adição de asas para que ela possa voar. A partir deste ponto, o jogador tem a liberdade para tomar algumas decisões não lineares frente a alguns eventos. Ele pode optar por encerrar a história sem ressuscitar Crono ou sem passar por alguns eventos que são particulares às demais personagens. Outro atributo pertencente ao sistema do jogo é a opção New Game +, que surge após o jogador terminar a história pela primeira vez. Uma opção que possibilita começar a história novamente porém, com as personagens com os mesmos poderes e quase todos os itens com os

Figura 26: Epoch.

25

quais encerrou o jogo pela primeira vez. A possibilidade de iniciar um novo jogo mantendo os atributos das personagens faz com que o jogador possa experimentar uma sequência narrativa não linear desde o princípio, pois Chrono Trigger possui treze modos diferentes de encerrar a história, sendo três deles possíveis na primeira vez que o jogador passa pelos eventos da narrativa e os outros dez apenas a partir do New Game +. Devemos ressaltar também que a cada novo jogo iniciado a partir de um ciclo anterior, os inimigos têm seu poder aumentado para que assim os combates tenham equilíbrio. Vamos analisar a progressão da narrativa tanto pela primeira vez que o jogador passa pela seqüência de eventos quanto pelo New Game + por meio da representação abaixo: 1000 A.D.

600 A.D.

1000 A.D.

2.300 A.D.

1 2 3 4 5 6 7

End of Time

8

1000 A.D.

9

600 A.D.

10 11 12

65.000,00 B.C.

13

1000 A.D.

14

600 A.D.

15 16

65.000,00 B.C.

17

12.000 B.C.

18

65.000,00 B.C.

19 20

12.000 B.C.

21 22 23

Lavos

Figura 27: Arquitetura narrativa de Chrono Trigger.

26

Na figura acima apresentamos a seqüência de eventos da narrativa de Chrono Trigger . Ao observar a figura acima, vemos que ela se organiza de forma linear entre o evento 1 e o evento 23, sendo o primeiro evento o início do jogo e o vigésimo terceiro o momento em que Crono morre e o grupo de heróis recupera a nave Epoch, que, como já explicamos anteriormente, é uma máquina do tempo com asas que possibilita o jogador explorar o mapa do jogo e viajar pelo tempo livremente. Estes primeiros 23 eventos correspondem aos nomes de cada momento específico do jogo pelo qual o jogador deve passar. Podemos dizer que, como em um livro, eles estão organizados em capítulos, sendo eles: 01 - The Millennial Fair - 1000 A.D.

17 - Unnatural Selection? - 65.000,00 B.C.

02 - The Queen Returns - 600 A.D.

18 - The Magic Kingdom - 12.000 B.C

03 - The Queen is Gone - 600 A.D.

19 - Break the Seal! - 65.000,00 B.C.

04 - We’re Back! - 1000A.D.

20 - The Guru on Mt. Woe - 12.000 B.C.

05 - The Trial - 1000 A.D.

21 - What Lies Beyond? - 12.000 B.C.

06 - Beyond the Ruins - 2.300 A.D.

22 - Lavos Beckons - 12.000 B.C.

07 - The Factory Ruins - 2.300 A.D.

23 - The New King- 12.000 B.C.

08 - The End of Time - End of Time. 09 - The Village of Magic - 1000 A.D. 10 - The Hero Appears - 600 A.D. 11 - Tata and the Frog - 600 A.D. 12 - The Rare Red Rock - 65.000,00 B.C. 13 - Footsteps! Follow! - 65.000,00 B.C. 14 - The Masamune! 600 A.D. 15 - Magus’s Castle 600 A.D. 16 - Forward to the Past - 65.000,00 B.C.

Do evento de número 23 em diante, o jogador pode escolher entre ressuscitar Crono ao cumprir algumas condições, realizar eventos paralelos nos quais ele adquire novos itens e armas ou então pode prosseguir com a Epoch para o evento final do jogo que é a luta contra Lavos. A Epoch por sua vez, é o primeiro elemento do jogo a oferecer não linearidade ao jogador dentro da arquitetura narrativa de Chrono Trigger, pois ela pode se conectar à cada época ou local do mapa, conferindo um caráter hipertextual à narrativa que oferece escolhas ao jogador. Figura 28: Heróis de Chrono Trigger.

27

Esses eventos não lineares que acontecem após a morte de Crono são micronarrativas que trazem algum impacto para o ambiente do jogo, como no caso de um evento que ocorre na era de 600 A.D. em que um deserto tem se espalhado por determinada região do mapa, fruto da influência de um monstro. Com a derrota e o reflorestamento do local, o jogador ganha um item e a chance de alterar um evento particular da vida da personagem Luca, impedindo que a mãe dela fique paraplégica em um acidente com uma máquina. O último local na organização temporal de Chrono Trigger, End of Time, também funciona para conectar diferentes épocas, porém ela ainda exige uma linearidade para que o jogador atravesse de um período para o outro. Já a opção New Game + confere ao jogo uma não linearidade desde o princípio do jogo alterando sua experiência narrativa da história. Ao possibilitar ao jogador enfrentar Lavos em momentos específicos da narrativa linear, o jogador configura alguns acontecimentos que são apresentados na forma de finais diferentes para a história, como podemos ver na figura a seguir: New Game + Lavos Lavos Lavos

Lavos

Lavos

Lavos

Lavos Lavos 1

2

3

4

5

Lavos 6

7

8

9

10

11

12

Lavos

13

14

15

16

17

18

19

20

21

22

23

Lavos

End of Time 2.300 A.D. 1000 A.D.

1000 A.D. 600 A.D.

1000 A.D.

1000 A.D. 600 A.D.

600 A.D. 65.000,00 B.C.

12.000 B.C. 65.000,00 B.C. 65.000,00 B.C.

12.000 B.C.

Figura 29: Arquitetura narrativa de Chrono Trigger no modo New Game +.

Se lançarmos um olhar para o modo como ambos os modelos apresentados acima se configuram, veremos que eles podem ser representados sob a forma de um labirinto, sendo que cada caminho, ou parede do labirinto, se configura conforme o 28

jogador avança. Podemos exemplificar da seguinte maneira:

2300 A.D.

6 e 7

End of Time 8

4e5

1000 A.D. 1

2e3

600 A.D. 10 e 11 15

9

12. 000 B.C. 20, 21, 22 e 23 18

14

12 e 13

Lavos

16 e 17

65.000,00B.C. 19

Figura 30: O labirinto da narrativa em Chrono Trigger.

Neste primeiro labirinto, temos a representação da linearidade do jogo para então termos acessa à sua não linearidade. Vemos que o trajeto da narrativa percorre os mesmos espaços diversas vezes, porém esses espaços são reconfigurados para que o avanço do jogador seja possível, uma espécie de labirinto modular que se configura para que a saída seja encontrada, considerando que aqui a entrada é o primeiro evento, ocorrendo em 1000 A.D., e a saída a luta contra Lavos. Ao contrário do exemplo anterior, que demonstra a linearidade da narrativa que o jogador segue em sua primeira aventura pelo mundo de Chrono Trigger, o New Game + reconfigura esse labirinto narrativo que demonstramos. Considerando a entrada do labirinto o ano 1000 A.D., e a luta contra Lavos a saída, a opção que surge após terminar o jogo permite ao jogador sair do labirinto de forma mais rápida, porém o desafio é maior, já que os inimigos ficam mais fortes. Essa nova configuração do labirinto narrativo de Chrono Trigger traz outra 29

alteração para os acontecimentos narrados, a multiplicidade de finais. Há dez caminhos opcionais que o jogador pode escolher que são configurados de acordo com seu progresso na história sendo que o portal que o leva para a saída do labirinto (a luta contra Lavos) se encontra no mesmo local, mas tem o final modificado após o jogador cumprir determinados eventos. Essa forma de configurar o labirinto dá liberdade para o jogador escolher quando sair do labirinto, e caso consiga, sua recompensa é assistir a um fim diferente para a história. Podemos ver essa nova configuração na figura a seguir:

2300 A.D.

6 e 7

End of Time 8

4e5

1000 A.D. 1

2e3

600 A.D. 10 e 11 15

9

12. 000 B.C. 20, 21, 22 e 23 18

14

12 e 13

Lavos

16 e 17

65.000,00B.C. 19

Figura 31: Representação do labirinto da narrativa em Chrono Trigger no modo New Game +.

Quando o jogador optar por seguir a linearidade em Chrono Trigger ele obtém as recompensas que essa linearidade lhe proporcionam, entre elas mais itens, mais batalhas que lhe conferem pontos de experiência para as personagens, novas habilidades e armas. A opção pela não linearidade no New Game + torna a luta final um pouco mais difícil do que ela normalmente seria caso o jogador tenha escolhido passar pelos eventos lineares que o preparam para a luta final, porém sua recompensa 30

também é diferente, já que ele consegue um final alternativo para a aventura, uma resposta para “o que aconteceria se a luta final fosse agora”, pois como abordamos anteriormente, os jogos são sobre escolhas e esse tipo de arquitetura narrativa dá essa “escolha” para o jogador ao mesmo tempo que é reconfigurada para dar sentido à história. 1.2.1 - Análise de personagem - Frog Em Chrono Trigger há uma personagem chamada Frog pertencente à época de 600 A.D., cujo imaginário corresponde ao de um cavaleiro medieval. Frog, que possui como nome original Glenn, era amigo de Cyrus, um dos melhores cavaleiros do reino de Guardia que, durante uma batalha contra o feiticeiro Magus foi morto e Glenn amaldiçoado à forma anfíbia antropomórfica. Reduzido à forma de um sapo, Glenn assume o nome de Frog e, mesmo recluso, ele serve ao reino de Guardia jurando proteger a rainha Leene com sua vida. O primeiro contato do jogador com Frog ocorre no terceiro evento da linha narrativa linear que demonstramos anteriormente, em 600 A.D., quando Crono e Luca vão ao passado para resgatar Marle, que foi acidentalmente sugada pelo portal do tempo que se abriu quando ela tentou experimentar a máquina de teletransportes de Luca. Frog se junta ao protagonista para procurar pela rainha Leene, que também é antepassada de Marle, e que foi raptada por um dos servos de Magus. Após ajudar Crono, Frog se despede do grupo e retorna para a equipe como integrante permanente em um evento futuro, quando Crono volta novamente ao passado para enfrentar Magus, que tentava invocar Lavos, enquanto seus subordinados atacam o reino de Guardia. Vamos nos delimitar à história particular de Frog, que ocorre paralelamente à narrativa principal, para que possamos exemplificar os conceitos de semântica, sintaxe e micronarrativa aplicados à personagem. Frog é um sapo antropomórfico que foi amaldiçoado a esta forma pelo mesmo feiticeiro que matou seu mestre. Sua motivação está em seus votos em continuar a servir ao reino de Guardia, mesmo que de forma reclusa e a se vingar de Magus pela 31

morte de Cyrus. Um outro ponto particular à história de Frog é a Masamune, uma espada mágica pertencente à Cyrus que foi forjada em 12.000 B.C. e é composta por um mineral especial e a união dos gêmeos Masa e Mune, que são o espírito e a vontade da espada. Após termos apresentado a personagem com as devidas características essenciais para a nossa análise, vamos começar o estudo pela sua caracterização e a relação dessas características com o mundo e a narrativa do Chrono Trigger. A primeira característica que devemos observar é a sua representação física, sua forma, pois ela é crucial para o desenvolvimento de suas habilidades e a movimentação na tela. Diferente das personagens humanas, Frog, em sua movimentação de corrida dá pequenos saltos, ao contrário dos demais que correm normalmente, podemos notar essa característica peculiar de sua movimentação na figura abaixo:

Figura 32: Sequência de movimentos da corrida de Frog.

Sua aparência baseada em um sapo, é natural à caracterização da personagem ela se movimentar desta forma, mas suas características físicas que remetem à imagem do sapo não se restringem apenas à sua movimentação, Frog tem como som característico um coachar, embora ele também fale normalmente; suas técnicas de ataque envolvem tanto golpes com a espada, quanto o uso de sua língua e seu elemento mágico é a água. Se dissociarmos as características que compõe a personagem, temos o imaginário do cavaleiro e o do sapo, o que resulta em ataques e movimentos que são provenientes das características de um cavaleiro misturado com as habilidades de um sapo. Esta primeira parte da nossa análise foi a respeito da caracterização da personagem em que privilegiamos seu eixo sintático, o modo como é construída e caracterizada. Há algumas características com as quais a personagem é apresentado 32

desde o início ao jogador, como seus movimentos básicos, sons , aparência e algumas habilidades, porém, outras aparecem só com o decorrer da evolução dessa personagem, o que em um jogo digital de RPG corresponde aos pontos de experiência ganhos em batalha que conferem novas habilidades à personagem e detalhes de sua estória particular. Essa caracterização é em certa parte progressiva em relação à narrativa, já que algumas habilidades e eventos são apresentados apenas no decorrer da história, que é o momento em que podemos analisar as características semânticas da personagem e a sua micronarrativa em relação ao mundo em que a aventura acontece. As habilidades de Frog que surgem na progressão da história estão em relação direta com eventos chaves da narrativa. Quando ele aprende a usar magia, seu elemento é a água, e é de grande eficiência contra inimigos cuja fraqueza é este elemento. A Masamune que ele vem a empunhar é um objeto que permite ao grupo de heróis avançar na história e também possui atributos especiais na luta contra alguns inimigos. Frog, assim como as demais personagens principais de Chrono Trigger, está associado direto aos eventos que surgem no decorrer da aventura de Crono, mais especificamente aos que acontecem em seu período temporal (600 A.D.). Vamos nos concentrar em alguns momentos particulares de sua história no decorrer da narrativa de Chrono Trigger, ou conforme apontamos anteriormente, sua micronarrativa. Podemos ver os principais eventos de sua história na figura abaixo: Os momentos 1 e 2 são apresentados ao jogador apenas no momento 4. Cyrus é morto e Glenn é amaldiçoado.

1 A Masamune é destruída por Magus.

2

Luta contra Magus ao lado de Crono.

Crono repara a Masamune.

3 Frog e Crono se encontram quando os dois buscavam por Leene e Marle. Momento em que o jogador é apresentado à Frog.

4

Reparo do túmulo de Cyrus. Masa e Mune surgem aumentando o poder da espada ao máximo.

5

6

7

8

Frog usa a Masamune Luta contra Magus para cortar uma após a morte de montanha ao meio Crono. abrindo caminho para o 7.1 castelo de Magus. Frog vinga-se de Frog poupa Magus e Magus e o mata. o feiticeiro entra para a equipe.

Figura 33: A micronarrativa de Frog em Chrono Trigger.

33

Como podemos observar na linha narrativa apresentada anteriormente, a história de Frog começa na época em que ele servia à Cyrus como escudeiro. Quando era humano, Glenn sempre foi subestimado pelas pessoas, mas Cyrus o protegia e Glenn veio a se tornar um espadachim melhor do que seu amigo com a exceção de que, ao contrário de Cyrus, Glenn era incapaz de machucar alguém. Cyrus se alistou para servir como cavaleiro do reino de Guardia e conseguiu grande destaque pela sua habilidade com a espada, em todas as suas aventuras Glenn o acompanhava. Com a morte do cavaleiro, a maldição lançada por Magus e a Masamune quebrada, Glenn tornou-se recluso. O primeiro encontro que o jogador tem com ele é no terceiro evento da linha narrativa apresentada anteriormente, porém ele só entra definitivamente para a equipe no evento de número cinco, quando Crono precisa deter Magus, mas isso só é possível graças à intervenção de Crono que reparou a Masamune, assim devolvendo a auto confiança para Frog, e é neste momento que é apresentado ao jogador a relação de Frog com Cyrus e a sua motivação na luta contra Magus. Na segunda luta contra Magus, o jogador pode escolher entre duas opções, sendo elas dar a Frog sua vingança contra Magus, na qual eles se enfrentam em um duelo um contra ou outro, ou então negar a luta. Caso o jogador se recuse a lutar, Magus entra para a equipe, caso a luta aconteça, Magus é morto por Frog. O último capítulo da história de Frog está em um evento paralelo que resulta na maximização do poder da Masamune. Este evento consiste em reparar o túmulo de Cyrus que só é acessível quando o grupo consegue a Epoch após a morte de Crono. Caso o jogador escolha passar por este último evento, ele é recompensado com o aumento de poder da espada e um último diálogo entre a alma de Cyrus e Frog. Concluindo, Frog está relacionado semanticamente ao mundo da narrativa de Chrono Trigger de diversas formas. Possui sua própria história e motivação, assim como suas relações pessoais com outras personagens. É um auxílio direto na progressão do jogador pela história e

Figura 34: Da esquerda para a direita: Masa, Masamune e Mune.

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uma opção na formação de uma estratégia de combate (o jogador pode escolher três personagens para lutar contra os inimigos) graças às suas habilidades, que por sua vez são adquiridas durante a aventura e correspondem a aquilo que é no modo como é apresentado ao jogador, um cavaleiro medieval sob a forma de um sapo.

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2. O conceito de imaginário. Não podemos ir direto a um exame do imaginário no videogame sem antes realizar uma breve passagem pelo conceito de imaginário de Gilbert Durand, porém, primeiramente, é necessário falarmos um pouco do conceito de imaginário em Gaston Bachelard. Bachelard, matemático que também se graduou em Letras, cientista e epistemólogo foi mestre de Gilbert Durand. Dedicou-se a um delicado exame da imaginação, e a toma como fonte da relação das imagens psíquicas com o mundo real. Wunemburger (2003, p.18), ao discorrer em seus estudos sobre o imaginário em diferentes autores, afirma que para Bachelard o imaginário é uma “faculdade de deformar imagens”, sendo que Bachelard se baseou nos estudos de Jung para colocar o imaginário situado em arquétipos, naquilo que Jung definiu como Animus5 e Anima6. Em suas reflexões, Bachelard coloca a imagem como carregadora de novas significações ao consagrar seus estudos à matéria dos quatro elementos que ele trata como a matéria que molda o imaginário, e que são concebidas como poéticas dedicadas a um exame detalhado dos elementos no imaginário, sendo eles o fogo, a água, a terra e o ar. Em uma de duas últimas obras dedicadas ao imaginário, Bachelard examina o devaneio, que ele afirmar que “Pela imaginação, graças às sutilezas da função do irreal, reingressaremos no mundo da confiança, no mundo do ser confiante, no próprio mundo do devaneio” (BACHELARD,1960, p.14). Já Gilbert Durand, expandiu o imaginário e passou a tratá-lo situando-o no campo da antropologia pelo qual ele definiu suas estruturas do imaginário. Para ele, o imaginário é uma espécie de reservatório, de local do qual partem as representações humanas formadas a partir de um trajeto reversível que vai do biológico ao social. Os estudos de Gilbert Durand sobre o trajeto antropológico da imagem são iniciados a partir da reflexologia, pela qual o trajeto da imagem se inicia no plano _____________ 5 Para Bachelard, o Animus, fragmento masculino, é responsável pelo sonho noturno. 6 Bachelard trata a Anima, essência feminina, como a responsável pelo devaneio.

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neurobiológico do recém-nascido e parte para o plano sócio-cultural, sendo que, para explicar o método utilizado, o autor nos afirma que: [...] uma análise dessas só pode ser aplicada – enquanto enquadramento estrutural da pesquisa – no universo concreto da consciência humana em geral (psique) que é primordialmente o do imaginário antes de ser o da reflexão sintáctica, que é directamente semântica antes de ser semiológica. (DURAND, 1996, p. 65)

Em outras palavars, Durand propõe que o imaginário seja analisado enquanto uma produção da consciência humana em relação ao seu ambiente sócio-cultural. 2.1 O trajeto antropológico da formação da imagem Os gestos dominantes são divididos em três, e de acordo com Durand, são eles os responsáveis por determinar a orientação da representação simbólica, sendo o primeiro gesto dominante o postural, em que são determinadas as imagens verticalizantes, ascensionais e da separação; o segundo é o gesto dominante digestivo, em que as imagens estão relacionadas aos aspectos cíclicos e do acolhimento, e por fim, o gesto dominante sexual ou copulativo, em que estão relacionadas as imagens cíclicas e sintéticas. Gestos dominantes

Postural

Imagens de aspecto cíclico e do acolhimento.

Imagens verticalizantes, ascencionais e da separação.o.

Digestivo

Copulativo

Imagens cíclicas e sintéticas.

Figura 35: Gestos dominantes. 37

Em um breve resumo, Durand nos diz que os gestos dominantes são: ... matrizes sensório-motoras nas quais as representações vão naturalmente integrar-se, sobretudo se certos esquemas (schémas) perceptivos vêm enquadrar e assimilar-se aos esquemas (schémas) motores primitivos, se as dominantes posturais, de engolimento ou rítmicas se encontram em concordância com os dados de certas experiências perceptivas. É a este nível que os grandes símbolos vão se formar, por uma dupla motivação que lhes vai dar esse aspecto imperativo de sobredeterminação característico. (DURAND, 2002, p. 51)

Os gestos dominantes são o ponto de partida para o processo de formação da imagem pelos estudos da antropologia do imaginário. As dominantes postural, digestiva e copulativa atuam como matrizes geradoras das imagens e que veremos de forma mais concreta na constituição do símbolo e do mito, as etapas finais do processo de formação da imagem segundo Gilbert Durand. Prosseguindo com o processo de formação da imagem de acordo com o trajeto

antropológico de Durand, os esquemas que começam a nos dar idéia de como o imaginário é estruturado e intermediam a processo entre os gestos dominantes no processo de formação da imagem, são os responsáveis pela formação dos arquétipos. Nos processos de exame do inconsciente, Jung nos apresenta seu conceito de arquétipo estando ligado às representações coletivas, sendo eles apenas conteúdos psíquicos que ainda não passaram por uma elaboração do consciente; o arquétipo é em sua essência algo do inconsciente que pode ter uma variação em seu modo de representação dependendo da consciência que o manifesta. O próprio Jung nos diz que “O significado do termo “archetypus” fica sem dúvida mais claro quando se relaciona com o mito, o ensinamento esotérico e o conto de fada” (JUNG, 2000, p.17). Ao estabelecer o arquétipo como campo de estudo, Durand delimita a perspectiva simbólica para estudar a imaginação humana, sendo, que de acordo com o autor, “os símbolos constelam porque são desenvolvidos de um mesmo tema arquetipal, porque são variações sobre um arquétipo.” (DURAND, 2002, p. 43)

Os arquétipos são responsáveis por mediar os esquemas e gerar as

estruturações simbólicas. A diferença entre o símbolo e o arquétipo, é que, enquanto o símbolo se direciona para o substantivo, o arquétipo está ligado à idéia. Para Durand, o símbolo é o meio pelo qual expressamos o imaginário, sendo ele o que nos coloca de acordo com o domínio da expressão, e no caso, o símbolo é possuidor de três

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características essenciais que delimitam sua compreensão. Segundo Durand, essas características são: Em primeiro lugar, o aspecto concreto (sensível, imagético, figurado, etc.) do significante, em seguida a sua característica ótima: é o melhor para evocar (fazer conhecer, sugerir, epifanizar, etc.) o significado, e, por último, o fato de que este é impossível de apreender (ver, imaginar, compreender, etc.) direta ou indiretamente. (DURAND, 1996, p. 73 e 74)

Os símbolos são responsáveis por manifestar o arquétipo na cultura, e é por meio deste trajeto que descrevemos, partindo dos gestos dominantes, passando pelo processo de esquematização e geração dos arquétipos para assim formar a manifestação simbólica que chegamos à composição do mito.

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Figura 36: Símbolo.

O mito segundo Gilbert Durand (1996, p. 42) é um processo de racionalização do discurso, é “uma narrativa simbólica, conjunto discursivo de símbolos, mas o que

39

nele tem primazia é o símbolo e não tanto os processos de narrativa”. E é por meio de imagens naturais e dos símbolos sociais que o mito opera. Desenvolveremos melhor o conceito de mito mais a frente, em que utilizaremos não só a visão de Durand deste campo de estudo, mas também a de outros pensadores. Ao estabelecer este trajeto da formação da imagem, que parte da reflexologia que fornece o estudo sobre os gestos dominantes e chega ao mito, Durand cria modelos estruturais para análise do imaginário, os quais serão chamados por ele de “Regimes do Imaginário”. 2.2 Os Regimes do Imaginário As estruturas das quais Gilbert Durand fala, devem ser entendidas como orientações passíveis de transformação que motivam um agrupamento de imagens e que se agrupam em estruturas gerais então denominadas de “Regime”. Os regimes estruturados pelo imaginário são divididos em duas faces: o Regime Diurno e o Regime Noturno, sendo que é para os regimes do imaginário que dedicaremos a maior parte da atenção no nosso trabalho, e é neste primeiro momento que devemos distinguí-los para que seja facilitada a compreensão da nossa proposta. 2.2.1 O Regime Diurno da Imagem Começaremos pelo Regime Diurno da imagem, regime este no qual estão estruturadas as imagens ascensionais, a lógica dualista, a luta contra o tempo, vitória contra a morte e a separação. Regime da antítese e do maniqueísmo, o Regime Diurno da imagem exerce uma separação das imagens. Segundo Durand, o Regime Diurno da imagem está dividido em duas partes “[...] a primeira – [...] – consagra ao fundo das trevas sobre o qual se desenha o brilho vitorioso da luz; a segunda manifestando a reconquista antitética e metódica das valorizações negativas da primeira” (DURAND, 2002, p. 68). Na primeira parte do Regime Diurno, as imagens são separados em teriomórficas (simbolismo animal), nictomórficas (simbolismo ligado às trevas) e catamórficas 40

(símbolos da queda). Ao sagrar essas três epifanias da primeira divisão do Regime Diurno da imagem frente à temporalidade, Durand evidencia os aspectos dualistas pertencentes a este regime. Na teriomorfia nos é exposto a dupla valorização do simbolismo animal, sendo alguns animais positivamente valorizados, enquanto outros são negativamente valorizados. Ao simbolismo nictomórfico estão reservadas as imagens negativas da escuridão, nas quais os animais são isomorfizados em imagens negativas, das trevas e do caos. E à última divisão desta primeira parte do Regime Diurno, Durand nos apresenta a catamorfia, o simbolismo da queda pelo pecado e pela desvirtuação a qual é relacionada a “queda da moralização” (DURAND, 2002, p. 114). Conforme Durand: A queda, é assim, simbolizada pela carne, a carne que se come, ou a carne sexual, unificadas uma e outra pelo grande tabu do sangue. Assim, o temporal e o carnal tornam-se sinônimos. Há um deslize do especulativo para o moral, A queda transforma-se em apelo do abismo mortal, a vertigem em tentação. (DURAND, 2002, p. 118)



Porém, o Regime Diurno, sendo antitético, apresenta sua segunda divisão a

qual serão sagradas as imagens heróicas e ascensionais, e que serão estudadas como sendo as imagens que buscam vencer as trevas e as valorizações negativas. Opostas às faces negativamente valorizadas do imaginário, a segunda divisão do Regime Diurno irá transparecer a luta contra um mal a ser evidenciado, a simbolização do perigo e sua dominação. É nesta divisão do diurno que fica evidente a correspondência com o gesto reflexológico postural; a ascensionalidade e verticalidade postural são segundo Durand (2002, p. 124) “reações reflexas primordiais, naturais, de que os símbolos negativos... não são mais que contrapartidas afetivas, complementos catalisadores”, sendo, como assim na primeira divisão, o modo como são apresentadas as três epifanias imaginárias que fazem frente à temporalidade, a segunda divisão deste regime apresenta três divisões simbólicas que vão se opor aos símbolos negativos do regime diurno. São eles os símbolos ascensionais, os símbolos espetaculares e os símbolos diairéticos. Os símbolos ascensionais segundo Durand (2002, p. 125) são “metáforas 41

axiomáticas”, metáforas claras, de fácil entendimento que são motivadoras naturais das valorizações positivas e suas representações ascensionais. Os símbolos ascensionais são aqueles que representam a reconquista do que foi perdido no processo de queda ao qual se opõe. Em seguida temos os símbolos espetaculares, que assim como os ascensionais são a antítese da queda, os símbolos espetaculares se contrapõem aos símbolos das trevas isomorfizando a luz em luz celeste, purificadora e da transcendência divina. E para completar a constituição simbólica da face positiva do regime diurno da imagem, temos os símbolos diairéticos, os símbolos da divisão que representam os esquemas e arquétipos ascensionais e espetaculares. É pela esquematização e arquetipologia diairética que vemos a luz se transformar em espada ou raio naquilo que Durand (2002, p. 159) nos mostra que é onde se “começa a desenhar em filigrama, sob os símbolos ascensionais ou espetaculares, a figura heróica do lutador erguido contra as trevas ou contra o abismo”, sendo a espada seu símbolo, pois é a espada o instrumento diairético por excelência na luta contra os símbolos nictomórficos. Durand situa nos símbolos diairéticos o herói solar, o qual devemos ressaltar alguns aspectos. Para ele, o herói solar que é encontrado nos símbolos diairéticos é um guerreiro violento o qual são os efeitos de suas ações que contam e não a submissão a um destino, e é este herói que busca transcendência que, segundo as afirmações de Durand “A transcendência está sempre, portanto, armada, e já encontramos esta arma transcendente por excelência que é a flecha [...]” (Durand,2002, p. 159). Um apontamento importante para o nosso trabalho, baseado em Durand(2002, pg. 161), é que as armas , em sua complexidade, têm seu significado ampliado, pois as armas “de que o herói se encontra munido é, assim, ao mesmo tempo símbolo de potência e de pureza”. É comum nos jogos de videogame o herói portar uma arma que é seu símbolo. Há ainda uma última parte do Regime Diurno da imagem a qual os símbolos ascensionais, da separação (diairéticos), e do arquétipo da luz constelam simbolicamente de forma polarizada que é a estrutura esquizomórfica do imaginário. Neste caso, esquizomorfia não está ligada à patologia esquizofrênica, ela é uma representação normal que não deve ser confundida com o estado esquizofrênico. 42

É pela análise dos símbolos apresentados que vemos que, nas palavras de Durand (2002, p. 179) “a atualização do Regime Diurno da imagem se faz pelo gládio e pelas atitudes imaginárias diairéticas” Seguinte ao Regime Diurno da imagem há o Regime Noturno, local no qual

Faces Negativas

Faces Positivas

Teriomorfia Simbolismo animal

Símbolos Ascensionais Símbolos Espetaculares

Nictomorfia Símbolos das Trevas

Durand situa as imagens da harmonia, da união, cíclicas e sintéticas.

Regime Diurno da Imagem Catamorfia Símbolos da queda

Símbolos Diairéticos

Figura 37: Regime diurno. 2.2.2 O Regime Noturno da Imagem É no Regime Noturno da imagem que encontramos as imagens da união (místico) e da harmonia (sintético) e que o sentido afetivo da imagem sofre uma inversão e a noite é considerada necessária para que haja o dia, pois o próprio Durand (2002, p. 197) nos afirma que “o Regime Noturno da imagem está constantemente sob o signo da conversão e do eufemismo”.

A primeira parte do Regime Noturno está dividida em três sub-partes, sendo

eles os símbolos da inversão, os símbolos da intimidade e as estruturas místicas do imaginário. Os símbolos da inversão são os símbolos nos quais se reencontram os símbolos negativamente valorizados pelo Regime Diurno da imagem, porém, em uma 43

condição que segundo Durand (2002, p. 199) se “encontram exorcizadas dos terrores que veicularam transmutadas pelo abandono do regime da antítese”.

A queda nos símbolos da inversão se transforma em descida voluntária a qual

necessita do apoio, da proteção e da motivação. Procedente aos símbolos da inversão temos os símbolos da intimidade, terreno onde encontramos a morte valorizada e o regresso ao útero. Ao inverter o sentido da morte, a terra se transforma, segundo Durand (2002, p. 237) em “berço mágico e benfazejo porque é o lugar último de repouso”. É pelo simbolismo da intimidade que vemos a valorização positiva dos locais do acolhimento e a importância da morada como local de repouso. Em seqüência ao simbolismo da inversão, Durand desenvolve as estruturas místicas do imaginário, sendo que místico é utilizado no sentido de união. Durand (2002, p. 269) nos esclarece sobre a recusa “de sair das imagens familiares e aconchegantes” das quais a fidelidade é perseverante.

Nas estruturas místicas é ressaltada a presença da estrutura da viscosidade e da

adesividade que estão presentes no meio “social, afetivo, perceptivo, representativo” (2002, p. 271), em que a ligação e a aproximação são valorizadas.

A terceira subestrutura pertencente a esta estrutura maior que é a mística foi

chamada por Durand de realismo sensorial. É nesta estrutura que vemos os aspectos da concretude e do realismo imaginário.

E uma quarta subestrutura se faz presente nas estruturas místicas do

imaginário. É nesta estrutura em que se vê a tendência para a miniaturização e a reviravolta acontece, ou, conforme chamado por Durand (2002, p. 275) “gulliverização da representação do Regime Noturno”. A segunda parte do Regime Noturno é onde estão localizados os símbolos cíclicos, os esquemas rítmicos e as estruturas sintéticas do imaginário.

É nos símbolos cíclicos que encontramos a repetição, o mito do eterno retorno;

aqui não se pretende mais vencer o tempo, mas sim, dominá-lo. Segundo Durand “Todo símbolo ligado ao ciclo possui ao mesmo tempo sua parte de trevas e a sua parte de luz” (DURAND, 2002, p. 328). Nos esquemas rítmicos, nos são relacionadas a imagem da cruz, do messias 44

e do fogo. É pela madeira da qual se confecciona a cruz da qual o messias será crucificado que o fogo é extraído de forma friccional, sendo a cruz um símbolo de união do vertical (ascensional) com o horizontal (terreno). De acordo com Durand “Toda árvore e toda madeira, enquanto servem para confeccionar uma roda ou uma cruz, servem em última análise, para produzir o fogo irreversível” (Durand, Gilbert, 2002, p. 345). E em sua última parte que nos é apresentada por Durand, há as estruturas sintéticas do imaginário, local em que encontramos a presença de todas as outras intenções do imaginário. É nesta fase que as antíteses se harmonizam por meio da assimilação e da “fuga existencial do tempo” (DURAND, 2002, p. 347). A estrutura sintética busca a harmonia e a coerência sistêmica dos elementos. É a estrutura dramática e progressista que busca, segundo Durand (2002, p. 355) aniquilar “a fatalidade da cronologia”. Buscamos neste trajeto apresentar a teoria do imaginário segundo Gilbert

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Figura 38: Regime noturno. 45

Durand, apresentando o trajeto da imagem desde os gestos dominantes que partem da reflexologia até a formação do mito como racionalização do discurso; apresentamos a divisão estrutural do imaginário nos Regimes Diurno e Noturno assim como suas subdivisões. Após apresentarmos a proposta de Gilbert Durand sobre o imaginário, em que buscamos abordar sua teoria antropológica acerca da imagem e da imaginação, propomos discutir as traduções do imaginário nos jogos digitais. Os Regimes do Imaginário são paradoxais, coexistem; tanto o Diurno quanto o Noturno estão presentes no imaginários e, remotamente, há a existência de apenas um deles, porém, consideramos a predominância, sendo que há situações que tendem para as características do Regime Diurno e situações com tendências às características do Regime Noturno. Devemos considerar que nossa análise é direcionada para jogos digitais que se desenvolvem em torno de uma narrativa, na qual o jogador controla uma personagem cujo objetivo é a luta contra uma ameaça potencial seja ela de proporções microcósmicas, que só impactam o ambiente doméstico do herói, ou macrocósmicas, de proporções universais. Em ambos os casos notamos que a motivação da jornada do herói é a princípio regida pelos aspectos Diurnos do imaginário, a luta contra o mal, na qual em muitos casos o herói enfrenta a sua antítese, mas que a princípio é resumida em uma jornada ascensional após a personagem principal, em nosso caso, o herói, ser retirada de seu ambiente familiar e cotidiano e ser inserida na aventura. Mesmo o princípio da jornada ascensional de um herói nos jogos de videogame geralmente ser a luta contra o mal, ela não tende a ser apenas guiada por este aspecto diurno. Como veremos na análise de nosso objeto de estudo principal, em nosso segundo capítulo, ao tomarmos como base de nossa análise jogos de videogame que se desenvolvem em torno de uma narrativa, buscamos apresentar que um dos fatores que contribuem para a jornada do herói nos jogos digitais é a presença de momentos diurnos e noturnos, possibilitando assim a criação de situações as quais para serem enfrentadas com sucesso, o herói deve tomar uma postura diurna ou noturna. O Regime Diurno da imagem será traduzido então pelas suas características 46

antitéticas, em que a luta contra o mal será o principal catalisador para o desenvolvimento do herói, só que há um trajeto a ser percorrido entre o início da jornada do herói e seu fim, e é neste momento que as características da harmonia, da união e da síntese que são caras ao Regime Noturno do imaginário se farão presentes.

Regime Diurno da Imagem Faces Negativas

Faces Positivas

Símbolos Teriomórficos

Simbolismo animal

Símbolos Ascensionais

Símbolos que representam a reconquista

Símbolos Nictomórficos

Símbolos das trevas

Símbolos Espetaculares

Luz celeste, purificadora e da transcendência divina

Símbolos Catamórficos

Símbolos da queda

Símbolos Diairéticos

Símbolos da divisão

Regime Noturno da Imagem Símbolos da inversão

Descida voluntária

Símbolos Cíclicos

Repetição. Mito do eterno retorno

Símbolos da Intimidade

Morte valorizada. Regresso ao útero

Esquemas Rítmicos

Messias, cruz e fogo friccional

Estruturas Místicas

União

Estruturas Sintéticas

Harmonia dos elementos

Figura 39: Regimes do imaginário.

47

3. Fundamentos e funcionamento do mito Há diversas formas de falar sobre o conceito de mito por meio de diversos campos de estudo. Escolhemos estudar o mito em seus fundamentos e o modo como funciona para então estudar o conceito da imagem do herói e o seu papel nas narrativas míticas. Para o antropólogo Claude Lévi-Strauss, o mito dá a ilusão ao homem que ele entende o universo. A partir da análise de diversos mitos, Lévi-Strauss concluiu que os mesmos elementos são encontrados combinados de infinitas maneiras em diferentes mitos, o que ele veio a denominar como sendo “mitemas“. Ao buscar uma definição sobre mito, Mircea Eliade, historiador e mitólogo que focou seus estudos principalmente no campo da religião, apresenta o mito como sendo um relato sagrado pertencente ao primórdio de tudo no qual a existência daquilo que se considera real só foi possível pela intervenção de entidades sobrenaturais, sendo que o mito segundo determinada cultura, deve tratar apenas de fatos que realmente ocorreram. Para Eliade: [...] os mitos descrevem as diversas, e algumas dramáticas, irrupções do sagrado (ou do “sobrenatural”) no Mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o Mundo e o converte no que é hoje. E mais: é em razão das intervenções dos Entes Sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural. (ELIADE, 1973, p. 11)

Pela visão de Mircea Eliade, percebemos que o mito é a fonte geradora que possibilita a formação estrutural das atividades e da sociedade humana. O próprio autor vem a concluir que “a principal função do mito consiste em revelar os modelos exemplares de todos os ritos e atividades humanas significativas: tanto a alimentação ou o casamento, quanto o trabalho, a educação, a arte ou sabedoria” (ELIADE, 1973, p. 13). Os estudos de Eliade são direcionados ao campo da religião utilizando do método comparativo, no qual o autor foca no mito como uma questão fundamental para os ritos religiosos e as atividades significativas para o ser humano, sendo que as principais personagens são os Entes Sobrenaturais e que a existência só foi possível por meio da intervenção sobrenatural. Já Joseph Campbell, em seus estudos sobre mitologia comparada nos quais 48

buscou similaridades e padrões pelos quais os mitos se desenvolveram em diferentes culturas de locais diferentes, trata o mito como sendo responsável por exercer a função fornecedora dos símbolos que elevam o espírito humano em uma jornada ascensional, uma fonte das motivações e conduta para as atividades humanas pelas quais as bases da cultura e do pensamento foram desenvolvidas, e que fornece o meio para o desenvolvimento da potência do espírito e da vida humana. Campbell afirma que “As religiões, filosofia, artes, formas sociais do homem primitivo e histórico, descobertas fundamentais da ciência e da tecnologia e os próprios sonhos que nos povoam o sono surgem do círculo básico e mágico do mito” (CAMPBELL, 1992,p. 15). Para Campbell, o mito é responsável por fornecer os símbolos que ao serem decifrados apresentam soluções para toda a humanidade, estes símbolos, conforme afirmado por Campbell (1992, p. 15 e 16) “são produções espontâneas da psique e cada um deles traz em si, intacto, o poder criador de sua fonte”. Tanto Joseph Campbell quanto Mircea Eliade tratam o mito como fonte geradora dos costumes das sociedades e um das bases pela qual a conduta e o pensamento humano se desenvolveram. No campo da filosofia, o filósofo alemão Hans Vaihinger ao escrever seu ensaio sobre ficcionalismo toma o mito como a fonte geradora das artes, ciência, religião e poesia, definindo especificamente os produtos da mitologia como ficções mitológicas e a mitologia sendo o meio pelo qual os produtos da fantasia emergem pela primeira vez sem que correspondam à realidade. Para Vaihinger, ficção é o produto ou forma de representação pressuposta, fingida, pensada ou imaginada. Em seus trabalhos sobre antropologia, Gilbert Durand buscou compreender o funcionamento mecânico do mito. Para o autor, o mito é um discurso segmentado semanticamente em unidades que se repetem denominadas “mitemas“, termo este cunhado por Lévi-Strauss para os pontos redundantes encontrados nos mitos. Para Durand, o mito é uma narrativa simbólica e discursiva que legitima a existência de determinado grupo, pessoa ou objeto no mundo e, sua aplicação preferencial, está situada na cosmogonia, teogonia e escatologia. Sendo um modelo matricial para as narrativas, há três paradigmas aos quais o mito está sujeito conforme analisado por Durand: a perenidade, a derivação e o 49

desgaste. A perenidade está relacionada aos elementos do mito que se mantém, às características que se fazem presentes em diferentes narrativas míticas e que, em um primeiro momento, não apresentam nenhuma diferença. Já a derivação ocorre quando elementos diferentes preenchem o esquematismo do mito. O mito deriva quando a maioria dos mitemas são modificados, sendo que isso pode ocasionar um rompimento caso a derivação se distancie muito do mitema original. O desgaste de um mito acontece quando a derivação vai muito longe. Há duas motivações para o desgaste do mito, uma pelo excesso denotativo, ou seja, pelo excesso de pregnância real do uso do mito e outra pelo excesso conotativo dos elementos figurativos utilizados no discurso míticos. Conforme escreve Durand: Há... uma palingenesia do mito, isto é, há mitemas em número limitado que se combinam segundo um outro número limitado, mas mais alargado, de mitos; quando um mito desaparece, aparece outro que o substitui. Mas eles giram em círculo porque, para dizer a verdade, não há mitos novos. Paradoxalmente, qualquer mito é sempre novo porque está investido numa cultura e numa consciência, ao contrário do seu esquematismo. (DURAND, 1996, p. 116)

Para o antropólogo do imaginário, o mito é possuidor de quatro elementos constitutivos, sendo eles (1) um discurso dado em meio não natural, (2) um discurso que pode ser segmentado em unidades semânticas chamadas de mitemas (pontos redundantes nas narrativas), (3) uma estabilidade simbólica que se empenha no mito e por último (4) uma ação lógica pela qual os opostos são mantidos, pois conforme Durand (1996, p. 96), “estamos todos num universo mítico que necessita mostrar aquilo que não é visível e vemo-nos forçados a repeti-lo de formas diferentes...”. Após sofrer o processo de derivação e desgaste, o mito dá origem ao conto e à lenda, mas mesmo assim, é possível observar elementos perenes que mesmo desgastados, apresentam-se semanticamente pelo léxico, concluindo assim o funcionamento mecânico do mito. Ao estender um olhar direcionado ao nosso trabalho, não seriam os diversos mitos de herói um exemplar das perenidades, derivações e desgastes? Se observarmos cuidadosamente os jogos digitais, veremos que os mitos derivam desde o herói que se submete à aventura com dever de salvar uma galáxia ao herói cujas realizações 50

são domésticas, porém, no contexto de suas respectivas obras não deixam de serem heróis, são apenas representações contextualizadas de acordo com sua função em uma narrativa. As diferentes visões de mito apresentadas, embora cada uma tenha sua particularidade, apresentam semelhanças entre si. Buscamos sintetizá-las para que então possamos ter em mãos uma definição de mito que contribua para a nossa pesquisa. Portanto, tomaremos por mito uma narrativa organizada em arquétipos e símbolos, responsável por fundamentar as atividades humanas e ser uma das bases da nossa cultura pela qual diferentes áreas do conhecimento emergem; narrativa simbólica responsável pelos diferentes produtos da fantasia humana e que está sujeita à perenidade, derivação e desgaste.

Mito Claude Lévi-Strauss

Mircea Eliade Joseph Campbell

- Os mesmos elementos são encontrados combinados de formas diferentes em diversas mitologias (mitemas) - Relato sagrado - Fonte geradora das atividades, dos ritos e da sociedade humana - Fornece os símbolos que elevam o espírito humano em uma jornada ascencional - Motiva a conduta e a atividade humana - Fonte geradora das artes, ciência, religião e poesia

Hans Vaihinger

- Ficções mitológicas - Meio pelo qual os produtos da fantasia emergem pela primeira vez sem que haja correspondência com a realidade - É quem organiza o pensamento de forma sistêmica

Gilbert Durand

- Personagens e cenários não naturais expressos em imagens naturais - Narrativa simbólica

Figura 40: Mito.

51

Constituição do mito para Gilbert Durand

Discurso dado em meio não natural

Discurso que pode ser segmentado em unidades semânticas chamadas mitemas (pontos redundantes das narrativas)

Mito

Estabilidade simbólica que se empenha no mito

Ação lógica pela qual os opostos são mantidos

Figura 41: Diagrama que representa o conceito de mito na visão de Gilbert Durand.

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3.2 Mito e imagem do herói O herói está presente nos mitos, contos, lendas, crônicas e fatos históricos. É tido quase que sempre como a personagem principal das narrativas e à sua imagem sempre são atribuídos atos de altruísmo e bondade, sendo ele um modelo de conduta. Entre tantas representações do herói em diversas narrativas, é necessário aprofundarmos nosso estudo no que significa “herói” e quais são as características que fundamentam sua imagem. Para isso, fomos buscar principalmente nos mitos gregos a definição e a natureza do termo e as características que são atribuídas a ele. A palavra herói possui sua origem no grego ἥρως (héros) e significa guardião, defensor ou aquele que nasceu para servir, sendo que há duas origens comuns a todos os heróis: 1 - Origem divina: O herói é fruto da relação entre um deus e um mortal, possui características especiais que excedem o humano comum e é geralmente encontrado nas narrativas míticas; 2 - Origem humana: O herói é um ser humano comum que aceitou romper com as condições impostas a ele para alcançar algum tipo de conquista. Este tipo de herói é encontrado com mais frequência em fatos históricos. Há duas virtudes com as quais o herói mítico nasce e que o diferenciam dos demais, sendo elas a τιμή (timé), sua respeitabilidade e a άρετή (areté), a superioridade deste em relação aos demais. O herói deve sempre estar pronto para a luta, para o sofrimento e a solidão; ele existe para a luta e muitas vezes o seu nome está relacionado com a sua condição ou com o caminho que ele irá seguir. Toda sua jornada será um preparativo para sua provação final e para a morte, o momento de transformação que o tornará no verdadeiro protetor e, em alguns casos, passam a ser cultuados após a sua morte. Brandão (1987, Vol.3) ao analisar os estudos de Otto Rank nos apresenta algumas características inerentes à imagem do herói, sendo elas: 53

- Descendência nobre; - Nascimento precedido de dificuldades; - Durante a gestação, surgem profecias que advertem a família acerca do perigo que o futuro herói pode representar para a vida do pai ou de algum parente; - É abandonado para a morte dentro de um recipiente ou em um monte; - É salvo por pessoas humildes ou animais; - Em sua adolescência dá sinais de sua superioridade; - Após uma sequência de grandes feitos, retorna ao seu local de origem; - Vinga-se do pai ou de algum parente próximo; - Casa-se com uma mulher nobre; - É reconhecido por seus feitos; - Morte trágica; - É glorificado após sua morte. Devemos considerar que nem sempre estas etapas estão presentes na jornada de todos os heróis. Há histórias em que o herói é eufemizado, possui uma vida cheia de glórias e é incapaz de qualquer monstruosidade tal como matar o próprio pai ou praticar qualquer ato sanguinário ou pilhagem, porém, todo herói, nos baseando nos mitos gregos, está sujeito a algum tipo de monstruosidade, seja ela social, ética ou moral. Sua tarefa mais brutal é “matar“ e seu espaço natural é o local em que as batalhas acontecem. Toda prática excessiva está ligada à sua imagem, pois o herói é aquele que transgride os limites impostos pelos deuses ao homem comum; toda forma de violência exacerbada e excesso sexual são comuns aos heróis em sua jornada. Sua natureza é, ou pode ser, ambivalente, simultaneamente bom e mau e, justamente por sua natureza ser assim, a sua transformação é possível. Com variações muito particulares, eles são estruturalmente muito parecidos e, a partir da análise do mito de alguns heróis, poderemos perceber as características apresentadas.

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3.2.1 Perseu, Héracles e Jasão Por meio da análise dos mitos de três heróis gregos, poderemos exemplificar as características da imagem e do imaginário do herói bem como os mitemas e as perenidades, derivações e desgastes dos mitos do herói. Muitas são as variações dos mitos dos heróis que vamos apresentar, buscamos apenas nos ater a pontos importantes de sua jornada sem privilegiar um ou outro autor. Procuramos trazer nestes três mitos diretores para nossa pesquisa, características pertencentes ao imaginário do herói as quais observaremos futuramente em nossas análise do herói nos jogos digitais. Perseu e a Medusa O primeiro mito que apresentaremos é o de Perseu, do grego περσεύς (Perséus), significa “sol nascente“. Filho de Zeus e Dânae, Perseus é ancestral de Héracles. Em sua infância, foi aprisionado junto com sua mãe em um cofre de maderia pelo seu avô, o rei Acrísio, e então lançado ao mar. Salvo por Dictis, um homem humilde que era irmão do rei da ilha de Sérifo, foi sustentado até sua maioridade pelo seu salvador enquanto sua mãe era mantida sob a guarda do rei, que desejava tomar posse de Dânae como esposa e enviou Perseu para buscar a cabeça da Medusa como forma de se livrar dele. Ao iniciar sua jornada, é ajudado pelo deus Hermes e pela deusa Atená para chegar até as Greias, que, após serem enganadas pelo herói que roubou o único olho que as três partilhavam entre si, indicam a Perseu como encontrar a Medusa. Também lhe deram um par de sandálias com asas, um alforje para guardar a cabeça da Medusa e o capacete pertencente ao deus Hades, que lhe conferia invisibilidade . Após conseguir a informação de como chegar até o monstro, Hermes lhe presenteia com uma espada de aço e Atená lhe empresta seu escudo de bronze que, de tão polido, refletia a imagem igual a um espelho. Com os presentes que recebeu dos deus das mediações e da deusa da sabedoria, Perseus cortou a cabeça da Medusa utilizando o escudo para refletir a 55

imagem sem que precisasse olhar direto nos olhos do monstro, o que causaria sua petrificação. Do corte feito pela espada, nasceu o cavalo alado Pégaso e o gigante Crisaor, ambos filhos do deu Posídon, o único que mantinha relações com a Górgona Medusa. Perseu então partiu para o oriente até chegar na Etiópia, onde se apaixonou pela princesa Andrômeda que estava acorrentada a um rochedo para ser sacrificada à Posídon. Ele a libertou e para casar-se com ela, fez uso da cabeça da Medusa que manteve guardada no alforje assim petrificando os pais e tios da princesa que tentaram impedí-los. Ao retornar para a ilha de Sérifos, Perseu enfrentou o rei Polidéctes que tentara violentar sua mãe e o petrificou, entregando o reino para Díctis, que o acolheu até a vida adulta. O herói então devolve para Hermes as sandálias aladas, o alforje e o capacete para que o deus mensageiro os devolva para as Greias. A cabeça da Medusa foi entregue para Atená que a espetou em seu escudo. Em seu caminho de volta para Argos, sua terra natal, participou dos jogos fúnebres realizados na Larissa, onde acidentalmente matou seu avô, o rei Acrísio, ao lançar um disco, cumprindo assim a profecia que fora feita em seu nascimento. Com remorso por ter matado seu avô, Perseu ao invés de assumir o trono que lhe era de direito em Argos, trocou de reino com seu primo, Megapentes, e passou a reinar em Tirinto. Héracles e os doze trabalhos Héracles, do grego Ἡρακλῆς (Heraklês), significa “glória de Hera”. Nasceu filho de Zeus com Alcmena e era bisneto por parte de mãe de Perseu, possui dupla paternidade, sendo o mortal Anfitrião também seu pai. Nasceu com o nome de Alcides, mas seu “nome heróico” vem a ser conquistado com o cumprimento de sua jornada. Quando Héracles nasceu, Zeus logo se apressou em garantir a imortalidade de seu filho arquitetando junto com Hermes para que ele sugasse o leite do seio de Hera, aumentando ainda mais a raiva da deusa pelo filho que seu marido tivera com 56

Alcmena. Em sua formação, Héracles foi educado por diversos mestres. Seu pai Anfitrião o ensinou a conduzir bigas; Lino o ensinou sobre música e letras, porém em uma de suas primeiras demonstrações de descontrole, Héracles o matou. Eumolpo substitui Lino; rei Êurito ensinou o filho de Zeus a manejar o arco e Castor, irmão gêmeo de Pólux o treinou no restante das armas. Sendo considerado pelos seus mestres como indisciplinado, aos dezoito anos já media três metros de altura, e foi nessa idade que ele matou o leão do monte Citerão que causava prejuízos aos rebanhos de Anfitrião e do rei Téspio, pai de cinquenta filhas que foram todas fecundadas por Héracles. Casou-se com Mégara, filha do rei Creonte. Induzido à loucura por Hera, matou seus filhos e para purificar-se de suas ações, foi até o oráculo de Delfos que o disse para se colocar a serviço do rei de Micenas, Euristeu, por doze anos, assim iniciando seus doze trabalhos. Para começar sua jornada de purificação, Héracles recebeu presentes dos deuses como forma de ajuda. Hermes lhe deu a espada; Apolo, o arco e as flechas; Hefesto lhe fez uma couraça de bronze; de Atená recebeu um peplo e Posídon lhe deu os cavalos. A partir de uma oliveira selvagem fez uma clava que compôs o seu arsenal de armas. O primeiro de seus trabalhos foi acabar com o Leão de Neméia. Invulnerável ao corte de qualquer arma, Héracles usou sua clava para atordoá-lo e então sufocá-lo com seus braços. Com o leão morto, o herói retirou sua pele que usou para cobrir os ombros e com a cabeça fez um elmo. O segundo trabalho foi contra a Hidra de Lerna. Héracles usou sua espada para cortar suas cabeças e o archote para cauterizar cada uma delas impedindo o crescimento de outra em seu lugar. Com a Hidra morta, ele banhou suas flechas no sangue envenenado do monstro, adicionando um novo atributo ao presente que Apolo lhe deu. Em seu terceiro trabalho, Héracles lutou contra e matou o Javali de Erimanto que estava a devastar a região próxima ao monte Erimanto. O quarto trabalho consistia em caçar a Corça de Cerina, um animal com cascos 57

de bronze e chifres de ouro. Héracles a perseguiu durante um ano até conseguir sua captura. No quinta trabalho, o herói teve que lidar com as aves do lago Estínfalo. Para isso, usou castanholas de bronze que as fez levantar vôo e assim matá-las com as flechas que envenenou com o sangue da Hidra de Lerna. O sexto trabalho de Héracles foi em um dia limpar os Estábulos de Augias. O herói desviou o curso dos rios Alfeu e Peneu para limpar o acúmulo de esterco de décadas. O rei Augias não honrou sua parte no acordo que fez com Héracles e o herói o matou, entregando o trono à Fileu. Também neste trabalho, os jogos Olímpicos foram fundados pelo filho de Zeus. Em seu sétimo trabalho, Héracles capturou o touro que uma vez pertenceu ao rei Minos de Creta e o levou para Euristeu para ser sacrificado para Hera, porém a deusa recusou. O touro foi liberto e este mesmo virá a ser capturado por Teseu. No oitavo trabalho, Héracles lutou contra Diomedes e o lançou às suas éguas que o devoraram. Após a morte de Diomedes, as éguas se acalmaram e foram levadas para Euristeu, que as deixou em liberdade acabando devoradas pelas bestas que habitavam os arredores do monte Olimpo. O nono trabalho consistia em roubar o cinturão de Hipólita. Héracles matou a rainha das amazonas para tomá-lo. No décimo trabalho, o filho de Zeus deveria trazer para Euristeu os bois do gigante Gerião. No caminho para roubar os bois, Héracles enfrentou e matou o monstruoso cão Ortro e o pastor que tomava conta dos bois, Eurítion. Em seguida, lutou contra Gerião, que possuia três cabeças e três corpos, e o matou, tomando os seus bois. Ao retornar para Euristeu com os bois, Héracles embarcou os animais na taça do sol que obteve de Hélios após ameaçar atravessá-lo com suas flechas. No caminho, o herói sofreu várias tentativas de roubo e um dos bois fugiu, ocasionando o confronto entre Héracles e o rei Érix no qual o rei foi morto pelo herói que deixou o reino para o povo, mas profetizou que um dia um de seus descendentes tomaria o poder. Quando finalmente chegou à Grécia, o rebanho foi atacado por moscardos enviados por Hera, causando a dispersão dos bois. Héracles só conseguiu recuperar 58

uma parte do rebanho que foi entregue ao rei de Micenas, que por sua vez os sacrificou à deusa Hera. Para realizar o décimo primeiro trabalho, Héracles desceu forçadamente ao Hades com ajuda de Hermes e Atená. No caminho, encontrou Pirítoo e Teseu presos sentados na cadeira dos esquecidos e, fazendo uso de sua força, consegue tirar Teseu de sua prisão no mundo dos mortos, porém Pirítoo foi deixado. Com a permissão de Hades, Héracles domou Cerbero sem ferí-lo e imediatamente o levou para Euristeu, que não demorou em ordenar que o cão fosse devolvido para seu dono. E no décimo segundo e último de seus trabalhos a serem realizados para seu primo Euristeu, Héracles deveria ir até o jardim das Hespérides e trazer os pomos de ouro que foram dados a Hera como presente pelo seu casamento com Zeus. No caminho para o jardim, o filho de Zeus lutou contra Cicno, filho de Ares e Pelopia, uma das filhas de Pélias. Ares, desejando se vingar pela morte de seu filho atacou Héracles que, com a ajuda de Atená, fez com que o deus da guerra retornase ao Olimpo. Derrotou o gigante Anteu, filho de Posídon e Geia e, após vencê-lo, fecundou sua esposa, de quem nasceu Palêmon. Matou Busíris, que capturou o herói para sacrificá-lo a Zeus e Emátion, filho de Eos e Titano. Héracles também libertou Prometeu que o aconselhou a não colher os pomos dourados, mas para pedir para o titã Atlas que o fizesse. Ao chegar ao local em que o titã segurava o céu em seus ombros, Héracles seguiu o conselho de Prometeu e trocou de lugar com Atlas que lhe trouxe os pomos, porém, não queria retornar ao seu posto, tendo Héracles que enganá-lo para assim tomar-lhe os pomos dourados e finalizar seus trabalhos. Ao entregar o objeto de seu último trabalho para Euristeu, este lhe devolveu para Héracles que por sua vez entregou à Atená que devolveu ao jardim das Hespérides, pois eles ainda eram de propriedade de Hera. Durante a jornada para a realização dos doze trabalhos, Héracles participou de diversas aventuras secundárias, que em grego é nomeado de πάρεργα (párerga), o que designa todas as importantes atividades realizadas pelo herói, porém, que não são seu objetivo principal e das quais vamos citar algumas. 59

Ao ir em direção do trabalho relacionado às éguas de Diomedes, Héracles pediu hospitalidade ao rei Admeto que de bom grado o recebeu apesar dos problemas que enfrentava. Quando soube que Alceste, a esposa do rei tinha se oferecido para morrer no lugar do marido, o filho de Zeus lutou contra Thánatos, a morte, vencendo-a e trazendo a rainha de volta Quando retornava da conquista do cinturão de Hipólita, Héracles encontrou Troia dizimada por uma peste lançada por Apolo e atacada por um monstro enviado por Posídon. O herói então salvou a princesa que foi amarrada em um rochedo como forma de sacrifício em troca das éguas que foram dadas ao rei por Zeus. Como o rei não cumpriu sua parte no acordo e Héracles prometeu voltar para tomar a cidade. Enquanto se dirigia ao monte Erimanto, o herói pediu hospitalidade ao centauro Folo que o recebeu. Héracles pediu vinho e o centauro negou em um primeiro momento afirmando que o único que possuía só podia ser consumido pelos centauros. Ao insistir, o herói foi atendido, o que fez com que os demais centauros os atacassem. Héracles os perseguiu e os matou, sendo que, com uma das flechas que envenenou com o sangue da Hidra de Lerna ele feriu acidentalmente o centauro Quirão, causando-lhe um ferimento incurável. Folo, ao recolher os corpos de seus irmãos centauros, deixou cair em seus pés uma flecha envenenada e acabou por morrer. Após organizar os funerais o herói foi para Erimanto caçar o javali. No momento em que se passava o trabalho correspondente aos estábulos de Augias, Héracles matou o centauro Eurítion, que tentou raptar Mnesímaca, filha do rei Dexâmeno que estava para se casar com Azane. Retornou para Troia para se vingar de Laomedonte. Com um exército invadiu a cidade e matou o rei e seus filhos, exceto Podacres que era muito jovem. Com o fim dos doze trabalhos é iniciado o ciclo da morte do herói. Após todas as conquistas que fez, Héracles ruma para a morte física e para a imortalidade junto de seu pai no Olimpo. Casado com Dejanira, união esta que foi acertada com Meléagro quando o herói desceu ao Hades para buscar Cerbero, Héracles acidentalmente matou o copeiro Êunomo e, por conta desta morte, decidiu partir da corte de seu sogro, Eneu, 60

com sua esposa e filho. Ao tentar atravessar um rio utilizando a embarcação do centauro Nesso, Dejanira quase foi violentada pelo centauro que foi morto por Héracles com uma flecha envenenada. Antes de morrer, o centauro entregou à esposa do herói uma túnica manchada com seu sangue, já envenenado pelo veneno da Hidra de Lerna misturado ao seu esperma, dizendo para que ela a usa-se caso um dia seu marido desejasse abandoná-la. Chegou então à Tráquis, na Tessália, onde seu primo Cêix reinava. Competiu no manejo do arco contra Êurito pela mão de Íole. Ao vencer aquele que era considerado o melhor nesta arma, o rei não cumpriu sua palavra e Íole não foi desposada por Héracles com medo de que ele novamente enlouqueça e a mate, fazendo com que o herói jurasse vingança. Héracles invadiu e incendiou a cidade após matar Êurito e seus filhos, exceto Ífito e Íole, que tornou-se sua comcubina. Mais tarde, Ífito veio a ser morto por Héracles em mais um acesso de loucura. Procurando se purificar de seus atos descontrolados, foi até o oráculo de Delfos para perguntar como poderia o fazer, mas o oráculo se recusou a responder e Apolo interveio a favor de sua sacerdotisa. Uma luta entre Apolo e Héracles se iniciou e só foi encerrada com a intervenção de Zeus. O oráculo então decidiu por orientar Héracles em como se purificar pelos seus descomedimentos. Como forma de penitência, o herói vendeu-se como escravo por três anos; o dinheiro ganho deveria ser entregue à família de Ífito como forma de pagamento pela morte do jovem. Dejanira foi deixada para trás e Íole foi levada como sua comcubina. Héracles tornou-se escravo de Ônfale que o ordenou a realizar quatro trabalhos: O primeiro seria acabar com um grupo de ladrões chamado Cercopes; O segundo trabalho seria libertar a Lídia de Sileu , filho de Posídon que obrigava os viajantes a trabalhar em sua vinhas e depois os matava; Em seu terceiro trabalho, enfrentaria e mataria o ceifeiro Litienses; E no último trabalho libertaria a Lídia dos Itoneus, um grupo de saqueadores. Impressionada com a habilidade de seu escravo, Ônfale descobriu as origens de Héracles, libertou-o e casou-se com ele, sendo que dessa união nasceu Lêmon. Ao erguer um altar em agradecimento para seu pai, Zeus, Héracles ordenou a 61

um de seus criados que fosse até Dejanira buscar uma túnica, esta por sua vez, com medo de perder Héracles para sempre enviou-lhe a túnica manchada pelo sangue envenenado e o esperma de Nesso, seguindo o conselho do centauro. Ao vestir a túnica, Héracles ficou enlouquecido com a dor causada pelo veneno que penetrava a sua pele. Ele tentou removê-la, mas conforme puxava, pedaços de sua carne saíam junto com a túnica. O herói retornou à Tráquis e Dejanira ao ver o estado ao qual condenou seu amado acabou por tirar a própria vida. Héracles escalou o monte Eta e pediu para seus servos erguerem uma pira. Deitou-se nela e ordenou que colocassem fogo. Todos se negaram, exceto Filoctetes que recebeu como agradecimento de seu mestre o arco e as flechas, os presentes de Apolo. Assim que o fogo começou a queimar o corpo, Zeus interveio e levou seu filho para o Olimpo. Héracles foi recebido em meio aos imortais e se reconciliou com Hera passando assim a ser definitivamente chamado de Héracles e deixando seu nome mortal, Alcides, para trás. Casou-se com Hebe que agora lhe serviria o néctar da imortalidade assim como o fazia aos deuses. Héracles conquistou sua imortalidade após completar seus trabalhos, pela sua honorabilidade e excelência, e por todo o sofrimento que passou. Jasão, os Argonautas e o Velocino de Ouro Jasão, em grego Ἰάσων nasceu filho de Esão e Polímede, e ao contrário de muitos dos heróis gregos, não era um semideus. Quando criança foi exilado após seu pai ser assassinado por seu tio Pélias. Educado pelo centauro Quirão, aos vinte anos retornou para reclamar o trono. Pélias concordou em devolver o trono para Jasão, desde que o jovem o trouxesse o Velocino de Ouro. Jasão então convoca heróis e príncipes num total que varia entre cinquenta e cinquenta e cinco heróis, cada qual com sua especialidade que compõe sua tripulação formando assim os Argonautas. A primeira parada do Argos, o navio em que navegavam, foi na ilha de Lemnos, onde os Argonautas tiveram filhos com as lemníades. Seguiram para a Samotrácia 62

e, a conselho de Orfeu, foram iniciados nos mistérios dos Cabiros, entidades que protegiam os navegantes. Chegaram em Cízico, onde foram recebidos com um banquete, porém, no dia seguinte foram confundidos com piratas que atacavam o local com frequência. O combate se iniciou e Jasão acabou por matar o rei Cízico, sendo que o confronto só acabou quando o mal entendido foi esclarecido. Quando aportaram na costa da Mísia, Héracles quebrou o remo do Argos por usar muita força, por isso adentrou uma floresta para conseguir madeira para construir outro. Hilas fez o mesmo para procurar água doce e nunca mais retornou. Preocupados com o desaparecimento do companheiro, Héracles e Polifemo saíram a procura de Hilas e não conseguiram retornar a tempo de embarcar no Argos que partiu sem eles. O grupo foi para a terra dos bébricos e Pólux aceitou lutar contra o rei Âmico, um gigante filho de Posídon. Com a derrota do gigante, o Argos ancorou na Trácia onde, após Cálais e Zetes lutarem contra as Harpias, foram instruídos pelo rei Fineu sobre os perigos das Simplégades, um par de recifes móveis que esmagavam qualquer coisa que passasse entre eles. Fineu os aconselhou a usar uma pomba, caso ela cruzasse com sucesso, é porque o grupo teria sucesso, caso contrário, eles deveriam desistir. Seguindo os conselhos de Fineu, utilizaram uma pomba que atravessou os recifes e teve apenas parte de sua cauda cortada, ao seguir com a nau, eles perderam parte da popa do Argo assim como a pomba perdera parte da cauda. Entraram no Mar Negro e foram bem recebido pelo rei Lico. O advinho do grupo, Ídmon, faleceu ferido por um javali e Tífis, o piloto, foi substituído por Ergino. O grupo continuou sua viagem e chegaram à Cólquida. O rei Eetes os recebeu e concordou em entregar o Velconio de Ouro para Jasão caso ele cumprisse quatro tarefas em apenas um dia: 1a tarefa: Por o jugo em dois touros com pés e cornos de bronze, presentes de Hefesto e atrelá-los à uma charrete de diamante; 2a tarefa: Lavrar uma vasta área e depois plantar os dentes do dragão morto por Cadmo; 3a tarefa: Matar os gigantes que nasceriam dos dentes; 63

4a tarefa: Eliminar o dragão que guardava o Velocino. Sabendo dos perigos que Jasão enfrentaria, Medeia, filha do rei, deu ao herói um bálsamo que Jasão usou para untar seu corpo e suas armas, tornando-se invulnerável contra ferro e fogo e também o instruiu em como enfrentar o dragão. Jasão venceu o guardião do Velocino de Ouro que foi enfeitiçado por Medeia, caindo em sono profundo possibilitando o jovem herói a perfurá-lo com uma lança. Sabendo que Medeia o ajudou a cumprir seus desafios, o rei Eetes recusou-se a cumprir sua promessa. Jasão e Medeia fugiram levando Apsirto, irmão adotivo de Medeia, como refém e depois esquartejando-o e espalhando as partes de seu corpo para assim dificultar que fossem seguidos. Junto dos Argonautas eles fugiram e Zeus, irritado com a morte de Apsirto, fez com que uma tempestade tirasse o Argos de sua rota. Aportaram na ilha de Eeia, reino da feiticeira Circe e tia de Medeia. Os Argonautas foram purificados para que assim pudessem retornar ao mar. Ao passar pelo Mar das Sereias, graças a canção de Orfeu eles puderam prosseguir sem problemas, sendo que apenas Butes se deixou encantar e, com a intervenção de Afrodite, foi salvo de ser devorado. Quando chegaram à ilha de Alcinoo, foram surpreendidos por um dos navios de Eetes. O rei Alcino, junto de sua esposa Arete, decidiram que Medeia só seria entregue aos enviados de Eetes caso ela ainda fosse virgem. Ao ser avisado, Jasão tomou posse de Medeia como sua mulher impedindo que ela fosse levada ao seu pai. Ao retornar ao mar, eles foram lançados por uma tempestade aos recifes de Sirtes e graças à ajuda de Tritão, o deus do lago, conseguiram voltar para o mar e chegar em Creta, porém foram impedidos de aportar pelo gigante Ialos. Medeia descobriu seu ponto fraco e o gigante foi morto. Indo em direção à Iolco, os navegantes foram envoltos em uma escuridão profunda; Jasão implorou à Apolo para que lhe enviasse luz. Com a ajuda do deus que iluminou seu caminho, o Argos conseguiu chegar na ilha de Espórades. Em sua fase final, os Argonautas passaram pelas ilhas de Egina e de Eubeia e, após quatro meses navegando, retornaram à Iolco, entregando o Velocino de Ouro 64

para Pélias que cumpriu sua promessa e entregou o reino para Jasão. 3.3 A jornada do herói Joseph Campbell em um de seus trabalhos mais conhecidos, intitulado “O herói de mil faces”, nos apresenta a jornada do herói, ou como também é chamdo, o monomito. Campbell faz uso de um método comparativo entre diferentes personagens de diferentes culturas, crenças e mitologias, tais como Buddha, Moisés e Jesus Cristo, no qual ele nos mostra o que há de comum na narrativa de cada uma dessas personagens e que são utilizadas para nos mostrar os três momentos da jornada do herói, momentos estes que são subdivididos em estágios pelos quais a jornada se desenvolve. Os três momentos do monomito segundo Campbell são: 1- Partida ou separação: É quando o herói está em seu ambiente comum, ainda realizando suas tarefas cotidianas e recebe um chamado para a aventura que pode ser de qualquer forma. Um evento, um acontecimento extraordinário ou um simples acidente que o coloca em direção à aventura. Neste momento ainda pode ocorrer a recusa do chamado para a aventura ou uma demora em aceitá-lo e também a ajuda de uma entidade sobrenatural. 2 – A iniciação: É neste momento da jornada que o herói sofre a transformação final que o tira do seu ambiente comum para então passar por provações, encontrar seus companheiros de jornada, seu mentor e se adaptar às regras desse novo mundo no qual se encontra. A morte e a ressurreição também é uma das características deste momento bem como a maior crise ou provação da aventura do herói. 3 – Retorno: O momento que, após todas as provações o herói retorna para casa. No retorno, o herói leva sua recompensa para casa e ajuda os habitantes de sua terra com todo o aprendizado e desenvolvimento de habilidades que obteve em sua jornada. Se separarmos cada momento característico de cada uma das três etapas acima mencionadas, teríamos: 65

1 – Partida ou separação:

1.1 – Chamado para a aventura;



1.2 – Recusa do chamado;



1.3 – Ajuda ou intervenção sobrenatural.

2 – Iniciação: 2.1 – Travessia do primeiro limiar. Momento em que o herói é inserido na aventura;

2.2 – O ventre da baleia. Local da metamorfose;



2.3 – A estrada de provações;



2.4 – A tentação;



2.5 – Confronto com o pai (O pai aqui está relacionado àquele que detém

o poder da vida e da morte referente ao herói);

2.6 – Apostasia. A queda no sentido de morte;



2.7 – O confronto final. O momento no qual o herói terá sua maior

provação e utilizará todo o aprendizado que obteve em sua jornada;

2.8– Recusa do retorno ao mundo comum.

3 – Retorno:

3.1 – O momento em que o herói deve retornar ao mundo comum. Essa

viagem pode ser tão perigosa quanto a jornada pertencente à iniciação;

3.2 – Resgate externo. O herói precisa da ajuda externa para trazê-lo

para o seu mundo comum;

3.3 – Travessia do segundo limiar. O retorno. Quando o herói leva toda

a sabedoria que adquiriu em sua jornada e compartilha com as pessoas do mundo comum;

3.4 – Senhor de dois mundos. O equilíbrio entre o mundo interior e o

exterior do herói, entre o físico e o espiritual;

3.5 – Liberdade. O herói agora está livre do medo da morte.

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A jornada do herói

Figura 42: A jornada do herói.

67

Capítulo 2 O imaginário do herói em Mass Effect

Capítulo 2 – O imaginário do herói em Mass Effect Em nosso segundo capítulo, vamos analisar o mito e o imaginário do herói na trilogia Mass Effect de acordo com o que foi desenvolvido em nosso primeiro capítulo. Para isso, traçamos como paradigmas para a análise tanto os conceitos de mito e de imaginário aplicados ao desenvolvimento da personagem pela narrativa dos três jogos, quanto pelo sistema de escolhas que permite ao jogador moldar as decisões do herói e influenciar nos principais acontecimentos da narrativa. Começamos apresentando os dados técnicos do objeto de pesquisa e em seguida um resumo da narrativa. Ressaltamos que esta é uma dentre as possíveis linhas narrativas. Por fim, há a análise do imaginário na jornada do herói em Mass Effect com o objetivo de mostrar como é possível condicionar a imagem do herói por meio de escolhas características dos regimes diurno e noturno do imaginário. 1. Dados técnicos sobre o objeto de pesquisa e método utilizado para a análise. Mass Effect é uma trilogia de jogos digitais criada pela empresa Bioware, tendo seu primeiro jogo lançado em 2007, o segundo em 2010 e o último, em 2012. A história é ambientada em um universo em que os humanos, após explorar ruínas no planeta Marte, descobriram uma tecnologia alienígena que os possibilitou avançar a exploração espacial ao ponto de conseguir contato com raças alienígenas tecnologicamente mais avançadas. O jogador controla a personagem “comandante Shepard”, um humano que serve a uma organização militar terrestre que foi enviado em missão a uma colônia humana. A personagem possui algumas características customizáveis, sendo elas: 1 – Gênero: Shepard pode ser homem ou mulher, mas sua opção padrão é homem; 2 – Nome: O primeiro nome pode ser alterado, porém, durante o jogo, será 69

sempre referido como Shepard; 3 – Aparência: O rosto da personagem é customizável de acordo com as opções disponíveis; 4 – Origem: Há três origens disponíveis para seleção, sendo elas: 4.1 – Spacer: Os pais eram militares e a infância foi passada em naves militares, acompanhando-os quando transferidos. Aos dezoito anos, se alistou para seguir a carreira dos pais. 4.2 – Earthborn: Órfão criado nas ruas. Alistou-se para escapar de uma vida de crimes. 4.3 – Colonist: Nasceu e cresceu na colônia de Mindoir. Aos dezesseis anos, sua família foi morta por traficantes de escravos e só foi salvo graças a uma patrulha militar. Após alguns anos, se alistou no serviço militar. A seleção de uma das três opções de “origem” para a criação da personagem confere pontos “Paragon” ou “Renegade” de acordo com a escolha do jogador. Há também seis classes de especialização que conferem habilidades de combate singulares para a personagem, sendo elas: 1 – Soldier; 2 – Engineer; 3 – Adept; 4 - Sentinel; 5 – Infiltrator; 6 – Vanguard. As opções escolhidas por nós para configurar as características iniciais da personagem foram: Earthborn e Soldier. Mantemos a aparência e o nome padrão. A narrativa em Mass Effect é construída em torno de um roteiro principal, com pontos chaves para o desenvolvimento da história, porém com a possibilidade de viver esses momentos chaves de formas diferentes, de acordo com escolhas feitas 70

pelo jogador. Sistema de decisões Mass Effect possui um sistema de decisões baseado em escolhas de diálogos e ações que podem ser do tipo Paragon ou Renegade. Essas duas opções podem ser consideradas como a orientação moral que guiará as ações da personagem , sendo que uma opção é a antítese da outra. De acordo com as características do regime noturno do imaginário, a opção Paragon possibilita o jogador tomar decisões com finalidades sintéticas e harmônicas. Quando escolhida, a opção Paragon constrói um herói altruísta, que busca cumprir seu dever com o mínimo de perdas e sem sacrifícios em vão. Já a opção Renegade possibilita que o jogador tome decisões com consequências extremas e com um comportamento violento. Quando escolhida, Shepard toma decisões agressivas, usa da violência para resolver as situações e busca solucionar os problemas sem se importar caso mortes ocorram. É um herói violento que coloca o cumprimento do dever acima de qualquer outra coisa. O sistema de decisões Paragon/ Renegade possibilita condicionar os acontecimentos dos eventos chaves do jogo de formas diferentes, sendo que, dentro de uma quantidade pré-estabelecida de opções, o jogador pode experimentar diferentes caminhos narrativos e construir a imagem do herói de forma processual.

Figura 43: Símbolo Paragon.

Figura 44: Símbolo Renegade. 71

Figura 45: Roda de diálogos.

Sistema de herança de ações A trilogia Mass Effect possui um sistema de herança de ações em que as decisões tomadas no primeiro jogo influenciam nos jogos seguintes. Há opções padrões pré-estabelecidas caso o jogador prefira jogar alguma das sequências de Mass Effect independente do jogo anterior. Para o desenvolvimento deste trabalho, consideramos os acontecimentos desenvolvidos na narrativa de forma sequencial, desde o primeiro jogo. Destacamos as seguintes decisões como as principais a influenciarem na jornada do herói. 1 – Mass Effect 1.1 - Intervir para Wrex continuar vivo. Caso contrário, Ashley Willians mata Wrex e nas sequências da série ele é substituído por Urdnot Wreav. 1.2 – Escolher entre salvar Ashley Willians ou Kaidan Alenko. A personagem que morrer não estará presente nas sequências, modificando alguns diálogos de Shepard. 1.3 – Salvar capitão Kirrahe em Virmire. Caso seja salvo, Kirrahe aparece em Mass Effect 3 apoiando a causa de Shepard e também protegendo o conselheiro Salarian na invasão da Citadel pela Cerberus caso Thane morra em Mass Effect 2. 1.4 – Salvar ou não a rainha Rachni. Caso sim, ela aparecerá em Mass Effect 3 e pode se tornar um recurso na guerra contra os Reapers. Se ela não for salva os Reapers criam um rainha Rachni que mesmo salva em Mass Effect 3, trai Shepard. 72

1.5 – Salvar os colonos em Feros. Caso sejam salvos, eles ajudam na construção do Crucible em Mass Effect 3. 1.6 – Decidir em salvar o conselho ou não. Caso decida que sim, Shepard possui a gratidão do conselho, e em Mass Effect 2, seu título de Spectre é reinstituído e o texto de abertura no segundo jogo é diferente. Caso decida não salvar o conselho, Shepard é mal visto pelos demais alienígenas na Citadel. 1.7 – Indicar Anderson ou Udina para o posto de conselheiro. Mesmo escolhendo Anderson, Udina vem a se tornar o representante da Terra no conselho, pois Anderson abre mão de seu cargo para Udina que está mais acostumado com a política. 2 - Mass Effect 2 2.1 – Chegar ao final do jogo com todas as personagens recrutadas para a equipe vivas. Caso alguma morra, seu posto em Mass Effect 3 poderá ser ocupado por outra personagem ou então não ocorrendo. Todas as personagens que sobrevivem no segundo jogo aparecem no terceiro do jogo para auxiliar Shepard direta e indiretamente. Para que os membros da equipe sobrevivam na última missão, é necessário cumprir todas as missões de lealdade e mediar os conflitos internos da nave sem que haja favorecimento. 2.2 – Garrus e Tali entram para a equipe de Shepard em Mass Effect 3 como membros permanentes caso sobrevivam à missão final. 2.3 – Wrex é o líder dos Krogans, caso contrário, Urdnot Wreav está em seu lugar. 2.4 – Poupar ou destruir os dados da experiência realizada por Maelon na missão de lealdade de Mordin. 2.5 – Escolher entre Samara ou Morinth na missão de lealdade de Samara. Caso o jogador opte por Morinth, ela substitui Samara em Mass Effect 2 e torna-se um inimigo em Mass Effect 3. Caso opte por Samara, ela ajuda Shepard em uma missão em Mass Effect 3 e torna-se um recurso na guerra contra os Reapers. 2.6 – Destruir ou manter a base dos Collectors. Caso a base seja destruída, Shepard obtém um item chamado “Reaper Heart” em Mass Effect 3 como recurso de 73

guerra. Caso a base seja poupada, Shepard obtém um item chamado “Reaper Brain” em Mass Effect 3. 2.7 – Caso Tali seja exilada em sua missão de lealdade, a paz entre Quarians e Geths será mais difícil de conseguir em Mass Effect 3, pois ela não será promovida para o cargo de almirante. Mass Effect 3 3.1 – Kaidan Alenko ou Ashley Willians acompanha Shepard na fuga da Terra. 3.2 – Garrus, caso tenha sobrevivido em Mass Effect 2, é recrutado em Mass Effect 3. 3.3 – Durante a reunião na Normandy para uma possível união entre as raças, Wrex pode ser o líder dos Krogans caso continue vivo após os eventos ocorridos em Virmire em Mass Effect. Caso Wrex tenha morrido, Urdnot Wreav o substitui. 3.4 – Mordin é o responsável por desenvolver a cura para o Genophage, caso contrário, Padok Wikis o substitui. 3.5 – Legion e Tali entram em conflito após a destruição do transmissor Reaper em Rannoch. Se ambos ou um dos dois morreu no jogo anterior, ele é substituído por outro Quarian ou Geth qualquer. 3.6 – Todos os companheiros de batalha e pessoas que Shepard conheceu durante sua jornada, podem ou não aparecer no último jogo de acordo com as decisões tomadas pelo jogador, influenciando no modo como cada momento chave da narrativa é vivenciado. A análise dos jogos foi realizada a partir da interação com os três episódios da série, experimentando as diversas possibilidades entre o início e o fim do primeiro ao terceiro jogo. No texto em que a narrativa que nós experimentamos é descrita, privilegiamos as escolhas do tipo Paragon e não utilizamos nenhum conteúdo adicional que pode ser adquirido além do jogo principal, os DLC’s(downloadable content), assim preservando a experiência dos eventos estabelecidos nos discos dos três jogos. Após a apresentação escrita do nosso percurso pela narrativa, criamos 74

fluxogramas que resumem os eventos dos três jogos pelos quais é possível observar os principais acontecimentos da jornada de Shepard. Nos fluxogramas desenvolvidos , demos preferência por representar as diferenças entre as ações Paragon e Renegade nos dois primeiros jogos. No fluxograma correspondente ao terceiro jogo, destacamos os acontecimentos baseados na influência das ações tomadas nos jogos anteriores. Também desenvolvemos outros três fluxogramas que demonstram a arquitetura narrativa dos três jogos, sendo que no fluxograma do terceiro jogo, buscamos representar o modo como as missões paralelas da história principal estão organizadas em relação à linha narrativa principal.

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2. A história da trilogia Mass Effect 2.1 - Mass Effect No ano de 2148, após escavações realizadas no planeta Marte, a humanidade encontra um artefato criado por uma raça alienígena extinta há mais de cinquenta mil anos, os Protheans1. Esta descoberta levou os humanos a desenvolver a tecnologia de viajar além da velocidade da luz possibilitando a exploração do sistema solar. Após pouco tempo do início da exploração do sistema solar, a humanidade se depara com um novo artefato que até então tinha sua origem atribuída aos Protheans, o Mass Relay. Os Mass Relays são dispositivos espalhados por diferentes galáxias que possibilitam através deles as naves darem um salto de uma galáxia para outra, formando assim uma conexão em rede e dando início a colonização humana no espaço. Nesta mesma época, as nações mais fortes do planeta Terra formam a Systems Alliance, uma organização formada pelos países mais poderosos da Terra que viria tomar a frente da expansão terrestre pelo espaço. Em 2157, os humanos tem seu primeiro contato com uma raça alienígena, os Turian. Este encontro provocou a primeira guerra entre raças e se tornou conhecida como First Contact War, um confronto que durou meses e as frotas terrestres e Turian se dizimaram. O conflito entre os Turian e a Terra chamou a atenção do conselho da Citadel, uma organização governamental mantenedora da paz e da ordem na galáxia. Com a intervenção do conselho, um acordo de paz foi selado entre ambos os povos. Com a contínua expansão, a

Figura 46: Mass Relay.

humanidade estabelece uma embaixada _____________

1 Os Prothean são uma das raças alienígenas pertencentes ao universo de Mass Effect. Extintos à aproximadamente cinquenta mil anos antes do início dos eventos da trilogia, os Prothean deixaram espalhados pelo universo alguns objetos dos quais as diferentes raças extraíram informações que possibilitaram um rápido avanço tecnológico. No início dos eventos de Mass Effect, a criação da Citadel e os Mass Relays são atribuídos aos Prothean.

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na Citadel no ano de 2165. Porém, isso criou uma desavença com a raça alienígena Batarian, que disputava com os humanos a posse de um território ainda não explorado no espaço. Assim que conselho da Citadel decide em favorecer os humanos, os Batarians fecham sua

Figura 47: SSV Normandy SR-1.

embaixada na Citadel e lançam um ataque a uma colônia humana, porém, o ataque falhou, e em retaliação, a Alliance fez um ataque surpresa a uma base Batarian. Apesar de grandes perdas, os humanos exterminaram os habitantes do local.

Figura 48: Joker.

No ano de 2183, a bordo da SSV Normandy pilotada por Jeff “Joker” Moreau está o comandante Shepard, um promissor militar que serve à System Alliance sob o comando do capitão Anderson, seu superior e mentor. A presença inusitada de um Spectre (Special Tactics Reconnaissance) da raça Turian chamado Nihlus causa desconfiança na tripulução e incomodo no comandante. Momentos antes de chegar à colônia humana de Eden Prime, Shepard é convocado para a sala de reuniões da Normandy pelo capitão Anderson. Assim que adentra a sala, Shepard se depara com Nihlus junto de Anderson, que logo trata de esclarecer o

Figura 49: Comandante Shepard.

motivo da presença do Spectre a bordo. Shepard será avaliado para uma nomeação ao cargo de Spectre durante a missão em Eden Prime que tem como objetivo resgatar um artefato pertencente à civilização Prothean que está extinta a milênios. Pouco antes de pousar em Eden Prime uma nave desconhecida é avistada deixando o planeta Figura 50: Kaidan Alenko.

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enquanto um combate parece ter sido iniciado em solo. Assim que pousam, Nihlus se apressa deixando todos para trás enquanto Shepard segue com os oficiais Kaidan Alenko e Jenkins. Após pouco avançar no território o grupo é atacado e Jenkins é morto por um drone Geth. Sem tempo para lamentar a morte do companheiro, o comandante e Kaidan continuam a

Figura 51: Ashley Willians.

incursão até que se deparam com uma oficial humana sendo atacada por um grupo de Geths. Shepard não demora a ajudá-la e resgata a única sobrevivente de um grupo de soldados. Seu nome é Ashley Willians e ela preenche o posto de Jenkins no grupo do comandante. Logo após mais um confronto com alguns grupos de Geths, o trio encontra o Nihlus morto. Após

Figura 52: Saren.

uma investigação no local Shepard descobre uma testemunha do assassinato que revela que Nihlus foi assassinado por um Turian chamado Saren. O ataque dos Geths não cessa e após desarmar algumas bombas e confrontar grupos de inimigos, Shepard encontra o artefato Prothean e, no

Figura 53: Citadel.

momento que o toca, fica inconsciente e começa a ter visões sobre a existência de algo que ameaça toda a vida na galáxia. Shepard acorda na Normandy e relata ao seu superior o ocorrido e as suas visões. O comandante descobre que o Turian que matou Nihlus é um renomado Spectre, o que tornará suas acusações difíceis de serem provadas. A única solução é encontrar o embaixador Udina em seu escritório na Citadel, o centro econômico e legislativo do espaço, para que os eventos acontecidos em Eden Prime possam ser esclarecidos e levados ao conselho que rege a galáxia. No momento em que chegam à Citadel, Shepard, junto de seus companheiros iniciam

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uma busca por informações para provar a ligação de Saren com os ataques em Eden Prime. Nesta primeira parte do trajeto de Shepard ele faz alguns dos seus mais importantes amigos, como o Krogan Wrex, o Turian Garrus e a Quarian Tali, que possui informações sobre o envolvimento de Saren com os ataques em Eden Prime e sua busca por artefato chamado Conduit, bem como sua aliança com uma poderosa Asari chamada Matriarch

Figura 54: Urdnot Wrex.

Benezia. Assim que Shepard consegue expor Saren ao conselho com a ajuda de Tali, o comandante é promovido para o cargo de Spectre, tornando-se o primeiro humano a ocupar tal posição. Agora, com sua nova equipe e como comandante da SSV Normandy, Shepard inicia sua busca por diversos planetas para caçar Saren e descobrir o que ele realmente planeja.

Figura 55: Garrus Vakarian.

O comandante parte em encontro de Liara, uma Asari perita em cultura Prothean e que também é filha de Benezia. Ele acredita que Liara pode revelar o que é o Conduit e, ao chegar ao planeta em que ela realizava escavações, encontra o local tomado por Geths. Junto de sua equipe eles iniciam uma incursão para resgatar Liara. Após salvá-la, o comandante inicia uma conversa com a pesquisadora que lhe revela acreditar que assim

Figura 56: Tali Zorah vas Neema.

que uma determinada raça atinge um certo grau de evolução tecnológica, algum evento ocorre que acaba por dizimar toda essa espécie, e que isso aconteceu com os Protheans. Ao informar suas descobertas para o conselho, o comandante traça as coordenadas da Normandy para o planeta Noveria, local em que foi relatado a presença de Benezia. Mesmo tendo sua investigação no planeta sofrido alguns impedimentos, o comandante consegue chegar até um centro de pesquisa em que um de seus maiores acionista é Saren, e em que

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Benezia conduz experimentos com uma raça alienígena do tipo inseto chamada Rachni. Shepard enfrenta Benezia e após vencê-la a Asari confessa ao comandante que foi forçada a servir Saren, que adquiriu um imenso poder ao conseguir controle de uma nave de imenso poder chamada Sovereign e localizar um Mass Relay perdido. Ela volta a sofrer com o controle mental de Saren repentinamente e o comandante acaba

Figura 57: Liara T’soni.

por matá-la. Com a morte de Benezia, Shepard liberta a rainha Rachni que era mantida presa pela mãe de Liara, antes de partir, a rainha agradece Shepard por salvá-la e promete que irá para um planeta distante onde possa viver com sua prole sem causar nenhum problema para qualquer outra espécie. Com a morte de Benezia e os planos de Saren sendo revelados pouco a pouco, Shepard segue para o

Figura 58: Matriarch Benezia.

planeta Feros, lugar que tem sofrido com o ataque dos Geths. A situação é hostil e os Geths atacam constantemente a colônia de Zhu’s Hope e as instalações da corporação Exogeni. Ajudado pelos refugiados, Shepard descobre que os Geths estão procurando por uma forma de vida chamada Thorian que recentemente foi descoberta. Essa forma de vida emite esporos que controlam a mente das pessoas e contaminou grande parte da população da colônia. Shepard adquire um gás que reverte os efeitos causados pelo Thorian e agora deve localizá-lo para impedir que ele continue a controlar as pessoas da colônia, ao passo que o ataque dos Geths se intensifica. O comandante consegue localizar o Thorian abaixo da colônia e luta contra ele e os clones de Asari produzidos pelo inimigo. Ao fim da luta, uma Asari que havia sido engolida consegue se libertar e agradece ao comandante. Ela revela que servia Benezia a mando de Saren, e que foi dada ao Thorian que acabou por engoli-la. A Asari recém liberta transfere para a mente do comandante todas as informações que sabe sobre os planos de Saren e Shepard parte para o planeta Virmire para impedir os avanços do Spectre renegado. A Normandy é impedida de pousar em Virmire graças à base militar instalada pelos

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Geths. Fora do alcance do ataque inimigo, Shepard e seus companheiros usam um veículo M35 Mako para iniciar uma incursão em solo e combater os obstáculos que o inimigo posicionou. Com o caminho aberto após o combate, eles chegam ao acampamento montado pelos Salarians que está sob comando do capitão Kirrahe que informa o comandante da situação. Ao que parece, Saren usa laboratórios montados no planeta para produzir Krogans geneticamente modificados, livres da Genophage, uma doença que causa a morte de milhares de Krogans, e essa possível “cura” chama a atenção de Wrex que ouve a conversa. Com sua lealdade dividida, Wrex se exalta e começa a discutir com Shepard sobre como as pesquisas de Saren podem salvar o seu povo. O comandante não concorda e o tom da discussão se intensifica, culminando com Wrex apontando sua arma para Shepard. Ashely intervém e ameaça atirar em Wrex caso ele não abaixe sua arma, mas Shepard a impede e, com o uso de sua habilidade como líder convence Wrex sobre Saren ser uma ameaça maior que a Genophage. Convencido, Wrex abaixa a arma e a situação se normaliza. Uma reunião com Kirrahe se inicia para que um plano de cooperação entre as duas equipes possa ser definido. O capitão deseja explodir uma bomba no centro da base, o que colocará um fim nas ações de Saren no planeta, mas para isso precisará que a Normandy leve a bomba. Além da Normandy, Kirrahe pede para que Shepard ceda um dos membros da equipe para acompanhá-lo e ajudar a armar a bomba enquanto o comandante e seu grupo promovem uma incursão em solo para eliminar os inimigos. Kaidan é escolhido por Shepard para acompanhar Kirrahe e os preparativos para a missão se iniciam. Shepard e sua equipe adentram a base de Saren e após uma sequência de combates chegam a uma sala em que encontram uma Asari que realizava pesquisas a mando de Saren sobre um fenômeno chamado indoctrination. Ela conta ao comandante que de algum modo Sovereign, a nave de Saren, exerce influência no processo desse fenômeno, e que Saren pode ser uma vítima da indoctrination. O comandante deixa a sala e prossegue até um local em que encontra um artefato semelhante ao encontrado em Eden Prime e, ao tocá-lo, uma projeção holográfica de Sovereign surge e começa a conversar com Shepard. Sovereign revela ser um Reaper e, com um grande desprezo, diz ao comandante que o destino de toda vida orgânica do universo é a extinção enquanto os Reapers são eternos. Shepard confronta Sovereign e diz que o impedirá, mas o Reaper zomba do comandante

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dizendo que o ciclo de extinção de espécies orgânicas vem acontecendo a milênios, que os Protheans não foram os primeiros a serem extintos e que os Mass Relays e a Citadel foram criados por eles para acelerar o extermínio das espécies que avançam ao ponto de conseguir usar os Mass Relays e

Figura 59: Shepard conversa com Sovereign.

chegar à Citadel. Uma sobrecarga interrompe a conversa entre Shepard e Sovereign seguido de uma chamada de Joker que avisa o comandante que detectou que o Reaper se aproxima de Virmire. A equipe do comandante sai da sala e chega ao local de encontro com Kirrahe para a instalação da bomba. As duas equipes cumprem suas respectivas partes na missão. Kaidan entra em contato com Shepard e avisa o comandante que está encurralado e não conseguirá chegar ao local de encontro para a evacuação. O comandante se vê em uma situação complicada, pois deve armar a bomba e resgatar seu companheiro ao passo que novos ataques começam. Para que tenham sucesso na missão e a base de Saren seja destruída, Ashley se oferece para ficar para trás cuidando da bomba, e cabe a Shepard decidir o que fazer. Com o peso da decisão em suas mãos Shepard vai ao resgate de Kaidan e deixa Ashley para trás, porém, Saren surge e a luta entre os dois é iniciada. Shepard consegue causar danos ao inimigo que se retira estrategicamente do local. Com o tempo se esgotando, o comandante vai até Kaidan enquanto a Normandy se posiciona para o resgate. A missão é cumprida ao custo da vida de Ashley, que morreu para assegurar a explosão. A tripulação fica abalada com a perda de Ashley e Shepard sofre com visões que vieram em sua mente durante a conversa com Sovereign. Liara de aproxima de Shepard e diz que pode ajudar o comandante a esclarecer as visões que teve durante o contato com Sovereign. As imagens revelam a localização do Conduit, mas antes que possam ir para Ilos a Normandy deve ir para a Citadel a pedido do conselho. Quando chegam, Shepard é notificado pelo conselho que não poderá continuar com a caçada a Saren. Uma permissão para a Normandy usar o Mass Relay que os levam para Ilos desencadearia uma guerra e o conselho está descrente com a existência dos Reapers e

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do Conduit. Em meio a frustração e descaso do conselho, Shepard recebe ajuda do capitão Anderson para poder religar os sistemas da Normandy e ir até Ilos mesmo contra a vontade do conselho. Com as funções da nave restabelecidas o comandante e seu grupo se preparam para acessar o Mass Relay que os levará até o local em que o Conduit está. No momento que pousam em Ilos, os tripulantes da Normandy percebem a grandeza daquilo que um dia foi parte do império Prothean, agora degradado pelo tempo. Shepard e sua equipe iniciam um incursão no terreno que está tomado por Geths. Após explorar a região eles chegam a uma sala em que um dispositivo é acionado e uma inteligência artificial Prothean chamada Vigil começa a conversar com Shepard. É revelado ao comandante que a Citadel não passa de uma armadilha criada pelos Reapers, um imenso Mass Relay que facilita o ataque dos Reapers e que também é uma isca para atrair as raças que atingiram determinado grau de evolução. Vigil conta ao comandante que o Conduit é uma tentativa Prothean de construir um Mass Relay que os levasse até a Citadel antes dos Reapers acionarem ela para assim atrasar o ataque. Vigil acredita que Saren foi usado por Sovereign para descobrir o local em que o Conduit está e destruí-lo. Ele entrega alguns arquivos para o comandante que lhe concederão controle temporário da Citadel, assim impedindo um ataque Reaper. Após terminar de extrair as informações deixadas pelo Protheans, Shepard retorna para o veículo em que estava e vai em direção ao Conduit, que transporta a ele e sua equipe diretamente para a Citadel. O comandante e sua equipe encontram a Citadel em meio a um ataque massivo realizado pelos Geths e por Sovereign. Por onde passam encontram inimigos e destruição. No momento em que chega à Citadel Tower, Shepard encontra Saren e a luta final entre os dois se inicia. Saren não é forte o suficiente para enfrentar Shepard, apesar de toda sua habilidade de combate. O comandante o derrota e, após a luta, usa os códigos que Vigil lhe forneceu e toma controle da Citadel. Joker entra em contato e pede para que o comandante lhe diga o que fazer. Shepard ordena a retirada do conselho da Citadel. Repentinamente Saren ressuscita, agora um misto de vida orgânica e sintética. Um último embate entre Shepard e Saren se inicia e termina com a derrota do Spectre renegado. Shepard ordena um ataque organizado por todas as naves de combates próximas da Citadel

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e consegue salvar a todos da ameaça causada por Sovereign. Shepard salvou a todos na Citadel e frustrou os planos dos Reapers. Graças aos seus atos o conselho foi salvo e os humanos ganharam um grande destaque em relação às demais raças com a promoção do embaixador Udina para um cargo no conselho. O comandante agora é conhecido como um grande herói pelos seus feitos frente às ameaças que atingiram a todos.

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2.2 - Mass Effect 2 Um mês após os eventos ocasionados por Saren terem sido resolvidos, a humanidade desfruta da posição de destaque conseguiu graças às ações de Shepard. Enquanto comanda uma missão de exploração no espaço para descobrir o desaparecimento de três naves, a Normandy é atacada e sofre danos irreparáveis. Shepard consegue evacuar todos os tripulantes da nave e, segundos após Joker, o último passageiro ser colocado em um módulo de fuga, um novo ataque atinge a nave despedaçando-a e jogando o corpo do comandante, já inconsciente, para a órbita de um planeta próximo. Graças a esse ataque Shepard é tido como morto e desaparecido. Uma corporação chamada Cerberus encontrou os restos mortais do comandante à deriva no espaço e o levou para um de seus laboratórios dando início ao projeto Lázaro. Shepard, agora com o corpo reconstruído, acorda com a voz de uma mulher que o chama para que ele desperte e saia do laboratório, que acabara de sofrer um ataque. Atordoado, o comandante desperta e conforme avança luta com uma invasão de robôs. Em seu caminho para fora do laboratório, Shepard se encontra com Jacob Taylor, que revela ao comandante que ele esteve em coma pelos últimos dois anos, e que as instalações não pertencem à Alliance. Ao fim de um percurso de adversidades,

Figura 60: Jacob Taylor.

Shepard e Jacob se encontram com Miranda Lawson, a dona da voz que despertou o comandante. Juntos, eles embarcam em um módulo de fuga e Miranda leva o comandante para conhecer o homem responsável pela ressurreição de Shepard. No momento em que chegam ao destino traçado por Miranda, Shepard é levado imediatamente para uma sala. Uma projeção holográfica é iniciada e

Figura 61: Miranda Lawson.

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nela o comandante conhece o Illusive Man. Sentado em uma sala escura observando seu sol particular, o líder da Cerberus começa a explicar para Shepard o motivo de sua ressurreição. Ao que parece, muitas colônias humanas sofreram ataques e os habitantes desapareceram. O conselho da Citadel não tomou nenhuma providência e o Illusive Man deseja que Shepard tome a liderança das investigações.

Figura 62: Illusive Man.

Junto de Miranda e Jacob, o comandante parte para a colônia de Freedom Progress para investigar o que tem causado os ataques às colônias. Assim que chega em Freedom Progress, Shepard e seu grupo encontram a colônia deserta. Não há sinais da presença dos habitantes, apenas os robôs de segurança que estão ativos e os atacam. No momento que o comandante entra em uma sala ele encontra um grupo de Quarians. Imediatamente eles apontam as armas uns para os outros, mas uma voz familiar impede que um confronto comece. Taliz Zora está em missão em Freedom Progress e não acredita quando vê Shepard vivo. Surpresa em encontrar seu ex-comandante, Tali explica que está em uma missão para encontrar Veetor, um Quarian que saiu em peregrinação e perdeu contato com sua nave após ativar o sistema de segurança da colônia. Os grupos se dividem e, após Shepard, Miranda e Jacob enfrentarem os robôs do sistema de segurança da colônia, encontram Veetor em um sala. O Quarian é encontrado catatônico enquanto olha para os monitores das câmeras de segurança. Veetor presenciou alienígenas nunca antes vistos invadindo a colônia e raptando os habitantes. Miranda, ao ver as imagens, diz que eles são os Collectors, e que isso representa um enorme perigo para os humanos. Miranda questiona a razão pela qual Veetor foi deixado para trás e acredita que os Collectors possuem interesse apenas em humanos. Ela pede para o comandante para levá-lo para a Cerberus e interrogá-lo. Tali intervém e pede para Shepard deixar Veetor retornar para a frota Quarian. Contrariando Miranda, o comandante deixa que 86

Tali leve-o de volta para a frota Quarian e Veetor deixa alguns dados que coletou com o comandante. Assim que retorna para a nave o comandante entra em contato com o Illusive Man. O líder da Cerberus se diz impressionado com as ações de Shepard e pede para que o comandante continue com as investigações. Um dossiê é entregue ao comandante com nomes de especialistas que devem

Figura 63: Collectors.

ser recrutados para o sucesso da missão. Antes de partir, é apresentado ao seu piloto que irá acompanhálo e fica surpreso ao ver Joker se aproximar. Os dois companheiros ficam felizes com o reencontro e o comandante tem uma nova surpresa, a nave que utilizará é uma réplica da Normandy, porém um modelo atualizado, a Normandy SR-2. A primeira parada da Normandy é em Omega, uma cidade construída em um asteróide e que é conhecida como local usado por mercenários e contrabandistas. Com o dossiê em mãos, Shepard se dirige ao Afterlife, um bar no centro de Omega, para conseguir informações com Aria, a gerente. Aria revela como encontrar os dois membros que o comandante procura, o cientista Mordin Solus e o caçador de mercenários conhecido como Archangel. Shepard se dirige para o cortiço de Omega para recrutar Mordin. Quando chega nos cortiços de Omega, Shepard encontra um epidemia que atinge os moradores. Ao entrar na clínica que Mordin estabeleceu para curar os doentes, o comandante o encontra trabalhando em uma cura. O cientista diz para Shepard que sabe sobre os Collectors e que se juntaria ao grupo que o comandante está reunindo, mas antes precisa disseminar a cura para a epidemia no sistema de ventilação do cortiço. Shepard aceita disseminar a cura se Mordin se juntar a ele. Com o acordo firmado entre os dois, o comandante parte para o sistema de ventilação e, após enfrentar o ataque de alguns mercenários que tentavam impedi-lo, ele consegue cumprir sua parte e Mordin se junta a equipe. O próximo a ser recrutado em Omega é o Archangel. De acordo com Aria, 87

os mercenários Blue Suns, juntos dos Eclipse e Blood Pack estão contratando mercenários para matar o Archangel. Shepard se dirige ao posto dos mercenários e se candidata ao trabalho. Quando ele chega ao local em que o Archangel está refugiado, o comandante o encontra encurralado em um prédio ao fim de uma ponte sofrendo constantes ataques dos mercenários contratados. Shepard abre

Figura 64: Mordin Solus.

caminho até o Archangel e se surpreende ao ver que o caçador de mercenários encurralado é Garrus Vakarian. Sem tempo para conversa, os dois lutam para escapar do local. Após derrotar uma onda de ataques dos Blue Suns, Joker posiciona a Normandy e a equipe de Shepard consegue embarcar junto com Garrus, que sofreu ferimentos leves no combate. Com Garrus e Mordin a bordo da Normandy, o próximo destino é a colônia prisão Purgatory. Controlada pelos mercenários Blue Suns, Shepard deve recrutar Jack, a humana com poderes biotics mais poderosa da galáxia. Ao chegar na prisão, Shepard e seu grupo são recebidos pelo diretor que os mostra o modo como os Blue Suns gerenciam o local. Ao ser levado a uma sala, Shepard sofre uma emboscada. O comandante ouve a voz do diretor pelo sistema interno de comunicação dizer que devido ao seu alto valor como prisioneiro ele será mantido no Purgatory. Sem perder tempo, Shepard vai até os controles que mantém Jack em sua presa e a liberta. Assim que percebe que está livre, Jack começa um ataque aos guardas e causa grandes danos à estrutura do Purgatory. Shepard e seu grupo partem em busca de Jack que começou a destruir a prisão. Entre confrontos com os mercenários e o sistema de segurança da prisão, o comandante acaba por enfrente e derrotar o direto do Purgatory e consegue chegar até Jack que, angustiada, se junta ao grupo, porém, apreensiva ao ver que a Cerberus está envolvida em seu resgate. Com Jack a bordo, a Normandy vai para o planeta Korlus. Shepard tem em 88

seu dossiê o nome do doutor Okeer, um brilhante cientista Krogan que segundo o Illusive Man deve ser recrutado. Assim que pousa, Shepard e seu grupo avançam em meio a escombros e ataques de mercenários até encontrar o laboratório em que Okeer trabalha. O cientista sabe sobre Shepard e revela ao comandante ter trabalhado na criação de Krogans

Figura 65: Jack.

geneticamente modificados. Ele diz ao comandante que poderá lhe dar informações sobre os Collectors, mas para isso, precisa que Shepard o ajude a sair de Korlus com seu Krogan geneticamente modificado antes que os Blue Suns coloquem as mãos nele. Shepard enfrenta os mercenários que restam no planeta e o comandante deles e, quando retorna para Okeer, encontra o cientista quase morto no chão. Okeer se desculpa com o comandante e lamenta não

Figura 66: Grunt.

poder ajudar. Ele pede para que Shepard leve seu Krogan a bordo da Normandy e o comandante assim o faz. Ao levar para a Normandy o Krogan criado por Okeer, Shepard provoca uma discussão entre Jacob e Miranda sobre um possível perigo que ele representa para a tripulação. O comandante ativa todas as medidas de segurança da nave e decide despertá-lo. Assim que desperto, o Krogan prensa Shepard na parede e demanda esclarecimentos do comandante. Ele que acaba por se auto nomear Grunt aceita servir à Shepard sob a condição de o comandante se provar um líder forte, caso contrário, o jovem Krogan o matará. Com Grunt recrutado no lugar de Okeer, Shepard se dirige para a colônia de Horizon. Segundo informações enviadas pelo Illusive Man, a colônia sofre ataques dos Collectors e cabe a Shepard resolver a situação. Quando a Normandy pousa em Horizon, o grupo de Shepard encontra a colônia sofrendo uma grande invasão dos Collectors. O comandante avança pelos diversos 89

setores da colônia enquanto luta ao lado dos seus companheiros contra os invasores. Após uma sequência de ataques, Shepard consegue acionar um transmissor que liga os sistemas de defesa instalados em Horizon pela Alliance e os Collectors se retiram do planeta. Com a retirada dos invasores, o representante da Alliance chega ao local e surpreende Shepard. Seu antigo companheiro, Kaidan Alenko, não parece muito feliz em ver o comandante, pois ele questiona o envolvimento da Cerberus com os incidentes recentes e isso causa um certo desconforto entre os dois. Shepard retorna para a nave e entra em contato com o Illusive Man. Eles discutem sobre o líder da Cerberus ter vazado a informação da aliança de Shepard com a corporação e o Illusive Man afirma que isso foi necessário, pois assim pode comprovar que os Collectors estão a procura do comandante. Com certa desconfiança, Shepard desliga e parte para Haestron, uma antiga colônia Quarian que agora foi tomada pelos Geths. Haestron foi uma próspera colônia Quarian, mas no momento encontra-se tomada por Geths e sofre com alta radiação e calor, tornando a incursão em campo aberto impossível. Junto de seu grupo o comandante esgueira pelas sombras da colônia. Há muitos Geths espalhados e as lutas se tornam frequentes. O comandante encontra em seu caminho Karl’Reegar, um Quarian que está encurralado lutando contra uma tropa de Geths que tentam chegar até Tali, que está presa dentro de um prédio. Shepard impede que Karl prossiga com sua luta e pede para que ele se refugie. O comandante abre caminho até Tali e a encontra extraindo dados de um computador. Com o fim dos ataques, Karl’Reegar chega até o local em que todos estão reunidos e se compromete a levar os dados para a frota Quarian para que Tali possa integrar a equipe da Normandy. Com Tali recrutada, a Normandy pousa em Illium e Shepard é prontamente avisado que sua antiga companheira, Liara, o aguarda em um escritório local. O comandante se encontra com Liara que se mostra feliz em vê-lo, embora um pouco apreensiva. Sem demora, o comandante pergunta a Liara se ela sabe como encontrar Thane Kryos e Samara, os próximos a serem recrutados. Com a localização dos próximos a serem recrutados em mãos, Shepard se despede de Liara e vaia procura da Justicar Samara e do assassino Thane Kryos. 90

Samara é uma Asari membro das Justicar, um grupo de poderosas guerreiras que seguem o próprio código de justiça. De acordo com as informações de Liara, ela está em um beco em Illium investigando um assassinato. Com a permissão da polícia local, Shepard consegue acesso à cena do crime e encontra Samara interrogando uma mercenário do grupo Eclipse. O comandante a convida para integrar a tripulação da Normandy e ela demonstra interesse, porém não pode deixar sua missão. Shepard se envolve com a investigação de Samara e parte para uma das áreas pertencentes ao grupo Eclipse a procura de dados de uma nave que Samara precisa para localizar o assassino que procura. Após uma sequência de ataques, o comandante enfrenta a líder dos Eclipse e consegue as informações que Samara precisa. Ele as entrega para a polícia local e Samara se junta à tripulação na missão contra os Collectors. Com Samara na equipe, Shepard vai a procura de Thane Kryos, que foi contratado para assassinar Nassana Dantius, que se encontra em sua torre. O comandante invade o local e após uma sequência de combates contra os seguranças de Nassana, chega à sala do alvo de Thane. Nassana pensa que Shepard é o assassino e, enquanto eles conversam, Thane surge e a executa. Shepard pede para que Thane se junte ao grupo e ele assim o faz sem nenhum questionamento. A bordo da Normandy, Shepard e Thane

Figura 67: Samara.

conversam. O comandante questiona o assassino do motivo pelo qual ele aceitou participar da missão sem nenhum questionamento. Thane explica que devido a uma doença ele morrerá logo, e que este pode ser um bom fim para sua vida. Com todos o especialistas apontados pelo Illusive

Man

recrutados,

Shepard

recebe

um

comunicado do líder da Cerberus avisando sobre

Figura 68: Thane Kryos.

91

uma nave Collector que foi abatida pelos cruzadores Turians. A Normandy traça seu curso para a nave inimiga que está à deriva no espaço. Quando eles pousam na nave Collector, o grupo do comandante encontra um ambiente repleto de corpos jogados pelo chão. A cada sala eles são atacados e ao terminar as investigações, Shepard conclui que o Illusive Man os mandou para um emboscada para obter informações do inimigo. Shepard descobriu que os Collectors usam um sistema de identificação chamado IFF para atravessar o Mass Relay de Omega, que os leva para um local que ninguém jamais conseguiu retornar vivo. Os pesquisadores da Cerberus localizaram um Reaper abatido no espaço do qual Shepard pode extrair um IFF para acessar o Omega Relay. Com todos a bordo da Normandy, o comandante deve se assegurar do comprometimento e da lealdade de todos com a missão. Cada membro da equipe possui problemas pessoais não resolvidos e cabe a Shepard ajudá-los. Jacob vem até o comandante com o pedido para investigar um sinal que captou de uma nave tripulada pelo seu pai que há muito tempo foi dada como desaparecida. Quando eles chegam na origem do sinal, eles descobrem Ronald Tayor, pai de Jacob, isolado em uma comunidade que ele construiu após a queda da nave, e que ele tomou para si todos os suprimentos da nave após matar os sobreviventes homens. Decepcionado com as ações de seu pai, Jacob se mostra desconcertado e pede para que o comandante o ajude a tomar uma decisão sobre o que fazer com Ronald. Shepard emite um sinal de resgate para que as pessoas que restam no acampamento sejam retiradas do planeta e o pai de Jacob seja levado preso. Ao retornar para a Normandy, Miranda pede para que Shepard a ajude com sua irmã mais nova, Oriana. Miranda explica que teve que esconder Oriana em Illium para que seu pai não a encontre, porém, de algum modo ele descobriu a localização dela e agora Oriana precisa ser retirada do planeta. Junto de Miranda o comandante vai até Illium para auxiliar na fuga de Oriana. Tudo estava certo para que ela possa sair do planeta, mas Miranda foi traída pelo seu contato e o grupo sofreu um ataque dos mercenários Eclipse, que foram contratados para levar Oriana para seu pai. Shepard e Miranda conseguem derrotar os mercenários 92

e Oriana é levada para sua nova família, ficando a salvo do seu pai. Com o problema de Miranda resolvido, Jack pede para conversar com Shepard. Ela diz ao comandante que localizou por meio dos arquivos da Cerberus a instalação de pesquisa na qual sofreu experimentos e que gostaria de ir até lá para colocar um fim em seus tormentos. Quando chegam na base, encontram o lugar abandonado e Jack sofre com as lembranças de tudo o que passou neste lugar. Ela custa acreditar que não foi a única a sofrer com os experimentos feitos pela Cerberus. Com mercenários Blood Packs vasculhando o laboratório, o confronto entre eles logo começa e, passado as lutas, eles chegam até uma sala em que encontram Aresh, uma das cobaias que retornou para retomar os experimentos. Possuída por uma raiva imensa, Jack deseja matá-lo, mas é impedida por Shepard. Jack olha para as paredes daquele que um dia foi seu quarto e após um breve momento ela diz ao comandante que eles já podem sair. Conforme a nave se afasta uma explosão é ouvida. Jack plantou bombas no laboratório para assim enterrar todas as memórias perturbadoras de sua infância. No momento que retornam para a nave, Miranda e Jack começam a discutir. Jack acusa Miranda de negar a participação da Cerberus nos experimentos. A briga entre elas se intensifica, porém Shepard as interrompe, intervindo para que essa discussão não comprometa a missão. Pouco tempo após a discussão se encerrar, Mordin pede para que Shepard o ajude com um problema pessoal. O cientista descobriu que um antigo assistente, Maelon, foi sequestrado por mercenários e levado para Tuchanka, terra natal dos Krogans. Ele acredita que os mercenários desejam que Maelon desenvolva uma cura para a Genophage. Rapidamente após o pouso em Tuchanka, Shepard e Mordin vão até o líder Krogan local e se surpreendem ao ver que quem comanda é Wrex, companheiro do comandante na batalha contra Saren. O Krogan fica feliz em ver que Shepard está vivo e o recepciona ao modo Krogan de dar boas vindas. Wrex acredita que os membros do clã Weirloc, rivais do clã Urdnot, estão envolvidos no rapto de Maelon e indica ao comandante como chegar até a base deles. 93

Shepard e seu grupo invadem a base a procura de Maelon e em seu caminho enfrentam muitos Krogans do clã Weirloc. Após o confronto se encerrar, Shepard e Mordin encontram Maelon trabalhando em um laboratório. O discípulo de Mordin revela que não foi raptado, e que trabalha em uma cura para desfazer o erro que eles cometeram ao criar a Genophage, mas é repreendido pelos métodos que tem usado em sua pesquisa. Mordin aponta uma arma para Maelon mas Shepard o impede de atirar deixando que o aprendiz escape. Ao questionar o comandante o que fazer com os dados da pesquisa de Maelon, Shepard propõe que Mordin os mantenha, pois mesmo que esses resultados tenham sido alcançados por métodos de pesquisa cruéis, podem ser úteis para desenvolver uma possível cura para a Genophage. O grupo retorna para a base do clã Urdnot, pois ainda há mais um problema que precisa ser resolvido. Grunt tem demonstrado um comportamento violento e se diz incomodado com o modo como se sente. Shepard o leva até Wrex que o encaminha para o shamã do clã. O ancião examina Grunt e diz que ele precisa passar pelo ritual de iniciação Krogan. O fato de Grunt ter sido criado em laboratório por Okeer incomoda os demais Krogans e um deles, Uvenk, intervém dizendo que Grunt não é um Krogan legítimo. O shamã permite que o jovem Krogan passe pelo ritual de iniciação desde que Wrex assim o permita e que Shepard participe junto. Com o fim do ritual de Grunt, no qual ele, ao lado de Shepard, enfrentou uma das criaturas mais terríveis de Tuchanka, um Tresher Maw, Uvenk invade a área do ritual e os ataca. O combate entre os dois grupos é iniciado e logo é encerrado com Uvenk derrotado. Grunt agora é reconhecido como um Krogan legítimo e parte do clã Urdnot. Na última etapa do ritual, escolhe Shepard como seu mestre de batalha, que honradamente aceita. No momento em que retornam para a Normandy, Garrus diz ao comandante que precisa de sua ajuda para resolver um problema pessoal. Ele localizou Sidonis, um antigo companheiro de batalha que acabou por trair o grupo do qual fazia parte levando muitos de seus aliados à morte e deseja vingança. Assim que chegam na Citadel, local em que Sidonis está para negociar com um 94

falsificador chamado Fade, Shepard e Garrus são levados pelas suas investigações até um armazém em que encontram o oficial Harkin da C-Sec, que fica surpreso em vê-los vivos. Uma perseguição se inicia em meio a diversos combates até que Harkin é encurralado e revela o local em que Sidonis irá se encontrar com um de seus homens. Garrus está determinado a se vingar, mas Shepard não concorda com isso. Quando chegam ao local combinado, o comandante se faz passar por um dos homens de Harkin enquanto Garrus está posicionado longe com um rifle em mãos pronto para atirar. Assim que encontra Sidonis e se apresenta, Shepard mantém-se posicionado para que Garrus não tenha como atirar em seu alvo. Ele insiste para que Shepard se afaste, mas o comandante não o faz e conta para Sidonis que ele corre risco de vida. Mesmo irritado, Garrus concorda com o comandante ao passo que Sidonis demonstra arrependimento pela traição que cometeu com os companheiros. Garrus pede para que Shepard avise Sidonis que lhe foi dado uma segunda chance. Sidonis vai embora e Garrus agradece o comandante pela ajuda. Com o retorno para a Normandy, Shepard é comunicado que Tali deve se apresentar em uma das naves da frota Quarian pois foi acusada de traição. Quando Tali e Shepard se apresentam na nave Quarian, eles são informados por um dos oficiais de que Tali é acusada de enviar peças em funcionamento de Geths para seu pai. Assim que adentram a sala de audiência, Tali já está destituída de sua afiliação à uma nave Quarian e Shepard, como seu comandante, deve responder por ela. O conselho Quarian pede que Tali explique como a nave Arelei foi tomada por Geths, nave em que o pai dela trabalha pesquisando os Geths. Tali não sabe como responder e o conselho deseja disparar um ataque para destruir a nave destruindo os invasores. Shepard intervém e diz ao conselho de almirantes que ajudará a recuperar a nave e com isso limpar o nome de Tali. Junto de sua companheira ele chega em Arelei e logo são atacados por Geths. Após exterminar todos os invasores, Shepard encontra o corpo do pai de Tali no chão e uma gravação deixada por ele, que junto das informações deixadas pelo caminho o relacionam à invasão. 95

No momento que retornam para a nave, Tali pede para que Shepard não apresente as provas deixadas por seu pai e o comandante testemunha em favor de sua companheira que tem as acusações retiradas pelos almirantes Quarians. Após o comandante retornar para a nave, Samara pede para falar com Shepard. Ela diz ao comandante que conseguiu localizar o assassino que procurava, sua filha Morinth, em Omega, e precisa que o comandante vá com ela para detê-la antes que faça mais vítimas. Quando chegam em Omega eles rastream Morinth até a área particular do clube Afterlife. Samara pede para que Shepard tente fazer com que Morinth o leve para um lugar mais reservado para que possa ser detida. O comandante consegue ser levado para o apartamento da filha de Samara e os dois começam a conversar. Shepard sente-se estranho ao passo que Morinth entra em sua mente. Antes que o comandante sucumba, Samara interrompe sua filha e um combate entre as duas se inicia. Morinth tenta influenciar Shepard para que ele ataque Samara, mas a força de vontade do comandante é maior e com isso a Justicar consegue executar sua filha, acabando com os assassinatos causados por ela. Samara agradece ao comandante e eles retornam para a nave. Com os problemas de quase todos resolvidos, Thane pede ao comandante que vá até seu quarto. O assassino precisa que Shepard o ajude com seu filho, Kolyat, que resolveu seguir os passos do pai e tornou-se um assassino de aluguel. A relação entre os dois é conturbada e Thane não deseja ver seu filho desperdiçando sua vida. Ao desembarcar na Citadel, Shepard e Thane vão até o oficial Bailey da C-Sec e, com a ajuda dele, descobrem que Kolyat foi contratado para assassinar um político Turian que deseja implementar restrições aos humanos na Citadel. Graças a ajuda de Shepard, Thane consegue impedir que Kolyat mate o político Turian. Ao serem levados para uma sala reservada da C-Sec, pai e filho discutem e Thane explica que, para manter Kolyat em segurança, ele teve que se distanciar, deixando-o só. Os dois se reconciliam e, grato à ajuda do comandante, ele retorna para Normandy pronto para seguir com a missão contra os Collectors. Tendo resolvido os problemas de todos os membros de sua equipe, Shepard 96

recebe uma informação da Cerberus que aponta a localização de um IFF em um Reaper desativado que está a deriva no espaço. O comandante traça o curso da nave para reaver o equipamento que falta. Logo após chegar ao local em que os destroços do Reaper estão, a tripulação da Normandy vê uma nave de cientistas da Cerberus estacionada próximo. Quando entram na nave, eles encontram manchas de sangue e, subitamente, um tremor atinge a nave. Joker entra em contato e avisa que aparentemente o Reaper não está totalmente desativado e uma barreira de energia surgiu impedindo que uma equipe de resgate os alcance. O comandante parte com sua equipe para desligar os geradores de energia que sustentam o Reaper. Em meio uma onda de combates, Shepard é salvo por um Geth com um rifle de longa distância e um pedaço de sua antiga armadura acoplado em seu corpo. Sem entender o que aconteceu, Shepard chega ao centro do Reaper e começa os preparativos para desligar a energia que o sustenta. O grupo sofre um ataque e o Geth que os ajudou anteriormente aparece para auxiliar o comandante. Com o fim do ataque e a energia desligada, Shepard pede para que Joker posicione a nave para a evacuação. O comandante leva consigo o IFF extraído do Reaper e o corpo do Geth que o auxiliou, mantendo-o em uma área de segurança isolada. Shepard recebe um chamado para uma missão e sai da Normandy com toda sua equipe, deixando o IFF na nave em meio a um processo de verificação. Joker e EDI, a inteligência artificial da nave, terminam de analisar o dispositivo e se preparam para acopla-lo à nave. Subitamente eles foram atacados por uma nave Collector. Sem muito o que poder fazer, EDI orienta Joker a como acessar manualmente sua base dados. Com dificuldades, não só pela invasão, mas pelas suas limitações físicas, o piloto consegue chegar ao local após presenciar a tripulação da Normandy ser levada pelos invasores. Joker aciona manualmente o sistema de segurança da nave que automaticamente ejeta os Collectors remanescentes e leva a Normandy para um local indeterminado no espaço até que o comandante retorne. 97

No momento em que retornam para a nave, Shepard encontra Joker em estado de choque. Miranda o repreende pela irresponsabilidade em acionar o IFF, mas o comandante intervém em favor do piloto dizendo que ele não foi responsável pelo ataque. Mesmo com as perdas que aconteceram na ausência de Shepard, a Normandy está pronta para acionar o Omega Relay. Com a situação se normalizando, Shepard decide despertar o Geth que manteve em uma área de segurança. Quando o Geth desperta, o comandante pede que ele se identifique. Sem um nome e, referindo-se como “nós”, EDI o batiza como Legion, em referência ao evangelho de São Marcos. Legion explica que, enquanto há Geths que lutam pela sua individualidade como espécie, há aqueles que se uniram aos Reapers cultuando-os como deuses. Esse Geths são denominados como Heretics. Antes que possam ir para o Omega Relay, Legion pede para que Shepard vá com ele até uma base Heretic para impedir que um vírus seja espalhado reescrevendo a programação de todos os Geths não Heretics. Ao entrar na base Heretic, Legion descobre que o vírus está pronto para ser disseminado e que eles precisam se apressar para chegar ao centro onde estão os terminais para reprogramá-lo. Há duas alternativas, eles podem reescrever o código do vírus ou então destruir a base Heretic. Os Heretics os atacam de surpresa e, logo após derrotá-los, Shepard autoriza Legion a reescrever o código. Agora, eles devem sair às pressas e retornar para a Normandy. Após o retorno para a Normandy, Tali começa a discutir com Legion. Ela reclama para o comandante que Legion está enviando informações sobre os Quarians para os Geths enquanto ele se defende das acusações. Shepard pede para que ambos entrem em um acordo para que a missão não seja prejudicada e eles assim o fazem. Com

os

problemas

internos

da

equipe

solucionados, é chegada a hora de ir para o confronto final. Todos os preparativos foram feitos. A Normandy

Figura 69: Legion.

98

teve suas defesas reforçadas graças à Mordin e a equipe está comprometida com seu comandante. Cada membro possui um débito de gratidão com Shepard pela ajuda que ele lhes deu com seus problemas particulares. A Normandy acessa o Omega Relay e é atacada, Joker coloca suas habilidades como piloto à prova desviando dos disparos do inimigo. Mesmo Joker evitando a maioria dos ataques, algumas sondas penetram a Normandy e levam o combate até Shepard e sua equipe. Entre tiros e lasers, o comandante consegue evitar que o inimigo cause danos internos à nave. Joker continua a manobrar a nave evitando os ataques e contra ataca utilizando o sistema de armas. EDI consegue escanear a base Collector para que Shepard possa traçar um plano. O comandante se reúne com os demais para acertar os últimos detalhes da missão. Graças a EDI, o ponto fraco da base Collector foi identificado assim como a localização da tripulação da Normandy que foi abduzida. O comandante divide a equipe em dois grupos, um liderado por ele, e o outro por Miranda. A investida começa. O grupo se divide e Shepard avança com sua equipe enquanto Miranda lidera a outra e Tali prossegue pelo sistema de ventilação. Shepard deve acabar com o inimigo sem demora para que a segurança do grupo de Miranda não seja comprometida. Conforme o comandante avança, ele e seu grupo precisam acionar algumas válvulas que possibilitam o grupo de Miranda avançar. Shepard chega a uma sala em que encontra os membros da tripulação que foram abduzidos. Ao conversar com eles, o comandante descobre que os Collectors estão processando os corpos dos humanos no interior da base, e que para chegar ao local, eles deverão passar por uma área infestada por insetos utilizados como sistema de defesa. O uso de uma barreira biotic é uma opção para passar pelo local, mas quem criar a barreira ficará impossibilitado de atacar e defender. Após o plano traçado, Shepard pede para que Legion acompanhe o grupo de volta à nave para garantir a segurança da tripulação. O grupo prossegue com Samara criando uma barreira para protegê-los. A batalha não é fácil já que além de atacar os inimigos, Shepard deve proteger Samara. Com muita dificuldade eles conseguem superar esta etapa da infiltração à base Collector e todos os membros conseguem chegar vivos à próxima sala. 99

Miranda chega ao local junto com seu grupo e sugere para Shepard que, enquanto ele vai até o interior da base, o restante fique para trás para impedir que os Collectors avancem. Shepard concorda. O comandante, Garrus e Mordin se dirigem para o interior da base enquanto os demais ficam para assegurar o sucesso da missão formando uma linha de defesa para o comandante. Shepard e seus companheiros chegam ao centro da base. EDI entra em contato com o comandante informando que detectou uma estrutura sintética sendo alimentada com a substância feita a partir dos corpos dos humanos abduzidos. Segundo a inteligência artificial da Normandy, os Collectors estão construindo um Reaper humano. Sem tempo a perder, um ataque é iniciado contra o monstro criado pelos Collectors. Junto com Garrus e Mordin a luta se intensifica, já que Collectors chegam ao local para proteger a criatura sintética. A dificuldade é grande, mas Shepard e seus companheiros conseguem superar cada dificuldade que surge durante a batalha. Após derrotar uma onda de Collectors, Shepard e seus companheiros conseguem destruir os tubos de alimentação do Reaper causando sua destruição. O comandante entra em contato com Joker pedindo que o piloto posicione a nave para a retirada da equipe. Shepard pretende explodir a base Collector para acabar de vez com essa ameaça. No momento em que preparava a explosão, o Illusive Man entra em contato pedindo para que Shepard não destrua a base e entregue-a para a Cerberus. Ele deseja utilizar a tecnologia desenvolvida pelos Collectors para construir seu próprio Reaper e utilizá-lo para proteger a humanidade. Duvidando das intenções do líder da Cerberus, Shepard corta a comunicação e se desliga da Cerberus. Em meio aos preparativos para a explosão, o Reaper que Shepard acreditava ter destruído surge e um novo confronto se inicia e mais Collectors aparecem tornando o confronto final mais difícil para o comandante. Com a munição se esgotando, Shepard consegue derrotar o que sobrou dos inimigos. O líder Collector tenta entrar em contato com outros Reapers, mas devido ao seu fracasso ele é abandonado. Shepard e sua equipe entram na nave e a Normandy vai em direção ao Omega Relay. Conforme a nave se afasta, a base Collector explode acabando com o que sobrou do inimigo. Shepard consegue cumprir sua missão com todos os membros de sua equipe 100

vivos e a tripulação da Normandy resgatada. Joker entrega para o comandante um dispositivo com alguns dados que obteve. O comandante tem acesso a uma gravação que mostra uma frota de Reapers se aproximando da galáxia. Shepard se tornou uma ameaça reconhecida para eles.

101

2.3 - Mass Effect 3 Após o incidente com os Collectors, Shepard se envolveu em uma situação que acabou resultando em sua prisão sob custódia da System Alliance. Graças às frustrações que os Reapers sofreram pelas intervenções do comandante, o planeta Terra sofre uma invasão em massa do inimigo resultando em uma evacuação de emergência. Sentindo-se incomodado por todos os seus

Figura 70: Almirante Hackett.

avisos terem sido ignorados, Shepard é ordenado pelos almirantes Hackett e Anderson a, junto do tenente James Vega e do major Kaidan Alenko, ir para a Citadel. Em seu caminho para a fuga do planeta, Shepard encontra um garoto a quem tenta ajudar, mas subitamente tem sua atenção desviada e quando retorna o olhar, vê que o menino sumiu como se não passasse de uma alucinação. Pouco

Figura 71: James Vega.

após entrar a bordo da Normandy, o comandante vê o mesmo garoto entrando em um dos módulos de fuga que foram preparados pela Alliance para a evacuação dos sobreviventes do ataque. Shepard vai para a Citadel buscar com que as demais raças se unam aos humanos na luta contra os Reapers. No meio do caminho, a Normandy recebe ordens para mudar seu destino e ir para Marte. O comandante deve se encontrar com Liara T’Soni que, segundo o relatório, encontrou indícios de planos de uma arma desenvolvida pelos Protheans e que está nos arquivos de um sítio arqueológico em Marte. Logo após o pouso, Shepard, Kaidan e Vega entram em confronto com soldados da Cerberus que estão no local. A presença da antiga aliança de Shepard incomoda Kaidan que não demora a discutir com o comandante colocando sua lealdade em dúvida. Vega intervém a favor pedindo para que Kaidan não duvide do comandante e 102

o grupo prossegue com a missão. No momento em que encontram com Liara, é explicado que a Cerberus invadiu o local e estão a procura dos planos para a construção da arma Prothean. Por meio de gravações das câmeras de segurança, Liara identifica a presença da doutora Eva Coré nos arquivos suspeita que ela tenha enviado informações para a Cerberus. Quando chegam na sala em que os arquivos estão armazenados, uma imagem do Illusive Man surge e inicia um diálogo com Shepard. Em meio à críticas em relação a Alliance e um discurso sobre poder e controle do líder da Cerberus, Kaidan é golpeado por Eva que rouba os dados e foge. A perseguição se inicia e um módulo de fuga da Cerberus surge para resgatála. Antes que pudesse fugir, James Vega, pilotando uma pequena nave, derruba o módulo da Cerberus. Em meio a destroços da nave em chamas, Eva surge com um corpo sintético e fere Kaidan gravemente. Shepard consegue incapacitá-la e leva o corpo para a Normandy para que possam extrair os dados roubados. Com Kaidan levado para a emergência do hospital na Citadel, Shepard se reúne com o conselho para discutir uma possível união entre as principais raças. Em meio ao desinteresse dos conselheiros, Liara apresenta os planos da arma Prothean que conseguiu recuperar de Eva, e que, segundo o que ela constatou, faltou para os Protheans um item descrito como Catalyst. Após a reunião, com o conselho, Shepard se apresenta ao embaixador Udina em seu escritório. O embaixador se mostra perplexo com a atitude do conselho frente a tudo que Shepard fez por eles. O conselheiro Turian entra na sala interrompendo-os e diz que os Turians estão reunidos a pedido do primarca Fedorian para discutir que posição tomar na guerra contra os Reapers, porém, o contato com ele foi perdido após o planeta Palaven ser invadido pelo inimigo. Com a restituição do cargo de Spectre, é pedido a Shepard que vá para Palaven resgatar o primarca. Sem esperança de que as outras raças cooperem, Udina começa a mobilizar recursos para a construção da arma Prothean enquanto o comandante se dirige a procura do primarca Turian. No caminho para resgatar o primarca, Shepard adormece e em seu sono é atormentado pelas vozes e imagens das pessoas que conheceu em sua jornada. Em 103

meio as sombras dessas pessoas, o comandante vê o garoto que tentou ajudar na fuga do planeta Terra. Shepard tenta alcançá-lo mas o menino é devorado por chamas que o consomem. Assustado, o comandante desperta do pesadelo no momento em que a Normandy chega em Palaven. Mesmo com o planeta tomado pelos Reapers, a equipe de Shepard consegue pousar e o comandante logo se apresenta a Corinthus, o general Turian que comanda a coalisão contra os Reapers em Palaven. Corinthus informa que o primarca Fedorian foi morto durante a invasão e que agora os Turians precisam nomear alguém para o posto, porém, o sistema de comunicação foi afetado pelo ataque. Shepard se prontifíca a reparar a torre de comunicação para que possam saber quem será o novo primarca. Com as comunicações restabelecidas, Corinthus é informado que o general Adrien Victus foi nomeado para o cargo de primarca . Garrus Vakarian surge no acampamento e interrompe a conversa entre Shepard e o general. Garrus se junta a Shepard, que fica feliz em rever seu amigo de batalha em um momento tão difícil tanto para os humanos quanto para os Turians. A equipe do comandante parte em busca do general Victus para retirá-lo em segurança do planeta antes que os Reapers o ataquem. Shepard, Garrus e Vega chegam até Victus e informam o general de sua nomeação para o cargo de primarca. Relutante em deixar suas tropas para assumir um cargo político, o general aceita acompanhá-los. A bordo da Normandy o novo primarca diz para Shepard que só poderá ceder a armada Turian caso os Krogans aceitem entrar na guerra e ajudá-los em Palaven. Convencido da dificuldade que será convencer os Krogans tomarem parte na guerra, Shepard convoca uma reunião com a presença dos representantes Krogan e Salarian. Subitamente a Normandy apresenta mal funcionamento e EDI, a inteligência artificial da nave não responde aos comandos da tripulação. Shepard vai até o centro de controle e encontro o corpo sintético de Eva tomado por EDI. Agora a inteligência artificial da nave possui um corpo ao mesmo tempo que é parte integral da nave, podendo assim auxiliar o comandante em missões em solo. A reunião com os representantes Krogan, Salarian e Turian tem início. Shepard 104

fica aliviado ao ver que quem representa os Krogans é seu amigo Urdnot Wrex, o que tornará o diálogo com os Krogans mais fácil já que Wrex tem um imenso respeito pelo comandante. A todo o momento, Dalatrass, a representante Salarian, trata Wrex com inferioridade e isso só aumenta a tensão durante a reunião. Para Wrex a única condição para que os Krogans entrem na guerra é a cura da Genophage. Dalatrass afirma que

Figura 72: EDI.

isso não é possível e Victus constantemente a repreende para moderar como se dirige a Wrex. Victus afirma que mesmo se uma cura fosse possível, o tempo que demoraria para criá-la uma seria muito grande frente ao problema com os Reapers. Wrex então apresenta uma gravação que mostra os Salarians levando uma Krogan fêmea que sobreviveu aos experimentos feitos por Maelon, o antigo assistente de Mordin. Desconcertada, Dalatrass afirma que as gravações foram forjadas e Victus ameaça que, caso os Salarians não cooperem, os Turians se voltarão contra eles. Sem ter como escapar dessa situação, Dalatrass revela a localização do centro de pesquisa em que a sobrevivente é mantida. Com o apoio de Victus o grupo se prepara para buscá-la e, graças ao posto de Spectre de Shepard, isso poderá ser feito sem maiores problemas. Próximos do pouso em Sur’Kesh, um mal entendido faz com que Wrex se enfureça e comece a atacar alguns seguranças do centro de pesquisa. A situação só não piora graças a Shepard que consegue controlá-lo. O grupo é levado para o local em que a Krogan está. No caminho, Shepard se encontra com Mordin Solus, que revela ao comandante ter sido o responsável por enviar a Wrex as gravações que mostram a sobrevivente. Enquanto os preparativos para a remoção da Krogan são feitos, um sinal de emergência é acionado. O centro de pesquisa foi invadido pela Cerberus e os grupos se dividem. Shepard e sua equipe combatem os soldados do inimigo enquanto Mordin leva a Krogan para uma área segura com a ajuda de Wrex. 105

Graças a Shepard, a situação em Sur’Kesh volta ao normal e a Krogan é levada a salvo para a Normandy. Mordin começa a trabalhar em uma cura com a ajuda de Wrex, que se oferece para os testes. A Krogan, agora nomeada por Mordin como Eve, agradece ao comandante e diz a ele que poucos na galáxia possuem simpatia por seu povo. Assim que se aproximam de Tuchanka, o

Figura 73: Eve.

planeta dos Krogans, a tripulação da Normandy encontra o lugar em meio a um ataque dos Reapers. Shepard pede para que Victus ordene um ataque feito pela armada Turian enquanto Wrex coordena uma investida em solo. Antes de entrarem em um módulo de pouso, o comandante recebe uma chamada de Dalatrass que pede a ele que sabote a cura. Sem concordar, o comandante desliga sem lhe dar uma resposta. Enquanto esperam para pousar, Eve nota que Shepard está incomodado com algo. No momento em que pousam eles são atacados e o comandante a protege enquanto atira nos inimigos. Após a luta, o grupo é recebido por Urdnot Wreav, irmão de Wrex que mostra seu descontentamento com a presença de Mordin. Apesar de Shepard tentar lhe explicar o motivo da presença do cientista Salarian em Tuchanka, Wreav o ignora e junto dos seus soldados aponta suas armas para o comandante. Vendo que a situação caminha para um conflito, Eve intervém e inicia um discurso. Ela diz a todos que podem se matar ou então construir um futuro para os Krogans. Quando pergunta quem se juntará a ela na construção deste futuro, Shepard é o primeiro a responder, seguido por todos os outros que foram motivados pelas palavras de Eve. O grupo se divide em comboios para que possam chegar ao local em que vão disseminar a cura. Eve pergunta ao comandante o que o incomoda e Shepard revela que Dalatrass lhe fez um pedido para sabotar a cura da Genophage. A gratidão de Eve e Wrex com o comandante só aumenta e Mordin lhes diz que, mesmo que o mecanismo de dispersão esteja danificado, ele pode consertar para que a dispersão da cura funcione corretamente. 106

O veículo em que Shepard está é atacado e seu grupo segue a pé enquanto Wrex continua com Eve. Eles atravessam as catacumbas de Tuchanka e passam pelo território de Kalros, a mãe de todos os Tresher Maws até avistarem a torre com o dispositivo de dispersão. Um

Reaper

permanece

como

sentinela

impedindo a aproximação deles. Eve sugere que o comandante acione os martelos que invocam Kalros,

Figura 74: Kalros atacando um Reaper.

para que o monstro assim derrube o Reaper e eles possam chegar ao destino. Shepard assim o faz e, quando Kalros surge, ela derruba o Reaper e o enterra nas areias de Tuchanka . Para disseminar a cura, Mordin terá que acionar o mecanismo manualmente, pois a torre foi danificada pelos ataques. Com muita tristeza, Shepard se despede de seu amigo que caminha para a morte. Após acionar o mecanismo de disseminação da cura, a torre explode e tudo o que resta ao comandante é presenciar a morte de Mordin, que se sacrificou para que os Krogans possam ser curados da Genophage. Eve lamenta a perda e diz que agora os Krogans lutarão por eles e não contra eles mesmos. Honrando sua parte no acordo, Wrex envia suas tropas para Palaven como forma de auxiliar os Turians na luta contra os Reapers. Assim que retorna para a Normandy, Shepard recebe os agradecimentos de Victus que avisa já ter direcionado uma frota para auxiliar na construção da arma Prothean que agora recebe o nome de Crucible. Cansado, o comandante se retira para seus aposentos e dorme. Em seu sono é atormentado pelo mesmo pesadelo de antes . Após despertar, Liara entra em seu quarto e avisa que Valern, o conselheiro Salarian o espera em uma chamada. Ao atendê-lo, o conselheiro pede a Shepard que vá até a Citadel, pois ele acredita que Udina tem agido de forma suspeita. A Normandy se aproxima da Citadel e Joker, ao pedir permissão para pouso, não obtém resposta. Uma mensagem de socorro enviada pelo comandante Bailey 107

da C-Sec é interceptada e, segundo ele, a Citadel está sob ataque. Quando pousam, o comandante e seu grupo encontram a Cerberus invadindo a Citadel. Bailey é encontrado ferido e diz ao comandante que Valern deve estar seguro em algum lugar. Ao chegar a sala de Executor Pallin, Shepard o encontra morto no chão e, ao olhar pela janela da sala, ele vê o conselheiro Salarian sendo rendido por

Figura 75: Kai Leng.

Kai Leng, um agente da Cerberus. O conselheiro revela que Udina está por trás da invasão e acabou colocando todo o conselho em perigo. No momento em que Kai Leng ataca Valern, Thane Kryos o impede mas acaba gravemente ferido. Kai Leng foge e uma perseguição se inicia até a rede de elevadores da Citadel. Ao sair do elevador, Shepard encontra Kaidan escoltando os conselheiros. O major questiona a presença do comandante e Udina o acusa de estar a serviço da Cerberus. Kaidan ameaça atirar em Shepard caso ele não se renda. O comandante expõe Udina e diz que Valern pode confirmar o envolvimento do embaixador com a invasão. Udina tenta abrir a porta do elevador no qual Kai Leng supostamente está . A conselheira Asari tenta impedi-lo, mas ele a joga no chão e aponta uma arma para ela. Kaidan, ao ver a atitude ameaçadora do embaixador, atira em Udina que acaba morrendo. A porta do elevador se abre e o comandante Bailey chega ao local. Ele esclarece que os soldados da Cerberus fugiram pelos túneis e que, se não fosse por Shepard, todos os conselheiros estariam mortos. Com a comprovação do envolvimento de Udina na invasão e a situação na Citadel retornando ao normal, Shepard vai ao hospital visitar Thane. Quando chega, encontra seu amigo em estado terminal ao lado de seu filho Kolyat. Thane olha para Shepard e pede para que o comandante o acompanhe em uma prece, porém não consegue terminar. Com gratidão por ter feito parte da equipe do comandante, Thane morre. 108

Shepard pergunta para Kolyat o motivo de Thane ter pedido por perdão pelos seus atos em uma oração e o jovem explica que a prece não era para ele, mas sim pela vida do comandante. Shepard se despede de Thane e diz a ele que logo se encontrarão. Ao retornar para a Normandy, é recebido um pedido para que almirantes Quarians entrem a bordo. Eles dizem ao comandante que recentemente tentaram uma incursão para retomar Rannoch, seu planeta natal dos Geths, e que detectaram um sinal enviado pelos Reapers partindo de uma nave de batalha Geth. Shepard diz que pode passar pelo sistema de defesa dos Geths sem ser detectado. Os Quarians desejam enviar um almirante junto e Tali Zora vas Normandy se apresenta para a missão. Embora Tali defenda a paz entre Geths e Quarians, ela considera essa união aos Reapers uma ameaça maior que precisa ser detida. Assim que entram na nave Geth, um alarme é acionado e o grupo do comandante é atacado. Ao chegar ao centro da nave eles encontram um casulo que, ao ser aberto, mostra Legion conectado a um monte de cabos. Enquanto Shepard busca um modo para libertá-lo, Legion explica que os Geths Heretics se aliaram aos Reapers mesmo tendo seu código reescrito. Após ser liberto, Legion desliga as defesas da nave ocasionando um novo alerta de segurança. Enquanto lutam, Tali intercepta uma transmissão dos almirantes Quarians. Eles planejam lançar um ataque para destruir a nave dos Geths. Pouco após escaparem, um ataque parte da frota Quarian e destrói a nave. Quando retornam para a Normandy, presenciam uma discussão entre dois almirantes. Shepard intervém dizendo que o almirante que lançou o ataque agiu como um militar, porém, deveria ter lhes alertado com antecedência. Ao ver Legion a bordo, a almirante Raan diz que seria interessante estudálo para descobrir as fraquezas dos Geths. Shepard se irrita com o modo como se referem a Legion e pede aos almirantes que o respeitem, pois é seu amigo. Legion informa que os Reapers montaram uma base em Rannoch para emitir sinais que coordenem as atividades dos Geths. Com essas informações, os almirantes Quarians começam os preparativos para uma coalisão em seu planeta natal. Após desembarcar em Rannoch, Tali se mostra comovida por andar no solo 109

do planeta de seus ancestrais

pela primeira vez.

Sem tempo para a comoção de Tali, o grupo inicia a missão para destruir o emissor de sinais que os Reapers instalaram no planeta. Eles se dividem em dois grupos, enquanto Legion desarma as defesas da base, Shepard vai até o emissor do sinal para destrui-lo. Com um laser sinalizador o comandante envia as coordenadas para a Normandy que lança uma bomba no alvo. A explosão

Figura 76: Shepard luta contra um Reaper em Rannoch.

chama a atenção de um Reaper que os ataca. A bordo de uma pequena nave, Legion resgata o comandante e um combate se inicia. Shepard entra em contato com EDI e diz que, com o laser, enviará coordenadas do inimigo para que a Normandy o bombardeie. Em solo, Shepard desvia dos ataques do inimigo enquanto mira para que a nave o ataque. Após diversos disparos da Normandy, um último ataque é feito com a ajude da frota Quarian que está na órbita de Rannoch assim destruindo o Reaper. Fazendo uso da energia que lhe resta, o Reaper zomba de Shepard e diz ao comandante que ele irá falhar, já que a vida orgânica é responsável pelo caos no universo. Sem ceder à pressão, Shepard se demonstra certo de sua vitória. Surpresa com o feito, Tali ainda não acredita que conseguiram derrubar um Reaper. Ela se aproxima do comandante seguida de Legion que propõe disseminar um código que dá autonomia para todos os Geths pensarem. Tali discorda, pois acredita que isso poderá fazer com que os Geths dizimem os Quarians. Mesmo assim Shepard permite que Legion prossiga com a disseminação do código. Ao começar os preparativos para espalhar o código entre os Geths, a frota Quarian inicia um ataque aos Geths temendo ser destruída. Tali tenta impedi-los, mas é ignorada pelos almirantes. Shepard entra em contato e graças a sua intervenção a frota Quarian se divide entre os que suspendem o ataque e os que continuam. Novamente o comandante explica a situação e os Quarians suspendem o ataque por completo. Legion falha ao disseminar o código e diz que para isso terá que espalhar sua 110

consciência para todos os Geths. Antes de seu corpo cair no chão, Tali responde a pergunta feita por Legion e que é a mesma que deu origem ao conflito entre ambos os povos, se ele possui uma alma. Tali responde que sim, e Legion espalha sua consciência para que todos os Geths tenham sua individualidade. A mediação de Shepard e o sacrifício de Legion selou a paz entre Geths e Quarians, que agora podem retornar a Rannoch. Gratos pela ajuda do comandante, ambos os povos oferecem recursos para auxiliar na construção do Crucible, na guerra contra os Reapers e Tali se junta definitivamente a Shepard. De volta a Normandy, Shepard recebe um chamado da conselheira Asari que pede para que ele vá encontra-la na Citadel. Ela diz que talvez saiba como conseguir o Catalyst. Assim que se encontra com a conselheira, é revelado que há em Thessia, planeta natal das Asari, um artefato que é de conhecimento apenas do governo e que está guardado em um templo. Ela oferece as coordenadas e Shepard parte em busca do objeto que pode ser o Catalyst. Os Reapers atacam Thessia e logo em seguida do pouso, Shepard e sua equipe entram em combate contra o inimigo. Com a ajuda das tropas Asari eles conseguem chegar ao templo em que o artefato está guardado. Assim que entram, Shepard tem a mesma sensação que teve em Eden Prime quando tocou um artefato Prothean pela primeira vez. De alguma forma o comandante o aciona e uma inteligência artificial Prothean aparece. É explicado que o Crucible não foi desenvolvido pelos Protheans e para localizar o Catalyst, ela se integrará aos sistemas de Shepard. Subitamente Kai Leng invade o templo e ataca o grupo do comandante incapacitando-o por tempo o suficiente para roubar os dados e fugir. Um enorme ataque dos Reapers sucede a fuga de Kai Leng forçando Shepard a se retirar. Desapontado com o fracasso, o comandante recebe uma chamada da conselheira Asari que diz lamentar o ocorrido. Ela informa que perdeu contato com Thessia e sem esperanças, desliga sem falar mais nada para o comandante. Em reunião com a tripulação, James Vega propõe atacar a base da Cerberus e uma das assistentes da tripulação informa que conseguiu rastrear Kai Leng até a colônia de Horizon. Com esta informação, todos se preparam para reaver os dados 111

roubados. Conforme se aproximam de Horizon, um pedido de socorro enviado por Oriana Lawson é interceptado. Shepard investiga o local e descobre que a Cerberus invadiu a colônia. Ao que parece, Henry Lawson, pai de Oriana e Miranda, realiza experimentos nos quais transforma humanos em seres sintéticos por meio do uso da tecnologia Reaper e que Miranda está na colônia sendo perseguida por Kai Leng. Ao entrar em uma sala, após passar por diversas batalhas, o comandante encontra Henry usando Oriana como escudo e Miranda caída no chão. Shepard convence Henry a soltar sua filha e no momento em que baixa a guarda, Miranda se levanta e arremessa seu pai pela janela causando a morte de Henry. Ela agradece Shepard por estar alí e dá ao comandante as coordenadas para o quartel general da Cerberus, para que Shepard possa encontrar os dados roubados. Graças a ajuda de Miranda, Shepard consegue chegar ao quartel general da Cerberus e, após enfrentar soldados e passar pelos sistemas de defesa, o comandante encontra em uma sala gravações a respeito do projeto Lázaro. As imagens revelam que Shepard foi manipulado pelo Illusive Man a todo momento no confronto contra os Collectors. Ao chegar na sala do líder da Cerberus, uma transmissão é iniciada. O Illusive Man surge e diz ao comandante que conseguiu localizar o Catalyst graças aos dados roubados. Shepard insiste para que ele desista e se junte a Alliance na luta contra os Reapers, mas é inútil tentar convencê-lo. EDI consegue acesso aos dados e é revelado que a Citadel é na verdade o Catalyst e que, por conta das intervenções do Illusive Man, os Reapers moveram ela para órbita da Terra para impedir que Shepard chegue até ela. Kai Leng se aproxima do comandante e o ataca junto de vários soldados da Cerberus. Shepard e sua equipe lutam contra eles e Kai Leng acaba morto pelo comandante, que se vinga do que ele fez a Thane. Com Kai Leng morto e os dados recuperados, Shepard e seus companheiros começam os preparativos para reconquistar a Terra. O ataque aos Reapers é iniciado. Shepard conseguiu reunir diferentes povos sob uma mesma causa. Os fuzileiros da Alliance lideram os ataques no espaço e 112

muitas naves são perdidas. Antes de pousar, Joker se despede de seu comandante e pede para que ele tenha cuidado no combate. Shepard entra em um módulo de pouso e se aproxima de Londres. O planeta está devastado pelos Reapers e a Alliance resiste aos ataques com muita dificuldade. Ao encontrar o almirante Anderson, Shepard é levado até a base montada pelos fuzileiros. O comandante é recebido como um grande herói. Conforme caminha pela base e se encontra com todos aqueles que lutaram ao seu lado desde o início, se despede como se fosse a última vez que fosse vê-los. Antes de iniciar o ataque final, o comandante se dirige para as tropas e inicia um discurso. Ele lhes fala que graças aos esforços em conjunto de todos o futuro das espécies será reescrito, e que não sintam medo durante a batalha, pois se continuarem juntos, serão invencíveis. Para conseguir chegar até o local em que serão transportados para a Citadel, o comandante lidera um ataque em solo para derrubar uma sentinela Reaper que os impede de prosseguir. Entre muitas perdas e adversidades, Shepard consegue derrubar a sentinela com um ataque coordenado. O almirante Anderson se aproxima em um veículo e eles vão em direção a um feixe de luz que os transportará para a Citadel. Perto do feixe, o inimigo lança um ataque que causa um grande dano ao comboio em que Shepard está. Ferido, o comandante se levanta com dificuldade e com as forças que lhe restam ele atira em alguns inimigos que o atacam. Com um grande esforço ele consegue chegar ao feixe de luz e é transportado para a Citadel. Ao despertar no chão da Citadel, Shepard ouve em seu comunicador a voz do almirante Anderson o chamando. O comandante caminha por um corredor com diversos corpos de pessoas espalhados pelo chão até chegar a uma plataforma que o leva até o almirante e o encontra passando pelo processo de indoctrination. O Illusive Man os surpreende e os dois começam a conversar. Ele diz ao comandante que tudo o que fez foi para o bem da humanidade e que tentou resistir ao controle dos Reapers. Arrependido de seus atos, o Illusive Man pega a 113

arma do almirante e atira em sua própria cabeça dando fim a sua vida em meio ao arrependimento dos erros que cometeu. Shepard senta-se ao lado do almirante que, com suas últimas forças diz ao comandante o quão orgulhoso está de tudo o que o comandante conquistou e que, para ele, Shepard é como um filho. Desmaiado, Shepard é evado por uma plataforma móvel até uma sala onde desperta. Ao fundo, ele vê a imagem de um garoto que se assemelha ao menino que tentou salvar na Terra e que tem lhe assombrado em seus sonhos. O menino se apresenta como sendo o Catalyst, a inteligência artificial que comanda a Citadel e os Reapers. Ele explica ao comandante que os Reapers existem para trazer equilíbrio ao universo, exterminando formas de vida tecnológicamente avançadas para que raças mais jovens possam evoluir. O Catalyst diz que Shepard é a primeira forma de vida orgânica a chegar até ele, e com isso, ele precisa rever suas diretrizes para que possa trazer equilíbrio para o universo. Ele pede que Shepard o ajude e oferece três alternativas para o comandante. A primeira opção é dizimar toda forma de vida sintética no universo. Todo organismo parte orgânico parte máquina será destruído, porém, as formas de vida remanescentes vão evoluir e criar novas formas sintéticas que trarão destruição, criando assim um novo ciclo. A segunda opção é controlar os Reapers. Com isso, Shepard morrerá e sua consciência será a responsável por controlá-los. A última opção é a síntese. A existência de Shepard será consumida pelo Crucible e espalhada em uma onda de choque que criará um novo DNA que será a síntese do orgânico com o sintético. O Catalyst diz que a síntese é o último estágio de evolução da vida e, caso a escolha, todos os Mass Relays serão destruídos. A escolha cabe ao comandante e, com o intuito de evitar que o ciclo se repita e, que os Reapers continuem a existir, Shepard decide pela síntese das formas de vida. Figura 77: Catalyst.

114

Com as forças que lhe restam, Shepard corre em direção a um facho de luz e seu corpo é consumido. Em seus últimos momentos de consciência ele se lembra de todos os seus amigos que lutaram ao seu lado e dos momentos que viveu ao lado deles. O Crucible dispara uma onda de choque enquanto as tropas ainda lutam. Graças ao sacrifício do comandante, os Reapers interrompem o ataque e os Mass Relays começam a explodir um seguido do outro. Em meio a um jardim, olhando para as estrelas, um menino pergunta a um adulto se toda a história que acabou de ouvir realmente aconteceu. O adulto responde que sim, mas que alguns detalhes foram perdidos com o passar do tempo. A criança questiona se um dia poderá visitar as estrelas, e lhe é respondido que um dia isso será possível. Lá irá encontrar tudo o que imaginar e que cada estrela pode ser a casa de uma forma de vida diferente. Segurando a mão do adulto, o menino pede para ouvir mais históris sobre “O Shepard”.

Figura 78: Cena final.

115

2.4 - A narrativa na trilogia Mass Effect Terminado o texto do caminho descritivo da narrativa que seguimos durante a primeira parte do processo de análise da trilogia Masse Effect, damos início a análise do mito e do imaginário na narrativa da jornada do herói entre o primeiro e o último jogo. Conforme buscamos representar nos fluxogramas que mostram as escolhas tomadas bem como suas alternativas, destacamos que a narrativa dos jogos oferecem escolhas. Embora tenhamos optado por mostrar um caminho essencialmente Paragon, com características do regime noturno da imagem como veremos mais a frente, os jogos possuem opções padrões já pré-determinadas caso o jogador escolha jogar um jogo independente das ações tomadas anteriormente. Esse tipo de escolha dada ao jogador configura uma das características do Role Playing Game em um jogo cuja mecânica de combate é a ação direta, ao contrário dos combates por turnos característicos dos RPG’s japoneses. Vejamos essas opções padrões pré-determinadas: De Mass Effect para Mass Effect 2: - Wrex morre em Virmire; - Ashley sobrevive caso o jogador tenha escolhido jogar com Shepard do sexo masculino. Caso Shepard seja mulher, Kaidan sobrevive; - A rainha Rachni morre; - O conselho morre; - Udina é apontado o novo conselheiro. De Mass Effect 2 para Mass Effect 3: - Tali é exilada de sua nave Quarian por crimes contra a tripulação; - Grunt não é recrutado; - Legion não é recrutado; - Samara não é recrutada e acaba por ser morta por Morinth; - Sobreviventes da missão suicída: Garrus, Mordin, Miranda, Tali e Jacob; 116

- Mortos na missão suicída: Thane e Jack; - Membros da tripulação que sobrevivem à missão suicída: Joker e doutora Chakwas; - A base Collector é destruída. As decisões pré-estabelecidas pela equipe de escritores nos apontam para um herói com ações que tendenciam escolhas diurnas; que dá preferência apenas para o cumprimento da missão independente das consequências. Com um sistema de herança de ações, personagens que sobrevivem a eventos do primeiro jogo, aparecem no segundo e o mesmo ocorre do segundo jogo para o terceiro. Vejamos a diferença entre algumas dessas escolhas nos fluxogramas abaixo: Wrex Sobrevive

M.E.

Líder do Urdnot

clã

M.E.2

Morre

Líder dos Krogans

M.E.3

Urdnot Wreav é o líder do clã Urdnot

Isso influencía o jogador a curar a Genophage?

Urdnot Wreav é o líder dos Krogans

Figura 79: Linha narrativa de Wrex entre o primeiro e o último jogo.

Na linha narrativa de Wrex,trazemos ao final o questionamento se sua presença influencia ou não na tomada de decisão do jogador sobre curar a Genophage. Quando analisamos as opções, na narrativa que descrevemos e em um outro momento em que optamos por deixá-lo morrer, sentimos que enquanto vivo, Wrex influenciou a tomada de decisão sobre curar a Genophage. Se vivo, todos os momentos em que Shepard e Wrex se encontram nos jogos posteriores são construídos como momentos em que bons amigos se encontram e, apesar de não se verem com frequência, ainda mantém um laço de amizade forte. Caso Wrex tenha morrido e Wreav o substitua, a mudança na relação de Shepard com os Krogans é díspare, sendo que não nos sentimos atraídos a realizar o esforço de 117

ajudá-los em Mass Effect 3. Já a estrutura narrativa de Tali e Legion pode definir o destino de uma raça por inteiro. Vejamos as diferenças: Tali e Legion Tali e Legion sobrevivem. Shepard privilegiou um dos dois durante a discussão.

Tali e Legion sobrevivem. Shepard privilegiou um dos dois durante a discussão.

Tali é exonerada de sua nave.

Tali é exonerada de sua nave.

Tali e Legion sobrevivem. Shepard consiliou as desavenças de ambos.

Tali e Legion sobrevivem. Shepard consiliou as desavenças de ambos.

M.E.2

M.E.3

Tali ou Legion morre na missão suicída. Shepard escolhe destruir a base Geth. Shepard escolhe manter a base Geth.

Geths são exterminados. Geths e Quarians se conciliam. Quarians são exterminados.

Figura 80: Linha narrativa de Tali e Legion entre Mass Effect 2 e 3.

A linha narrativa de Tali e Legion, que começa em Mass Effect 2 e termina em Mass Effect 3, cujo evento final é decisão de Shepard que culmina no fim de uma das raças ou a conciliação entre elas, nos trás um exemplo sobre o cumprimento de condições para atingir determinado objetivo. Para que os Quarians e os Geths não destruam uns aos outros, alguns requisitos devem ser cumpridos já no segundo jogo, sendo eles: - Tanto Tali quanto Legion devem ter sobrevivido aos eventos de Mass Effect 2; - Shepard deve garantir que Tali não seja exonerada da frota Quarian em Mass Effect 2 para que ela se torne almirante em Mass Effect 3; - Shepard não pode destruir a base Geth em Mass Effect 2; - Deve completar uma missão paralela específica relacionada a Rannoch em Mass Effect 3; - Deve conciliar Tali e Legion durante sua discussão em Mass Effect 2, caso contrário será mais difícil conciliar Geths e Quarians; - Deve ter um número mínimo de pontos Paragon ou Renegade para impor-se no momento em que Tali tenta impedir a frota Quarian de continuar os ataques aos Geths. 118

Os exemplos sobre as linhas narrativas de Wrex e, Tali e Legion, mostram o modo como a narrativa de Mass Effect num todo se desenvolve por meio das escolhas do jogador em um complexo narrativo multilinear. Há condicionais para que um evento seja determinado, e uma das características dessa multilinearidade é o meio em que esta história é contada. O sistema de herança de ações só é possível graças a possibilidade de exportar os dados salvos após completar um jogo para outro, caso contrário, seria impossível manter as consequências da tomada de decisões e sua influência nos três jogos. Cada um dos jogos tem sua arquitetura narrativa criada de forma diferente, possibilitando que cada jogador construa sua própria não linearidade. Vejamos a arquitetura da narrativa de cada jogo:

Therum

1

Eden Prime

2

Citadel

3 Noveria

4 Feros

5 6

Virmire

7

Citadel

8

Ilos

9

Citadel

Figura 81: Arquitetura narrativa dos eventos de Mass Effect.

119

Na sequência narrativa de Mass Effect que apresentamos, os eventos de número 3, 4 e 5 podem ser realizados de forma aleatória após o número 2 e antes do número 6. Essa opção caracteriza a não linearidade dos eventos do primeiro jogo. Se separarmos cada ponto da linha narrativa em seus eventos e as opções, temos o Visão sobre os Reapers. Artefato Prothean. Nihlus assassinado.

Conduit.

Eventos em Citadel

Eventos em Eden Prime

seguinte fluxograma: Matriarch Benezia aliada a Saren. Shepard nomeado Spectre. Saren desmascarado.

Ataque Geth. 2 Ashley Willians.

Personagens que entram para a equipe

Personagens que entram para a equipe

1

Personagens que entram para a equipe

Liara T’Soni.

4

3

Urdnote Wrex. Garrus Vakarian. Tali Zora vas Neema.

Eventos em Therum

Resgatar Liara.

5

Eventos em Noveria

Rainha Rachni Conseguir viva ou morta? a c e s s o ao Peak 15/ Bynari Helix. Confronto com Matriarch Benezia.

Colonos salvos ?

Eventos em Feros

Colônia de Zhu’s Hope. Exogeni. Confronto com o Thorian.

Sim. Impactos positivos em Mass Effect 3.

Não. Impactos negativos em Mass Effect 3.

Sim. Impactos positivos em Mass Effect 3.

Não. Impactos negativos em Mass Effect 3.

120

6

Eventos em Virmire

Invasão da base de Saren.

Wrex morre?

Conflito com Wrex.

Kaidan ou Ashley? Kaidan. Ashley morre e não aparece em nenhum evento ou jogo posterior.

Escolher entre Kaidan e Ashley.

Eventos em Citadel

Sim. É substituído por seu irmão, Urdnot Wreav nos jogos seguintes.

Eventos em Citadel

7

Kirrahe sobrevive? Sim. Apoia a aliança com os humanos em Mass Effect 3 e protege o conselheiro Salarian caso Thane tenha morrido em Mass Effect 2.

Capitão Anderson ajuda Shepard a continuar sua missão. Udina e o conselho impedem Shepard de continuar suas investigações.

Eventos em Ilos

Não. Torna-se líder do clã Urdnot em Mass Effect 2 e líder dos Krogans em Mass Effect 3.

Não. Caso Thane tenha morrido em Mass Effect 2 não há ninguém para proteger o conselheiro Salarian.

Conduit encontrado. Encontro com Vigil, a inteligência artificial Prothean.

8

Saren e Sovereign são derrotados. Saren e Sovereign invadem a Citadel.

9 Conselho salvo?

Sim. O conselho fica em débito com Shepard e com a Alliance. Pedem para que Shepard escolha entre Udina ou Anderson para ocupar um cargo no conselho.

Udina

Não. Udina repreende Shepard pela perda da oportunidade de colocar o conselho em débito com os humanos. Novos conselheiros são nomeados nos jogos seguintes.

Capitão Anderson. Mesmo escolhido por Shepard ele abandona o cargo em Mass Effect 2 e Udina assume em seu lugar.

Figura 82: Fluxograma dos eventos de Mass Effect.

121

Nos fluxogramas apresentados sobre os eventos de Mass Effect já podemos ver como decisões tomadas no primeiro jogo podem influenciar eventos nos jogos sequenciais, como por exemplo se Kirrahe sobrevive aos eventos em Virmire. Caso ele morra e Thane também morra em Mass Effect 2, o conselheiro Salarian é assassinado em Mass Effect 3. O mesmo acontece com a escolha entre a vida de Kaidan e Ashley , e a intervenção para que Wrex não seja morto. Essas escolhas são algumas das principais feitas no primeiro jogo que influenciarão nos jogos seguintes caso o jogador importe seus dados. Em Mass Effect 2 temos um modo diferente de organizar os eventos da narrativa, o que configura uma multiplicidade de caminhos maior que no jogo anterior, o que possibilita ao jogador um número maior de caminhos a escolher e o que fazer sem que haja uma linearidade. Vejamos a sequência da narrativa: 1

Prólogo

2

Projeto Lázaro

3

Freedom Progress Archangel Omega

4

Mordin Solus Purgatory

5

Korlus

6

7

Horizon Thane

Haestron

8

Illium

9

Samara

Tali

Jack

Miranda

Jacob

10

Nave Collector

11

IFF/ Legion

Garrus

Legion 12

Thane

Samara

Mordin

Grunt

Missão suicida

Figura 83: Arquitetura narrativa dos eventos de Mass Effect 2.

122

A arquitetura narrativa de Mass Effect 2 se configura de modo que a linearidade fique restrita aos primeiros acontecimentos do jogo, a partir do momento em que Shepard deve partir em busca de recrutar membros para a sua equipe, o jogo ganha uma não linearidade, já que o jogador escolhe em que momento recrutar e em alguns casos, se recrutar as personagens. Os eventos de Mass Effect 2 exercem maior influência nos acontecimentos do terceiro jogo e as decisões aqui tomadas tem maior impacto no modo como alguns eventos acontecem no último jogo. Em caso de todas as personagens terem sido recrutadas e tenham sobrevivido, elas podem ser encontradas em momentos específicos de Mass Effect 3, seja nos eventos principais, seja em eventos paralelos. Vejamos os fluxogramas dos

Shepard morre.

Projeto Lázaro

Prólogo

acontecimentos do segundo jogo:

Normandy atacada.

Shepard ressuscita. 2

Personagens que entram para a equipe

Ashley Willians.

Collectors. Veetor.

Eventos em Omega

Eventos em Freedom Progress

Personagens que entram para a equipe

1

Encontro com o Illusive Man.

Encontro com Tali.

Jacob Taylor. Miranda Lawson.

Resgatar Archangel. Ajudar Mordin com a cura. Encontro com Aria no Afterlife.

3 Veetor retorna para os Quarians ou é levado para a Cerberus?

Quarians. Testemunha a favor de Tali em seu julgamento

Personagens que entram para a equipe

4 Mordin Solus. Archangel/ Garrus Vakarian.

Cerberus.

123

Eventos em Korlus

Eventos em Purgatory

Escapar do Purgatory.

Okeer morre e Grunt é levado no lugar. Recrutar Okeer.

Resgatar Jack. 6

Personagens que entram para a equipe

Jack.

Encontro com Kaidan.

Grunt.

Eventos em Haestron

Eventos em Horizon

Personagens que entram para a equipe

5

Resgatar Tali. Ajudar Kal’Reegar.

Impedir as abduções feitas pelos Collectors. 8

Personagens que entram para a equipe

7

Tali Zora.

Eventos em Illium

Shepard ordena que Kal’Reegar se proteja enquanto ele elimina os Geths. Testemunha a favor de Tali no julgamento. Encontrar Thane na Dantius Tower. Ajudar Samara a encontrar pistas do assassino. Encontro com Liara. 10

9

Personagens que entram para a equipe

Shepard aceita a ajuda de Kal’Reegar que morre no confronto contra os Geths.

Eventos na nave Collector

Samara. Thane Kryos. Descoberta do IFF.

124

Missão de lealdade Jacob Taylor

Ajudar Jacob a encontrar seu pai.

Missão de lealdade Miranda Lawson

Ronald Taylor é preso Ronald Taylor é deixado pela Alliance. com sua tripulação que o mata após a partida de Shepard.

Shepard deixa uma arma com Ronald Taylor que se mata após a partida de Jacob e do comandante.

Miranda vê sua irmã Miranda se aproxima de com sua nova família e sua irmã antes dela partir não se aproxima. com sua nova família.

Missão de lealdade Jack

Ajudar Miranda com a fuga de sua irmã.

Acompanhar Jack até a base da Cerberus. Jack mata Aresh.

Discussão entre Jack e Miranda

Jack deixa Aresh viver.

Shepard deve intervir na discussão entre Jack e Miranda.

Shepard usa sua liderança Shepard interrompente para interromper a briga a briga agressivamente Shepard favorece Jack ou Miranda. sem privilegiar ninguém. sem privilegiar nenhum dos lados. Sem privelegiar nenhuma das duas, a lealdade de A lealdade de uma delas ambas permanece intacta sem prejudicar a missão é comprometida causando contra os Collectors. mortes na missão final.

125

Missão de lealdade Thane Kryos

Ajudar Thane a impedir seu filho.

Eventos em Normandy

Eventos em Reaper IFF

Shepard e Thane Kolyat é contratado como conseguem impedir Kolyat. assassino por Baylei.

Tripulação sequestrada pelos Collectors.

Missão de lealdade Legion

Legion

Ajudar Legion a invadir a base dos Geths Heretics.

Legion reescreve o código Base Heretic é destruída. dos Heretic. Discussão entre Tali e Legion

Personagens que entram para a equipe

Encontrar o IFF dentro do Reaper.

Shepard desperta Legion.

Shepard deve intervir na discussão entre Jack e Miranda.

Shepard promove uma Shepard ordena que a Shepard favorece Tali ou conciliação entre os dois. discussão se encerre. Legion. Sem privelegiar nenhuma das duas, a lealdade de A lealdade de um deles é ambas permanece intacta sem prejudicar a missão comprometida causando contra os Collectors. mortes na missão final.

126

Missão de lealdade Mordin

Ajudar Mordin a resgatar Maelon. Mordin deixa Maelon Mordin mata Maelon e os viver e os dados dados da pesquisa são da pesquisa são destruídos. mantidos.

Missão de lealdade Grunt

Impactos positivos em Impactos negativos em Mass Effect 3. Mass Effect 3.

Missão de lealdade Tali

Acompanhar Grunt em seu rito de passagem.

Ajudar Tali a provar sua inocência.

Shepard usa sua liderança Shepard intimida os Shepard entrega as gravações para convencer os almirantes para que Tali do pai de Tali causando sua almirantes a inocentar Tali. seja inocentada. exoneração da nave.

Missão de lealdade Samara

Karl’ Reegar e Veetor testemunham pela inocência da Tali.

Ajudar Samara a encontrar Morinth

Shepard foge do Shepard sucumbe ao controle mental e controle mental de Samara mata Morinth. Morinth e Samara é morta. Morinth substitui Samara na equipe.

127

Missão suicída Aproximação

Todos os aprimoramentos foram feitos?

Quem lidera o segundo time?

Missão suicída Infiltração

Sim. Nenhuma morte ocorre.

Sim.

Sistema de ventilação. Quem é o especialista?

Miranda, Jacob ou Garrus?

Miranda, Jacob ou Garrus.

Não. Três personagens morrem.

Outro.

Tali ou Legion?

O especialista morre.

Tali ou Legion.

É leal?

Não.

O especialista morre.

Missão suicída Especialista Biotic

Todos continuam vivos.

Sim.

Todos continuam vivos.

Samara, Jack ou outro? Samara ou Jack.

Outro.

É leal?

Não.

Alguém morre.

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Missão suicída Luta final Todos os membros são leais? Sim.

Não.

Os membros da equipe sobrevivem

Os membros da equipe morrem.

Quantos sobrevivem? Dois ou mais.

Shepard derrota Collectors.

Um ou nenhum.

os

Shepard derrota os Collectors, porém morre.

Figura 84: Fluxograma dos eventos de Mass Effect 2.

Os fluxogramas de Mass Effect 2 nos mostram a multilinearidade de caminhos e de escolhas e consequências. As escolhas feitas pelo jogador estão dividas entre Paragon e Renegade, o que confere pontos ao jogador que são respectivos ao tipo de escolha feita. Quanto mais vezes tomar ações Paragon ou Renegade, mais pontos este atributo ganha. No caso de eventos como as discussões entre Jack e Miranda ou Tali e Legion, possibilitam ao jogador intervir sem que a lealdade de um dos membros fique comprometida. Outro atributo importante referente à narrativa de Mass Effect 2 é a missão de lealdade. O jogador pode escolher entre realizá-las ou não; ou então realizar apenas de algumas personagens enquanto outras não. As missões de lealdade não são aventuras paralelas, elas fazem parte da linha principal de eventos, são opcionais; há aventuras paralelas que o jogador pode escolher entre realizar ou não. As missões de lealdade trazem um aspecto importante para a narrativa que é a possibilidade de conhecer um pouco a mais da história particular de cada membro da equipe; uma micronarrativa em que eventos referentes ao passado ou ao presente de cada personagem são apresentados e, como deve haver uma recompensa para o

129

jogador pelas suas ações, caso haja sucesso elas configuram um aumento na lealdade da personagem para com Shepard. As personagens que sobrevivem em Mass Effect 2 então aparecem em Mass Effect 3, algumas em eventos principais e outras em eventos paralelos. Vejamos o modo como Mass Effect 3 tem sua narrativa arquitetada: 1

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Evento que pode ser executado em qualquer momento entre o momento em que é habilidade e o décimo quinto evento da linha narrativa principal. Evento que deve ser exclusivamente vivenciado neste momento da linha narrativa principal. Evento paralelo.

Figura 85: Arquitetura dos eventos de Mass Effect 3.

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A arquitetura dos eventos de Mass Effect 3 possui uma linearidade, porém há decisões que devem ser tomadas que configuram os eventos posteriores a elas. Destacamos a presença de eventos paralelos, também presentes nos outros jogos, mas que em Mass Effect 3 possuem um diferencial, a presença de personagens encontrados desde o primeiro jogo e a adição de ativos para o arsenal na guerra contra os Reapers. Assim como apontamos em nosso tópico sobre mito, as missões paralelas são como as “Párerga” destacadas no texto sobre Hércules; aventuras paralelas que acontecem entre os eventos principais. Em Mass Effect 3 as aventuras paralelas de Shepard são opcionais e trazem ao jogador como recompensa o possível reencontro com personagens que o herói conheceu desde o primeiro jogo, como a rainha Rachni que, caso tenha sido liberta por Shepard, torna-se um valioso ativo para a luta contra os Reapers. Personagens como Grunt, Samara, Jacob e Jack são encontrados quando o jogador opta por realizar essas missões, sendo que algumas delas só acontecem durante um determinado período do jogo, entre eventos principais, enquanto outras podem ser realizadas até pouco antes do início dos momentos finais do jogo. Neste último jogo é que percebemos o quanto algumas escolhas impactam na história principal e podem configurar diferentes caminhos e acontecimentos desde o primeiro jogo, podendo determinar até o modo como acontece o final de todos os

Evacuação do planeta.

Eventos em Marte

Eventos em Terra

eventos. Vejamos os fluxogramas de Mass Effect 3:

Invasão Reaper.

Encontrar Liara. 2

Kaidan Alenko/Ashley Willians. James Vega.

Personagens que entram para a equipe

Personagens que entram para a equipe

1

Recuperar os arquivos Protheans.

Liara T’Soni.

131

Eventos em Palaven

Eventos em Citadel

Reunião com o conselho. 4

Caso Wrex tenha morrido em Mass Effect, é substituído por Wreav. Encontro com os representantes Turian, Salarian e Krogan.

Eventos em Tuchanka

5

Eventos em Sur’Kesh

Eventos em Normandy

Personagens que entram para a equipe

3

Resgatar o primarca Turian.

6

Garrus Vakarian. (Somente se sobreviveu em Mass Effect 2)

Caso Mordin tenha morrido em Mass Effect 2, é substituído por Padok Wikis. Resgatar a Krogan fêmea que sobreviveu aos experimentos de Maelon em Mass Effect 2.

Os Krogans cumprem sua parte no acordo e auxiliam os Turians em Palaven. A Genophage é curada, porém, Mordin pode ser impedido de Mordin morre. realizar a cura. Ele sobrevive, Dalatrass pede para sabotar a cura. porém, Wrex e Eve morrem.

Eventos em Citadel

7

Udina é morto por Kaidan.

Thane salva Valern.

Resgatar Valern.

Caso Thane tenha morrido em Mass Effect 2, Kirrahe salva Valern.

8

Eventos em Normandy

Eventos em Nave Geth

Caso Kirrahe tenha morrido em Mass Effect, Valern morre.

Reunião com os Quarians.

Personagens que entram para a equipe

9

Fuga da nave antes do ataque. Legion encontrado.

10 Tali Zora vas Normandy.

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Eventos em Rannoch

Caso os Geths sejam favorecidos por Shepard, Tali entra em um estado de angústia e se atira de um penhasco. Os Geths exterminam os Quarians.

Graças a Shepard os Quarians e os Geths selam a paz. Confronto com um Reaper.

Caso os Quarians sejam favorecidos por Shepard, Legion tenta matar o comandante e acaba morto por Tali. Os Geths são atacados e extintos pelos Quarians.

Destruir o transmissor Reaper.

Encontrar o artefato Prothean conforme indicação da conselheira Asari.

Eventos em Cerberus

12

Eventos em Horizon

Tali Zora vas Normandy.

Salvar Miranda e Oriana Encontrar Kai Leng.

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Shepard mata Kai Leng.

Caso Miranda tenha morrido em Mass Effect 2, Oriana pode morrer junto com seu pai ou ser ferida por Shepard.

Eventos em Terra

Eventos em Thessia

Personagens que entram para a equipe

11

Chegar à Citadel. Retomada do planeta.

Recuperar os dados roubados por Kai Leng. 15

Catalyst

Eventos em Citadel

14

Shepard deve escolher entre controle, síntese e destruição. Encontro com o Catalyst.

Anderson morre. Illusive Man se mata.

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17 Controle Shepard sacrifica sua vida para tomar controle dos Reapers.

Síntese

Destruição

Shepard sacrifica sua Shepard sacrifica sua vida para vida para criar uma nova destruir todas as formas de vida forma de vida. sintéticas, porém, com o passar do tempo a vida orgânica será extinta.

Figura 86: Fluxograma dos eventos de Mass Effect 3.

133

O fluxograma dos acontecimentos de Mass Effect 3 apontam para o modo como as decisões tomadas nos jogos anteriores podem influenciar nos acontecimentos do último jogo. Se colocarmos todos os pontos da narrativa dos três jogos em paralelo, veremos a característica rizomática da narrativa na trilogia Mass Effect. Pontos se conectam do primeiro ao último jogo em um modelo característico da hipermídia, com conexões entre diferentes nós da estória. O modo como a narrativa é apresentada ao jogador é fruto do modo como a BioWare organiza seu processo criativo. Em uma matéria veiculada pelo site Gamasutra.com2, na qual é transcrita a palestra de Mike Laidlaw e Drew Kapyshyn, ambos escritores chefes na BioWare que trabalharam no roteiro de Mass Effect, podemos ver como a equipe de escritores se organiza para o processo criativo das estórias. De acordo com Mike Laidlaw, a equipe de escritores é fundamental do time de desenvolvimento, pois a escrita é parte integral para a experiência dos jogos criados por eles. A equipe é dividida em diferentes funções: Lead Writers: Determinam as partes principais da história e o modo como ela deve ser; Managing editors: Trabalham com a equipe técnica para implementar a escrita; Full time writers: Responsáveis pela escrita do texto; Technical editors: Cuidam da pontuação e da voz passiva no texto. Ao falar sobre a produção do primeiro Mass Effect, Laidlaw diz que o objetivo da equipe era criar um modo em que a conversação acontecesse em tempo real, o que podemos ver no sistema de escolha de diálogos, que apresenta apenas a intenção da frase, mas não toda ela. O jogo é dividido em atos, capítulos ou planetas e a equipe de _____________ 2 Matéria feita por Christian Nutt e veiculada no site www.gamasutra.com em 7 de setembro de 2007 com o título AGDC: BioWare Charts Writing for Mass Effect.

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escritores é responsável por gerar uma lista de ativos, personagens, criaturas e locais dos quais se podem contar uma estória. Já Drew Kapyshin explica que cada escritor é responsável pela sua própria área, sendo que cada área pode ser uma personagem ou um planeta. Toda a parte escrita é desenvolvida naquilo que a BioWare chama de protótipo narrativo, uma etapa transitória para o projeto final e que geralmente envolve pessoas de outros departamentos. Assim que o protótipo narrativo é finalizado, é revisado por qualquer membro sênior de qualquer setor da BioWare. Kapyshyn explica que é nesta etapa do processo criativo que os escritores buscam meios de desenvolver a história sem o uso de diálogos, como cenas em animação, ações ambientais, arte no nível em que o evento acontece ou jogabilidade. O escritor ressalta que o próximo passo é a revisão em pares, uma revisão feita por todos os outros escritores e que é algo pertencente à cultura da empresa. Neste tipo de revisão os escritores avaliam o que foi produzido e fazem comentários. Caso uma mudança seja necessária, é feita baseada nos comentários, e só é possível por conta do baixo custo de trabalhar com o texto no desenvolvimento de um jogo digital. Feitas as revisões necessárias, o texto é enviado para o departamento de controle de qualidade que buscará por inconsistências na estórias que possam comprometer o enredo. Caso o texto passe por esta etapa, ele é enviado para que atores façam a locução. Estas etapas da escrita do roteiro de um jogo criado pela BioWare e que foram mostradas pelos escritores Mike Laidlaw e Drew Kapyshyn, nos mostram um pouco como é o processo criativo de um jogo, mais especificamente, o processo criativo da narrativa.

135

2.4.1 – O mito e o imaginário na jornada do herói em Mass Effect Ao analisarmos a narrativa da trilogia Mass Effect, notamos a derivação de diferentes mitos e imaginários na história que se desenvolve ao longo da trilogia. Há mitemas que se organizam para a composição tanto do imaginário total dos três jogos quanto de cada jogo em específico. Embora o imaginário tenha sido construído de forma processual ao longo do desenvolvimento dos três jogos, as imagens que fazem parte deste universo de fantasia estão semanticamente organizadas de um modo que o jogador possa acompanhar e solucionar, caso queira, todos os problemas e conflitos que surgem já no primeiro jogo. Com base no que desenvolvemos em nosso primeiro capítulo, nos tópicos referentes a personagem e narrativa, a jornada do herói de John Shepard é uma jornada em que o herói é criado de forma processual frente às decisões que o jogador toma em eventos chaves. Esse processo criativo que é configurado pelo sistema de escolhas Paragon/ Renegade, que por sua vez relacionamos às características dos regimes do imaginário, tem seu final apenas no terceiro jogo, quando todas as decisões que o jogador tomou durante os três jogos refletem no último ato de Shepard, quando o herói transgride uma condição pré-estabelecida e que jamais foi alcançada por outro ser, assim lhe conferindo o direito de escolher qual o destino da vida no universo. Olhando para a história como um todo, os eventos se desenvolvem em torno de um mito escatológico, quer dizer, em uma jornada contra um destino imposto para as formas de vida de um universo, sendo que toda esta história se desenvolve em torno de um herói apolíneo, um herói que, segundo o pesquisador Salvatorie D’onofrio é: ... qualificado para uma nobre missão e revestido de atributos eufóricos (beleza, valor, nobreza de sentimentos, etc.) que tem a função de expressar o triunfo dos valores sociais de estabelecer ordem no cosmo, de desvendar os mistérios da vida, de apaziguar o homem consigo mesmo, com a sociedade e com a divindade, de outro lado, o herói “dionisíaco”, caracterizado por semas disfóricos(fraco, súcubo de paixões),que luta pela afirmação de sua axiologia, ou seja, o critério de valores individuais, com base na vida,vivida segundo o instinto e na visão carnavalesca do mundo. (D’ONOFRIO,2006,p.92-93).

No momento em que Shepard tem contato com o artefato Prothean em Eden 136

Prime, a ele é feita a grande revelação desta escatologia e que até então era tida como um fato irreal. Esta revelação, especificamente nos eventos do jogo, é a intervenção sobrenatural que coloca o herói na segunda etapa da jornada do herói, a iniciação. Iniciando o processo de dissociação das imagens que compõem o herói, o primeiro arquétipo que encontramos foi o arquétipo do profeta e sua relação com o nome da personagem, John Shepard. Tanto o nome quanto este primeiro arquétipo podem ser relacionados à visão do Apocalipse revelada no livro de João o apóstolo. Se separarmos a jornada da personagem em três momentos, temos as seguintes derivações provenientes da bíblia cristã. Segundo o livro do Apocalipse capítulo 1:1 é dito: Revelação de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e pelo seu anjo as enviou, e as notificou a João seu servo; (Bíblia, Livro do Apocalipse) A revelação é feita à Shepard por meio de um artefato Prothean; um artefato que, no universo de Mass Effect, é tido como um mistério e que, sempre que encontrado por alguma civilização, confere muito conhecimento em pouco tempo. Esta primeira passagem do imaginário que apontamos é feita com base no que desenvolvemos anteriormente nos tópicos sobre imaginário e mito. A derivação do mito, neste caso, a escatologia, e o nome do herói que é ligado diretamente às suas características. A imagem do profeta se estende pelos três jogos, porém há maior importância dela no primeiro e no terceiro jogo da série. Além de profeta, há um segundo imaginário que compõe os primeiros momentos da jornada do herói e é relacionada a sua metamorfose, a imagem do espectro. Quando promovido ao cargo de Spectre, Shepard ganha o direito de ir e vir sem que seja impedido por barreiras políticas. Assim como um espectro, o herói passa a atravessar “paredes”. Entre o momento em que é feita a revelação sobre os Reapers e o confronto final contra Saren, a história do jogo se desenvolve entre as provações e tentações pelas quais o herói passa. Convencer o conselho da traição de Saren, reunir as provas que o ligam aos ataques em Eden Prime e a morte de Nihlus e por fim, tentar impedir a invasão da Citadel por Sovereign, mesmo sem o apoio das autoridades máximas, configuram o trajeto de provações que o herói passa no primeiro jogo. 137

Neste trajeto em que a provação acontece, o herói sofre a tentação no momento em que lhe é oferecido cooperar com os Reapers. Caso aceitasse a tentação, ele já não mais seria herói, pois isso configura aliar-se ao destino e à morte, o que resultaria em um ato contra o aspecto diurno do imaginário do herói, a luta contra a morte e contra a submissão a um destino. Em Mass Effect, o regime diurno da imagem é caracterizado nesta luta contra a morte que é representada pela oposição de Shepard aos Reapers. O inimigo do herói neste jogo é a morte, pois como o nome do inimigo já descreve a sua função, os Reapers são baseados na imagem do ceifeiro (do inglês, reaper), representado como um esqueleto vestindo um manto negro e que carrega uma foice para ceifar a vida. Com o fim dos eventos do primeiro jogo e o início do segundo, temos novas imagens que fazem sua passagem no imaginário do herói em Mass Effect. Apontamos aqui a primeira dessas imagens e que também é associada ao evangelho de João, capítulo 11 versículo 11: Assim falou; e depois disse-lhes: Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono; (Bíblia, Evangelho de João) Neste caso, Shepard é associado à Lázaro, que foi trazido de volta a vida, porém, aqui quem o ressuscita é o Illusive Man, que também pode ser associado ao deus da morte na mitologia grega, Hades, já que ele é quem comanda a Cerberus, a organização, em comparação ao cão de três cabeças que guarda a entrada do mundo dos mortos na mesma mitologia. Após sua ressurreição, Shepard torna-se parte orgânico e parte sintético e, assim como seu corpo, sua jornada no segundo jogo possui características do regime noturno do imaginário. Quando aceita ajudar o Illusive Man, Shepard faz sua catábase; uma descida voluntária, pois a Cerberus é conhecida na história da trilogia pelas suas ações duvidosas e uma aliança com ela representa esta descida voluntária que o herói aceita em prol de algo maior. Com um propósito maior que o motiva a fazer esta aliança, Shepard inicia sua nova jornada em em Omega, que, embora no jogo é um asteróide, éna mitologia grega é uma imagem(Ω) utilizada para representar o fim. 138

Como Jasão em sua aventura para conquistar o Velocino de Ouro, o comandante deve reunir especialistas, em seu caso, dez membros com habilidades distintas, doze se considerarmos personagens adicionais obtidos apenas por DLC, e assim como na história de Jesus Cristo, estes serão os dez(ou doze) seguidores que o acompanharão em sua missão. Do mesmo modo que a personagem Dante, de “A Divina Comédia”, Shepard vai ao Purgatory(purgatório) e, para atingir o sucesso de sua missão com todos os membros vivos, o jogador deve realizar todas as missões de lealdade e mediar os conflitos que ocorrem entre as missões, práticas da união e da harmonia características do regime noturno da imagem. Concluídos os eventos do segundo jogo e a catábase de Shepard se encerrado, ele é enviado para a Terra e mantido preso. A partir de sua prisão, o herói é inserido em sua aventura final, e assim como no mito de Héracles, seu ciclo de morte é iniciado. Com a invasão dos Reapers, o herói é enviado para reunir forças e aliados para reconquistar a Terra, algo que pode ser visto, como apontado por Gilbert Durand, como a reconquista de uma potência perdida na jornada ascensional do herói, que segundo o autor: ...os símbolos ascensionais aparecem-nos marcados pela preocupação da reconquista de uma potência perdida, de um tônus degradado pela queda. Essa reconquista pode manifestar-se de três maneiras muito próximas, ligadas por numerosos símbolos ambíguos e intermediários: pode ser ascensão ou ereção rumo a um espaço metafísico, para além do tempo, de que a verticalidade da escada, dos bétilos e das montanhas sagradas é o símbolo mais corrente. Poder-se-ia dizer que neste estádio há conquistas de uma segurança metafísica e olímpica. Pode manifestar-se, por outro lado, em imagens mais fulgurantes, sustentadas pelo símbolo da asa e da flecha, e a imaginação -, então, de um matiz ascético que faz do esquema do vôo rápido o protótipo de uma sublimação da carne e o elemento fundamental de uma meditação da pureza. (DURAND, 1969, pg.145)

Nesta última parte, o herói não deve somente vencer a morte, mas é motivado a reconquistar a sua potência perdida (o planeta Terra). Para que a reconquista do planeta seja possível, o herói deve promover a união e a cooperação entre diferentes povos, algo que na história de Mass Effect, é considerado um feito jamais imaginado. Nesta jornada o herói deve tomar decisões que impactam no destino da vida e da existência de diferentes povos, podendo ainda fazer escolhas que promovam a harmonia e a conciliação, como no momento em que pode escolher entre priorizar 139

os Geths ou os Quarians, ou então promover a paz entre os dois povos. Trazendo uma passagem do imaginário pertencente à bíblia, fazemos referência ao momento em que Shepard deixa de ser o profeta e passa a ser o messias, pois, como dito no evangelho de Mateus, capítulo 25 versículo 32: E todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas. (Bíblia, Evangelho de Mateus) Ao buscar unir os povos, Shepard faz a sua escolha, que, no caso dos eventos já apresentados em nosso resumo da narrativa, se refere a privilegiar a crua da Genophage ou então aceitar a proposta dos Salarians; escolher entre Geths e Quarians. Nestes eventos, em específico, podemos ver como a distinção entre regimes diurno e noturno da imagem podem ocasionar diferentes desfechos para uma situação. Um herói que faz escolhas noturnas certamente escolhe promover a paz entre os dois povos, já um herói que faz escolhas diurnas, certamente tomaria partido de um dos dois apenas privilegiando o seu objetivo final. Esta última parte dos três jogos configura o momento em que o herói deve abandonar a sua condição física para ser imortalizado após um último ato heróico. Quando Shepard chega até a presença do Catalyst, ele faz a transgressão máxima no universo de Mass Effect, o momento em que a vida orgânica se encontra pessoalmente com a “divindade”, o momento em que ele torna-se o senhor dos dois mundos e deve escolher o futuro de ambos, pois a “divindade”, aqui representada pelo Catalyst, não possui mais solução para que a vida continue a existir. As três opções dadas a Shepard pelo Catalyst estão diretamente associadas às características dos regimes da imagem. Ao escolher destruir os Reapers, uma escolha diurna, Shepard promove o início de um novo ciclo cujo fim é o extermínio da vida orgânica pela vida sintética, mas isso descaracteriza a luta contra morte culminando no fracasso do ato heróico. Já o controle dos Reapers acontece pela união da consciência de Shepard com o inimigo após o comandante sacrificar seu corpo, um decisão com característica noturna, porém, que culmina na realização do desejo do Illusive Man. Por fim, a última decisão, e também apontada pelo Catalyst 140

como a melhor, Shepard escolhe por criar uma nova forma de vida, uma síntese, que também é característica do regime noturno da imagem. É justamente a decisão da síntese que, embora possua sua raiz numa característica noturna, que confere o cumprimento da motivação heróica máxima do regime diurno. Somente com a tomada dessa decisão que o herói derrota a morte e põe fim ao ciclo. As outras duas conferem uma vitória, porém, uma é a dominação e a outra uma vitória momentânea, já que um novo ciclo se iniciará. A síntese aqui nos exemplifica a paradoxalidade dos regimes do imaginário, pois, para que o diurno se manifeste, é necessário o noturno. Dependendo da escolha feita, o corpo de Shepard possui um destino diferente. Ao destruir os Reapers, seu corpo é mostrado em uma última cena tendo uma respiração súbita. Ao escolher controle, seu corpo se desfaz, porém, sua consciência ainda existe dentro do inimigo; é ela quem diz o que os Reapers devem fazer. A síntese é o fim por completo tanto do corpo quanto da consciência de Shepard, pois ela transforma a todos os seres vivos do universo em um híbrido de vida orgânica e sintética. Com essa escolha, os Reapers perdem seu propósito de destruir e passam a ajudar a reconstruir o que foi destruído, e também dividem o conhecimento de todas os povos que foram exterminadas por eles. Independente do final escolhido pelo jogador, Shepard é lembrado no futuro não mais como uma pessoa ou soldado, mas sim, como uma entidade. É alguém que transcendeu a condição física. Para que o jogador possa escolher entre esses finais há um pré-requisito. Eles dependem de quanto, em pontos, o jogador conseguiu adquirir de força militar aliada para a luta. Caso essa pontuação seja muito baixa, apenas um tipo de final será possível, sendo controlar ou destruir os Reapers com base na escolha feita no fim de Mass Effect 2 em relação à base Collector. Caso tenha destruído a base Collector, o final de Mass Effect 3 será a destruição dos Reapers, caso tenha preservado a base, então o único final será o controle dos Reapers. Caso essa pontuação esteja em um valor intermediário, ambas as opções ficam abertas para a escolha e, caso tenha sido ultrapassado um determinado valor, a opção de síntese é habilitada. Estes valores também determinam alguns outros aspectos dos finais como a quantidade de danos 141

sofrida pelos soldados que lutaram na Terra e a quantidade de danos que a Normandy recebeu, mostrando ela muito ou pouco avariada nas últimas cenas. Concluindo, pudemos constatar em nossa análise que há diversos imaginários que derivam e os quais podemos associar a Shepard e sua jornada. Esses imaginários tem suas características dissociadas e derivadas, fornecem arquétipos para que novas histórias sejam criadas por meio da organização de diferentes imagens pertencentes a diferentes mitos. Por sua vez, os mitemas estão presentes tanto na história de Mass Effect quanto em John Shepard. Neste jogo, o herói possui características oriundas de diferentes imaginários e mitos. Shepard possui atributos derivados que também podem ser vistos em Jasão, Hércules, Jesus Cristo, Dante e no apóstolo João. É um herói em que podemos ver, por meio de uma análise, imaginários de diferentes heróis com características que derivam e se mantém perenes, e que utilizamos para exemplificar o que há em comum entre eles. Por sua vez, os regimes do imaginário, diurno e noturno, estão presentes em um sistema de escolhas que possibilitam ao jogador construir este herói entre o começo e o fim de sua jornada. Influenciam o processo de criação de forma que possa ser construído um herói com características que privilegiam ou o regime diurno ou o regime noturno da imagem. Na figura abaixo destacamos as diferenças entre o herói noturno e o herói diurno na narrativa de Mass Effect:

Noturno

Diurno

- Impede que Wrex seja morto;

- Deixa Wrex ser morto;

- Salva o conselho;

- Não salva o conselho;

- Ajuda todos os seus companheiros com seus - Ajuda só aqueles que lhe convém e são úteis ao seu propósito; respectivos problemas;

- Usa sua autoridade para impedir que desavenças pessoais

- Promove o conciliamento das diferenças de seus estraguem a missão; companheiros com uso de um discurso que enfatiza a - Mantém a base Collector; harmonia;

- Não cura a Genophage;

- Destrói a base Collector;

- Escolhe entre Geths e Quarians;

- Cura a Genophage;

- Escolhe a destruição dos Reapers.

- Promove a união entre Geths e Quarians; - Escolhe entrel controlar os Reapers ou sintetizar o DNA da vida no universo.

Figura 87: Gráfico que representa as diferenças entre as ações de um herói diurno e noturno em Mass Effect.

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Capítulo 3 Imaginário e processo criativo da personagem em jogos digitais

Capítulo 3 - Imaginário e processo criativo da personagem em jogos digitais. Ao longo desta dissertação o herói é evocado em diversas questões, análises e fundamentação teórica relacionada ao herói, à personagem, ao mito, imaginário e a narrativa nos jogos digitais, porém, indagações surgiram ao longo do caminho. A cada jogo que tomamos contato nos deparamos com diferentes imaginários, mas que apresentam semelhanças, o que nos leva a buscar relatos de desenvolvedores de jogos digitais e o modo como suas experiências pessoais moldaram suas personagens e seus respectivos imaginários. Retomando um pouco do nosso primeiro capítulo, personagens como Pac-Man e Mario são frutos de sua época, ambos surgiram da vontade de seus criadores. Toru Iwatani, criador de Pac-Man, ao falar de como criou a personagem diz que: Naquela época, quando nós estávamos desenvolvendo Pac-Man, os jogos de fliperamas tinham uma atmosfera sombria. Os jogos eram sempre violentos; alguns envolviam tiros e era uma brincadeira de meninos, mas eu queria atrair meninas e casais para esse segmento. As garotas eram o alvo desse novo jogo. Nós pesquisamos vários assuntos, de moda até rapazes e como as meninas sempre comem sobremesa após as refeições, pelo menos a maioria delas, decidimos que teria a ver com comida. Em seguida fomos almoçar, eu pedi uma pizza, cortei um pedaço e pronto, lá estava o Pac-Man na minha frente. Resolvemos apostar nisso.1 (IWATANI, 2007)

De acordo com a afirmação de Iwatani, Pac-Man nasce de uma mistura de sua vontade de criar algo diferente, atrair casais e meninas para uma prática que, concentrava apenas o público masculino, de uma pesquisa sobre os hábitos do público feminino e por fim, pela inferência causada ao olhar para uma pizza após retirar um pedaço. A declaração de Iwatani sobre o processo de criação de Pac-Man sintetisa o início do processo criativo que deu origem a uma das primeiras personagens dos jogos digitais. Com a meta de refletir a respeito do processo criativo do desenvolvedor de jogos digitais e o modo como as idéias são concebidas e transformadas para dar vida a novas personagens, buscamos em teóricos da semiótica e de estudos de _____________ 1 Transcrição de declaração dada por Toru Iwatani ao Discovery Channel no documentário “A era dos videogames”, episódio 1.

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processos de criação fundamentos que nos orientem na análise do processo criativo de desenvolvedores de jogos digitais. Segundo Cecília Salles: As construções de novas realidades, pelas quais o processo criador é responsável, se dão, portanto, por meio de um percurso de transformação, que envolve seleções e combinações. É importante ressaltar que há uma confluência de fatores influenciando estas transformações. O produto em construção é um sistema aberto que troca informações com seu meio ambiente... (SALLES, 2008, p. 35)

Notamos nas declarações dadas por diferentes desenvolvedores de jogos uma vontade em criar personagens e imaginários; um desejo de expressar a sua vontade que toma forma com a criação da personagem. Ao falar sobre como criou Mario, Shigeru Miyamoto diz: Eu tive uma idéia para uma personagem principal que não era poderoso, também não era bacana e nem bonitão como o super-homem. E como as personagens de videogame precisam caber em uma tela pequena então, o desenho precisava ser simples, ele precisava ser menos complicado.2 (MIYAMOTO, 2007) Em Super Mario Bros temos um tema que se tornou decorrente (perene) no imaginário e na narrativa dos jogos digitais, a busca por salvar uma princesa. As obras de Miyamoto, ao contrário de muitos jogos que criados no começo dos anos oitenta, buscavam contar uma história, e quase sempre envolviam um herói em busca de salvar a princesa. Outro jogo criado por Miyamoto que possui este mesmo tema é The Legend of Zelda, que ao longo de vinte e cinco anos (1986-2011) teve seu imaginário e mito construído de forma processua; a cada jogo novos elementos eram atribuídos. O jogo que começou contando a história de um herói para salvar a princesa raptada pelo vilão e recuperar o poder sagrado para assim instaurar a ordem em Hyrule ganhou uma cosmogonia, objetos sagrados com características derivadas de mitos e lendas, e uma cronologia que organiza os eventos3 de todos os jogos. Quando fala sobre como criou The Legend of Zelda e o herói Link, Myamoto explica que:

_____________ 2 Transcrição de declaração dada por Shigeru Miyamoto ao Discovery Channel no documentário “A era dos videogames”, episódio 2. 3 Ver The Legend of Zelda: Hyrule Historia pg. 69, na qual é apresentada a cronologia dos acontecimentos da série.

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Nós nomeamos o protagonista Link porque ele conecta as pessoas. Supunhasse que ele espalhasse a energia dispersa do mundo pelas eras. A velha contadora de histórias que dá informações para Zelda é chamada Impa; seu nome vem da palavra impar. Impa, Link, e Zelda são os guardiões da Triforce. Hoje, quando você fala de persoangens que são conetcados pela Triforce, você pensa em Link, Zelda, e Ganon, mas isso começou em Ocarina of Time. Originalmente Ganon era apenas um vilão em uma perseguição implacável pela Triforce.4 (MIYAMOTO, 2013)

A afirmação de Miyamoto nos leva a perceber como elementos são introduzidos ao longo do tempo. O primeiro jogo data de 1986, enquanto Ocarina of Time, que introduziu o conceito de dividir o poder da Triforce entre Ganon, Link e Zelda, veio a surgir apenas em 1998. Outro objeto característico do imaginário de The Legend of Zelda é a Master Sword, uma espada sagrada que o herói só pode obter após cumprir um determinado número de tarefas. A espada sagrada do herói veio a ser introduzida apenas em 1991, em The Legend of Zelda: A link to the Past. A Master Sword é um objeto que carrega as características apontadas por Gilbert Durand, em relação ao que o pensador fala sobre o Regime Diurno da imagem. Ela não só é a arma por excelência do herói, mas é um objeto divisional no jogo que marca a transição de momentos específicos da jornada de Link. Em Ocarina of Time a espada é o marco divisor entre a infância e a maioridade do herói, pois ao retirá-la do pedestal, ela faz com que Link seja transportado para o futuro, para que dessa forma consiga empunhá-la. Este imaginário da espada em uma pedra (ou pedestal) está tanto no mito de Teseu quanto na lenda do rei Arthur, pois ele deriva, e assim como no mito e na lenda, o herói deve passar por uma provação ou então possuir algum atributo especial para conseguí-la. Com o passar dos anos e com o lançamento de novos jogos, o mito na narrativa de The Legend of Zelda foi sendo construído. Nem sempre o Link de um jogo é o mesmo herói de outro e o mesmo acontece com a princesa Zelda. Apenas em Ocarina of Time que a série ganhou sua cosmogonia, ou seja, que lhe foi atribuído a presença _____________ 4 We named the protagonist Link because he connects people together. He was supposed to spread the scattered energy of the world through the ages. The old female storyteller who feeds information to Zelda is named Impa; her name comes from the word impart. Impa, Link, and Zelda were the guardians of the Triforce. Today, when you think of characters who are connected to the Triforce, you think of Link, Zelda, and Ganon, but that started in Ocarina of Time. Originally Ganon was only a villain in relentless pursuit of the Triforce. Tradução nossa. Ver The Legend of Zelda: Hyrule Historia, pg. 2 e 3.

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de deusas que criaram Hyrule.

Figura 87: Master Sword de Ocarina of Time.

Miyamoto criou jogos e conceitos que tornaram-se referência para outros desenvolvedores de jogos digitais. O herói que vai em busca de salvar a princesa, bem como o formato plataforma de Super Mario Bros ou os calabouços de The Legend of Zelda deixaram de ser exclusivos de suas criações e podem ser vistos em jogos criados por outros desenvolvedores. 1. Influência e ação transformadora no processo de criação de jogos digitais Há muita influência de jogos criados por desenvolvedores nos anos oitenta em títulos mais recentes como Braid (2008), criado por Jonathan Blow, e Super Meat Boy (2010), criado por Edmund McMillen e Tommy Refenes. Sendo o imaginário o conjunto de imagens que o artista/ game designer se referenciou para compor sua obra, notamos a influências do imaginário criado por Shigeru Miyamoto nos anos oitenta em obras que foram criadas pouco mais de vinte anos depois. A influência de Miyamoto pode ser notada não só na comparação de imagens, mas no funcionamento mecânico do jogo, já que Braid e

Figura 88: Comparação entre Super Mario Bros (1985) e Braid (2008).

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Super Mario Bros possuem certa semelhança por ambos serem jogos do tipo plataforma, com a exceção de que Braid acrescenta o controle do tempo como um dos poderes de Tim, o protagonista. A jornada de Tim que nos primeiros momentos é apresentada como a jornada de um herói em uma aventura para salvar a princesa, é revelada como uma busca para recompor as memórias do herói, pois um dos atributos de destaque do jogo é a possibilidade do jogador controlar o tempo e refazer suas ações caso seja atingido por um inimigo ou então algo saia errado. Com os temas “tempo” e “memória”, Jonathan Blow criou um jogo em que controlar o tempo e refazer

Figura 89: Comparação entre Braid e Donkey Kong (1981).

suas ações é o principal poder de Tim, que busca pelos diferentes níveis em que a história se passa, peças de quebra cabeças que estão espalhadas e que, quando reunidas, formam um quadro que ilustra determinada passagem da história de Braid. Com o decorrer do jogo, que se inicia no último estágio e tem como fim o primeiro, o jogador descobre que a princesa da qual acreditava estar

Figura 90: Quadro que é construído com as memórias de Tim.

a procura é então uma bomba, e que Tim estava envolvido na construção dela que por algum motivo veio a explodir no momento errado. A todo o momento o herói está em busca de reconstruir suas memórias como se tentasse entender o que saiu de errado, já que a primeira cena com a qual o jogador tem contato é com uma cidade ao fundo em chamas, e conforme avança,

Figura 91: Tela inicial de Braid.

a narrativa que é apresentada ao jogador em parte 148

por livros que antecedem a entrada nos níveis, apresenta fatos em forma de texto com os quais o jogador encaixa as peças que contam parte da história. O que vemos em Braid é o modo como um artista se inspirou para construir uma obra inédita a partir de referências que ele transformou para então criar um novo imaginário. Os signos que compõe o imaginário de Braid diferem muito dos de Super Mario Bros, mas a influência ainda é visível, pois foi concebido de forma que quem já tenha interagido com Donkey Kong e Super Mario Bros reconheça as referências utilizadas pelo artista. Considerando que estamos nos refereindo aos signos que fazem parte desta obra. De acordo com Santaella “o signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele” (SANTAELLA, 2003, pg.12). Se separarmos em um organograma os signos que compõem o imaginário de Braid, temos a seguinte representação: Princesa/ Bomba

Tim Controle do tempo

Memórias

Braid Figura 92: Gráfico. Os signos de Braid.

No organograma apresentado anteriormente representamos signos que compõem Braid. Analisando semioticamente esses signos, dividimos eles em unidades para que possam ser melhor explicados. Primeiramente, atentemo-nos ao nome da personagem, Tim. Considerando todos os aspectos do jogo em sua relação sistêmica, como um complexo de signos que se relacionam, Tim é uma abreviação da palavra “tempo” em inglês, “Time”, pois esse é um dos aspectos importantes da mecânica do jogo, retornar no tempo e refazer uma ação com o apertar de um botão e, como vimos em nosso primeiro capítulo, o 149

nome do herói está sempre, ou quase sempre, relacionado à sua função ou destino. O segundo aspecto é relacionado aos objetivos do jogo, reconstruir as memórias de Tim, que por sua vez são representadas como peças de quebra-cabeça. Essas peças estão espalhadas pelas fases do jogo e necessitam que o jogador resolva um quebra-cabeça(puzzle), para que assim consiga obtê-la. O terceiro aspecto é relacionado ao poder de Tim, controlar o tempo. É com o uso deste poder que o jogador formula sua estratégia para resolver os diversos quebra-cabeças que o possibilitam prosseguir no jogo. Uma outra variação do poder do controle do tempo que é apresentada apenas em um nível do jogo é a aliança, que é informado ao jogador pouco antes de iniciar este nível em específico sobre o anel que Tim carregava, sua aliança, que faz com que as pessoas se aproximassem de forma cautelosa dele. Quando usado, o anel cria um pequeno campo circular que altera a velocidade a sua volta, desacelerando qualquer objeto que se aproxime dele. O último aspecto ao qual nos atemos é a princesa. A busca de Tim pela princesa no fim acaba revelada como a busca pela criação de uma bomba e, como mostrado no jogo, algo saiu errado e a todo momento o jogador está reconstruindo as memórias de Tim. Ao contrário do imaginário do herói que estudamos em nosso primeiro e segundo capítulo, Tim não busca vencer o tempo, mas sim, dominá-lo. Em uma breve análise, se relacionarmos todos os elementos apresentados com o nome do jogo, Braid, que traduzido do inglês para o português pode significar “entrelaçamento”, “trança”, temos uma síntese do propósito do jogo, o entrelaçamento de informações que ocorre ao recuperar as memórias de Tim que partem do fim dos eventos ao início dos eventos. As observações feitas sobre Braid nos levam a perceber algumas características presentes na obra que partem do artista/ game designer que, consoante com Cecília Salles “O artista cria um sistema a partir de determinadas características que vai atribuindo em um processo de apropriações, transformações e ajustes; que vai ganhando complexidade à medida que novas relações vão sendo estabelecidas” (SALLES, 2008 p. 33). Braid é um exemplo do modo como um desenvolvedor de jogos digitais se apropriou, transformou e ajustou signos para conceber os signos para o seu jogo. Essas observações sobre o processo criativo de Jonathan Blow nos encaminha para 150

uma discussão sobre uma forma de criar jogos digitais baseada em um pensamento orientado pela semiótica e pelas teorias do imaginário que dirige a criação e que faz com que o desenvolvedor possa guiar seu pensamento criativo por meio das traduções dos signos para a construção do imaginário no qual a história se passa e o modo como o herói está em relação a este mundo imaginário. No começo deste capítulo trouxemos para discussão a figura do desenvolvedor de jogos digitais como um artista que cria imaginários que tornan-se referências para outros desenvolvedores. Vamos nos aprofundar nesta questão do artista/ game designer traçando um paralelo entre Shigeru Miyamoto e Edmund McMillen. Quando Miyamoto iniciou o processo criativo de The Legend of Zelda, ele o fez para aproveitar o lançamento do Famicon Disk System com o objetivo de aproveitar a capacidade do dispositivo em reescrever dados. Myamoto queria que dois jogadores criassem calabouços e compartilhassem suas criações entre si. The Legend of Zelda trouxe como uma de suas características principais os calabouços que o jogador e esses calabouços inspiraram a criação do jogo The Binding of Isaac, que foi concebido, segundo Edmund McMillen5, por conta de sua relação com a religião e pela influência da estrutura de calabouços de The Legend of Zelda. O imaginário de The Binding of Isaac é a junção do imaginário da passagem bíblica pertencente ao livro do Gênesis, capítulo 22, com a arquitetura de nível de The Legend of Zelda. O objetivo era criar um jogo com o imaginário religioso e com níveis que são formados aleatoriamente com itens que surgem de forma randômica fazendo com que o jogador tenha a sensação de crescimento da personagem. Nas palavras

Figura 93: Arte de The Binding of Isaac. _____________ 5 Ver Game Developers Magazine, Novembro de 2012, pg. 27-33.

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de McMillen: Com ISAAC, meu objetivo era criar “magia”. Eu queria que os jogadores sentissem o jogo como interminável e vivo, que o jogo tivesse sua própria consciência e que estava se escrevendo enquanto era jogador. Eu me lembro do ZELDA original ter esse sentimento de magia e mistério. Você não estava bem certo o que as coisas faziam até você as experimentar, e você tinha que discutir com seus amigos e juntar suas descobertas para que assim pudesse prosseguir. Eu me senti como se estivesse me referenciando tanto no centro do desenvolvimento de Isaac, que eu deveria também complementar com o sentimento de mistério que eu senti antigamente.6 (MCMILLEN, 2012, pg. 29)

Ao falar sobre o que desejava para sua criação, McMillen (2012, pg. 28) complementa quando nos diz que “queria fazer um jogo do tipo roguelike usando a estrutura de calabouços de The Legend of Zelda, e queria fazer um jogo sobre minha relação com a religião”7. As declarações deste artista sobre a sua obra nos apontam para o modo como imaginários diferentes o influlenciaram em seu processo criativo e como, de forma inferencial, religião e The Legend of Zelda se interligaram para a criação do imaginário de The Binding of Isaac. Edmund McMillen utilizou-se da natureza e dos signos das imagens pertencentes a imaginários diferentes para então conceber um novo imaginário, algo que em acordo com Cecília Salles observamos essa criação como processo relacional: A criação como processo relacional mostra que os elementos aparentemente dispersos estão interligados; já a ação transformadora envolve o modo como um elemento inferido é atado a outro. Os elementos selecionados já existiam, a inovação está no modo como são colocados juntos, ou seja, na maneira como são transformados. (SALLES, 2008, p. 35)

The Binding of Isaac exemplifica essa ação transformadora da qual Cecíla Salles nos fala que ata diferentes elementos. É o fruto de uma seleção de signos os quais o criador transformou e juntou a outros signos assim criando este imaginário. Este modo de transformar signos que derivam de imaginários que lhe serviram de _____________ 6 With ISAAC, my goal was to create “magic.” I wanted players to feel like the game was endless and alive, that the game had a mind of its own and was writing itself as they played. I remember the original ZELDA having this feeling of magic and mystery. You weren’t sure what things did until you experimented with them, and you had to brainstorm with your friends and put all your findings together in order to progress. I felt like since I was referencing Zelda so much in Isaac’s core design, I should also complement it with the feeling of mystery I felt it had back in the day. 7 I wanted to make a roguelike game using the Legend of Zelda dungeon structure, and I wanted to make a game about my relationship with religion. Em Game Developers Magazine, Novembro de 2012.

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influência é algo que também pode ser visto em outro de seus jogos, o Super Meat Boy.

Figura 94: Comparação entre The Legend of Zelda e The Binding of Isaac.

Em Super Meat Boy, o jogador controla a personagem Meat Boy, um menino que não possui pele e que tem que salvar sua namorada, a Bandage Girl das mãos do dr. Fetus. É um jogo do tipo plataforma no qual o jogador deve desviar de obstáculos para chegar até o local em que a namorada do herói está e, o mínimo deslize em algum obstáculo, mata a personagem forçando o jogador a recomeçar o nível. Mcmillen, ao comentar sobre suas influências para a criação de Super Meat Boy, declara ter como referência principal Super Mario Bros, em uma entrevista ele diz: “Quando Tommy e eu conversamos sobre tentar refazer a fórmula de Mario, nós não realmente discutimos isso publicamente. Nada jamais poderia se aproximar de Mario, e nada já sequer chegou perto, mas como um designer eu queria desesperadamente tentar pelo menos8” (MCMILLEN, 2011, pg. 17). Comparando Super Meat Boy com Super Mario Bros, percebemos a influência de Shigeru Miyamoto na obra de Edmund McMillen. Em ambos os jogos o herói deve resgatar sua namorada/ princesa e em ambos a progressão da personagem é similar. As personagens andam e pulam para se esquivar de objetos e obstáculos, mas Meat Boy traz um fator em seu imaginário que exemplifica a antítese que é a relação da personagem com o ambiente em que aventura acontece.Todos os objetos do jogo _____________ 8 When Tommy and I talked about attempting to remake the Mario formula, we didn’t really discuss it publicly. Nothing could ever touch Mario, and nothing has ever come close, but as a designer I desperately wanted to at least try. Em Game Developers Magazine, Abril de 2011.

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estão alí para ferir a personagem, já que Meat Boy não possui pele, qualquer contato com qualquer objeto faz com que ele morra, desde serras, agulhas ou até mesmo sal, uma lógica do imaginário pertencente ao Regime Diurno da imagem, porém, conforme afirmado por McMillen9, a Bandage Girl completa o Meat Boy; ela traz para o herói aquilo que lhe falta, a proteção de sua falta de pele, uma lógica pertencente ao Regime Noturno da imagem, a união. Em uma declaração, McMillen diz: Quando eu estava no ensino médio eu desenhava conceitos para o que eu pensava que poderia ser o maior jogo já feito: cheio de sangue, vilões gigantes, mundos épicos, e uma história que acompanharia um herói imortal para o inferno, o fim do mundo, e além.10 (MCMILLEN, 2011, pg. 15)

Figura 95: Bandage Girl.

Figura 96: Meat Boy.

Super Meat Boy tornou-se o que McMillen desejava quando adolescente, um jogo com muito sangue, vilões gigantes e um herói que vai até ao inferno se preciso (o inferno é a quarta fase de Super Meat Boy); faz sua catábase se expondo ao perigo para encontrar sua completude. O jogo, apesar de seus conceitos derivados de Super Mario Bros, também traz referências de outros títulos, o que nos mostra um pouco mais das influências do criador, como podemos ver nas imagens a seguir:

Figura 97: Comparação entre as cenas de abertura dos níveis de Super Meat Boy. De cima para baixo, Street Fighter II, Castlevania e Adventures of Lolo. _____________ 9 Declaração de Edmund McMillen no documentário Indie Game: The Movie.

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Ao buscar estudar o processo criativo, seja de jogos digitais ou de qualquer outra obra em qualquer outro meio que não seja o videogame, devemos considerar todo e qualquer objeto, anotação, rascunho ou mesmo até a referência encontrada por meio da análise, algo que Cecília Salles aponta como que: ... todos os registros deixados pelo artista são importantes, na medida em que podem oferecer informações significantes sobre o ato criador. A obra não é fruto de uma grande idéia localizada em momentos iniciais de processo, mas está espelhada pelo percurso. (SALLES, 2008, pg. 36)

Quando escolhemos como objetos da análise Braid, Super Meat Boy e The Binding of Isaac, nós assim o fizemos para traçar um paralelo com Super Mario Bros e The Legend of Zelda, pois eles possuem semelhanças. Esses jogos demonstram uma vontade pessoal de seus respectivos criadores, uma relação íntima do artista com a obra que é revelada durante o processo. Retomando um pouco do que foi discutido até agora, o que percebemos é uma derivação de imaginário que se mantém tanto com características diretas quando indiretas que podem ser vistas no argumento da narrativa, nas habilidades das personagens ou em cenas animadas, algo que evidencía o contato de um artista para com o outro. Shigeru Miyamoto trouxe em seus jogos o herói que deve salvar a princesa, e uma arquitetura de nível pelo qual o jogador deve passar para atingir seus objetivos. Estas características foram transformadas por Edmund McMillen e Jonathan Blow. Eles desconstruiram e reformularam o imaginário de Super Mario Bros e The Legend of Zelda. Tomaram proveito de fragmentos e elementos do imaginário desses jogos e os derivaram, conforme pudemos ver nas declarações de McMillen. A análise nos leva a pensar que o processo criativos desses desenvolvedores de jogos digitais não é somente fruto de uma vontade, mas de inferências geradas, em termos da semiótica de Charles S. Peirce, pela “experiência colateral” que tiveram durante o processo criativo.

_____________ 10 When I was in middle school I would draw up designs for what I thought would be the ultimate video game: full of blood, huge bosses, epic worlds, and a story that would follow an immortal hero through hell, the end of the world, and beyond. Em Game Developers Magazine, Abril de 2011.

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1.2 - Por uma proposta semiótica para o processo criativo de heróis em jogos digitais. Quando escolhemos exemplificar em nosso primeiro capítulo no tópico sobre mitologia, o mito do herói por meio dos mitos de Perseu, Héracles e Jasão, nós assim o fizemos de modo a trazer para discussão alguns pontos dessas histórias que também se repetem em jogos digitais além da jornada do herói proposta por Joseph Campbell. Buscar os mitemas destes heróis pertencentes à mitologia grega que também encontramos nos heróis dos jogos digitais; pequenas passagens, características e situações de suas aventuras. Nosso objetivo aqui é iniciar uma proposta que dê fundamento para o processo criativo do herói com base no que desenvolvemos sobre imaginário, mito e narrativa, e também pelas constatações a que chegamos ao analisar tanto o nosso objeto de pesquisa principal, a trilogia Mass Effect, quanto os demais jogos e relatos dos desenvolvedores que trouxemos neste capítulo. Devemos ressaltar que, como tratamos de uma mídia específica, o videogame, o herói aqui está sujeito a um roteiro que mesmo que há a possibilidade de construí-lo e moldá-lo antes e durante a aventura, ele ainda assim está submetido a um número pré-determinado de possibilidades, de acordo com o que for programado internamente ao sistema do jogo. Considerando que a imagem do herói está ligada às narrativas míticas, aos contos, fábulas e lendas, e com isso traz características próprias, ou seja, os mitemas do herói que derivam, não podemos deixar de lançar uma abordagem semiótica para esta proposta destinada ao processo de criação, pois como pudemos constatar anteriormente neste capítulo, por meio de documentos e registros vimos como a inferencialidade atua na ação criadora. Conforme diz Cecília Salles, “O pensamento, como signo, é, portanto, por sua própria natureza, uma inferência, isto é, toma por certo a existência de algum pensamento prévio” (SALLES, 2014, pg. 169). Como podemos observar, mediante a inferência de mitemas nos diferentes imaginários do herói, por meio de uma análise comparativa, será possível nos levar a pensar na criação de heróis não só com base em uma jornada do herói roteirizada, mas na concepção do imaginário individual de novos heróis, e justamente por isso 156

trazemos a semiótica para esta discussão, pois como bem viu Santaella: [...] para dar conta de uma gama de possibilidades sígnicas potencialmente infinita, a semiótica não pode extrair seus conceitos e definições do exame empírico dos signos. Ao contrário, ela tem de lidar com definições no limite máximo da abstração. (SANTAELLA, 2001, pg. 39)

O que os heróis dos mitos gregos nos oferecem que podemos encontrar nos heróis dos jogos digitais? Quais são essas características que se repetem e são recontadas em diferentes mídias ao longo da história? O que elas significam nos jogos digitais? O mito do herói deriva de um história para outra e consigo, esta derivação faz com que características sejam mantidas enquanto outras são deixadas de lado ou modificadas no modo como são apresentadas. Conhecer as diversas narrativas de heróis nos leva à concepção de um novo herói pelo processo de derivação. A jornada do herói conforme observada por Joseph Campbell apresenta pontos comuns a diversas narrativas de diferentes heróis e, pensando-a como um roteiro a ser seguido na arquitetura narrativa da jornada heróica, ela nos leva a planejar os momentos chaves da aventura, porém, ela por si só não nos leva a concepção de um novo herói, é preciso pensar nos signos que desejamos para compor este novo imaginário, pois cada herói está contextualizado de acordo com a sua época e cultura e por isso possui signos próprios do imaginário a que pertence. Ao propor que este herói será representado no videogame, ele está sujeito às características dessa mídia em particular, o que fará com que o imaginário não seja apenas uma descrição ou representação em imagem ou texto, mas que adquira as características dos canais semióticos dessa mídia, o que segundo Santaella, “Embora as imagens que a tela permite visualizar sejam altamente icônicas e sensíveis, o que se passa por trás dela pe abstrato, um legi-signo simbólico, tal como definido na semiótica peirceana” (SANTAELLA, 2007, pg. 373). Justamente pela imagem aqui estar sujeita a este legi-signo que é o algoritmo que serve de instrução e regra para que o herói se relacione com o mundo em que a aventura se desenvolve é que as características dos regimes diurno e noturno passam a atuar como regras que moldam o herói que podem ou não estarem sujeitas à escolha do jogador. Quando há essa opção, conforme observado em nossa análise no segundo capítulo, os regimes da antítese ou da união e da harmonia passam atuar na formação 157

da personalidade do herói, ou então na forma de objetos, conforme observamos no caso da espada de Link em The Legend of Zelda: Ocarina of Time, que, além de ser a arma por excelência do herói, é também o divisor entre dois momentos do jogo. O imaginário deste herói que buscamos construir então será o conjunto de signos que fazem parte dele, de sua aventura e do mundo no qual ela acontece, e por isso poderemos encontrar derivações de imaginários, fragmentos comuns a diversas narrativas heróicas que se mantém em diferentes narrativas. A partir deste ponto, nós encaminhamos nossa discussão sobre os Regimes Diurno e Noturno da imagem propostos por Gilbert Durand não só como características icônicas e simbólicas, mas também como leis que regem a possibilidade de escolhas que o jogador tem para construir sua personagem e também como leis que imperam na roteirização do jogo, por isso, também os trataremos no aspecto dos jogos digitais como legi-signos, o que segundo Santaella (2010, pg. 13), “quando algo tem propriedade da lei, recebe na semiótica o nome de legi-signo”. Fazendo uso da semiótica peirceana, trataremos o imaginário do herói pela sua traduzibilidade, ou seja, trazendo os conceito de perenidade, derivação e desgaste do mito que abordamos em nosso primeiro capítulo, pois observamos que há jogos digitais com características semelhantes, o que nos leva a pensar que o imaginário além de derivar, se traduz, pois já que trataremos dos signos do imaginário do herói, o que segundo Julio Plaza: Por seu caráter de transmutação de signo em signo, qualquer pensamento é necessariamente tradução. Quando pensamos, traduzimos aquilo que temos presenta à consciência, sejam imagens, sentimentos ou concepções (que, aliás, já são signos ou quase-signos) em outras representações que também servem como signo. Todo pensamento é tradução de outro pensamento, pois qualquer pensamento requer ter havido outro pensamento para o qual ele funciona como interpretante. (PLAZA, 2010, pg. 18)

Retomando o mito de Teseu, quando o herói inicia sua jornada ele é ajudado pelos deuses a encontrar as Greias que lhe fornecem a localização da Medusa e também lhe dão o alforje para guardar a cabeça do monstro, as sandálias com asas e o capacete da invisibilidade de Hades. Hermes lhe dá a espada e Atená o escudo que ele usa para não olhar diretamente nos olhos da Medusa e ser petrificado. Após matar o monstro, Perseu liberta a princesa Andrômeda por quem se apaixona.

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Este breve resumo do mito de Teseu trás para discussão aspectos que nos possibilitam a iniciar uma discussão de como há características do mito do herói que sem mantém presentes em diferentes narrativas. Os itens que recebe tanto das Greias para que possa cumprir seu objetivo bem como as armas que ganhou dos deuses são necessários para derrotar a Medusa e, se compararmos com algo semelhante em algum jogo digital, retomando The Legend of Zelda: Ocarina of Time, temos itens que apresentam características semelhantes. O herói Link também possui um par de botas com pequenas asas douradas que o possibilita planar no ar por alguns segundos, item necessário para vencer alguns obstáculos do jogo. Há um escudo chamado Mirror Shield cujo propósito é refletir a magia e é utilizado para vencer um inimigo em específico em determinada parte. Em outro jogo da mesma série, A Link to the Past, há um item chamado Magic Cape que confere invisibilidade ao herói e, assim como Perseu, a arma deste herói é uma espada. Tanto os itens de Perseu quanto os de Link compõem o inventário de objetos que auxiliam o herói em sua jornada, com a diferença que há regras às quais os do herói de The Legend of Zelda estão submetidos, e ainda há a possibilidade de usá-los em qualquer ambiente do jogo desde que as condições para isso sejam cumpridas. A Magic Cape de Link para ser usada custa pontos de magia, e caso a aventura de Perseu fosse contada em um jogo digital, o mesmo poderia acontecer a ele ao usar o capacete de Hades. As botas de Link que lhe conferem a habilidade de planar por alguns segundos só entram em funcionamento quando a personagem tenta caminhar pelo vão existente entre duas plataformas e o Mirror Shield só tem eficácia contra magia. Os itens do herói estão submetidos a esta mecânica própria dos jogos digitais, e embora tanto Link quanto Perseu não possuam nenhuma ligação direta, suas armas e utensílios possuem funções símiles. Se levarmos nossa discussão para um herói que está inserido no imaginário do herói do mito

Figura 98: Link, em The Legend of Zelda: Ocarina of Time usando as Hover Boots para atravessar plataformas.

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grego, temos em Kratos, de God of War 2, um bom exemplo do modo como a cabeça da Medusa funciona mecanicamente no ambiente dos jogos digitais. Assim como Perseu que usa a cabeça do monstro para petrificar seus inimigos, após enfrentar a Górgona, Kratos pode utilizar a cabeça decapitada como um auxílio nas lutas contra os demais inimigos que irá enfrentar até o fim do jogo, isso implica o custo de pontos de magia que se esvaem conforme o uso contínuo do poder petrificante, tornando-se uma arma auxiliar.

Figura 99: Estátua de Perseu de Antonio Canova.

Figura 100: Ilustração de Kratos lutando contra a Górgona em God of War 2.

Kratos exemplifica a derivação direta do herói dos mitos gregos e por isso é natural encontrar em seu imaginário semelhanças quase que sem nenhuma alteração das narrativas dos heróis gregos, ao contrário de Link que é necessário um olhar mais profundo para identificarmos pontos comuns, já que seu imaginário em nada remete diretamente aos mitos gregos. Outro ponto relevante do mito de Perseu é o resgate da princesa Andrômeda, acorrentada a um rochedo como forma de sacrifício. Nesta narrativa, o resgate da princesa é apenas um fragmento da jornada do herói, porém, em alguns jogos como 160

Super Mario Bros e Super Meat Boy este fragmento é a aventura. Vejamos o gráfico a seguir:

2 Recebe a ajuda dos deuses e das Greias

Re

a

Reina em Tirinto 5

rno to

Pa rtid

Teseu parte para a aventura 1

Iniciaç ã o

4 Salva Andrômeda

Mata a Medusa 3

Figura 101: Diagrama. Os principais pontos da jornada do herói de Perseu.

É no quarto item que apontamos no diagrama anterior que aventuras como a de Mario e de Meat Boy se situam. Estes heróis não passam por transformações ou iniciações, já começam inseridos na aventura e o resgate da princesa por si só é a jornada herói nestes jogos. O mito de Perseu nos levou a um paralelo entre o modo como os itens que o herói adquire em sua jornada estão presentes tanto no mito grego quanto nos jogos digitais, e como o salvamento da princesa, exaustivamente utilizado como argumento para a criação de um jogo, é um fragmento arquetípico do imaginário heróico. Este fragmento é melhor encontrado nos contos de fadas como motivação principal da história, já que no mito ele é apenas um dos diferentes trabalhos que o herói realiza em sua aventura. Já o mito de Héracles nos leva a outros aspectos encontrados em sua jornada que também encontramos nos jogos digitais. As armas que Héracles recebe dos deuses possuem funcionalidades específicas para o cumprimento de cada um de seus doze trabalhos. Quando caça o leão de Neméia, o filho de Zeus usa sua clava para atordoar o animal que é invulnerável ao corte de qualquer outra arma para assim sufocá-lo até a morte. Com a pele do animal, Héracles faz um capacete e ombreiras para se proteger. Para vencê-lo, foi necessário usar de uma estratégia ao invés de 161

combatê-lo diretamente e, com a vitória, extrai do animal a pele que lhe confere um aumento em sua defesa. Outro episódio decorrente de seus trabalhos é a luta contra a Hidra de Lerna. Após matá-la, Héracles mergulha suas flechas no sangue do animal transformandoas em flechas envenenadas. Esta ação nos mostra a adição de atributos às armas do herói, e é com essas flechas que o herói mata as aves do lago Estínfalo. Em um jogo digital isso é o mesmo que sintetizar objetos para obter uma arma nova, como podemos ver com mais frequência em jogos do tipo RPG, nos quais a síntese de elementos fornecem ao jogador novas armas para usar durante a aventura ou enfrentar inimigos específicos. Se organizarmos a linha narrativa de Héracles em eventos principais e eventos secundários, teremos aquilo que já mencionamos anteriormente e exemplificamos em nosso segundo capítulo, as párergas, eventos que acontecem entre o início e o fim dos eventos principais mas que não são diretamente importantes para o desenvolvimento da história. É nas párergas de jogos digitais que o herói pode obter armas mais poderosas, ou então itens específicos, bem como presenciar eventos únicos pertencentes a este determinado momento. Os doze trabalhos aqui podem ser derivados para assumir outra forma, como no caso do comandante Shepard em Mass Effect 2 (Ver capítulo 2). No caso do herói no segundo jogo da trilogia, os doze trabalhos são os doze companheiros (consideramos aqui especificamente as duas personagens adicionais) que possuem problemas pessoais e que o comandante deve ajudar para que eles sobrevivam a última missão. Um exercício simples de pensar a derivação do mito de Héracles é imaginá-lo não como um filho de um deus com uma mortal. Podemos pensar na derivação do mito de Héracles como a história de um jovem feiticeiro inglês que descobre seus poderes e passa por doze estágio de aprendizado (doze fases de um jogo), recebe itens preciosos de grandes mestres que possuem finalidades específicas e, por fim, após sua provação final, torna-se um grande feiticeiro. Assim, o imaginário do herói grego é deixado de lado para que outro imaginário tome seu lugar, mas a essência ainda é a mesma, o herói que passa por doze provações para no fim ascender. Também podemos substituir Héracles por um samurai que para reconquistar 162

sua honra deve passar por doze provações, ou então ter doze seguidores em sua jornada que lutam ao seu lado até que ele se torne o imperador do Japão. O modo como pensamos a derivação do mito e do imaginário do herói determina o modo como o imaginário de um novo herói será apresentado ao jogador. Pensando-o como signo, devemos analisar quais signos fazem parte de seu universo. Quando exemplificamos a derivação desse herói como um samurai, automaticamente trazemos os signos pertencentes ao imaginário do samurai, suas habilidades, armas e a ambientação. O mesmo ocorre com o feiticeiro, mas mesmo assim mantemos os mitemas do mito grego. Tanto Perseu quanto Héracles possuem características similares. Ambos são filhos de uma divindade com uma mortal; possuem itens com finalidades específicas que receberam dos deuses e são heróis que seguem sozinhos em sua aventura. Mas e quando o herói é um mortal e precisa da ajuda de um grupo? O mito de Jasão e os Argonautas nos mostra o mito do herói que reúne um grupo de especialistas para atingir seus objetivos. Cada tripulante da nau Argos possui uma habilidade específica que auxilía Jasão durante os diversos perigos que encontra no caminho para obter o velocino de ouro. Neste mito, o herói não é mais um solitário e o mitema do herói que é ajudado por um grupo de heróis também é algo comum na narrativa dos jogos digitais. Como desenvolvemos em nosso segundo capítulo, o herói em Mass Effect é ajudado por um grupo em que cada membro possui características únicas, e o sistema de relacionamento com essas personagens que comparamos aos regimes Diurno e Noturno da imagem nos levaram a discutir o modo como as características de cada regime atuam de modo a condicionar o relacionamento do herói com cada um de seus companheiros. As decisões baseadas no diairetismo e na antítese pertencente ao Regime Diurno e à união e harmonia caras ao Regime Noturno assumem a forma dos legisignos que atuam no sistema do jogo e que levam o herói por caminhos narrativos diferentes, caminhos esses baseados no modo como o jogador estabelece as relações com as personagens. Tratando-se de um grupo de heróis, a série Final Fantasy, ao longo de toda sua 163

existência, apresenta o modo como as diferentes habilidades de cada personagem influenciam na estratégia que o jogador deve tomar frente às diversas batalhas pelas quais passa entre o início e o fim. Conforme apresentamos em nosso primeiro capítulo quando brevemente falamos sobre o primeiro jogo da série, mostramos como cada uma das classes de personagem possuem habilidades únicas. Tomando todas as referências que apresentamos no decorrer deste trabalho, chegamos à conclusão que além de uma jornada do herói, há um microcosmo do herói. Um conjunto de signos inerentes à imagem do herói que pudemos constatar por meio do seu imaginário tanto nos mitos gregos quanto nas narrativas dos jogos digitais. Armas, objetos, inimigos, objetivos, grupo de heróis que o auxiliam; estes signos estão diretamente relacionados ao herói, pois, ele deve ter contra o que lutar e pelo o que lutar, também deve ter armas e objetos para lutar bem como quem o ajude. O herói pode ser alguém que busca resolver o problema de qualquer forma sem se importar com as consequências, ou então ser aquele que busca solucionar a situação ponderando o que suas atitudes podem causar mediante cada decisão tomada. Cabe ao game designer moldar o imaginário do seu herói e buscar para ele os signos que farão parte da aventura e o modo como utilizá-los na tela do jogo. As diversas narrativas de heróis nos trazem os fundamentos para a concepção da personagem heróica. Ao criar um herói, automaticamente evocamos alguns signos que compõe o seu imaginário, sejam suas características, habilidades, etc. Conforme a história é desenvolvida, novos signos são adicionados à narrativa para que a jornada do herói seja construída, seja na forma de armas ou objetos que possuem finalidades específicas ou então personagens que entram para a equipe e acabam por levar o herói a novas aventuras. Como no caso da análise feita por nós sobre o herói em Mass Effect, parte do processo criativo do herói pode ser dado ao jogador para que suas decisões culminem na formação da personalidade do herói por meio das características dos regimes do imaginário, que por sua vez atuarão como instruções no algoritmo inserido no sistema do jogo.

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2. Considerações finais Durante toda nossa pesquisa procuramos trazer para discussão teorias, narrativas e jogos digitais diferentes, embora tenhamos delimitado um objeto de pesquisa específico. Muito do que trouxemos decorre de nosso vínculo pessoal com estas obras, vínculo este que existe muito antes do início desta pesquisa. Tudo o que buscamos apresentar desde o nosso primeiro capítulo é resultado de uma pesquisa feita tanto com os jogos digitais quanto com os estudos do imaginário, da mitologia, processos criativos e semiótica. Este trabalho não termina aqui, pois ainda está em processo de construção que será continuado futuramente. As reflexões acerca do imaginário no videogame e do videogame como mídia requerem um estudo contínuo. Pensar o processo criativo de jogos digitais é um trabalho que se estende junto com as inovações que surgem e que necessitam diferentes olhares. O que fizemos em nossa pesquisa foi trazer um fragmento pertencente a um todo. No momento em que fomos buscar nos mitos gregos as narrativas heróicas, nós assim o fizemos para traçar um paralelo com as narrativas dos jogos digitais, o que nos levou a compreender as similaridades entre o herói mítico e o que podemos encontrar deste herói nos jogos digitais, tanto em suas características pessoais como em sua relação com a aventura. Concluímos nossa pesquisa com o entendimento de como um imaginário traz consigo influências de um imaginário prévio, conclusão esta a que chegamos sob orientação da professora doutora Lucia Leão, que nos mostra como o contato com diferentes imaginários altera o modo como estabelecemos contato com uma obra e influencia no processo criativo.

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