O imaginário sobre a biblioteca escolar: sentidos em discurso

June 19, 2017 | Autor: Ludmila Ferrarezi | Categoria: Discourse Analysis, Information Science, School Library
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO

LUDMILA FERRAREZI

O IMAGINÁRIO SOBRE A BIBLIOTECA ESCOLAR: SENTIDOS EM DISCURSO

Ribeirão Preto 2007

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LUDMILA FERRAREZI

O IMAGINÁRIO SOBRE A BIBLIOTECA ESCOLAR: SENTIDOS EM DISCURSO Trabalho de Conclusão do Curso de Ciências da Informação e da Documentação, apresentado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, para a obtenção do Bacharelado em Ciências da Informação e Documentação e Biblioteconomia. Orientadora: Profª Drª Lucília Maria Sousa Romão

Ribeirão Preto 2007

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Ferrarezi, Ludmila O imaginário sobre a biblioteca escolar: sentidos em discurso. Ribeirão Preto, 2007. 106 p. : il. Trabalho de conclusão de curso, apresentado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP. Orientadora: Romão, Lucília Maria Sousa. 1. Biblioteca escolar. 2. Discurso. 3. Imaginário. 4. Ideologia. 5. Leitura.

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LUDMILA FERRAREZI

O IMAGINÁRIO SOBRE A BIBLIOTECA ESCOLAR: SENTIDOS EM DISCURSO

Trabalho de Conclusão do Curso de Ciências da Informação e da Documentação apresentado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, defendido e aprovado em________________________ de 2007, pela Comissão Julgadora:

_____________________________________ Profa. Dra. Lucília Maria Sousa Romão FFCLRP-USP Orientadora

_____________________________________ Prof. Ms.Cláudio Marcondes de Castro Filho FFCLRP-USP

_____________________________________ Profa. Dra. Soraya Maria Romano Pacífico FFCLRP-USP

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Dedico este trabalho aos meus queridos pais, Marilene e Eurípedes, por sempre terem priorizado e cuidado da minha educação, por todo o estímulo, amor e presença constantes.

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AGRADECIMENTOS

À minha irmã Lígia, pelas idéias, opiniões, incentivo e por estar presente em todos os momentos da minha vida; Ao Prof. Ms. Cláudio Marcondes de Castro Filho, pela compreensão, confiança e amizade; À Profª. Drª. Soraya Maria Romano Pacífico, por seu apoio, suas idéias e presença carinhosa em meu percurso acadêmico; Aos meus amigos do Curso de Ciências da Informação e da Documentação, especialmente, Bruna, João, Leandro, Susana e Willian, pela amizade, incentivo e paciência; A todos os professores do Curso de Ciências da Informação e da Documentação; Aos alunos e professores que nos concederam as entrevistas.

AGRADECIMENTO ESPECIAL

À Profª. Drª. Lucília Maria Sousa Romão, Por todo o brilhantismo, cuidado e carinho dedicados durante sua orientação sempre competente, acalentadora e constante; Por reacender em mim o prazer da escrita e confiar sempre no meu trabalho; Pelos tantos sentidos que construímos juntas e pelos que iremos ainda construir.

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RESUMO

Aborda a biblioteca escolar, a partir de uma interface entre a Ciência da Informação, Análise do Discurso francesa e Educação. Busca compreender de que maneiras é construído o imaginário sobre esta instituição e refletir sobre como este simbólico é influenciado pelas condições sociais, históricas e ideológicas de produção dos discursos. Para tanto, analisa, também, o modo como são realizadas as práticas de ensino/aprendizagem no âmbito da escola, especialmente, a leitura e a pesquisa, pois tais atividades influenciam na produção de sentidos sobre a biblioteca escolar. Para desenvolver tais questões, em primeiro lugar, realiza uma revisão de literatura a respeito da Análise do Discurso; em seguida, reflete sobre diversos temas inerentes à biblioteca escolar e às atividades escolares. Após estas etapas, analisa os discursos sobre a biblioteca escolar presentes em documentos oficiais, científicos e em entrevistas com alunos e professores de três escolas públicas de Ribeirão Preto. Conclui frisando a necessidade de que o profissional da informação contribua para a circulação de novas práticas e sentidos sobre a biblioteca escolar.

Palavras-chave: Biblioteca escolar. Discurso. Imaginário. Ideologia. Leitura.

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ABSTRACT

It deals with the school library, from an interface between the Information Science, French Discourse Analysis and Education. It aims to understand in which ways is constructed the imaginary one on this institution and to reflect on how this symbolic is influenced by the social, historical and ideological conditions of production of the discourses. For in such a way, it analyzes also the way activities of education/ learning are carried through in the environment of the school, especially, the reading and the research, because those activities influence in the production of senses about school library. To develop these questions, first of all, it accomplishes a revision of literature about French Discourse Analysis; then it reflects on differents subjects related to school library and school activities. After these stages, analyze the discourses about the school library contained in official documents, scientific documents and interviews with students and teachers of three public schools of Ribeirão Preto. It concludes emphasizing the necessity of that the information professional contributes for the spread of new activities and senses about the school library.

Keywords: School Library. Discourse. Imaginary. Ideology. Reading.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO: UM INÍCIO DE SENTIDOS SOBRE A BIBLIOTECA ESCOLAR......09 2. SENTIDOS EM (DIS)CURSO.............................................................................................15 3. BIBLIOTECA ESCOLAR: UM LUGAR DE VÁRIAS VOZES........................................25 4. LEITURA, ESCOLA E BIBLIOTECA NA PERSPECTIVA DISCURSIVA.....................43 5. ANÁLISE DISCURSIVA DE DADOS: VOZES QUE FALAM DA BIBLIOTECA ESCOLAR................................................................................................................................54 5.1. O dizer dos documentos oficiais: a normatização como efeito..........................................55 5.2. A voz nos/dos documentos científicos...............................................................................69 5.3. Entrevistas: alunos e professores como sujeitos de discursos........................................... 84 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: SENTIDOS QUE NÃO SE FECHAM................................95 REFERÊNCIAS........................................................................................................................98

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1. INTRODUÇÃO: UM INÍCIO DE SENTIDOS SOBRE A BIBLIOTECA ESCOLAR

PICASSO, Pablo. La lectura. 1932. FONTE:

A maior riqueza do homem é a sua incompletude Nesse ponto sou abastado Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai Mas eu preciso ser Outros Eu penso renovar o homem usando borboletas Manoel de Barros

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O foco deste trabalho está voltado para a compreensão dos discursos a respeito das bibliotecas escolares, especialmente aquelas pertencentes à rede pública de ensino. Muitos motivos despertaram meu interesse (como aluna de graduação, pesquisadora e profissional da informação) por esta instituição. Ao longo da graduação, tive contato com este tema, de forma teórica e prática, tanto nas aulas de disciplinas que visavam estudar a biblioteca escolar e as práticas de ensino desenvolvidas nas escolas, assim como, durante as pesquisas realizadas a respeito das fontes de informação eletrônica sobre este assunto (FERRAREZI;CASTRO FILHO, 2007), por meio das quais tive um amplo contato com a literatura científica e os sentidos veiculados através dela. Quando tive a oportunidade de realizar um estágio em uma biblioteca de uma escola estadual de Ribeirão Preto, pude observar os duelos entre os sentidos circulantes na esfera escolar e aqueles recorrentes no contexto acadêmico-científico. Estes embates suscitaram meu interesse e inquietação em torno da biblioteca escolar, desejos de respostas que foram compartilhados com minha orientadora e encontraram abrigo na teoria discursiva, com a qual já havia trabalhado em um projeto de iniciação científica financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e nas disciplinas teóricas desde o início do curso. Sendo assim, unidas pelos mesmos interesses, procuramos pensar sobre a biblioteca escolar e suas diversas facetas. Assim como no poema de Manoel de Barros, assumimos nossa condição de sujeitos incompletos e múltiplos para discursivizar sobre esta instituição e os tantos sentidos que a significam, buscando olhá-la a partir de um ponto de vista mais crítico. Desta forma, objetivamos refletir, neste trabalho, sobre o imaginário que cerca a biblioteca escolar e que está materializado nos discursos produzidos sobre esta instituição. Procuramos, também, observar como este simbólico é afetado pela ideologia e pela exterioridade, ou seja, pelas condições de produções do discurso. Marcamos que considerar este imaginário implica analisar, também, o modo como são realizadas as práticas de ensino/aprendizagem no âmbito da escola, especialmente, a leitura e a pesquisa, visto que, tais atividades influenciam na produção de sentidos sobre a biblioteca escolar. Consideramos que a perspectiva da Análise do Discurso foi a mais adequada para a realização deste trabalho, ajudando-nos a pensar sobre questões inseridas nas áreas de Biblioteconomia/Ciência da Informação e Educação; deste modo, ocupando a posição de analistas do discurso, não indagamos qual é o imaginário sobre biblioteca escolar, mas, como ele se constrói e significa. Em busca de respostas, nós nos dirigimos aos textos oficiais, científicos e aos recortes de entrevistas, estabelecendo gestos de interpretação, investigando

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como os objetos simbólicos produzem sentidos que podem ser legitimados ou silenciados pela ideologia. Ao longo da pesquisa, surgiram ainda outras questões adjacentes como, por exemplo: como a situação vivida pela biblioteca escolar afeta e é afetada por fatores sócio-históricos, políticos e ideológico-culturais do Brasil; de que maneira os profissionais da informação podem colaborar com a circulação de novas práticas e sentidos nas bibliotecas das escolas; quais as contribuições da Análise do Discurso para compreender o dizer da/sobre a biblioteca escolar e o modo como a leitura e a pesquisa são praticadas. Para desenvolver tais questões, em primeiro lugar, foi realizada uma revisão de literatura a respeito da Análise do Discurso (capítulo 2), buscando abordar os principais conceitos teóricos que a constituem, por meio da retomada da palavra de autores como Michel Pêcheux, Eni P. Orlandi, Authier-Revuz, Michel Foucault e outros. Após construída a fundamentação teórica, passamos para a reflexão sobre diversos temas inerentes à biblioteca escolar (capítulo 3) e às atividades escolares (capítulo 4), com destaque para a leitura. Para tanto, utilizamos documentos pertinentes às áreas de Biblioteconomia/Ciência da Informação, Educação e Análise do Discurso que correspondem, principalmente, a livros, artigos científicos, anais de eventos e teses das áreas mencionadas. A consulta a estes materiais foi realizada por meio de buscas diretas nos sites de periódicos científicos, em bases de dados especializadas nas áreas abrangidas, além de buscadores e acervos bibliográficos pessoais e da biblioteca da Universidade de São Paulo. Alguns dos autores que utilizamos foram Bernadete S. Campello, Luís Milanesi, Roger Chartier e Waldeck Carneiro da Silva. Após esta etapa, chegamos às análises de dados (capítulo 5) do nosso corpus, que foi analisado segundo a teoria do discurso, por meio da qual, buscamos compreender os modos de significação da biblioteca escolar na voz de vários sujeitos. O material que selecionamos foi dividido em três grupos:



Documentos oficiais

- Portaria n.º 584, de 28 de abril de 1997, que institui o Programa Nacional Biblioteca da Escola; - “Biblioteca na escola”, documento do Ministério da Educação que aborda o papel da escola na formação de leitores competentes, a formação da biblioteca escolar, dentre outros temas - Manifesto IFLA/UNESCO para a Biblioteca Escolar;

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- Declaração Política da IASL (Internacional Association of School Librarianship) sobre Bibliotecas escolares. Todos estes documentos estão disponíveis na íntegra na rede eletrônica.



Documentos científicos

A base de dados eletrônica LIBES1 foi a fonte de informação utilizada para a busca dos

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documentos científicos. Escolhemos analisar trabalhos apresentados em eventos e artigos de periódico, por serem formas mais rápidas e atualizadas de divulgação da informação científica; - Buscamos pelo termo “biblioteca escolar” no campo “palavras-chave”, em pesquisa realizada no dia 15 de setembro de 2007, que recuperou 52 registros; Restringimos nosso corpus aos trabalhos que foram publicados nos últimos 10 anos, entre

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1998 e 2007, que corresponderam a 43 documentos. Deste total, analisamos recortes de artigos de periódico e os trabalhos apresentados em eventos, aos quais conseguimos acesso, perfazendo 19 documentos



Entrevistas: a voz dos alunos e professores

- Realizamos entrevistas com alunos (de Ensino Fundamental e Médio) e professores de 3 escolas públicas de Ribeirão Preto; - Convidamos nossos entrevistados a responderem, de forma livre e anônima, as perguntas: Para você, o que é a biblioteca escolar? Qual o seu papel? Em relação ao corpus, é importante observarmos que, para a Análise do Discurso, ele é:

instável e provisório. A delimitação do corpus não segue critérios empíricos (positivistas) mas teóricos. Desse modo, a questão da exaustividade, como já tivemos a ocasião de dizer, adquire novas determinações, ou seja, a exaustividade deve ser considerada em relação aos objetivos e à temática e não em relação ao material lingüístico empírico (textos) em si, em sua extensão. Esse material se organiza em função de um princípio teórico, segundo o qual a relação entre o lingüístico e o discursivo não é automática, não havendo biunivocidade entre marcas lingüísticas e os processos discursivos de que são o traço (as pistas). (ORLANDI, 2003c, p.10).

Neste contexto, em nosso corpus, analisamos o modo como as pistas significam no discurso, indiciando as relações tecidas entre os diferentes discursos e sujeitos presentes nos 1

LIBES - Literatura Brasileira em Biblioteca Escolar. Disponível em: .

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vários textos observados. Realizamos, assim, um trabalho investigativo, reflexivo, buscando os rastros deixados pelos sujeitos, pelos dizeres enunciados e, também, pelos silenciados, constituindo uma escavação arqueológica nos moldes propostos por Michel Foucault (2000), pela qual, empreendemos a “tarefa de escovar palavras, de recuperar sentidos já falados, de desencravar a memória dormente, de elaborar experimentos de decifração da linguagem.” (ROMÃO, 2004, p.57). Ao trabalharmos com os documentos selecionados, não analisamos os seus sentidos, o que nos colocaria no lugar da análise de conteúdo, mas buscamos flagrar a forma como eles produzem sentidos. Consideramos os textos como movimentos discursivos e não os analisamos integralmente, pois trabalhamos com recortes:

o texto é um conjunto de relações significativas individualizadas em uma unidade discursiva. Essa ‘individualização’ de relações significativas é que constitui a especificidade, o ineditismo de cada texto enquanto acontecimento discursivo. Não trabalhamos tampouco com o texto tendo em mente a idéia de um texto inteiro. São recortes que nos interessam, colocando em relação textos diferentes e que nos mostram propriedades importantes em relação ao tema de nossa pesquisa, na medida em que indicam características dos processos de significação. Esses recortes, por seu lado, não são o fato do analista, mas da relação do analista com o material de análise, na detecção dos processos significativos que nele se inscrevem. Uma vez detectado um processo significativo relevante para o tema e o objetivo da pesquisa, ele deve ser procurado ao longo do corpus, pelos recortes. Resta lembrar que outros processos a ele relacionados passam também a ser objetos de observação. (ORLANDI, 2003c, p.10-11).

São os recortes que nos indiciam o funcionamento do discurso, as relações de constituição dos sentidos do texto, representando, segundo Orlandi (2003a, p.172), “a maneira de instaurar a pertinência, a relevância. A relevância se faz no texto enquanto este é unidade, a totalidade que organiza recortes.” Por fim, ressaltamos que não buscamos, através dos recortes selecionados, realizar um simples mapeamento do que foi dito sobre biblioteca escolar. Entendendo a língua como uma prática social, procuramos analisar as relações existentes entre os sentidos sobre a biblioteca escolar, que foram produzidos por diversos sujeitos filiados a diferentes formações discursivas que nos remetem, por sua vez, às formações ideológicas que constituem as formações sociais nas quais os sujeitos se inserem. Dessa maneira, podemos observar, através do discurso, as relações de força existentes entre os sujeitos, que determinam o que é possível de ser enunciado por um sujeito inserido em um determinado contexto e com acesso à determinada memória discursiva; quais posições ele pode ocupar, de que modo ele é instado a

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(se) significar na sociedade, produzindo sentidos que não são transparentes, naturais ou ingênuos, já que se sustentam nestas relações ideológicas. Buscamos, também, flagrar como alguns sentidos são repetidos e ressignificados por diferentes sujeitos, constituindo um já-dito cristalizado e legitimado nos diferentes contextos que analisamos (escolar, científico, governamental). Enquanto isso, outros sentidos são interditados, mas aparecem nas bordas do dizer e, também, no silêncio, que, para nós, é tão significativo quanto a presença de palavras; assim, muito mais do que signos impressos em um papel ou virtualizados em uma tela, trabalhamos com a materialidade do funcionamento discursivo, atravessando a cortina do evidente e procurando romper com a literalidade do sentido dominante. Após apresentarmos a pesquisa realizada, cabe destacar a sua relevância. Inserida em uma sociedade que valoriza, cada vez mais, a informação e o conhecimento, a biblioteca escolar vem sendo chamada a ocupar um importante papel em um processo de aprendizagem mais amplo, crítico e criativo. Entretanto, observando o problema da falta de bibliotecas escolares, a situação precária em que se encontra a grande maioria delas e, também, a pouca produção cientifica sobre o tema, verificamos que esta importante instituição ainda não foi reconhecida da forma como merece. Neste contexto, é fundamental a produção de trabalhos, como este que apresentamos, para que possa haver mudanças em prol deste reconhecimento. Outro aspecto importante que é abarcado pelo trabalho refere-se à aproximação entre diversas áreas do conhecimento, buscando o diálogo entre a Ciência da Informação/ Biblioteconomia, Análise do Discurso e Educação, para que se possa pensar a biblioteca escolar de forma ampla, sob várias perspectivas. Frisamos a contribuição da Análise do Discurso que oferece uma nova forma de olhar a biblioteca, pela qual, ela é considerada um objeto discursivo que ganha vida nas falas dos sujeitos. Esperamos que nosso trabalho possa inspirar, em seus leitores, a produção de novos sentidos sobre a biblioteca escolar, instigar reflexões e incitar ações que a movimentem e a tornem um dinâmico campo de estudos e atividades, resultando na circulação de outros sentidos, muitos dos quais estão empoeirados pela imobilidade. Nessa direção, esse trabalho pretende soprar a poeira, fazer ventar e mover, palavras, representações e sentidos.

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2. SENTIDOS EM (DIS)CURSO

Título, autoria e data não identificados. FONTE: .

O sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direções irradiantes que vão se dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem de vista José Saramago

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A Análise do Discurso (AD), segundo Orlandi (2003b, p.9), “nos coloca em estado de reflexão”. O desejo de compreender a posição que a biblioteca escolar ocupa no imaginário de sujeitos inseridos no âmbito profissional, acadêmico e escolar, levou-nos a refletir a respeito dos discursos enunciados sobre esta importante instituição. Os objetos teóricos centrais da Análise do Discurso, a saber, discurso, sujeito, memória e ideologia (PÊCHEUX, 1997) foram mobilizados para se pensar a biblioteca escolar como um corpo social que, apesar das rígidas estruturas às quais se alicerça, não está inerte, pronto, constituído, mas sim, é (re)construído continuamente pelas falas (e, mais frequentemente, silêncios) dos sujeitos que o significam. Podemos pensar a Análise do Discurso como uma campo do saber que vem dialogar com a Ciência da Informação, compartilhar a construção de efeitos de interface e promover um outro olhar que, através do particular, leva-nos a indícios que ajudam a compreender o todo complexo de sujeitos e discursos que circulam na biblioteca escolar e os sentidos de/sobre ela. A escola francesa de Análise do Discurso, segundo Ferreira (2003), formou-se nos anos 1960, em torno do grupo liderado por Michel Pêcheux, a partir da trilogia: Lingüística, Marxismo e Psicanálise. Opondo-se ao conteudismo (“o que o autor quis dizer”; “o que este texto significa”), a AD visa compreender “o modo como um objeto simbólico produz sentidos, não a partir de um mero gesto de decodificação, mas como um procedimento que desvenda a historicidade contida na linguagem, em seus mecanismos imaginários.” (FERREIRA, 2003, p.202). A historicidade pode ser descrita como o “modo como a história se inscreve no discurso [...] a relação constitutiva entre linguagem e história. Para o analista do discurso, não interessa o rastreamento de dados históricos em um texto, mas a compreensão de como os sentidos são produzidos.” (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, [200-?]). Segundo Ferreira (2003), a AD não pretende ser especialista de interpretação, controlar os sentidos, mas sim, construir procedimentos que exponham a opacidade do texto para um sujeito que não controla a linguagem. Sendo assim, novas maneiras de ler, outros gestos de leitura, outra escuta são apontados, sustentados por dispositivos teóricos e analíticos que permitem não apenas reconhecer o que lemos, mas conhecer os modos de constituição dos sentidos. (ORLANDI, 2006). Por meio da teoria do discurso, a linguagem é tida como uma forma de mediação entre o homem e sua realidade:

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A Análise do Discurso concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive. O trabalho simbólico do discurso está na base da produção da existência humana. (ORLANDI, 2003b, p.15).

Este processo de mediação ocorre de forma dinâmica, já que o discurso não é materialidade de palavras fixas, imutáveis, acabadas, mas sim, o movimento de sentidos já postos em funcionamento em diversos discursos e, também, o movimento de vir-a-ser de outros. Sendo assim, os discursos se articulam por meio de uma tensão entre o mesmo e o diferente, a estrutura e o acontecimento, ou seja, entre a paráfrase e a polissemia. Assim sendo, temos, de um lado, o retorno constante a um mesmo dizer sedimentado – a paráfrase – e, de outro, uma tensão que aponta para o rompimento, para a emergência do outro, a saber, a polissemia. (ORLANDI, 2003a). É importante observarmos que “todo processo discursivo se inscreve numa relação ideológica de classes” (PÊCHEUX, 1997, p. 92). Foucault (2005, p.10) concorda ao dizer que: “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.” Sendo assim, por meio de tais relações de poderes e saberes, há dizeres que são permitidos em determinadas formações discursivas, enquanto outros são proibidos, silenciados, censurados, tidos como indesejáveis. O conceito de formação discursiva (FD) remete-nos ao de formação ideológica, relacionando-se aos efeitos de sentido. Para compreender tais noções, é importante saber que:

Na análise de discurso, a linguagem não é transparente, e interpretar não é atribuir sentido, mas expor-se à opacidade do texto, ou seja, é explicitar como um objeto simbólico produz sentidos. [...] face a qualquer objeto simbólico o sujeito é instado a interpretar, pois ele se encontra na necessidade de ‘dar’ sentido. (ORLANDI, 2006, p.24).

Destarte, o sentido não está alocado em lugar nenhum. “Apesar dos sentidos possíveis de um discurso estarem preestabelecidos, eles não são constituídos a priori, ou seja, eles não existem antes do discurso”. (MUSSALIM, 2001, p. 132), e nem “em si mesmos”, como aponta-nos Pêcheux (1997, p.160-161):

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o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, etc., não existe ‘em si mesmo’[...] as palavras, expressões, proposições, etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas [...] nas quais essas posições se inscrevem. Chamaremos então, formação discursiva aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada, numa conjuntura dada, determinada. pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.).

A formação discursiva, portanto, “é o lugar da constituição do sentido” (PÊCHEUX, 1997, p.162), sendo governada por uma formação ideológica que, segundo Haroche et. al. (1971 apud ORLANDI, 2003a, p.27):

‘constitui um conjunto complexo de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais mas se reportam, mais ou menos diretamente, às posições de classe em conflito umas com as outras’. Dessas formações ideológicas fazem parte, enquanto componentes, uma ou mais formações discursivas interligadas.

Marcamos que é a ideologia que regula os sentidos possíveis para o sujeito em determinadas condições; que torna possível tanto a naturalização de alguns sentidos, pela força da repetição, quanto os seus deslocamentos, rupturas, através do jogo tenso das relações ideológicas de poder entre os sujeitos e, também, da história. Segundo Orlandi (1997, p.20): “a ideologia se produz justamente no ponto de encontro da materialidade da língua com a materialidade da história.” Sendo assim, a ideologia é o mecanismo que promove evidências, naturalizando alguns sentidos como se eles fossem os mais adequados para falar sobre a realidade. Sob o efeito ideológico de evidência, as palavras e as coisas (a)parecem coladas como se não houvesse outro(s) modo(s) de dizer. Para Pêcheux, a ideologia é o modo de interpelação do indivíduo em sujeito, que ocorre por meio de sua identificação com a formação discursiva que o domina e que o constitui como sujeito:

o funcionamento da ideologia em geral como interpelação dos indivíduos em sujeitos (e, especificamente, em sujeitos de seu discurso) se realiza através do complexo das formações ideológicas (e, especificamente, através do interdiscurso intrincado nesse complexo) e fornece ‘a cada sujeito’ sua ‘realidade’ enquanto sistema de evidências e de significações percebidas-aceitas-experimentadas. (PÊCHEUX, 1997, p. 162)

O conceito de ideologia nos remete, então, ao conceito de sujeito, que é fundamental para a compreensão da teoria do discurso. Pêcheux (1997) nos diz que, para a Análise do

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Discurso, não existe o sujeito individual, empiricamente controlável ou passível de categorizações. Não se trata aqui de levar em conta o indivíduo, sujeito sociológico ou psicológico, mas o sujeito do discurso que, conforme Grigoletto (2005, p.1): “carrega consigo marcas do social, do ideológico, do histórico e tem a ilusão de ser a fonte de sentido.” Não consideramos, portanto, o ser com existência particular no mundo, mas o sujeito discursivo como um efeito de linguagem, marcado pela posição social e ideológica em um dado momento da história e não outro. Inferimos que o sujeito assume uma posição dentre outras, podendo deslocar-se, migrar de uma posição a outra, romper com os sentidos dominantes, sustentá-los para depois rompê-los novamente, enfim, o sujeito movimenta-se em processo de errâncias, visto que ele “funciona pelo inconsciente e pela ideologia” (ORLANDI, 2003b, p.20), não sendo a fonte transparente de seu dizer. Observamos que são as imagens dos sujeitos, resultado de projeções, que funcionam no discurso. Tais projeções permitem passar das situações empíricas (lugares do sujeito) para as posições dos sujeitos no discurso, significadas a partir da exterioridade e da memória discursiva. Através do mecanismo imaginário, são produzidas, além das imagens dos sujeitos, imagens do objeto discursivo. Sendo assim, o jogo de formações imaginárias preside a troca de palavras e constitui as diversas posições que podem ser assumidas pelo sujeito. (ORLANDI, 2003b). É necessário compreender que o esquecimento é estruturante da linguagem, pois dizer corresponde sempre a esquecer outras maneiras de fazê-lo. Dessa forma, os sujeitos formulam e, ao mesmo tempo, apagam o que foi dito para, ao se identificarem com o que dizem, se constituírem em sujeitos de seus discursos. Assim, sujeitos e sentidos movem-se de diversas maneiras, ao mesmo tempo, de um modo sempre outro. Por meio do mecanismo ideológico do esquecimento, que é involuntário, os sujeitos têm a ilusão de que são os donos do seu dizer, de que as suas palavras são neutras e homogêneas, não percebendo as redes de memória nas quais se ancoram para enunciar seus discursos, as formações discursivas sob as quais (re)produzem seu dizer e se constituem como sujeitos assujeitados. Estas ilusões, essenciais para que o sujeito possa enunciar, foram chamadas por Pêcheux de esquecimentos números um e dois:

esquecimento nº. 1, que dá conta do fato de que o sujeito-falante não pode, por definição, se encontrar no exterior da formação discursiva que o domina. Nesse sentido, o esquecimento nº. 1 remetia, por uma analogia com o recalque inconsciente, a esse exterior, na medida em que –como vimos – esse exterior determina a formação discursiva em questão. (PÊCHEUX, 1997, p. 173).

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Concordamos chamar esquecimento nº. 2 ao ‘esquecimento’ pelo qual todo sujeitofalante ‘seleciona’ no interior da formação discursiva que o domina, isto é, no sistema de enunciados, formas e seqüências que nela se encontram em relação de paráfrase- um enunciado, forma ou seqüência, e não um outro, que, no entanto, está no campo daquilo que poderia reformulá-lo na formação discursiva considerada. (PÊCHEUX, 1997, p. 173).

Sobre a relação existente entre os dois esquecimentos e o assujeitamento ideológico, ressaltamos que:

Esses dois esquecimentos estão constitutivamente relacionados ao conceito de assujeitamento ideológico, ou interpelação ideológica, que ‘consiste em fazer com que cada indivíduo (sem que ele tome consciência disso, mas, ao contrário, tenha a impressão de que é o senhor de sua própria vontade) seja levado a ocupar seu lugar, a identificar-se ideologicamente com grupos ou classes de uma determinada formação social. (MUSSALIM, 2001, p.135).

Assim, podemos caracterizar o sujeito discursivo como descentrado e heterogêneo, já que “constituído na interação social, não é o centro de seu dizer, em sua voz, um conjunto de outras vozes, heterogêneas, se manifestam. O sujeito é polifônico e é constituído por uma heterogeneidade de discursos.” (FERNANDES, 2005, p.29). A heterogeneidade, conceito cunhado por Authier-Revuz (1990), corresponde às diversas vozes atravessadas no discurso do sujeito, o que pode ocorrer de forma marcada e mostrada, através do uso de citação, entrevistas, depoimentos etc., ou de forma implícita (heterogeneidade constitutiva), através do retorno permanente ao interdiscurso. O último dos conceitos centrais da AD é o de memória discursiva, que não corresponde à lembrança, esquecimento ou saudade de um tempo findo, nem à memória física, de arquivo, institucionalizada, da qual não esquecemos, mas sim, àquela que é passível de repetições, deslocamentos, rupturas no discurso, sendo afetada pelos esquecimentos do que não pôde ser dito, do que foi apagado em outros contextos sócio-históricos, do que ainda está por dizer como latência de possibilidades. Também é esquecimento no sentido que de, para poder dizer, o sujeito precisa apagar certas palavras e sustentar a ilusão de que nada foi esquecido justamente onde e quando isso mais está posto: no seu dizer no momento da enunciação. Portanto, para nós, memória não é algo estático e engessado pela rigidez do imutável, mas lugar privilegiado de movências e de fraturas. No sentido de perseguir uma construção reflexiva sobre a memória do dizer (PÊCHEUX, 1999), levamos em conta o fato de que o discurso é sempre-já atravessado por vários outros que o precederam e que já estão postos em funcionamento em outros contextos sociais, assim, os sentidos do já-lá podem ser deslocados, rompidos, mantidos ou repetidos.

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Trabalhar com a materialidade lingüística dos discursos encerra flagrar as marcas dessas vozes outras, desse sempre-já-aí que fala antes, percorrendo seus meandros, apontando, tanto quanto possível, as zonas de memória discursiva nas quais os sujeitos ancoraram os seus sentidos e o modo como se inscreveram para poder enunciar. A memória é: o “saber discursivo que torna possível todo o dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o jádito que está na base do dizível sustentando cada tomada da palavra” (ORLANDI, 2003b, p.31), ou seja, o interdiscurso que “disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada” (ORLANDI, 2003b, p.31). Assim, a interdiscursividade é caracterizada pela relação de um dizer com vários discursos que o afetam e que possibilitam, ao sujeito, compor o fio condutor do seu próprio discurso, o intradiscurso que, longe de ser retilíneo e contínuo, é emaranhado de vozes alheias ao sujeito: “o intradiscurso, enquanto ‘fio do discurso’ do sujeito, é, a rigor, um efeito do interdiscurso sobre si mesmo, uma ‘interioridade’ inteiramente determinada como tal ‘do exterior’.” (PÊCHEUX, 1997, p.167). Para compreender os discursos sobre a biblioteca escolar, buscamos discutir o modo como esse estrangeiro assenhora-se do sujeito, instalando, de novo, e de modo sempre outro, sentidos atualizados no momento da enunciação. É importante frisarmos que a incompletude é parte da produção de sentidos, pois “nem o sujeito, nem o discurso, nem os sentidos são completos” (ORLANDI, 2006, p.22). Sendo assim, a incompletude “produz a possibilidade do múltiplo, base da polissemia. E é o silêncio que preside essa possibilidade” (PÊCHEUX, 1997, p.49). O silêncio não se reduz à ausência de palavras, “é a possibilidade do dizer vir a ser outro” (ORLANDI, 1997, p.162), sendo assim, estar no silêncio é estar nos sentidos. Nós não interpretamos o silêncio, mas compreendemos os seus modos de significação, não a partir de marcas formais, mas através de suas pistas, seus ‘traços’. (ORLANDI, 1997). É ainda Orlandi (1997) que nos aponta as formas possíveis de silêncio: silêncio fundador (que existe nas palavras, significando o não-dito e produzindo as condições para significar) e política do silêncio, pela qual temos o silêncio constitutivo, em que todo dizer cala algum sentido necessariamente, e a censura que é a interdição da inscrição do sujeito em formações discursivas determinadas. Para Foucault (2005, p.9) a interdição corresponde a um processo em que “não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa.” Por conseguinte, temos que, sob determinadas condições, alguns sentidos são possíveis e outros não, o que nos leva a refletir sobre a relação

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entre as condições de produção do discurso (a exterioridade) e os dizeres manifestos pelos sujeitos em determinadas posições de poder ou despoder. Segundo Orlandi (2006, p.15):

As condições de produção incluem pois os sujeitos e a situação. A situação, por sua vez, pode ser pensada em seu sentido estrito e em sentido lato. Em sentido estrito ela compreende as circunstâncias da enunciação, o aqui e o agora do dizer, o contexto imediato. No sentido lato, a situação compreende o contexto sócio-histórico, ideológico, mais amplo. Se separamos contexto imediato e contexto em sentido amplo é para fins de explicação, na prática não podemos dissociar um do outro, ou seja, em toda situação de linguagem, esses contextos funcionam conjuntamente.

Para analisarmos os discursos sobre a biblioteca escolar, é importante que conheçamos as condições de produção dos mesmos e, também, a sua especificidade, cujo critério de definição é, justamente, a exterioridade, a relação entre os interlocutores e o referente. (ORLANDI, 2003a). Por meio desta especificidade, o discurso em funcionamento pode ser lúdico, autoritário ou polêmico, em que: “ [...] o lúdico tende para a polissemia, o autoritário tende para a paráfrase, o polêmico tende para o equilíbrio entre polissemia e paráfrase” (ORLANDI, 2003a, p.155). Dentre estas três categorias, destacamos a do discurso autoritário que está presente, frequentemente, nos discursos científicos, oficiais, escolares e midiáticos, e que se configura como “algo que se deve saber”, um discurso do poder que é enunciado por sujeitos autorizados a tomar a palavra. Por fim, cabe observarmos que compreendemos e analisamos os recortes dos enunciados segundo a perspectiva discursiva, embora considerando a importância de se trabalhar com documentos nas áreas da Ciência da Informação, Arquivologia e História. O documento é configurado como sendo tanto uma informação registrada (BELLOTTO, 2002; LÓPES YEPES, [2002]), quanto um monumento, uma construção social. Para a Análise do Discurso, os documentos materializam um ou mais discursos, carregando em suas linhas toda uma rede de memória, que suscita muito mais do que uma leitura literal do texto, mas a especulação do que está posto em discurso na materialidade lingüística do texto, nos enunciados manifestos na cadeia significante. Uma visão reducionista ainda muito comum, decorrente do pensamento positivista, corresponde à concepção do documento como prova, verdade absoluta, dotado de neutralidade. Este ponto de vista está presente em algumas características atribuídas aos documentos e que, supostamente, lhe confeririam o valor probatório, a saber, imparcialidade, autenticidade e naturalidade que são mencionadas por Bellotto (2002), em seu estudo sobre os

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documentos arquivísticos, mas que são frequentemente atribuídas aos demais tipos de documentos. Criticamos tais princípios, a partir da teoria da AD, visto que a produção e circulação dos documentos é sempre regulada e constituída por mecanismos ideológicos; que os documentos não são dotados de exatidão, de unicidade, nem de uma completude de sentidos na qual a historicidade se apaga e as outras vozes desaparecem. Tal visão é compartilhada por pesquisadores de outras áreas, como o historiador Le Goff (1984, p.103), para quem “o documento não é inócuo [...] o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente [...] no limite, não existe um documento-verdade.” Trabalhar com o registro, o arquivamento, a organização de documentos comumente reclama a consideração de algo mais do que uma relação termo a termo com a linguagem, ou seja, considerar que sempre intervem relações sócio-históricas e ideológicas na forma como os sujeitos ordenam e nomeiam documentos significa compreender esse processo como discursivo. O conceito de memória perpassa os documentos, tanto pela AD que aponta a memória constitutiva do dizer, quanto pela História que os considera materiais de memória (social). Tais concepções podem ser relacionadas. Segundo Le Goff (1984, p.95), os “materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador.” O documento considerado como monumento constitui uma acepção mais ampla do termo e uma possível relação com a AD:

Pensar o texto em seu funcionamento é pensá-lo em relação ás suas condições de produção, é ligá-lo a sua exterioridade. Esta ligação, no entanto, não coloca o texto como um documento no qual veríamos ilustrados os sentidos já constituídos em outro lugar, mas como monumento, como diria Foucault, em que a própria textualidade traz nela mesma sua historicidade, isto é, o modo como os sentidos se constituem, considerando a exterioridade inscrita nela e não fora dela. (ORLANDI, 2006, p.16)

Segundo Freire (1997, p.98), “os monumentos atuam sobre a memória, recebendo significados que vão além daqueles pelos quais foram criados.” Para a teoria do discurso, é a memória que atua na constituição dos múltiplos sentidos dos documentos, sustentando-os através de um já-dito. Sendo assim, a significação do documento é interpretada por um sujeito-leitor que se insere em um contexto sócio-histórico-ideológico e que possui acesso a um interdiscurso. Certeau (1994) se aproxima desta concepção, ao dizer que o texto só tem

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sentido a partir de seus leitores e dialoga, também, com Le Goff (1984), para o qual o documento nunca é puro, inocente, ou seja, os sentidos não estão colados às palavras. Ressaltamos que, ao consideramos que algumas concepções não-discursivas de documento são simples e reducionistas, não estamos anulando-as, mas sim, propondo que, além delas, e de seu aspecto físico, seja pensada a injunção ideológica de constituição do documento.

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3. BIBLIOTECA ESCOLAR: UM LUGAR DE VÁRIAS VOZES

GONSALVES, Rob. Written Worlds. FONTE: .

A biblioteca era o mundo colhido num espelho; tinha a sua espessura infinita, a sua variedade e a sua imprevisibilidade. Jean Paul Sartre

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Neste estudo sobre a biblioteca escolar, não pretendemos confeccionar um manual, apontando apenas a maneira como esta instituição deve constituir e desenvolver suas atividades. É inegável que os processos referentes à aquisição e seleção de materiais, ao tratamento físico e temático da informação e ao atendimento aos sujeitos-leitores da biblioteca são fundamentais para o bom funcionamento e aproveitamento dos recursos e serviços disponibilizados pela mesma. Tais temáticas devem ser pensadas, debatidas e aprimoradas, entretanto, ressaltamos que é importante que haja espaço para que outras discussões ocorram, visto que é inviável pensar em condições ideais de funcionamento, quando a biblioteca, na maioria das escolas brasileiras, resume-se a um inerte amontoado de livros. Sendo assim, buscamos construir um percurso reflexivo que signifique a biblioteca através das falas dos sujeitos, que busque conhecer as condições sócio-históricas que afetam os discursos produzidos sobre tal instituição e que investigue as práticas que foram se desenvolvendo ao longo de seu percurso na história brasileira. A trajetória das bibliotecas escolares do Brasil foi e, talvez ainda seja, marcada, infelizmente, por um histórico de abandono, breves períodos de desenvolvimento, práticas coercitivas, ações isoladas e, por muitas vezes, equivocadas. De instituição-suporte às atividades catequéticas a instrumento para campanhas de governos “solidários” e “competentes”, as bibliotecas escolares foram silenciadas, tanto através da censura, quanto do esvaziamento do seu significando: biblioteca escolar passou a ser sinônimo de acervo de livros e esta relação ainda é largamente difundida. Ressaltamos que há, sim, diversas exceções nas quais temos bibliotecas escolares dignas de serem assim denominadas e ocuparem um lugar de destaque em sua escola; todavia, isto ocorre, na maior parte das vezes, na rede de ensino particular. Quando tais ações são implantadas nas escolas públicas, geralmente, são resultado de iniciativas de terceiros. Este quadro nos leva a pensar que o abandono e as dificuldades são hegemônicos, e a enunciar de forma aparentemente pessimista. Marcamos que nossa fala não é guiada pela ausência de otimismo ou falta de palavras de incentivo, mas sim, pelo reconhecimento de que entender os problemas vividos pelas unidades de informação escolares é o primeiro passo para se intervir em sua realidade, deslocando os sentidos aparentemente oficiais e dominantes. E é na tentativa de conhecer essa realidade das bibliotecas escolares (a exterioridade que afeta a construção do seu imaginário) que apresentamos, a seguir, um breve relato sobre sua trajetória e outras questões relacionadas. O caminho que as bibliotecas percorreram, ao longo dos séculos, foi marcado por restrições, silêncio e ações provenientes de interesses de classes dominantes, representadas

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pelos reis, estadistas, membros do clero, etc. Neste contexto, a biblioteca era vista como um sinônimo de poder, seu acesso conferia status, uma posição social privilegiada:

O investimento humano na construção desses espaços é determinado por relações sociais, em que os lugares de posse eram reservados a determinados círculos, fechados e dominantes, posto que não eram todos que dispunham de autorização e poder para adentrar o mundo dos livros e dos acervos. A base de sustentação de tais círculos só pode ser compreendida na distribuição desigual de saberes e poderes. Apenas alguns eleitos debruçavam-se sobre os materiais guardados, assim, a marca de pertencimento a determinado grupo ou classe social era a senha para o acesso ao espaço físico e imaginário da leitura. A biblioteca, local já falado no Egito como: ‘o tesouro dos remédios da alma’, não se apresentava aberta aos escravos, plebeus e analfabetos. (ROMÃO, 2006, p.1)

Como vimos, a biblioteca escolar seguiu os mesmos passos e, desde o seu início, deixou do lado de fora de sua porta um grande número de excluídos. Contudo, a presença da biblioteca escolar no Brasil, há pouco mais de 400 anos, foi o estopim para a constituição de bibliotecas: “segundo consta, a primeira biblioteca brasileira foi justamente uma biblioteca escolar, a biblioteca do Colégio da Bahia, criada em 1598, no início do período colonial do Brasil.” (NASCIMENTO, 2006, p.13). Sendo assim, desde que os jesuítas instituíram os primeiros sistemas de ensino, têm-se notícias de bibliotecas, que serviram de suporte às atividades docentes e catequéticas. (CASTRO, 2003). No Brasil Colônia, a formação intelectual estava nas mãos da Igreja, que confeccionou os primeiros materiais didáticos, nos quais difundia a sua verdade, disposta em dizeres a serem tomados como prova de verdade; inquestionáveis. Segundo Silva (2004b, p.4-5): “as obras que constituíam os acervos gerenciados pela igreja eram fundamentalmente litúrgicas ou tendiam a confirmar a interpretação dos fatos defendida por esta instituição”. Tais materiais eram copiados à mão, devido à falta de recursos. Castro (2003, p.65) aponta a censura, a precariedade de recursos e atividades, e a falta de políticas que acompanham as bibliotecas desde seu início:

Pela escassez de livros na Colônia e as dificuldades financeiras da Companhia de Jesus os acervos das bibliotecas dos colégios eram ‘esmolados’, isto é, doados à biblioteca quando da morte de algum padre. Esta dificuldade inviabilizava qualquer tipo de empréstimo aos escolares, pois acreditavam que ‘para arruinar-se em pouco tempo uma biblioteca, basta emprestar os livros’ (MORAES, 1979). Esse fato propiciou a ordenação, em 1589, de todos os livros existentes nas bibliotecas dos colégios’ [...] Esse controle não se dava somente para evitar danos e furtos, mas, principalmente, para se saber quais livros deveriam ser lidos pelos alunos.

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Sendo assim, o contato com o acervo era, muitas vezes, dificultado, chegando-se a proibir o acesso a obras não recomendadas, o que instala um modo de produção, constituição e circulação dos sentidos dominantes, que deveriam ser repetidos e mantidos como únicos. (ORLANDI, 2003b). A este processo de exclusão, acrescenta-se o grave problema do analfabetismo que atingia grande parte da população. A falta de acesso à biblioteca escolar era intrínseca à exclusão do sistema educacional:

enquanto a educação era um instrumento elitista destinado apenas ao enriquecimento cultural da pequena classe abastada e a instrução de toda a população não era do interesse dos governantes, a biblioteca constituía um instrumento de luxo, muitas vezes sem função. Seu acervo era compromissado com o enriquecimento cultural do estudante de acordo com o que então era considerado como cultura, que por sua vez era talhada nos moldes europeus. (SILVA, 2004b, p.5).

Essas, quase inacessíveis, bibliotecas de cunho religioso “sobreviveram até Pombal, que em 1759 desmantelou toda a rede de ensino jesuítico, expulsando os padres do Brasil”. (SILVA, 2004b, p.5). Segundo Castro (2003), após a expulsão dos jesuítas, os colégios são fechados e, com isso, as bibliotecas desaparecem. Esta situação só irá mudar com a instalação da corte portuguesa no Brasil, em 1808, e com as decorrentes instalação da Impressa Régia, expansão da oferta de ensino primário e secundário, criação da Biblioteca Nacional e dos primeiros cursos superiores no Brasil, que marcam a ampliação das bibliotecas escolares, cujos responsáveis por sua criação e zelo eram, geralmente os professores. Silva (2004b, p.5) nos conta como, neste período, a biblioteca passou a ser um instrumento de dominação política:

O estabelecimento da Corte no Brasil acarretou mudanças no panorama cultural ligadas, principalmente, à necessidade de criação de instituições que garantissem a difusão de valores no sentido de estimular a obediência de todos ao governo recéminstalado no Brasil. Visava-se estabelecer uma nova forma de dominação, assegurando-se a continuidade do poder e da tradição. (KOSHIBA & PEREIRA, 1987) Iniciava-se na história do Brasil uma prática que mais tarde tornar-se-ia comum: utilizar instituições culturais e principalmente a educação para exercer dominação.

Ressaltamos que esta dominação pôde ser melhor observada nos períodos ditatoriais brasileiros, quando novamente alguns arquivos passam a circular como únicos possíveis a serem ditos e passam a sustentar a monofonia, ou seja, apenas uma voz em relação ao poder, nestes casos, a voz da autoridade religiosa e, depois, a militar.

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Após o término do período colonial, com a independência do Brasil, a educação estendeu-se a uma parte um pouco maior da população brasileira e tiveram início, na metade do século XIX, as discussões sobre a necessidade de bibliotecas apropriadas às escolas:

Nesse sentido, o final do século XIX e o século XX trouxeram importantes e definitivas alterações tanto comportamentais quanto conceituais que suscitaram reflexões à cerca do objeto educação, entendido como fato social. Estas reflexões originaram novas formas de se entender e se praticar o ensino. Uma dessas formas foi posteriormente tida como tradicional. Durante a vigência do conceito tradicional de educação, na qual só era valorizada a habilidade cumulativa e repetitiva do aluno, que, por sua vez, era tido como um recipiente vazio à espera de conteúdo, a biblioteca escolar era tida como um depósito de livros, cuja única função permitida era a de reproduzir a ação repressora e unilateral exercida em sala de aula. (SILVA, 2004b. p.6).

Castro (2003) afirma que as bibliotecas da Primeira República (período que abrange da Proclamação da República, em 1889, até o Golpe de 1930 que levou Getúlio Vargas ao poder) não se constituíram mérito do governo, mas de alguns professores idealistas que lutaram para fazer vingar a idéia de biblioteca. As bibliotecas, neste período, continuaram sofrendo com a falta de materiais bibliográficos e a concepção de que seriam, apenas, um estoque de materiais. Na década de 1930, com o movimento “Escola Nova”2, surgiram discussões que valorizaram a biblioteca, assumindo-a como essencial para a Educação. Entretanto, a breve movimentação em torno da biblioteca escolar foi encerrada no Estado Novo (período da ditadura varguista, de 1937 a 1945). O Estado Novo, segundo Castro (2003), foi marcado, principalmente, pela censura e pelo estabelecimento de uma política assistencialista de distribuição de livros às escolas e às bibliotecas públicas, através do Instituto Nacional do Livro (INL) que “assume o papel de disseminador, produtor, coordenador das políticas para as bibliotecas escolares e públicas.” (CASTRO, 2003, p.68). Enquanto censuravam os livros julgados como sendo portadores de ideologias ‘subversivas’, exaltavam (distribuindo-os) aqueles que abordavam os valores morais e patrióticos que teriam que ser inculcados na população, como forma de dominação disfarçada em ações caridosas de um “bom governo” que “cuida” da população, levando a cultura até ela. Segundo Romão (2007, p.4):

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Movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa, na América e no Brasil, na primeira metade do século XX. O escolanovismo desenvolveu-se no Brasil sob importantes impactos de transformações econômicas, políticas e sociais. Este movimento acredita que a educação é o exclusivo elemento verdadeiramente eficaz para a construção de uma sociedade democrática, que leva em consideração as diversidades, respeitando a individualidade do sujeito, apto a refletir sobre a sociedade e capaz de inserir-se nessa sociedade. (HAMZE, c2007)

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o INL estabeleceu determinados pacotes de livros e espalhou-os pelas cidades brasileiras, acreditando que essa ação criaria o gosto pela leitura, tornando as bibliotecas municipais irreversíveis. Ao Estado coube a escolha dos livros, às cidades torná-los disponíveis e aos cidadãos, lê-los [...] A distribuição de livros nesses espaços do interior fez com que eles se depositassem em locais, na maioria das vezes distantes do público, guardados por autoridades e reservados a uma clausura marcada pelo abandono e silêncio.

Sendo assim, tais políticas assistencialistas não contribuíram nem para a formação de leitores, nem para a constituição de verdadeiras bibliotecas. Diante deste quadro, não podemos deixar de comparar estas políticas praticadas na década de 1930 com as que estão, atualmente, em vigor. Os resultados de ambas são diferentes? Ao que tudo indica, não. Após o fim da ditadura de Vargas, com a redemocratização do Brasil:

crescem os movimentos populares, aumenta a oferta de cursos gratuitos de jovens e adultos e a defesa de escola pública que culminou com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 4024/61 (RIBEIRO, 2000, p.47) [...] no bojo desse processo de redemocratização do país, na promoção da cultura e da educação popular, o diálogo entre biblioteca e escola reacende, alicerçado na Pedagogia Libertadora freireana. (CASTRO, 2003, p.68).

Há, assim, um novo período de florescimento das bibliotecas que será interrompido, novamente, pela instauração de uma ditadura, desta vez, mais rigorosa e coercitiva: a ditadura militar que se voltou para “a acomodação e para a alienação sócio-informacional, igualandose ao período ditatorial de Vargas” (CASTRO, 2003, p.69), e vigorou, no Brasil, de 1964 a 1985. Houve também, neste período, a política de distribuição de livros, por meio do Programa Nacional do Livro Didático que visava adquirir livros das editoras e distribui-los para as bibliotecas escolares e universitárias. Este programa era coordenado, principalmente, pela COLTED (Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático) que serviu muito mais para ampliar os lucros das editoras do que para dotar as escolas e bibliotecas de recursos bibliográficos necessários ao processo de ensino e aprendizagem. Esse fato fez com que os observadores internacionais solicitassem ao governo federal a sua extinção, em 1971. Foi na década de 1970 que a censura mostrou-se mais agressiva:

Censura que rastreia o que deveria ser lido, estudado ou pesquisado, da educação infantil à educação superior. O Decreto 1077, de 6 de janeiro de 1971, do Ministro Alfredo Buzaid, determinava que a divulgação, leitura e acesso a livros e periódicos (nacionais e estrangeiros), em todos os níveis de ensino e em todas as bibliotecas, ficariam subordinados à verificação prévia da Polícia Federal a quem caberia analisar a existência de material ofensivo à moral e bons costumes. (CASTRO, 2003, p.69-70).

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Neste período ditatorial, fortaleceram-se algumas concepções e atividades escolares que serviram para deturpar, ainda mais, o conceito da função que a biblioteca escolar deveria exercer, dentre elas, destacamos duas. A primeira referia-se à vigência do conceito utilitarista que considerava educação apenas como um instrumento de formação de mão-de-obra, induzindo um processo educativo extremamente rígido, vazio e controlador, que não levava em conta a formação intelectual dos alunos. (SILVA, 2004b). A segunda concepção dizia respeito às atividades praticadas na escola e nas bibliotecas e teve início com a implantação de uma lei federal que instituía a pesquisa escolar obrigatória, o que:

levou milhões de crianças e adolescentes às bibliotecas à cata de algum texto que, reproduzido, poderia atender à expectativa de professores [...] Na época, crianças debruçavam-se sobre volumes de coleções como Tesouro da Juventude para encontrar um texto sobre folclore brasileiro ou faziam longas consultas a trechos de enciclopédias como a Barsa ou a Britânia a fim de copiar, em folhas de papel almaço, definições sobre clima e relevo: por mais que tais cenas pareçam distantes no tempo, elas inscrevem uma historicidade sobre o tema, atualizando sentidos e dialogando com o modo como a biblioteca é falada hoje, a saber, local de consulta, pesquisa escolar e, não raro, cópia de textos lidos. (ROMÃO, 2007, p.5).

O problema não está em se fazer pesquisas escolares, mas na forma como elas foram instituídas e na maneira infrutífera como eram realizadas, a partir de uma lógica utilitarista em que pese o efeito de dever e em que seja silenciado o de prazer. Inferimos que a repressão, a adoção de políticas equivocadas e a exclusão que rondaram a biblioteca escolar, desde sua implantação no Brasil, deixaram marcas profundas que ainda podem ser observadas nas práticas desenvolvidas nas escolas e nas falas dos sujeitos escolares, como explica Romão (2007, p.6):

Dar livros para as cidades (bibliotecas escolares, clubes, museus, etc) e ordenar que alunos, em fase escolar, façam pesquisas em bibliotecas compuseram a base histórica sobre qual deitaram-se e deitam-se as várias formulações sobre os discursos que circulam hoje a respeito de biblioteca escolar [...] desconsiderando que os poderes são distribuídos de maneira desigual na nossa sociedade e que apenas uma distribuição material (seja do que for) não supre a assimetria de poderes e de saberes socialmente constituídos.

Segundo Castro (2003, p.70), com o lento processo de abertura política, a partir da década de 80:

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o diálogo entre ensino e biblioteca não reacendeu da mesma maneira quando do término dos períodos ditatoriais anteriores. Projetos desconexos e sem continuidade têm sido engendrados pelo Estado, o que nos autoriza a afirmar que, no âmbito governamental, não há qualquer ação efetiva para o fortalecimento do diálogo entre ensino e biblioteca. Através de um discurso pseudo-moderno vivencia-se, atualmente, uma deturpação do conceito de ensino, de escola e de biblioteca, agora traduzido sob o binômio máquina-informação.

E é este o contexto em que estão inseridas, atualmente, as bibliotecas de escolas públicas, o que é importantíssimo para nós como analistas de discurso, posto que consideramos que os discursos são datados sócio-historicamente e determinados por relações materiais de força, de disputas e de tensões advindas das formações sociais. Após esta explanação, pudemos observar como a constituição das bibliotecas esteve e está relacionada às condições sócio-histórico-culturais, à história da educação no Brasil e às diversas concepções a respeito de ensino e biblioteca.. Estas condições afetam não apenas a formação e desenvolvimento de bibliotecas, mas também, os discursos que foram produzidos sobre esta instituição, ao longo do tempo, e que são retomados, atualmente, por sujeitos que se “esquecem” de que seus enunciados já foram ditos e reditos muitas vezes, presos em uma rede de paráfrases, já que “falar é incorrer em tautologias”. (BORGES, 2001, p.99). Após compreendermos o processo pelo qual passou a biblioteca escolar brasileira, é necessário falarmos como nós entendemos esta instituição. Nossa visão é um pouco diferente do que se revelou na trajetória que apresentamos. Ao longo do tempo, a biblioteca escolar foi concebida de diversas formas. Ao priorizarem o aspecto físico, seus recursos materiais, as atividades realizadas em seu ambiente ou as pessoas que o movimentam, os conceitos sobre a unidade de informação escolar refletem a importância que ela recebeu no decorrer do tempo, assim como, o modo como ela se constituiu e atuou na escola e sociedade. Este imaginário construído para a biblioteca escolar será discutido mais adiante, mas julgamos pertinente apresentar a nossa concepção de uma verdadeira biblioteca escolar, de como ela deveria ser, visto que, na maioria das escolas brasileiras, encontramos um panorama bem diferente. Quando, para enunciar sobre a biblioteca escolar, nos filiamos à uma destacada vertente do discurso científico que a aponta como um importante órgão da escola, não estamos adotando uma postura ingênua e acrítica em relação a estas bibliotecas, mas sim, reconhecendo o papel esperado para as mesmas, ao mesmo tempo em que se reflete, se procura entender as causas dos graves problemas enfrentados e se pensa sobre as formas de reverter tal situação. Consideramos, em consonância com o Manifesto...(1999, p.2), que uma verdadeira biblioteca escolar é “parte integral do processo educativo”, não sendo apenas um apêndice,

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um complemento das aulas, mas sim, um espaço de ação pedagógica (CAMPELLO, 2002), no qual devem circular diferentes discursos. Ao ser entendida desta forma, a unidade de informação escolar ganha importância, chamando a atenção, suscitando parcerias e ampliando, com mais qualidade, suas atividades e serviços. Além de seu importante papel no processo de ensino/aprendizagem, não podemos esquecer que a biblioteca escolar propicia um ambiente agradável para o despertar da criatividade, para a leitura sem compromisso, para o prazer em/de ler, para a emergência de diversos modos de o sujeito significar a si mesmo e ao mundo. Em relação ao acervo das bibliotecas escolares, conferimos-lhe um papel menos estático ao não considerá-lo um estoque de material bibliográfico e, muito menos, uma representação, síntese da biblioteca. Preferimos considerar que o acervo representa a troca e o compartilhamento de conhecimentos realizados na biblioteca escolar: “a biblioteca constituise em um lugar de encontro e intercâmbio dos saberes professados e dos produzidos por gerações passadas e atuais, em diferentes contextos, armazenados em diferentes meios e transmitidos por diversificados canais.” (CASTRO, 2003, p.64). Sob esta ótica, a conservação do acervo não seria um fim em si mesmo, o que é confirmado por Baratin e Jacob (2000, p.9, grifos nossos):

uma biblioteca é também o teatro de uma alquimia complexa em que, sob o efeito da leitura, da escrita e de sua interação, se liberam as forças, os movimentos do pensamento. É um lugar de diálogo com o passado, de criação e inovação, e a conservação só tem sentido como fermento dos saberes e motor dos conhecimentos, a serviço da coletividade inteira.

Através do oferecimento de um acervo variado, há o enriquecimento da aprendizagem e uma menor dependência do livro didático, que é frequentemente tomado como única fonte de informação. Segundo Carvalho (1980, p.201): “os alunos só terão oportunidade de formar um espírito crítico e de tirar suas próprias conclusões se a biblioteca lhes oferecer obras que reflitam pontos de vista diferentes sobre temas variados, abordados em vários níveis de profundidade.” Para que isto ocorra, é preciso haver uma interação entre o que é realizado na biblioteca e na sala de aula, fazendo-se imprescindível o diálogo entre o profissional da informação e os professores. Do ponto de vista discursivo, o acervo pode ser compreendido como o arquivo (PÊCHEUX, 1982, p.57), ou seja, como “campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão”. Isso implica considerar que se vários documentos estão disponibilizados para os sujeitos-leitores e se a eles é dada a possibilidade de ler e interpretar, a biblioteca escolar pode se constituir, funcionar e fazer falar o múltiplo.

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Frisamos que essa heterogeneidade do acervo inclui não apenas um vasto número de obras abrangendo diversas perspectivas, mas também, distintos suportes de informação. Sendo assim, ao contrário do que ainda se acredita, o acervo da biblioteca escolar não se resume aos livros. Uma boa biblioteca procura fazer com que seus leitores tenham contato e saibam lidar com diversos tipos de materiais, preparando-os para viver em um novo contexto. Com as necessidades exigidas por uma sociedade em que a informação e o conhecimento ganham cada vez mais destaque, marcamos que a biblioteca escolar é chamada a exercer novas funções, dentre elas, a de desenvolver, nos alunos, a competência informacional (information literacy) que é um conjunto de habilidades específicas para lidar, localizar, e interpretar a informação. (CAMPELLO, 2002). É importante frisarmos que tais capacidades nos remetem não a uma forma mecânica, tecnicista e controlada de lidar com a informação, mas sim, a uma ferramenta que auxilie o aluno na construção de um percurso de aprendizagem mais criativo e plural. Exercendo este papel, a biblioteca escolar estará estimulando o aluno a buscar sempre o conhecimento, a adotar uma postura mais independente e crítica, preparando-o, assim, para a futura utilização das bibliotecas públicas, universitárias, bem como, para um mercado de trabalho cada vez mais exigente:

Para se preparar para as atuais complexas condições de trabalho o estudante tem que desenvolver a capacidade de aprender continuamente: precisa ter autonomia na sua relação com o conhecimento, isto é, deve conhecer suas próprias necessidades de informação e saber como obtê-la e utilizá-la para atender a seus propósitos” (KUHLTHAU, 2004, p. 10).

As diversas atividades lúdicas, de cunho educativo e cultural, realizadas nas bibliotecas escolares, são importantes para atrair e cativar os alunos, transformando seu ambiente em um lugar prazeroso e alegre, contribuindo para que esta nova forma de lidar com o conhecimento seja realizada de forma natural, desvencilhada do peso das obrigações escolares, das avaliações e outros instrumentos pedagógicos que afugentariam os alunos. Neste contexto, o profissional atuante na biblioteca passa a ser um mediador que promove um diálogo entre a biblioteca, leitura e a escola, entre os documentos e o aprendizado dos alunos, sendo um elo entre a informação, o conhecimento e a elaboração deles. Ressaltamos que, sem a integração entre os sujeitos que circulam nesse espaço, a biblioteca escolar se torna um vazio inútil, descaracterizada. Consideramos que esta instituição é:

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um espaço vivo e atuante de que o usuário deve usufruir em toda sua potencialidade [...] constitui-se em lugar onde oportunidades de experiência cultural podem ser criadas. Ela tem diferentes papéis a cumprir, não devendo, portanto, estar isolada da escola devendo, ao contrário, interagir com a escola, comunidade e com o meio social. (VIANA; CARVALHO; SILVA, 1998, p.19)

Todas as ações desempenhadas em uma biblioteca escolar devem se voltar para as necessidades dos alunos, professores e toda a comunidade escolar, criando um ambiente de troca, ou seja, “um espaço de criação e de compartilhamento de experiências, um espaço de produção cultural em que crianças e jovens sejam criadoras e não apenas consumidoras de cultura.” (CAMPELLO, 2002, p.22). Mais ainda, um espaço discursivo em que todos estes sujeitos possam construir sentidos sobre a linguagem e o mundo, em que as páginas dos impressos e as telas eletrônicas possam ser permanentemente ressignificadas por outros sentidos em movimentos espiralados de manutenções ou deslocamentos. Por fim, consideramos que a biblioteca escolar é um espaço de circulação de diferentes sujeitos e discursos que se cruzam e atravessam no processo de produção de sentidos na escola. Concebendo a biblioteca a partir de sua heterogeneidade, os profissionais da informação podem desenvolver um trabalho muito mais produtivo e, nós, podemos construir novos gestos de interpretação. A nossa concepção de biblioteca escolar tem como base o reconhecimento de sua importância, e não poderia ser diferente, já que esta instituição sempre esteve presente em nossas vidas. O imaginário que atribuímos a ela começou a ser construído em nossa infância, no momento em que tivemos nossa primeira experiência com a palavra escrita no contexto escolar, quando geralmente alguma atividade dirigida de leitura e contação de histórias é inscrita na rotina ou na pauta escolar. Na atual conjuntura, percebemos este contato como uma forma de inserção na sociedade do conhecimento: “la biblioteca escolar es para los alumnos la puerta de entrada a la sociedad del conocimiento y de la información.” (FUENTES ROMERO, 2006, p.30). Sob esta perspectiva, a existência e o bom funcionamento de bibliotecas escolares não seria apenas desejável, mas sim, primordial, na medida em que “a posse do conhecimento por um indivíduo pode definir a sua colocação na escala social.” (MILANESI, 2002, p.53). Sendo assim, a relevância da biblioteca, para os sujeitos-escolares, ultrapassa os muros da escola, repercutindo ao longo de suas vidas, ao ser “a ponte natural entre educação formal e sociedade” (VIANA; CARVALHO; SILVA, 1998, p.25). Para que a biblioteca tenha sua importância reconhecida por todos, é necessário que a comunidade a perceba como um “centro educacional e cultural, isto é, como um espaço que oferece serviços para todos” (FURTADO, 2004, p.8), afastando a imagem de uma biblioteca

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inalcançável e restrita, que há tempos povoa o imaginário popular. A realização de programas culturais dirigidos não só à comunidade escolar, mas também, ao seu entorno, contribui para a valorização da biblioteca. Segundo Furtado (2004, p. 9):

A biblioteca escolar deve, cada vez mais, ampliar seu raio de atuação, extrapolar os limites do seu espaço físico, ir ao encontro de seu usuário potencial, se fazer uma instituição presente na comunidade. As atividades educativas e culturais funcionam com esse objetivo, além de atuarem também como promoção e divulgação da própria biblioteca.

Para que a unidade de informação escolar possa exercer as funções já citadas e se constituir verdadeiramente como uma biblioteca, são necessários alguns elementos-chave: um deles, é o profissional da informação. Viana, Carvalho e Silva (1998, p.27) destacam sua relevância:

A biblioteca reflete a imagem do bibliotecário. Do layout à programação, tudo depende do ritmo que o bibliotecário dá ao ambiente. Toda a interação com a escola está sob sua responsabilidade, e isto inclui o respeito e o prestígio da biblioteca junto à instituição de ensino. O trabalho em equipe será a chave do funcionamento da biblioteca. O bibliotecário deve tornar perceptível o seu trabalho, interagindo ativamente com professores e estudantes, promovendo eventos e alimentando a criatividade. Os profissionais nas bibliotecas escolares devem, também, possuir conhecimento específico das matérias trabalhadas na escola, utilizar e divulgar todas as fontes de informação existentes.

A importância do profissional da informação é realmente muito grande, mas inferimos que ele não é o único responsável pela integração biblioteca-escola, já que a direção da escola e os seus professores também precisam buscar uma inserção da biblioteca no cotidiano escolar. Tomamos aqui o profissional da informação como sujeito discursivo, ou seja, como uma posição de mediação do contato com o acervo e com a leitura, como voz de autoridade a desenhar possibilidades de aproximação ou interdição dos sujeitos escolares. Outra questão de extrema importância em relação à configuração da biblioteca escolar diz respeito à sua constituição legal. Segundo o Manifesto...(1999, p.2): “A responsabilidade sobre a biblioteca escolar cabe às autoridades locais, regionais e nacionais, portanto, deve essa agência ser apoiada por política e legislação específicas.” Observamos que há uma ineficácia, não-cumprimento e, até mesmo, inexistência de legislações que regulamentem, de forma adequada, a biblioteca e o trabalho do bibliotecário escolar. Esta situação reflete na carência de recursos, dificultando o trabalho da biblioteca, e fazendo com que esta instituição dependa da boa vontade de pessoas que acreditam em sua importância. As conseqüências desse

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descaso podem ser ainda piores, na medida em que grande parte das escolas públicas não conta com uma biblioteca e, muito menos, com um profissional da informação. O reconhecimento legal da biblioteca escolar, de suas atribuições, do profissional habilitado para atuar em seu ambiente, da verba a ser destinada, e de outros aspectos relacionados, é imprescindível para a sua real existência, cabendo aos profissionais da informação, promover discussões e ações que viabilizem tal reconhecimento. Com o respaldo da lei e a consideração das obrigações do governo, a biblioteca pode desempenhar de forma mais ampla as suas funções e cobrar, mais facilmente, as autoridades, quando necessário. Ao desempenhar as três funções que lhe são freqüentemente atribuídas pela literatura científica, a saber, função social, cultural e educativa (SILVA, 2004a), a biblioteca escolar poderá ser entendida a partir de uma nova concepção, que se aproxima da nossa: a de um centro de informação e cultura que é formado por vários tipos de documentos e diferentes suportes informacionais (CAMPELLO, 2002) e que oferece diversos serviços e produtos especializados, direcionados aos seus usuários. Este novo modelo de biblioteca escolar está relacionado, na literatura científica, ao CRA, cujo desenvolvimento foi impulsionado pelas mudanças decorrentes do surgimento de uma “sociedade do conhecimento”, que tem propiciado a adoção de novos modelos educativos, nos quais, há uma relação diferente com a aquisição do conhecimento e, consequentemente, com a biblioteca: “La sociedad del conocimiento reclama uma reorientación en el modelo de biblioteca escolar que la transforme en centro de recursos para el aprendizaje (en adelante CRA) y la convierta en el componente esencial en la educación” (CUEVAS CERVERÓ, 2007, p. 164). Em consonância com a concepção que apresentamos, este novo modelo de biblioteca, o CRA, propõe que às tradicionais funções da biblioteca escolar, sejam acrescentadas outras, sendo assim:

enriquece la noción tradicional de BE al definirse como un nuevo espacio educativo dinámico, no mero gestor de recursos educativos, sino ámbito para uma metodologia didáctica activa, interdisciplinar y adaptada a la diversidad de entornos y aprendizajes; centro suministrador, organizador de saberes y potenciador del autoaprendizaje, no complemento del curriculum acadêmico, sino parte integrante de él. Un espacio-entorno para la formación, la información, el entretenimiento, el intercambio y el conocimiento. (CUEVAS CERVERÓ, 2007, p. 178).

Sob esta nova ótica, afirma Milanesi (2002, p.77): “a biblioteca para exercer a sua função, deixa de ser o acervo milenar passivo e passa a ser um serviço ativo de informação”. Neste contexto, mais do que exercer um restrito serviço assistencialista de entrega de livros

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pré-selecionados, a biblioteca escolar deveria assumir verdadeiramente a sua função sócioeducativa. Indo de encontro à visão que lhe confere a condição de estoque estático de conhecimento, a biblioteca deve constituir-se como um ambiente convidativo e agradável, um espaço aberto, de interação social, menos repressor e sombrio, mais cheio de cores, sons e movimento, para que os alunos sintam prazer em freqüentá-la. Sob esta perspectiva, a criatividade e o senso crítico estariam aptos a desenvolver-se, colaborando para um melhor aprendizado. Inferimos que se afastar da retrógrada concepção de que a biblioteca escolar é um depósito de livros estagnado e limitado é o primeiro passo para mudar a situação calamitosa em que se encontra grande parte das bibliotecas das escolas brasileiras, e que as acompanha, como vimos anteriormente, desde seu início. Antes de pensarmos na difícil situação encontrada nas bibliotecas escolares, temos que lembrar que ela se insere em um panorama mais amplo, no qual, sobressaem a exclusão sócioeducacional e a decorrente infoexclusão. As dificuldades de ensino e aprendizagem refletem diretamente na constituição e funcionamento da biblioteca escolar e são reveladas nas preocupantes taxas de alfabetismo. É importante dizermos que ser alfabetizado não significa ter as mesmas habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática. O INAF- Indicador de Alfabetismo Funcional- procura medir os níveis de alfabetismo e nos apresenta estatísticas desanimadoras. Segundo dados de 2005, do Instituto Paulo Montenegro ([2007?]), apenas, 26% da população brasileira pode ser considerada alfabetizada nível pleno. Aponta-se que 38% pode ser considerada alfabetizada nível básico, 30% alfabetizada nível rudimentar e, por fim, 7% da população é analfabeta. Tais cifras nos ajudam a compreender a dimensão das dificuldades e desafios que a biblioteca escolar tem pela frente, e a sua intrínseca relação com os tão conhecidos problemas educacionais e sociais brasileiros. Pontuamos que os índices acima fazem falar o modo como imensas camadas da população ficaram de fora dos processos de produção do conhecimento legitimados pela escola, afastadas da leitura não por escolha pessoal, mas por um intenso programa de exploração e exclusão social. Marcamos que, é a partir da falta de acesso às escolas e às bibliotecas, que se dá a primeira forma de exclusão informacional que, segundo Milanesi (2002, p. 104-105), fere um direito do cidadão:

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Se a distribuição de riquezas materiais é injusta, mais ainda é a impossibilidade de acesso à informação –esta que seria o instrumento mais poderoso para superar condições que tornam os homens desiguais. Excluir a informação das necessidades básicas – vista às vezes como inútil ou perigosa é cortar pela raiz um direito sem o qual os indivíduos perdem outros.

No Livro Verde (TAKAHASHI, 2000, p.50-51), encontramos mais alguns dados que nos mostram as precárias condições encontradas nas escolas brasileiras:

A maioria das escolas brasileiras não está ainda conectada à Internet. De acordo com o último censo escolar do MEC, em 1999, apenas 7.695 escolas (3,5% do total de escolas de educação básica) possuíam acesso à rede mundial de computadores, das quais 67,2% são particulares. Ou seja, há conexão com a Internet para alunos de apenas 2.527 das 187.811 escolas públicas brasileiras. O censo revela ainda que cerca de 64 mil escolas do País não têm energia elétrica – 29,6% do total – e que menos de 11 em cada 100 estabelecimentos dispõem de equipamentos para atividades pedagógicas, como laboratórios de ciência ou de informática. Menos de um quarto (23,1%) das escolas possui biblioteca.

Após observamos tais dados, torna-se difícil acreditar na infoinclusão dos brasileiros, que é, muitas vezes, divulgada na mídia quando alguma escola recebe computadores ou livros. Estes indicadores também estão muito distantes dos desejados em uma “sociedade da informação e do conhecimento” que, nestas circunstâncias, nos parece restrita a uma pequena parcela da população brasileira. Apontamos a falta de bibliotecas escolares como um dos graves problemas relacionados à educação e à infoexclusão; entretanto, inferimos que ter acesso à biblioteca não significa, necessariamente, estar incluído, do mesmo modo que doar ou distribuir livros não implica a formação de bibliotecas ou a emergência de sujeitos-leitores. Uma série de atividades e atitudes praticadas nas bibliotecas escolares acabam afastando os alunos e desperdiçando a oportunidade de se construir uma relação produtiva e interessante entre a biblioteca e os seus leitores:

Os problemas ligados à biblioteca escolar prendem-se a uma teia de vários fios: quando existe biblioteca escolar, em geral o espaço inadequado ao usuário como estantes altas para crianças ou inacessíveis aos jovens, os balcões de isolamento entre os livros e os usuários, a lâmpada queimada, o descolorido da pintura na parede e a atmosfera de silêncio, pesado e impositivo. Muitas vezes, a biblioteca é o lugar onde se guardam carteiras quebradas, materiais didáticos de pouco uso, estoques de diversas naturezas cujo destino ainda não foi definido, trabalhos de arte em período de secagem, prendas da festa junina, artigos de laboratório ou de educação física, etc, marcando uma mistura que cria uma confusão de identidade para a biblioteca escolar, distanciada da prática e do exercício prazeroso da leitura. Com tais características, cria-se a imagem de uma sala do prédio escolar em que cabe tudo, que serve para abrigar qualquer coisa, inclusive livros e, assim, que se distancia do convívio com os alunos com a leitura, desligada do prazer da visitação e usada para atividades de pesquisa em horário de aula com roteiro prévio de atividades, exercícios e propostas já ditadas pelo professor. (ROMÃO, 2007, p.10).

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Silva (2003) aborda algumas “atitudes anti-usuário” que contribuem para o afastamento em relação à biblioteca escolar. Dentre estas atitudes, destacamos: os regulamentos muito rígidos que afugentam o leitor, os horários inflexíveis e sem conexão com os das outras atividades escolares, o veto ao empréstimo domiciliar do acervo da biblioteca e, também, o impedimento do acesso às estantes que “ofusca da sua memória a idéia de que as obras estão ali exatamente para que sejam consultadas” (SILVA, 2003, p.61). A preocupação excessiva com o silêncio, disciplina e arrumação também é apontada pelo autor que considera não ser esta a principal tarefa do profissional da informação: “organização, a disciplina, a observação do regulamento não devem ser vistos como os objetivos da biblioteca escolar, mas como condição para que ela alcance os seus reais objetivos, a saber, a promoção da leitura e a democratização do conhecimento registrado” (SILVA, 2003, p.64). Estas práticas desenvolvidas, frequentemente, demonstram a necessidade de que haja uma conscientização, valorização e treinamento do profissional atuante nas bibliotecas escolares brasileiras, para que eles não agravem ainda mais, a situação alimentada pelas precárias condições materiais de existência e tentem revertê-la, ou, abrandá-la. Podemos dizer que a quase totalidade dos profissionais das bibliotecas escolares não têm formação especializada, com exceção para as escolas particulares. Nas escolas públicas, é recorrente encontrarmos professores “readaptados” no lugar dos bibliotecários, ou, outros funcionários despreparados para tal função. Isso tem implicações na rede de filiações dos sentidos, sobre o modo como se espera, imaginariza e discursiviza a respeito do sujeitobibliotecário:

Vale lembrar ainda os casos de professores que, por doença, velhice ou fastio pedagógico, são ‘encostados’ nas bibliotecas das escolas, visto que este é, no espaço escolar, o melhor lugar para o repouso profissional, até que chegue a aposentadoria ou outra oportunidade de trabalho.” (SILVA, 2003, p.16)

O profissional que está à frente da biblioteca raramente é um profissional da informação. Em muitas ocasiões, ocupam tal cargo na biblioteca: uma professora aposentada ou debilitada com alguma enfermidade, afastada de suas funções docentes, uma secretária organizada e responsável, um profissional sem o menor vínculo com o mundo dos livros ou até mesmo um bedel, que tem por função ‘controlar’ os alunos na entrada e na saída da escola, e que, quando há necessidade durante as aulas, ocupa-se do trabalho de manter a ordem e conter a bagunça nas visitas de alunos e professores à biblioteca. (ROMÃO, 2007, p.14).

Portanto, o que vemos é um conjunto de profissionais e práticas desatualizados, em meio a espaços apertados, desconfortáveis e inadequados que acabam descaracterizando a biblioteca escolar, tornando-a um depósito de gente, livros e outros materiais. Neste contexto,

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a situação do acervo não poderia ser a mais apropriada. Há casos em que o próprio acervo constitui a biblioteca, conforme nos diz Silva (2003, p.15): “às vezes, a biblioteca é um armário trancado, situado numa sala de aula, ao qual os alunos só têm acesso se algum professor se dispõe a abri-lo.. quando a chave é localizada.” Mesmo estando dispostos em estantes, ao alcance de todos, os materiais das bibliotecas escolares podem não ser utilizados, por serem, geralmente, precários, pobres quantitativa e qualitativamente (VIANA; CARVALHO; SILVA, 1998), provenientes de doações equivocadas e desinteressantes:

Outro aspecto problemático da biblioteca escolar diz respeito ao acervo, na maioria das vezes, restrito a conjunto de obras antigas, livros velhos em desuso ou livros didáticos ganhados como cortesia para o professor ou a escola, que pouco ou nada atraem a atenção dos alunos e que, em tempos de informação eletrônica com arquivos atualizados permanentemente, parecem jurássicos bancos de dados ultrapassados e empalhados. (ROMÃO, 2007, p.10-11).

Estes problemas acabam afastando, ainda mais, a biblioteca dos seus leitores, principalmente dos alunos que, desanimados pela falta de serviços, recursos bibliográficos, materiais e tecnológicos, ainda são desestimulados pelo modo como são concebidas, frequentemente, as atividades de leitura e pesquisa escolar. Os problemas referentes ao modo como são realizadas estas atividades serão discutidos no próximo capítulo, entretanto, podemos adiantar que tais práticas, geralmente, estão desvinculadas da biblioteca, não se aproveitando, assim, as oportunidades de se construir um percurso criativo de conhecimento, entregando o cotidiano da biblioteca escolar à mesmice que tanto desmotiva os alunos. Marcamos que tais problemas afetam a construção de sentidos sobre a biblioteca escolar, na medida em que delineiam um ambiente não desejável e enfadonho. Após esta breve explanação sobre os problemas enfrentados pelas bibliotecas escolares, podemos inferir que os discursos sobre elas, afetados por tais condições de produção, são marcados por um imaginário que as relaciona a um lugar onde, apenas, se guarda livros, inerte, empoeirado, desinteressante e rígido. (ROMÃO, 2007). Este imaginário se propaga, frequentemente, nas falas proferidas pelos alunos, professores e, quase que inacreditavelmente, pelos profissionais da informação, que são falados como estereótipos ou caricaturas de uma presença que guarda a memória a sete chaves. Estando, ainda, à margem da escola e da sociedade, distante da comunidade a qual deveria servir e do tão desejado padrão ideal, anteriormente mencionado, a biblioteca precisa ser repensada, principalmente, pelo profissional da informação. Sendo assim, surgem diversas

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perguntas: como fazer com que a situação real das bibliotecas se aproxime da desejável? Se, cada vez mais, se fortalece uma “nova percepção” de biblioteca escolar, porque ela ainda não foi praticada? A situação caótica que apontamos é incompatível com as novas concepções de informação e instituições de cultura, com as novas exigências e possibilidades de conhecimento e com os discursos que pregam o direito de acesso à informação. Neste contexto, é preciso investigar quais as barreiras, visíveis e invisíveis, que se erguem diante do avanço das bibliotecas escolares. As nossas indagações ecoam nas vozes de Garcez e Carpes (2006, p.64): Se a informação é um bem tão precioso para qualquer tomada de decisão e para a sobrevivência de uma empresa, por que se investe tão pouco em educação básica? Por que fala-se tanto em gestão da informação e do conhecimento e pouco se investe em escolas e em bibliotecas? Já que o berço do exercício de se trabalhar com a informação é a biblioteca escolar, por que não investir mais nas mesmas?

Infelizmente, não temos respostas exatas para estas questões, mas frisamos a importância de que elas sejam levantadas e debatidas. Para tanto, o primeiro passo é reconhecê-las, apresentá-las e divulgá-las, discursivizando efeitos de polêmica em torno de um espaço ora silenciado, ora falado como lugar da falta. Polemizar e disputar sentidos nos parece um passo fundamental para começar a soprar a poeira.

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4. LEITURA, ESCOLA E BIBLIOTECA NA PERSPECTIVA DISCURSIVA

JOYSMITH, Brenda. Reading from all side. FONTE: .

A leitura é uma forma de felicidade Jorge Luis Borges

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Neste capítulo pretendemos refletir sobre como o modo pelo qual as atividades escolares são realizadas e como isto é determinante para a produção de sentidos sobre a biblioteca escolar. Há diversos fatores que influenciam na maneira problemática como a leitura e a pesquisa escolar são usualmente praticadas na sala de aula e na biblioteca. Podemos citar, como exemplo, a já apontada falta de acesso à informação e de recursos que deveriam ser providos pelo Estado, no caso das escolas públicas. Quando não se tem livros e outros materiais diversificados para que o leitor escolha aqueles que mais lhe interessam, ou, quando o número de materiais é insuficiente e as obras estão em condições físicas precárias e desatualizadas, afeta-se o estímulo para a realização de tais atividades educacionais, formando-se um imaginário negativo para as mesmas, que contrasta com os sentidos atribuídos, frequentemente, para os recursos televisivos, eletrônicos, e outros tidos como mais “modernos”. Além disso, a falta ou o mau funcionamento das bibliotecas nas escolas é um fator determinante, pois limita drasticamente a realização de atividades ainda consideradas “extra-sala”, como a pesquisa escolar, concentrando o estudo no livro didático e na sua explanação pelo professor, restringindo-se, assim, a possibilidade de uma aprendizagem mais criativa e interessante para os alunos. Lembramos que esta falta de recursos para o ensino e a aprendizagem faz parte de um contexto mais amplo que abrange as diversas formas de exclusão sócio-educacional que podem ocorrer, até mesmo, quando se freqüenta a escola. Segundo Milanesi (2002), há um sistema que garante o acesso à educação formal, mas, na prática, o acesso à informação é negado. Sendo assim, como vimos, não é o registro de matrícula escolar que insere o aluno no contexto educacional. Deve-se pensar se o ensino oferecido contribui, efetivamente, para a aprendizagem e isto implica saber se são oferecidas oportunidades para o aluno lidar com a informação, conhecê-la, interpretá-la e adequá-la ao seu contexto. Estas oportunidades surgem quando há os recursos didáticos necessários, quando a escola conta com uma adequada biblioteca, quando atividades extras de cunho educativo e cultural são realizadas, etc. Neste contexto, as atividades de leitura e pesquisa teriam uma conotação diferente, sendo mais apreciadas e valorizadas. Entretanto, ressaltamos que a falta de recursos não pode ser a única culpada pelos problemas referentes à leitura e à pesquisa, esta seria uma visão simplista. Quando não se reflete sobre os fatores que estão causando tais problemas, corre-se o risco de atribuir a culpa, comodamente, a um único fator e esquecer aqueles que requeiram ações mais efetivas e a reestruturação de políticas há muito tempo enraizadas e adotadas pelo sistema educacional. Arriscamos dizer que, talvez, o fator que mais é apontado como determinante para os

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problemas de leitura e pesquisa escolar seja o da falta de livros, cuja distribuição pelo Estado resolveria o problema, encerrando-se assim a questão. Será? Já falamos sobre como a equivocada política de distribuição de livros foi largamente difundida no país, implantada por governos ditatoriais, servindo como instrumento de inculcação e dominação política, não contribuindo, verdadeiramente, para a formação de leitores e pesquisadores. Ressaltamos que essa postura governamental (que não é embasada por estudos que verifiquem as necessidades e interesses de alunos pertencentes a diversos contextos sociais) pretende, também, incutir um hábito de leitura dirigida e pré-selecionada que torna a aprendizagem monótona e repetitiva. Sendo assim, a própria política assistencialista de distribuição de livros, longe de ser uma solução, acaba sendo um problema para a leitura e pesquisa escolar, ao mesmo tempo em que minimiza e simplifica tais problemas, apagando, assim, discussões e reflexões pertinentes ao tema e revelando outros problemas concernentes à realização de tais atividades escolares. Outra decorrência destas políticas governamentais se refere à concentração de atividades na distribuição de livros e um certo “esquecimento” de outras necessidades como, por exemplo, a concretização de atividades fundamentais para que as bibliotecas e as escolas não sejam um depósito de livros empoeirados, ou ainda, em casos piores, para que os livros não fiquem nas caixas, empilhados em algum lugar da escola. Portanto, não basta apenas doar livros, mas oferecer condições para que eles possam ser utilizados, auxiliando nas atividades escolares e contribuindo para a realização da leitura e pesquisa de forma mais adequada. Ressaltamos que os problemas referentes ao material didático vão muito mais além do que uma questão de distribuição e utilização, já que, por muitas vezes, ele mesmo é equivocado, não contribuindo para um processo de leitura e pesquisa que leve ao conhecimento. Orlandi (2003a, p.22) aponta alguns problemas referentes a este material:

Enquanto objeto, o material didático anula sua condição de mediador. O que interessa, então, não é saber utilizar o material didático para algo. Como objeto, ele se dá em si mesmo, e o que interessa é saber o material didático (como preencher espaços, fazer cruzinhas, ordenar seqüências, etc.). A reflexão é substituída pelo automatismo, porque, na realidade, saber o material didático é saber manipular

Tais problemas concernentes ao material didático, que são um reflexo do discurso pedagógico, contribuem para que a leitura e a pesquisa sejam vistas de forma negativa pelos alunos. Para compreendermos o modo como as atividades educativas são realizadas é fundamental o entendimento sobre este tipo de discurso. O discurso pedagógico (doravante DP), como já apontamos no capítulo sobre a teoria discursiva, é um tipo de discurso

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autoritário, que é aquele pelo qual sujeitos autorizados a tomar a palavra imprimem algo que se deve saber e aceitar. É esta concepção limitada que, geralmente, conduz a realização de atividades nas escolas, a confecção dos materiais didáticos, enfim, o sistema educacional em si, não deixando de fora a leitura e a pesquisa. Afirmamos que o discurso pedagógico é restrito, pois, por meio dele, há a valorização e naturalização do sentido único, verdadeiro, que não pode ser contestado pelos alunos e que (de)limita suas leituras possíveis, o que deve ser pesquisado, qual deve ser o conhecimento adquirido e de que forma isso ocorrerá. Neste contexto, todas as atividades educacionais são reguladas e influenciadas por tal concepção. Podemos citar as perguntas objetivas, velhas conhecidas dos alunos de todos os níveis educacionais, como exemplo de como esta legitimada univocidade aparece nas atividades escolares: “A estratégia básica das questões adquire a forma imperativa, isto é, as questões são questões obrigativas (parentes das perguntas retóricas). Exemplo: exercícios, provas, cuja formulação é: ‘responda...?’ são questões diretas a que se dá o nome de questões objetivas.” (ORLANDI, 2003a, p.17). A univocidade é sustentada por meio do mecanismo em que:

O DP se dissimula como transmissor de informação, e faz isso caracterizando essa informação sob a rubrica da cientificidade. O estabelecimento da cientificidade é observado, segundo o que pudemos verificar, em dois aspectos do DP: a metalinguagem e a apropriação do cientista pelo professor. (ORLANDI, 2003a, p.29-30).

Destarte, ao ser considerado um mero transmissor de informação, o DP é imbuído de uma aparente neutralidade que é aceita pelo sujeito, por meio do processo ideológico da inculcação. Sendo assim, inferimos que “mais do que informar, explicar, influenciar ou mesmo persuadir, ensinar aparece como inculcar.”(ORLANDI, 2003a, p.17). A inculcação pode ser percebida no jogo das formações imaginárias que atribuem os lugares a serem ocupados pelo sujeito-aluno e pelo sujeito-professor:

[...] enquanto ele for aluno, “alguém” resolve por ele, ele ainda não sabe o que verdadeiramente lhe interessa, etc. Isso é a inculcação. As mediações, nesse jogo ideológico, se transformam em fins em si mesmas e as imagens que o aluno vai fazer de si mesmo, do seu interlocutor e do objeto de conhecimento vão estar dominadas pela imagem que ele deve fazer do lugar do professor. Pelo lado do aluno (nessa caracterização do DP), há aceitação e exploração dessas representações que fixam o professor como autoridade e a imagem do aluno que se representa o papel de tutelado. Desenvolvem-se aí tipos de comportamento que podem variar desde o autoritarismo mais exarcebado ao paternalismo mais doce. (ORLANDI, 2003a., p.31)

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A imagem que este sujeito-professor faz de si mesmo também é fundamental para a legitimação da informação veiculada pelo DP, de sua cientificidade que, como foi citado mais acima, pode ser observada quando o professor se apropria do cientista e se confunde com ele, sem se mostrar como voz mediadora, protagonizando a equação “dizer = saber”. Através da metalinguagem, o professor fixa definições rígidas e exclui os fatos, que não são explicados, visto que o objetivo é se determinar a perspectiva de onde eles devem ser vistos e ditos, o que se deve saber. ( ORLANDI, 2003a). Neste contexto do discurso pedagógico, podemos inferir que o papel do professor sustenta o papel da escola, descrito por Marcelino (2003, p.38): “o papel da escola enquanto lugar de indicação de determinadas obras, autores e orientação de leituras”. Em outras palavras, tal papel corresponde à distribuição social dos discursos que é abordada por Foucault (2005, p. 43-44):

preciso reconhecer grandes planos no que poderíamos denominar a apropriação social dos discursos. Sabe-se que a educação, embora seja, de direito, o instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso, segue, em sua distribuição, no que permite e no que impede, as linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições e lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.

Esta apropriação de saberes e poderes nos leva a caracterizar o discurso pedagógico como um “discurso de poder” que esmaga o outro (ORLANDI, 2003a), uma “vontade de verdade” que exclui, que “tende a exercer sobre os outros discursos – estou sempre falando da nossa sociedade- uma espécie de pressão e como que um poder de coerção” (FOUCAULT, 2005, p.18). Assim, os problemas referentes à forma como a leitura e a pesquisa são realizadas no ambiente escolar envolvem desde questões de acesso à informação e aos recursos informacionais, até questões estruturais da escola e do contexto ideológico que guia as atividades realizadas. Após um panorama geral de alguns dos fatores que influenciam as atividades pedagógicas, passaremos para o estudo de questões particulares referentes à leitura e à pesquisa. Antes de pensarmos em como a leitura é realizada nos espaços escolares, é importante que se compreenda o(s) seu(s) significado(s). Concordamos com a concepção apresentada por Orlandi, pela qual, a leitura tem um significado mais amplo, referente à relação interminável entre o leitor e o conhecimento:

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A leitura é um ato cultural em seu sentido amplo, que não se esgota na educação formal tal como esta tem sido definida. Deve-se considerar a relação entre o leitor e o conhecimento, assim como a sua reflexão sobre o mundo. Eu diria que o conhecimento tem caminhos insuspeitados. Ninguém tem a fórmula da descoberta, de como se chega ao conhecimento e à crítica. (ORLANDI, 2003a., p.210).

Sendo assim, a leitura não é uma ação fechada, mas a possibilidade de se estabelecer diversas relações, com o contexto sócio-cultural no qual vive o leitor e, também, com outros textos (MILANESI, 2002), mais ainda, como discurso, a leitura é gesto de atribuição de sentidos que depende da posição do sujeito e do modo como a ideologia o interpela em sujeito de suas leituras. A partir desta idéia, inferimos que é o leitor que atribui significados ao texto, como nos fala Chartier (1999, p.11):

A leitura não está, ainda, inscrita no texto, e que não há, portanto, distância pensável entre o sentido que lhe é imposto (por seu autor, pelo uso, pela crítica, etc.) e a interpretação que pode ser feita por seus leitores; consequentemente, um texto só existe se houver um leitor para lhe dar significado.

Portanto, consideramos que a leitura não é limitada, não pode ser deduzida, apreendida da mesma forma por diferentes sujeitos (CHARTIER, 1999), pois seus sentidos não preexistem ao texto:

O mito da neutralidade, de univocidade e de significância, comum a todos os modelos de leitura vistos até aqui, foi derrubado, segundo Barthes, por Marx, Nietzsche e Freud. O sentido não é mais um dado que preexiste ao texto. Os três trabalham sobre uma nova noção de sentido. O sentido, para Barthes, é uma produção, não precede ao texto, não está nele depositado nem é um dado. É, no texto, por assim dizer, sempre adiado, uma produção: ‘a leitura é sempre um ato, o ato da produção do sentido: investe o texto, fá-lo dar sentido. O sentido é um valor, aquele de que a leitura investe o texto. Por outras palavras, é desta maneira o próprio texto que é um pretexto, um potencial de sentido para uma leitura. A leitura produz sentido [...] dá sentido à existência: transforma e torna manifesto (LUCAS, 2000, p.40).

Por fim, consideramos que a leitura é, essencialmente, interação e produção, que evocam sentidos bem diferentes daqueles circulantes no imaginário que a delineia como uma atividade monótona, mecânica e desestimulante. Por meio da interação, segundo Orlandi (2003a, p.193), “os interlocutores, ao se identificarem como interlocutores, desencadeiam o processo de significação”, que resulta na construção de um outro texto. (LUCAS, 2000). Após termos explanado a concepção de leitura que consideramos como a mais adequada, fica mais fácil entender a natureza dos problemas que afetam especificamente tal atividade e que

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interferem, negativamente, no imaginário sobre a biblioteca escolar atribuído, principalmente, pelos sujeitos alunos. Muitas vezes, o perfil de leitor que encontramos nas escolas brasileiras é aquele aluno que lê rapidamente o livro escolhido pelo professor (pois o importante é ler e não como se lê), que responde as questões exatamente da forma esperada, e que tem toda sua carteirinha da biblioteca preenchida com o intuito de receber um ponto a mais na nota, mesmo que ele não tenha realmente lido todos os títulos anotados. Estas ações vazias e mecânicas, embasadas pelo discurso autoritário pedagógico, contribuem para a valorização e gosto pela leitura? Estamos certas de que não. As práticas de ensino e aprendizagem que são, muitas vezes, baseadas exclusivamente no livro didático levam à uma leitura não-reflexiva que visa à chamada “decoreba”; esta forma de ler é muito distante daquela que consideramos como ideal e reflete no cerceamento da produção de significância no contexto escolar:

não é dado ao aluno espaço para que ele reflita sobre a leitura, todas as respostas são dadas antes que os alunos respondam. Essas respostas vêm via fala do professor, baseada no livro didático que assume as vestes do discurso científico da verdade unívoca; e via livro-didático [...] e nos parcos momentos em que os alunos se posicionam sob a forma de comentário, eles são ignorados pelo professor. Há sempre, nas aulas, uma busca pela ‘síntese interpretativa’ que checa o conhecimento adquirido via repetição mnemônica (PFEIFFER, 2003, p.95).

Neste contexto, os documentos lidos são considerados segundo a concepção positivista, já abordada, que os percebe como neutros e símbolos da verdade. A relação que se constitui entre aluno-documento-leitura, afetada por esta concepção, leva ao apagamento tanto deste sujeito-aluno que passa a ser visto como um aluno-padrão receptor de sentidos homogêneos, quanto do sujeito-professor que, preso aos roteiros e respostas do programa de ensino, não se assume como sujeito do seu dizer, dirigindo as atividades de leitura sem levar em conta o contexto do aluno, por acreditar que o documento não permite outros sentidos. A aprendizagem torna-se, assim, distante, entediante e restrita ao ambiente escolar:

O desprazer do aluno reside, então, na sensação de estar realizando uma atividade ‘tola’ e cansativa ao mesmo tempo em que ocorre o desconforto de não conseguir materializar, concretizar aquilo tudo com que está interagindo. (PFEIFFER, 2003, p.95).

Tais problemas referentes à leitura estão intrinsecamente relacionados a duas práticas/concepções largamente difundidas: a leitura parafrástica e a leitura como hábito. Como vimos, o processo discursivo se faz entre a paráfrase e a polissemia e a relação entre

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estes dois processos implica a constituição de diferentes discursos. No caso do discurso pedagógico, observamos a preponderância da paráfrase que, segundo Orlandi (2003b), representa o retorno aos mesmos espaços de dizer que, consequentemente, não permite a ruptura de processos de significação. Marcamos que sem a significação, a criatividade e a heterogeneidade não é possível que o sujeito-aluno se constitua ou assuma a posição de sujeito-leitor que não apenas leia, mas que goste, que aprecie a leitura de diversos assuntos, gêneros e tipos de materiais, assim como, a biblioteca que consideramos o espaço privilegiado para esta prazerosa ação. Esta idéia da leitura como prazer circula há um tempo no imaginário social e nas publicações científicas, tornando-se um senso comum, discurso “vazio”. Neste contexto, muito se fala sobre a necessidade da leitura prazerosa, mas pouco se questiona sobre o que impede o surgimento deste prazer. Ressaltamos que este sentimento não pode ser, forçosamente, incutido nos alunos, pois depende de muitos outros fatores que estão relacionados às práticas educacionais e que permanecem sem discussões mais profundas e soluções. Inferimos que a biblioteca pode atuar tanto estimulando a escola e os alunos a adotarem uma prática diferente de leitura, quanto se configurar como um espaço repressor que agrava a situação de coerção praticada na sala de aula, influenciando, assim, na relação que os alunos têm e terão com as bibliotecas em geral, e nos sentidos produzidos sobre ela, ao longo de sua vida. Talvez, com a possibilidade de realizar uma nova forma de leitura, os alunos passem a freqüentar espontaneamente as bibliotecas, guiados por seus interesses, gostos e expectativas individuais; sendo assim, os profissionais atuantes nas bibliotecas escolares precisam estar conscientes do amplo e importante trabalho a ser realizado. À idéia da leitura deleitável contrapõe-se a da leitura como hábito. Apesar de muito criticada, esta forma de “pseudo-leitura” ainda é largamente enunciada e praticada por profissionais da educação, biblioteconomia e alunos, na medida em que a escola “além de não estimular o aluno a ler, ainda não abre espaço/tempo para que a atividade da leitura aconteça.” (MARCELINO, 2003, p.12). O significante “hábito” nos incomoda, remetendo-nos a significados negativos, mesmo quando está associado ao hábito adquirido pelo prazer, isto porque ele se refere principalmente a um ato mecânico, no qual não é necessária a reflexão. Neste contexto, a leitura é caracterizada como uma ação improdutiva e enfadonha, situação agravada quando ela se torna uma prática escolar obrigatória e, até mesmo, punitiva, levando, assim, ao esfacelamento da imagem que associa leitura e prazer e que surge mais facilmente quando o aluno tem liberdade para escolher o que ele quer ler.

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Concordamos com Borges quando ele afirma que a leitura é uma forma de felicidade, entretanto, como foi exposto, esta felicidade não é gratuita, ela precisa ser construída, estimulada e só pode ser alcançada ao se ultrapassar o estigma da mesmice, da paralisia que congela os alunos no mesmo já-dito. Os problemas existentes nas práticas de leitura são acompanhados pelos referentes à pesquisa escolar que frequentemente é vista como cópia, apropriação de dizeres alheios que silencia tanto o autor, quanto o próprio sujeito-aluno, quando este tem anulada a sua capacidade de produzir, refletir criticamente sobre as letras que reproduz para o professor. A cópia configura-se, assim, como mais uma atividade escolar que não leva à uma efetiva aprendizagem, como prática mecânica, parafrástica e desestimulante:

Se a tarefa escolar impõe pesquisas mecânicas resumidas a localizar e copiar, atrofiam-se as possibilidades estimuladoras de um espaço de informação para crianças [...] a criança acaba obtendo em suas pesquisas obrigatórias –quando isso acontece- aquilo que exigem dela, mas isso nem sempre é o que ela precisa e, quase nunca, o que ela gosta. (MILANESI, 2002, p.58).

Lugar principal para a realização da pesquisa escolar, a biblioteca ainda está atada a estas concepções restritivas de relacionamento com a informação, o que é confirmado por Campello (2003, p.19): “observa-se que a biblioteca ainda está afastada do processo de aprendizagem por meio da pesquisa escolar.” A relação aluno-biblioteca-escola nos parece fora de sintonia. O trecho abaixo retrata bem a falta de um trabalho conjunto entre biblioteca e escola, o efeito que um sistema de ensino desestimulante causa no uso da biblioteca que passa a ser associada a um lugar não desejado pelo aluno:

As crianças, de um modo geral, são tratadas como escolares. Dessa forma, nas bibliotecas estabelece-se um diálogo triplo: o atendente, a criança e o professor- este representado por uma folha de caderno na qual está especificada a pesquisa a ser feita. A relação nesse caso passa a ser a do atendente com a folha de caderno. São as palavras aí contidas que definirão a busca. Como esse atendente não é especialista em literatura infantil e, muito menos, em criança, vale-se da primeira enciclopédia ao alcance das mãos e confere se existe algum verbete que se aproxima do assunto apontado na folha de caderno. Ao pequeno protagonista no papel de pesquisador cabe fazer uma cópia para desincumbir-se de uma tarefa. Ele está ali para cumprir uma obrigação para ser aprovado. E como há muito mais obrigações a cumprir do que prazer a ser buscado, existem mais bibliotecas escolares do que infantis. E conforme o quadro econômico-social, nem mesmo existe a biblioteca escolar ou o que pode ser assim chamado. (MILANESI, 2002, p.57).

Ao serem tratados como escolares, propaga-se a concepção de um aluno-padrão, que não tem suas preferências, gostos e interesses pessoais, que tem que ler o mesmo livro que todos os seus colegas lêem, expressar não as suas opiniões, mas as do professor ou do livro

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didático, copiando, repetindo e, consequentemente, anulando-se. Os problemas apresentados suscitam mudanças urgentes, para as quais o profissional da informação é chamado a trabalhar. Neste contexto:

a biblioteca não só deve atender à demanda, respondendo ao estrito comando do docente, mas ir além. E isso é abrir a possibilidade de ultrapassar um discurso homogêneo para chegar aos conflitos. Os temas, principalmente aqueles das áreas de humanidades, estão sujeitos a leituras variadas (...) como exercício de autonomia do pensamento e para aprimorar a capacidade de tomar decisão, leituras que dêem duas ou mais visões de um mesmo tema são imprescindíveis. (MILANESI, 2002, p.63).

Assim, a biblioteca precisa fazer com que o aluno seja tomado como sujeito discursivo no contato com diversos materiais, várias concepções que mostrem a ele que a informação não é neutra. Nesse sentido, a escola não deve ensinar apenas a decodificação de signos, mas também, estimular o prazer em ler, passando-se, como diz Orlandi (2003a), da leitura assimilativa para a criativa, a uma nova forma de aprendizagem e leitura proferida pela AD:

Leitura em uma acepção mais ampla, como compreensão do texto vinculada à bagagem que o sujeito-leitor carrega, sua ideologia, seu contexto sócio-histórico [..] uma leitura dinâmica, entendida como interpretação e como interação do leitor com o mundo, possibilitando-lhe agir no mundo e não ser apenas um receptor de sentidos estereotipados (ROMÃO; PACÍFICO, 2006, p.10).

Sendo assim, cremos que “a escola deveria exercitar uma leitura polissêmica, motivando os leitores a descobrir as outras possíveis leituras de um texto, transformando o ato de ler em uma atividade agradável, criativa, interessante e culturalmente produtiva”. (ROMÃO; PACÍFICO, 2006, p.96). A Análise do Discurso - ao criticar essas práticas parafrásticas e conteudistas em que se procura descobrir, ilusoriamente, o que o autor e o texto quiseram dizer, repetindo esses sentidos, considerando o conteúdo das palavras e não o funcionamento do discurso na produção de sentidos (ORLANDI, 1996) - sugere que o sujeito-aluno possa interpretar e duvidar da transparência da linguagem. Pensar a biblioteca como um local de incentivo à formação de pensadores críticos (MANIFESTO..., 1999), implica a necessidade de sua interferência nas práticas convencionais de leitura. Apesar de estar subordinada à escola e, consequentemente, às concepções de ensino adotadas, a biblioteca pode sim, promover mudanças no ambiente escolar, suscitar reflexões, promover o diálogo, tratar a questão da leitura e da pesquisa de uma outra forma, oferecendo uma diversidade de recursos e serviços, procurando estabelecer

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parcerias que preparem o aluno para conhecer e interpretar as informações, enfim, exercendo o papel a que é chamada. Neste contexto, a mediação da informação realizada pelo profissional da informação deve levar em conta a leitura e a pesquisa como atividades críticas e abertas ao múltiplo, ao inesperado, à inquietante incompletude da linguagem, estimulando o aluno a compreender os mecanismos de luta pelo poder na esfera social e o seu próprio modo de significar e discursivizar seu tempo. Ao assumir a posição de analista do discurso, o profissional da informação apropria-se de ferramentas teóricas importantes para iniciar um processo de ruptura em relação às ações autoritárias do modelo pedagógico seguido ainda pela maioria das escolas brasileiras, promovendo um ambiente instigante, estimulante e receptivo. Assim, é necessário direcionar um novo olhar para a biblioteca escolar, pôr em circulação outros discursos, romper a interdição do prazer e dizer palavras que possam desestabilizar o marasmo e a apatia reinante em várias delas.

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5. ANÁLISE DISCURSIVA DE DADOS: VOZES QUE FALAM DA BIBLIOTECA ESCOLAR

TASSEMBEDO, Saïdou. La grande bibliothèque. FONTE: .

O imaginário das bibliotecas é atravessado por tensões contraditórias, representações e valorizações antitéticas dos saberes. É um espaço de confronto, de sonhos e pesadelos, onde vêm se inscrever as angústias e esperanças de uma época, e também suas contradições e confusões Jean-Marie Goulemot

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O caminho que percorremos até aqui nos ajudou a entender um pouco mais sobre alguns fatores que influenciam a construção do imaginário sobre a biblioteca escolar; ancorado nos dizeres de sujeitos ocupantes de diferentes posições, percebemos como esse espaço discursivo é falado de diferentes maneiras, sempre afetado pela ideologia e pela exterioridade, sustentado por práticas educativas, ao mesmo tempo em que as sustenta. Sendo assim, refletir sobre a imagem da biblioteca escolar no Brasil implica pensar em como ela está sendo tratada pelos responsáveis por sua existência e manutenção, por aqueles que deveriam contribuir para a busca de soluções para os seus problemas e pelos sujeitos escolares que a freqüentam. Para empreendermos tal reflexão, selecionamos um corpus composto por diferentes documentos (oficiais, científicos e entrevistas) para que possamos, segundo os conceitos teórico-metodológicos da AD, rastrear as pistas do funcionamento da ideologia, observar a remissão ao interdiscurso e interpretar o sujeito e o sentido que se produzem juntos nestes discursos sobre a biblioteca escolar, que não são nem evidentes, nem transparentes. Assim como nos diz Goulemot, este imaginário acerca da biblioteca escolar é um “espaço de confronto” que, para nós, faz com que não haja apenas uma rede de sentidos possíveis para esta instituição. Por meio de diferentes vozes que se enfrentam, pudemos observar a construção de estereótipos para a biblioteca escolar, sentidos cristalizados que ora inscrevem-na em uma “atmosfera mágica” do mundo da imaginação, ou como um centro de recursos de informação para o ensino e aprendizagem, ora configuram-na como um estático depósito de livros e de gentes. Assim sendo, o imaginário delineado para a biblioteca escolar não é único. Em determinadas condições, alguns sentidos prevalecem, sendo legitimados, enquanto outros, são silenciados. Estas “tensões contraditórias”, citando ainda o autor francês, poderão ser observadas nas subseqüentes análises, pelas quais, deparamo-nos com uma série de repetições, ressignificações e rupturas de sentidos que, para o sujeito, são apagadas e tidas como naturais.

5.1 O dizer dos documentos oficiais: a normatização como efeito Os documentos que analisamos e nomeamos como “oficiais” correspondem a publicações sob a responsabilidade do Ministério da Educação do Brasil; da IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions- Federação Internacional de Associações de Bibliotecas e Instituições), com a aprovação pela UNESCO (United Nations educational, Scientific and Cultural Organization- Organização das Nações Unidas

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para a Educação, Ciência e Cultura) e da IASL (International Association of School Librarianship- Associação Internacional de Bibliotecas Escolares) que é uma “rede que conta com aproximadamente 550 membros em 72 países e defende uma política clara em relação à importância da biblioteca no contexto escolar” (BERG, [2007], p.2), trabalhando “em parceria com outras organizações, associações e universidades assim como, com o poder público para divulgar e realizar seus objetivos e iniciativas.” (BERG, [2007], p.2). Observamos que tais documentos, imbuídos do discurso político:

assumem a posição de discursos da verdade, autoritários, que não permitem a existência de outros. Grigoletto (1999, p.67-68), afirma que o discurso da verdade ‘é aquele que ilusoriamente se estabelece como um lugar de completude de sentidos’, constituindo-se um ‘texto fechado’ que aprisiona os sentidos, impedindo um gesto de interpretação que considere o processo sócio-histórico-ideológico de sua construção. (FERRAREZI; PACÍFICO; ROMÃO, 2007).

Sendo assim, os dizeres oficiais sobre a biblioteca escolar ocupam uma suposta posição de autoridade, de fonte única dos sentidos que devem circular e nortear as políticas que devem ser aplicadas e, também, do que não se deve saber, dizer e fazer. Ao longo das análises realizadas, pudemos observar a fragilidade dessa pseudo-imagem de onipotência, que é desconstruída pela fala de muitos sujeitos, pela irrupção de diversos sentidos circulantes, que instauram a heterogeneidade, inclusive entre os textos ditos “oficiais”. Assim, observamos que há uma rede de sentidos que se relaciona mais aos documentos oficiais internacionais, e outra aos nacionais, lembrando que estas fronteiras entre os dizeres não são rígidas, demarcadas ou definitivas, mas sim, fluidas e instáveis. Analisaremos os documentos internacionais e, em seguida, os brasileiros. Pudemos observar que, nos documentos oficiais sobre a biblioteca escolar, produzidos por instituições internacionais, delineia-se um efeito contraditório de liberdade, como se o indivíduo-usuário da biblioteca escolar tivesse o direito à educação e ao acesso à informação disponibilizada nessa unidade informacional mas, ao mesmo tempo, fosse submetido às relações de força, pelas quais se determina o que ele deve saber para que seja um sujeito produtivo na sociedade capitalista da informação e do conhecimento. A educação seria, assim, um instrumento de poder, como já citamos, anteriormente: “todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.” (FOUCAULT, 2005, p. 43-44). Estes sentidos ecoam diversas vozes circulantes em outros documentos oficiais, que aparecem, nos textos analisados, por meio da heterogeneidade marcada e mostrada, ou,

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constitutiva. Como heterogeneidade marcada (AUTHIER-REVUZ, 1990), podemos apontar a citação de outras legislações, como a Declaração Universal dos Direitos e Liberdade do Homem e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, que servem para legitimar a biblioteca escolar como um direito reconhecido:

O acesso às coleções e aos serviços deve orientar-se nos preceitos da Declaração Universal de Direitos e Liberdade do Homem, das Nações Unidas, e não deve estar sujeito a qualquer forma de censura ideológica, política, religiosa, ou a pressões comerciais. (MANIFESTO..., 1999, p.2, grifos nossos).

O Princípio 7 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança afirma: ‘cada criança tem direito a receber educação, obrigatória e gratuita, pelo menos ao nível do ensino básico. Ser-lhe-á administrada uma educação que desenvolverá a sua cultura geral e lhe permitirá, numa base de igualdade, desenvolver as suas habilidades, capacidade de decisão e uma consciência moral de responsabilidade social, tornando-o um membro útil da comunidade’. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.1, grifos nossos).

Já em relação à heterogeneidade constitutiva, nos recortes acima, foi possível observarmos a retomada da memória discursiva que carrega os sentidos presentes nos valores iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade que, desde o século XVIII, norteiam as declarações, constituições e outros documentos jurídicos que atestam os direitos dos homens. Ressignificada nos documentos analisados, a ideologia iluminista é associada ao “direito a receber educação”, “numa base de igualdade”, pela qual, “os serviços das bibliotecas escolares devem ser oferecidos igualmente a todos os membros da comunidade escolar, a despeito de idade, raça, sexo, religião, nacionalidade, língua e status profissional e social.” (MANIFESTO..., 1999, p.2). Estes anseios de igualdade inspiram o repúdio a “qualquer forma de censura ideológica, política, religiosa, ou a pressões comerciais” e inscrevem a retomada de um suposto lugar de autoridade em que pese o efeito do jurídico. A inclusão do sujeito-escolar no processo educacional, via biblioteca, é considerada a maneira pela qual ele pode se constituir um “cidadão responsável”: “A BE habilita os estudantes para a aprendizagem ao longo da vida e desenvolve a imaginação, preparando-os para viver como cidadãos responsáveis.” (MANIFESTO..., 1999, p.1); um “membro útil da sociedade”, o que, para nós, é uma pista importante pois reforça o efeito utilitário atribuído à própria biblioteca escolar, tomada como o lugar em que o cidadão vai freqüentar para se tornar útil e necessariamente integrado ao papel que lhe é reclamado no âmbito social da

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produção e produtividade. Não se discursiviza o prazer, deleite que poderiam advir do contato com os livros e outros materiais, mas se normatiza a serventia de adentrar esse espaço:

O estabelecimento de boas bibliotecas escolares pode demonstrar que as autoridades públicas estão a cumprir as suas responsabilidades na promoção da educação, que permitirá aos jovens tornarem-se membros úteis da sociedade global e desenvolverem o seu potencial individual. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.4, grifos nossos).

Através do acesso à educação, o sujeito estaria apto desempenhar o papel que é esperado que ele cumpra na sociedade. Deste modo, a universalização da escola surge como uma necessidade de sobrevivência do sistema econômico vigente (e não do cidadão, diga-se de passagem) que:

visa a escola como um instrumento econômico e ideológico que contribui para a harmonização social. O Estado democrático e nacional já consolidado, sente a necessidade de, via escola , instruir os futuros cidadãos, ou seja, os futuros trabalhadores da indústria ajustados à sociedade em questão. (PASQUALOTTO, 2006, p. 337, grifos nossos).

Estas pistas que apontamos, levam-nos a um já-dito naturalizado pela ideologia dominante, que faz com pareça natural e possível que o modelo de ensino e o papel do sujeito na sociedade possam ocupar apenas uma posição nos discursos oficiais, que apaga as relações de força e poder que a constituem. Observamos, nestes discursos, a circulação de uma concepção mais ampla de ensino, que está relacionada à biblioteca escolar: “todos os sistemas de educação devem também ser estimulados a alargar os contextos de aprendizagem à biblioteca escolar não os reduzindo ao professor e aos manuais.” (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.3). Sob esta ótica “alargada”, o alcance da biblioteca ultrapassa a esfera escolar e as atividades realizadas em seu ambiente, influindo até no desenvolvimento da personalidade, do progresso e, também, da qualidade de vida, o que pode ser observado nos recortes abaixo:

A biblioteca escolar é essencial ‘ao desenvolvimento da personalidade humana, bem como ao progresso espiritual, moral, social, cultural e econômico da comunidade’. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.1).

melhorar a qualidade de vida mediante a apresentação e apoio a experiências de natureza estética, orientação na apreciação das artes, encorajamento à criatividade e desenvolvimento de relações humanas positivas. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.2).

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Por meio desta perspectiva, a aprendizagem seria um processo contínuo e permanente:

[...] estas competências promovem uma aprendizagem ao longo da vida. A aquisição destas competências permite ao jovem continuar a aprendizagem de forma autônoma, mesmo quando a sua educação é interrompida por imprevistos pessoais ou de natureza social. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.3, grifos nossos).

As capacidades apreendidas pelo estudante através da biblioteca dotam a criança com os meios que lhe possibilitam adaptar-se a uma variedade de situações e possibilitam a educação permanente ao longo da vida, mesmo em situações adversas. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.3, grifos nossos).

A BE habilita os estudantes para a aprendizagem ao longo da vida e desenvolve a imaginação, preparando-os para viver como cidadãos responsáveis. (MANIFESTO..., 1999, p.1).

Os documentos analisados inserem a biblioteca escolar em um novo contexto, o da sociedade da informação e do conhecimento: “a biblioteca escolar (BE) propicia informação e idéias fundamentais para seu funcionamento bem sucedido na atual sociedade, baseada na informação e no conhecimento.” (MANIFESTO..., 1999, p.1), o que inscreve um poderoso discurso sobre esta instituição, tomando-a como ícone máximo e importante garantia de desenvolvimento em todas as esferas. Destinada a esse lugar imaginário, a biblioteca escolar deixa de ser falada como se apresenta no cotidiano dos países americanos, latinos e, especialmente, pobres de recursos e unidades de informação. Este modelo atual de sociedade destaca-se pelo amplo uso de novas de tecnologias de informação e comunicação. A inserção da biblioteca escolar neste paradigma, através do discurso, demonstra o esforço empreendido para delinear uma nova imagem para esta instituição que, na maioria das vezes, não condiz com a situação real encontrada nas escolas. Os dizeres que abordam a biblioteca escolar a partir desta percepção mais “moderna” são frequentemente parafraseados, constituindo um já-dito que os faz parecer naturais. Esta rede de sentidos constitui uma regularidade nos documentos oficiais internacionais, ocupando uma posição de destaque no dizer sobre a biblioteca, sobre como ela deve ser. A seguir, temos alguns dos recortes analisados que abrangem esta temática:

A biblioteca escolar é parceiro imprescindível para atuação em redes de biblioteca e informação tanto em nível local, regional como nacional. (MANIFESTO..., 1999, p.2, grifos nossos).

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O quadro de pessoal da biblioteca constitui-se em suporte ao uso de livros e outras fontes de informação, desde obras de ficção até outros tipos de documentos, tanto impressos como eletrônicos, destinados à consulta presencial ou remota. (MANIFESTO..., 1999, p.1, grifos nossos).

A biblioteca escolar proporciona um vasto leque de recursos, tanto impressos como não impressos – incluindo meios electrônicos. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.1, grifos nossos).

Além do mais, é proporcionado ao aluno um conhecimento profundo de toda a gama de tecnologias de informação e comunicação. Para além disto, o estudante é provido de conhecimento em toda a gama de tecnologias de informação e comunicação e sua utilização no sentido de localizar e avaliar informação para responder aos interesses e necessidades educativas e recreativas, bem como de capacidades para produzir registros e mensagens visuais, audiovisuais e electrónicas adequadas aos objectivos da comunicação. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.3, grifos nossos).

A biblioteca é essencial ao cumprimento das metas e objectivos de aprendizagem da escola e promove-os através dum programa planeado de aquisição e organização de tecnologias de informação e disseminação dos materiais de modo a aumentar e diversificar os ambientes de aprendizagem dos estudantes. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.1, grifos nossos).

Através de uma concepção de biblioteca escolar que é considerada mais ampla e moderna, e que está muito distante do estereótipo que associa a biblioteca a um depósito empoeirado de livros, reconhece-se a importância desta instituição, destinando-a a ocupar uma posição de destaque na escola e na sociedade. Estes sentidos atravessam os recortes abaixo, dentre outros:

A biblioteca é essencial ao cumprimento das metas e objectivos de aprendizagem da escola. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.1, grifos nossos).

A existência e utilização da biblioteca escolar constitui uma parte vital desta educação obrigatória e gratuita. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.1, grifos nossos).

Uma boa biblioteca escolar com um bibliotecário qualificado é o maior factor de desenvolvimento da qualidade educativa. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.4, grifos nossos).

A biblioteca escolar é essencial a qualquer tipo de estratégia de longo prazo no que respeita a competências à leitura e escrita, à educação e informação e ao desenvolvimento econômico, social e cultural. (MANIFESTO..., 1999, p.2, grifos nossos).

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Juntamente à importância conferida à biblioteca escolar, observamos um reconhecimento e valorização do profissional da informação apto a atuar em seu ambiente, o que implica dizer que, para um lugar enunciado como tão nobre e poderoso, é preciso uma representação de profissional também dotada dos mesmos atributos. Este reconhecimento, que é aparentemente natural e evidente nestes documentos internacionais, é apagado e interditado nos nacionais, como será mostrado adiante. Seguem alguns recortes que materializam o funcionamento discursivo citado:

O bibliotecário escolar é o membro profissionalmente qualificado, responsável pelo planejamento e gestão da biblioteca escolar. (MANIFESTO..., 1999, p.3).

Está comprovado que bibliotecários e professores, ao trabalharem em conjunto, influenciam o desempenho dos estudantes para o alcance de maior nível de literacia na leitura e escrita, aprendizagem, resolução de problemas, uso da informação e das tecnologias de comunicação e informação. (MANIFESTO..., 1999, p.2).

Para além da sua formação profissional como professor, o coordenador deve ter consciência das capacidades únicas que um bibliotecário escolar deve reunir para coordenar com eficácia o programa da biblioteca na escola. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.3).

Observamos que, para que as bibliotecas escolares possam ocupar a sua posição de destaque, cumprir seu importante papel, são enfatizadas, nos dois primeiros documentos analisados e em vários outros com os quais tivemos contato, as condições/condutas mais adequadas a serem adotadas por elas. No Manifesto...(1999, p.2), marcamos o reconhecimento da importância de que haja “fundos apropriados e substanciais para pessoal treinado, materiais, tecnologias e instalações.”; o desenvolvimento do “hábito e o prazer da leitura e da aprendizagem, bem como o uso dos recursos da biblioteca ao longo da vida” (MANIFESTO..., 1999, p.2), e o apoio a “todos os estudantes na aprendizagem e prática de habilidades para avaliar e usar a informação, em suas variadas formas, suportes ou meios” (MANIFESTO...,1999, p.2). São abordados também, o trabalho em equipe, o estabelecimento de políticas e a presença do bibliotecário que já foi mencionada. Na Declaração da IASL, algumas das características/condutas consideradas importantes são a existência de um “programa planeado de ensino de competências de informação em parceria

com os professores da escola e outros educadores”

(INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.1) e o oferecimento de materiais adequados às tecnologias de informação e comunicação, que sejam

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variados, relevantes ao programa de ensino e aprendizagem e, também, interessantes para os alunos. A questão do espaço também é apontada como fator importante:

espaço adequado onde explorar as tecnologias disponíveis para a preparação, processamento e armazenamento de todos os materiais da biblioteca, bem como de espaço que permita aos estudantes e professores utilizar plenamente estes materiais, através da leitura, visionamento, audição e de capacidades de processamento e recuperação de informação. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.2).

Aliadas ao espaço, estão as questões referentes às condições ambientais, tais como, iluminação, temperatura, umidade e, também, ao mobiliário que deve ser adequado à idade dos leitores da biblioteca. Outro aspecto comentado foi o papel do profissional da informação na promoção da leitura e atividades audiovisuais, no contato dos alunos com tecnologias de informação e comunicação, etc. Assim como Viana, Carvalho e Silva (1998, p.17), “percebemos que grande parte da literatura estabelece o que deveria ser uma biblioteca escolar, mais do que a conceitua objetivamente”. Esta apresentação de diretrizes, legitimadas por órgãos cuja autoridade é reconhecida, constitui-se como uma “receita”, uma regularidade que aparece em diversos outros discursos formulados por sujeitos atuantes nas bibliotecas, pesquisadores, etc. Os dizeres ancorados nesta formação discursiva inscrevem a biblioteca no plano do ideal, do “irreal”, do que “deveria ser” e não do que “é”. A inserção da biblioteca escolar nesta posição discursiva a distancia de sua posição social, prejudicando-se, assim, a compreensão sobre suas particularidades e problemas, ao mesmo tempo em que não se propõe mudanças a partir da reflexão sobre os mesmos. Assim, ao dizer do éden imaginário, o sujeito “esquece” de reconhecer os problemas reais, das condições de produção determinantes na produção dos efeitos de apatia, inércia e atraso, muitas vezes enunciados, repetidos e inscritos, por sujeitos escolares, sobre a biblioteca escolar. Por fim, marcamos que o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas bibliotecas constitui-se, também, como uma regularidade recorrente nestes documentos e que está presente nos fragmentos abaixo:

O estabelecimento de boas bibliotecas escolares pode demonstrar que as autoridades públicas estão a cumprir as suas responsabilidades na promoção da educação. (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANSHIP, 1993, p.4).

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A responsabilidade sobre a biblioteca escolar cabe às autoridades locais, regionais e nacionais, portanto deve essa agência ser apoiada por política e legislação específicas. (MANIFESTO..., 1999, p.2).

Por intermédio de ministérios da educação e cultura, são conclamados os governantes de cada país para desenvolver estratégias, políticas e planos de implementação aos princípios deste Manifesto. (MANIFESTO..., 1999, p.3).

Esta legitimação da responsabilidade governamental, tão cara aos órgãos internacionais, é, no Brasil, um sentido ainda não dominante na rede de filiação dos sentidos sobre biblioteca escolar, sendo escamoteado, ou ainda, deturpado nos documentos oficiais nacionais. Passaremos agora para a análise de dois documentos oficiais brasileiros, cuja responsabilidade é do Ministério da Educação. Enquanto a Portaria nº. 584 institui o Programa Nacional Biblioteca da Escola (doravante, PNBE), o documento “Biblioteca na Escola” visa discutir, com professores e mediadores de leitura, questões referentes à formação de leitores e da biblioteca escolar, à leitura, dentre outras. Na portaria analisada, encontramos sentidos que atribuem ao governo e ao seu PNBE apenas a função de distribuir coleções de livros às escolas, o que pode ser observado no seguinte fragmento:

O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, no uso de suas atribuições legais e tendo em vista; o Relatório final da Comissão encarregada de preparar a lista dos títulos que comporão uma coleção de livros a ser distribuída às escolas públicas; a necessidade de oferecer aos professores e alunos do ensino fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil, além de obras de referência; a importância de apoiar técnica e materialmente os programas de capacitação para docentes que atuam no ensino fundamental; RESOLVE: Art. 1º Instituir o Programa Nacional Biblioteca da Escola. (BRASIL, 1997, p.1, grifos nossos).

Não se trata, então, da instituição de bibliotecas escolares, como aparenta o título do programa, visto que, como já dissemos, a biblioteca não pode ser reduzida à uma coleção de livros. Lançando mão de um recurso metonímico, emprega-se o termo “coleção de livros” em lugar de “biblioteca escolar”, como se tal relação fosse possível e natural. Apagada pelo discurso político, pela autoridade que detém as “atribuições legais”, a biblioteca escolar tem seu conceito descaracterizado. Podemos inferir que a imagem “torta” desta instituição é frequentemente propagada pelos dizeres de sujeitos atados aos sentidos inculcados, através de outros documentos pertencentes a esta mesma formação discursiva, como as cartilhas e diretrizes governamentais, cujos interlocutores são, principalmente, os professores. São para estes profissionais que, geralmente, os documentos a respeito da biblioteca e leitura são

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direcionados, já que o bibliotecário é continuamente “esquecido” no discurso políticoeducacional enunciado no Brasil, não participando de nenhuma destas questões. Marcamos que, na Portaria nº. 584, o silêncio quase “grita”, chamando a nossa atenção para o não-dito significante. Silenciam-se os sentidos a respeito da criação, desenvolvimento, organização e importância da biblioteca escolar, quando se enuncia sobre as principais características do PNBE, quais sejam: a “aquisição de obras da literatura brasileira, textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil, e de dicionários, atlas, enciclopédias e outros materiais de apoio e obras de referência” (BRASIL, 1997, p.1, grifos nossos); o “acervo básico da Biblioteca da Escola será formado em três anos, a partir de 1997” (BRASIL, 1997, p.1, grifos nossos) e a “produção e difusão de materiais destinados a apoiar projetos de capacitação e atualização do professor que atua no ensino fundamental”. (BRASIL, 1997, p.1, grifos nossos). Sendo assim, não são mencionados como serão tratados, organizados, alocados, disponibilizados e trabalhados estes materiais, e nem quem será o responsável por tais tarefas. O único ponto de vista abordado é o do acervo, ao mesmo tempo em que não se questiona se há, de fato, uma biblioteca na escola, ou, ao menos, condições de abrigar e trabalhar, nas salas de aulas, com o material doado pelo Programa. De novo, notamos que a substituição do todo da biblioteca escolar pelo efeito de “acervo” promove um deslizamento de sentidos, a saber, aquele em que dar livros ou distribuir coleções parece resolver toda a questão; marcamos que esse movimento é ideológico e escamoteia dizeres sobre o profissional, o sujeito-leitor, a escola e as políticas públicas. Acompanhando esta visão restritiva presente no documento, temos que os únicos profissionais lembrados foram os professores, destacando-se, assim, através da ausência, a interdição do profissional da informação. A biblioteca escolar está presa, através destes sentidos limitados, aos arcaicos estereótipos que a congelam no tempo, acorrentam-na a um imaginário negativo que é prejudicial a um público jovem que precisa de estímulos, para fazer da biblioteca um lugar desejado e prosaico no cotidiano escolar. Estes obsoletos conceitos sobre a biblioteca escolar são acompanhados dos dizeres sobre a leitura, que é vista de forma mecânica, como “hábito”, que é implantado por meio destes reducionistas projetos governamentais que visam, também, ao: “apoio e difusão de programas destinados a incentivar o hábito da leitura” (BRASIL, 1997, p.1, grifos nossos). Estas questões referentes ao hábito de ler, que já abordamos anteriormente, apagam as discussões realizadas, no âmbito educacional, a respeito da leitura como prazer. Duvidamos de que a forma como tal “hábito” de leitura é incutido colabore para a formação de leitores, críticos, curiosos e informados. Será possível formar verdadeiros leitores com a ausência de

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programas que estabeleçam atividades coerentes à realidade e ao aprendizado do aluno, e com a falta/ineficácia da biblioteca escolar? Acreditamos que não. Os sentidos discursivizados pela Portaria nº. 584 dialogam com os veiculados pelo documento “Biblioteca na Escola”, o último documento oficial analisado. Apesar de considerar a existência de um “espaço” para a biblioteca escolar, os sentidos “tortos” atribuídos à esta instituição permanecem. O “Biblioteca na Escola” constitui-se como um manual, que visa descrever as ações que devem ser realizadas pelo professor que, neste contexto, assume o papel de bibliotecário e mediador de leitura, como se estivesse preparado para exercer, também, tais funções, apenas lendo manuais como este. Aborda-se como o professor deve montar uma biblioteca, trabalhar a leitura, que atividades deve realizar, normatizado pelo uso de verbos no imperativo (“procure”, “organize”, “mantenha”, “prepare”, “busque”, etc.). O largo uso de “você” apontam para ações exclusivas do professor e para a ausência do governo, que não se inclui realmente no discurso, não aponta o que ele deve proporcionar e implementar, qual o seu papel neste processo, como podemos observar nos seguintes recortes:

Se sua escola não dispõe de uma biblioteca ou de uma sala de leitura, vamos dar algumas dicas para ajudá-lo a encontrar alternativas. (BRASIL, 2006, p.9 grifos nossos).

Procure um lugar onde seja possível acondicionar as obras, de preferência com espaço para os leitores transitarem. Em outra sala, coloque mesas, cadeiras, almofadas, bancos, para que os leitores possam ler acomodados. Se também não houver um local fechado, e se os livros estiverem em outro espaço, você pode criar um ambiente agradável à leitura ao ar livre, como o pátio da escola, ou, ainda, uma varanda. (BRASIL, 2006, p. 10, grifos nossos).

Na maioria das vezes, não será possível ter um acervo tão completo como o que sugerimos a seguir, mas o importante é começar devagar e, aos poucos, ir adquirindo - por compra, troca ou doação - obras, móveis e equipamentos. (BRASIL, 2006, p. 12, grifos nossos).

Se for possível, agende um passeio em alguma editora da cidade. Essas visitas costumam render bons frutos. (BRASIL, 2006, p. 31, grifos nossos).

O governo só se mostra no discurso, quando se aponta uma ação (considerada benéfica, certamente) já realizada, e não as ações futuras a serem desempenhadas, tampouco as ações que implicam o presente:

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Se você ou outros professores da escola puderem, será interessante fazer uma surpresa: prepare a apresentação de um poema ou a leitura de um conto, ou, ainda, a encenação de uma peça teatral - obras desses gêneros foram disponibilizadas pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola. (BRASIL, 2006, p. 16, grifos nossos).

Por meio do discurso autoritário, presente nas marcas repetitórias “deve”, “é preciso”, são distribuídos os papéis a serem realizados no contexto educacional, não se deixando margem para outras possibilidades, para a inserção de outros sujeitos, para uma outra imagem de biblioteca e das atividades que nela se realizam. Marcar o dever, a precisão e a necessidade faz falar um modo de estar na linguagem, em que pese o silenciamento, apagamento do prazer e da liberdade e em que se faça valer apenas a obrigação. Ressaltamos que, assim como na portaria analisada, o profissional da informação é apagado, banido do discurso, mas no “Biblioteca na Escola”, observamos um mecanismo diferente: este profissional não é apagado apenas através da sua ausência, mas sim, por meio da figura do professor, que toma o seu lugar no discurso, já que este será tratado como o único responsável pela biblioteca escolar. Temos, assim, o uso de outro recurso metonímico, em que se emprega “professor” ao invés de “profissional da informação” e, mais uma vez, este silenciamento é visto como natural. Recalcados os recursos humanos adequados para o seu funcionamento, a biblioteca escolar sofre uma das muitas formas de sua restrição neste discurso. Observarmos que uma outra forma de redução da biblioteca escolar se refere ao modo como ela é nomeada neste documento. Ao ser empregado o termo “sala de leitura” como sinônimo de “biblioteca escolar”, simplifica-se o seu conceito:

Nome da escola ou da biblioteca/ sala de leitura. (BRASIL, 2006, p. 15, grifos nossos).

Convide os alunos, pais, irmãos, amigos para conhecer a biblioteca ou espaço de leitura e faça uma grande confraternização. (BRASIL, 2006, p. 16, grifos nossos).

ideal é que a escola tenha um local destinado ao armazenamento de livros e de outros suportes impressos que permita aos alunos vivenciar a experiência da leitura em um espaço privilegiado como a biblioteca ou a sala de leitura. (BRASIL, 2006, p. 9, grifos nossos).

Considerados equivalentes, os termos “sala de leitura” e “biblioteca escolar” significam um lugar em que (apenas) se armazena materiais impressos e se lê, apagando-se, assim, os sentidos que tratam a biblioteca como uma unidade de informação voltada para o

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ensino e aprendizagem, na qual se realizam diversas atividades educativo-culturais, contando, para tanto, com o acesso a um acervo diversificado que inclui materiais eletrônicos e diversos outros recursos. O discurso pelo qual se percebe a biblioteca, neste documento, pode ser representado pelo termo “sala”, visto que esta instituição é caracterizada, predominantemente, através de seu aspecto físico:

um lugar agradável e prático para a leitura e guarda organizada de livros e periódicos. (BRASIL, 2006, p. 9, grifos nossos).

lugar onde seja possível acondicionar as obras. (BRASIL, 2006, p. 10, grifos nossos).

local destinado ao armazenamento de livros e de outros suportes impressos. (BRASIL, 2006, p. 9, grifos nossos).

Reforça-se, assim, a imagem estereotipada da biblioteca “tradicional”, considerada ultrapassada, estática e restrita. Discursiviza-se o local, o lugar, o espaço sem a presença humana, como se isso bastasse. Em tais formulações, os sujeitos-escolares e o sujeitobibliotecário não são nomeados nem falados. E esse silenciamento, apagamento é ideológico, pois parece evidente substituir o humano pelo físico. A função principal atribuída à biblioteca escolar e ao governo é o provimento da leitura, que, ilusoriamente, seria resolvido por meio dos programas de distribuição de obras didáticas e literárias, e pela confecção de manuais como o documento em questão, ficando o resto a cargo dos professores. Entretanto, sabemos que tais medidas não são suficientes. Quando se recomenda o que se deve fazer para preparar o “espaço da leitura”, e o que ele deve conter, são mencionados recursos e materiais que não são providos pelo governo, fazendo com que esta representação de “biblioteca” não ultrapasse a fronteira do imaginário:

Vamos então, à composição e organização do acervo. Ele deve ser o mais diversificado possível, para contemplar os mais diferentes interesses, gostos, motivações. Assim, quanto maior for a diversidade de títulos disponíveis no acervo, maior a probabilidade de ampliação do universo de referências do leitor. Além de livros e revistas, procure incluir outros suportes como DVD, CD, pôsteres, cartazes, fotografias, reproduções de obras de arte. (BRASIL, 2006, p. 12, grifos nossos).

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Como os motivos que levam o leitor a procurar uma biblioteca ou espaço de leitura diferem, este local deve contar com cadeiras e mesas para estudo individual, mesas redondas para estudo em grupo e também um local para aqueles que querem apreciar um bom livro. É comum a utilização de almofadas, pequenos sofás, tapetes ou esteiras, de forma a proporcionar conforto ao leitor em um momento de lazer. (BRASIL, 2006, p. 11-12, grifos nossos).

Os sentidos veiculados pelo referido documento procuram fazer com que os professores creiam que, diante da impossibilidade de concretizar-se esta imagem ideal do “espaço da leitura”, eles devem assumir seu papel de aproximá-lo, da melhor maneira possível, do padrão adequado. Para tanto, são lhes recomendados meios para driblar a falta de recursos, como se ela não passasse de uma fatalidade, e os meios não devessem ser fornecidos pelo governo:

se a opção for a sala de aula, ela pode receber estantes, caixas de madeira ou papelão forradas, ou até mesmo umas sapateiras – daquelas utilizadas nas aulas de Matemática – estrategicamente dispostas em um canto agradável da sala. (BRASIL, 2006, p.10).

Se também não houver um local fechado, e se os livros estiverem em outro espaço, você pode criar um ambiente agradável à leitura ao ar livre, como o pátio da escola, ou, ainda, uma varanda. (BRASIL, 2006, p. 10).

Concordamos com a idéia de que, quando não haja condições adequadas, os profissionais atuantes na escola e biblioteca devem procurar alternativas para os problemas e a falta de recursos, porém, é inadmissível que os sujeitos-políticos enunciem da forma apresentada nestes documentos, eximindo-se de suas responsabilidades legais e imprimindo sentidos que levem à conformidade perante tal irresponsabilidade. Por fim, reforçamos que este documento apaga qualquer reflexão sobre a unidade de informação escolar, constituindo-se como um manual de formação e uso de mais um espaço da escola: a biblioteca. Sendo assim, quando os professores e outros profissionais escolares adotam documentos como este, empregando-os como norteadores das atividades a serem realizadas, propagam-se os sentidos que restringem e deturpam a concepção de biblioteca, constituindo um já-dito cristalizado que dificulta a emergência de outros discursos, a possibilidade de outras maneiras de ver e significar a biblioteca e atividades como a leitura e a pesquisa escolar.

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5. 2 A voz nos/dos documentos científicos Nesta seção, analisamos dezenove documentos científicos (artigos e trabalhos apresentados em eventos) que discursivizam sentidos sobre a biblioteca escolar. Antes de falarmos sobre estes documentos, é importante observarmos que esta instituição vem sendo mais discutida, tendo ganho, ultimamente, um pouco mais de visibilidade, com a criação de grupos de estudos e a realização de encontros de pesquisa sobre o tema, dentre outras ações que refletem na produção da literatura científica sobre a biblioteca escolar. Entretanto, apesar desse aumento gradativo, marcamos que ainda há um déficit de literatura sobre o tema, se compararmos com outros concebidos como mais “modernos”. Marcamos que é muito importante que a biblioteca escolar seja abordada e discutida, para que ela possa ocupar a posição de destaque que merece. Ao longo de nossa análise, fomos percebendo que os dizeres científicos sobre a biblioteca escolar se filiavam, principalmente, a duas formações discursivas principais, que não são estanques, estando presentes, muitas vezes, em um mesmo discurso enunciado pelo sujeito-profissional e sujeito-pesquisador. A primeira dessas FD’s corresponde ao imaginário de valorização e idealização da biblioteca escolar e a segunda se refere aos sentidos que concebem esta instituição de forma mais restrita e negativa. Faremos agora um passeio por esta primeira forma de discursivizar a biblioteca escolar. Inferimos que são recorrentes os sentidos que enunciam os “novos discursos” sobre uma biblioteca escolar mais valorizada e moderna, que se insere em uma sociedade informacional. Neste contexto, a biblioteca seria fundamental para o processo de ensino/aprendizagem. Os discursos analisados, assim como muitos outros, bradam em uníssono estas concepções, que estão presentes nos recortes a seguir. Uma forma de valorizar a biblioteca escolar é afastá-la da imagem de um lugar estático de guarda de livros, tratando-a como um dinâmico espaço de troca de saberes:

a biblioteca constitui-se em um lugar de encontro e intercâmbio dos saberes professados e dos produzidos por gerações passadas e atuais, em diferentes contextos, armazenados em diferentes meios e transmitidos por diversificados canais. (CASTRO, 2003, p.64).

Concebida como uma instituição transmissora de conhecimento, a biblioteca escolar é valorizada, nesta FD, como um centro de investigação e aprendizagem indispensável para o ensino:

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Portanto, entre os diversos recursos educativos encontra-se a biblioteca, considerada um recurso indispensável para o desenvolvimento do processo ensino/aprendizagem e formação do educando/educador. (PERUCHI, 1999, p.82, grifos nossos).

Para que a escola tenha o desenvolvimento desejado é necessário a utilização de recursos que facilitem a integração e dinamização do processo ensino-aprendizagem. Entre os recursos existentes, destaca-se a Biblioteca Escolar, instrumento indispensável como apoio educacional, didático-pedagógico e cultural. A Biblioteca Escolar é também elemento de ligação entre professor e aluno na elaboração das leituras e pesquisas, buscando sempre uma melhor metodologia de transmissão do conhecimento, influenciando o hábito da leitura e tornando o aluno mais crítico. (HILLESHEIM; FACHIN, 2000, grifos nossos).

A Biblioteca Escolar é o setor dentro de qualquer instituição de ensino fundamental e médio, que dedica cuidados especiais à criança e ao adolescente. Desta forma, estas bibliotecas são um dos meios educativos, ou seja, um recurso indispensável para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem e formação do educando (AMATO, 1989). (KIESER; FACHIN, 2000, p.1-2, grifos nossos).

A Biblioteca é uma das forças educativas mais poderosas de que dispõem estudantes, professores e pesquisadores. O aluno deve investigar, e a biblioteca é centro de investigação tanto como o é um laboratório para os cientistas. (KIESER; FACHIN, 2000, p.2, grifos nossos).

A biblioteca escolar é considerada como um centro ativo de aprendizagem, possuindo um duplo sentido: “é ao mesmo tempo, um elemento de conservação e um centro de comunicação” (Ibid, p.19), mas o conceito moderno atualiza a função de comunicação, como suporte informacional (MARTUCCI; MILANI, 1999, p.79, grifos nossos).

Dentro deste contexto, a biblioteca escolar fazendo parte da vida acadêmica desde as séries iniciais, necessita assumir um papel importante no processo do conhecimento. Portanto, a organização de todas as informações nela contida deve estar disponível para o uso dos alunos, professores e comunidade. (PINHEIRO; SILVA, 2004, p.1, grifos nossos)

Ressaltamos que este reconhecimento da importância da biblioteca escolar marca um movimento de retomada dos sentidos legitimados no/pelo discurso oficial que atesta, também, a postura elegida, atualmente, como desejável para a biblioteca escolar assumir, assim como, o papel e as funções consideradas mais adequadas. Estas recomendações são extensamente parafraseadas nos documentos científicos, utilizadas como parâmetros para as atividades já realizadas, ou, futuras. Elas se referem às instalações da biblioteca, ao acervo, aos demais tipos de recursos, às posturas a serem adotadas e outras diretrizes que constituem um já-dito que se tornou naturalizado no discurso científico e que aparece sob o efeito de atualização desse já-dito. Apresentaremos, a seguir, alguns recortes que materializam estes sentidos de ordem e estabilização do lugar a ser ocupado pela biblioteca escolar.

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Em relação ao espaço da biblioteca, frisa-se a necessidade de que ele seja agradável e aconchegante, permitindo a plena realização das atividades educativo-culturais:

Para Borba (2000, p. 42) ‘É importante que o local onde se realiza a troca de informações biblioteca seja agradável e convidativo [...].’ Também há a necessidade de espaços próprios para acomodar acervo, usuários e funcionários. (GARCEZ, 2007, p.62).

Boa infra-estrutura é essencial. Bancos acolchoados e pufes espalhados pelo espaço criam um ambiente acolhedor. Dedique atenção especial à iluminação da sala. O piso emborrachado permite que a criança leia sentada no chão e fantasias atiçam a criatividade. (PRADO, 2003, p.2).

O acervo, que é um dos aspectos mais apontados na literatura científica sobre a biblioteca escolar, assume, nesta FD, um efeito de pluralidade que não se restringe ao livro, incluindo vasta gama de recursos de informação e tecnologia, que visam suprir as necessidades de ensino e pesquisa:

a escola por meio da biblioteca, deve fornecer subsídios para que o aluno tenha no decorrer de sua formação acadêmica, um acervo condizente as suas necessidades de estudo e pesquisa. (PINHEIRO; SILVA, 2004, p.7, grifos nossos).

Assim, a coleção da biblioteca deve oferecer uma variedade de fontes de referência como dicionários de língua e especiais, enciclopédias, fontes geográficas e biográficas, almanaques, gramáticas etc. (CAMPELLO et al., 2001, p.76, grifos nossos).

Todo o acervo básico, processo embrionário da formação de bibliotecas escolares, pode e deve ser diversificado, em tipos de material e suportes nos quais é apresentado, afim de compor um centro que estimulará a criança e o adolescente a adquirir o gosto pela leitura. (KIESER; FACHIN, 2000, p.9, grifos nossos).

O uso de recursos hipertextuais e interativos (CAMPELLO et al., 2001, p. 84, grifos nossos).

devem ser estimulados

Por meio destes recursos tecnológicos, a biblioteca escolar é inserida, neste discurso, em um novo contexto sócio-histórico, no qual, ela se desvencilharia das antigas concepções restritas que, por muitas vezes, a prendem a um passado marcado pela estagnação e desprestígio social. Neste novo paradigma, ela é falada como uma moderna instituição promotora do saber na era da informação, que deve ser marcada pela pluralidade, dinamismo e interação com a escola. É interessante observarmos que as formulações abaixo marcam um outro modo de apresentar a biblioteca escolar, fazendo falar um imaginário sobre a própria

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instituição escolar que, como sabemos, está muito distante das condições de produção de muitos enunciados ditos por sujeitos-escolares. Adiantamos aqui, então, a emergência de um litígio discursivo a ser ampliado oportunamente:

Nesse sentido, a biblioteca escolar como um dos meios de transmissão do saber, deve utilizar todos recursos que hoje estão disponíveis para estar engajada nesse mundo repleto de informações, ofertando meios para a comunidade na qual está inserida o acesso a informação atualizada. (PINHEIRO; SILVA, 2004, p.1, grifos nossos).

em função do processo de ensino-aprendizagem, deve criar e manter um ambiente educacional rico, variado e dinâmico que contribua para o desenvolvimento de um currículo ativo e flexível. (MARTUCCI; MILANI, 1999, p. 80, grifos nossos).

deve ser um espaço aberto, de livre acesso e desempenhar funções específica dentro da estrutura escolar, como: participar do planejamento pedagógico; das programação culturais e técnicas escolares. (KIESER; FACHIN, 2000, p.2, grifos nossos).

Diversas outras posturas são recomendadas para que a biblioteca escolar se adeque a este novo contexto, desde aquelas referentes à sua organização (HILLESHEIM; FACHIN, 2000), até às relacionadas às políticas adotadas e ao incentivo à leitura:

Na Educação Infantil e nas primeiras séries do Ensino Fundamental, o ideal é deixar os livros em estantes-caixotes. Mais baixas, elas facilitam a visualização da capa, fator de escolha para quem não lê bem. Se tiverem rodinhas, elas podem ser levadas ao pátio. (PRADO, 2003, grifos nossos).

a hora do conto pode ser na Escola um momento interessante para o incentivo à leitura conforme afirma Malba Tahan no seu livro A arte de ler e contar história, ao indicar as finalidades didáticas das histórias infantis, tais como o desenvolvimento de atitude favorável diante da leitura; ocupação sadia das horas vagas; enriquecimento do vocabulário; facilidade de expressão; aperfeiçoamento da linguagem e da capacidade de atenção, aquisição de novos conhecimentos e orientação do pensamento. (SILVA, 1998, p.176, grifos nossos).

Uma Biblioteca Escolar que visa a interação de alunos, professores e informação para facilitar o processo ensino-aprendizagem, deve ter: - horário adequado e flexível aos usuários; seleção adequada do acervo ao seu usuário; organização e estruturas definidas; acesso livre, com empréstimo domiciliar; políticas desenvolvidas entre o bibliotecário e outros profissionais da escola para incentivar a leitura; conhecimento dos motivos que levam o aluno à biblioteca; investimento na atualização do acervo é torná-lo cada vez mais adequado à clientela escolar; investimento na constante atualização do profissional habilitado; atividades de integração entre professores e bibliotecários. (KIESER; FACHIN, 2000, p.12, grifos nossos).

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em relação à leitura, deve contribuir para o desenvolvimento de experiências que estimulem a leitura como fonte de informação e prazer e com isso formar o leitor autônomo, crítico e criativo. (MARTUCCI; MILANI, 1999, p.80, grifos nossos).

Outra regularidade nesta FD diz respeito às diretrizes que, especificamente, os acadêmicos e os profissionais da informação devem seguir para que possam emergir estes novos sentidos de biblioteca escolar:

As Escolas de Biblioteconomia deveriam trabalhar e buscar constantemente o trabalho em parcerias com os diversos tipos de bibliotecas e em especial com as escolares, para tornar possível que os futuros profissionais conheçam as atividades e a realidade das bibliotecas escolares. Além disso, estariam colaborando para a valorização e fortalecimento da Biblioteca Escolar, mostrando que a biblioteca na escola pode colaborar nas atividades de ensino-aprendizagem, transformando os seus alunos em cidadãos críticos e criativos, além de leitores natos. (HILLESHEIM; FACHIN, 2000, grifos nossos).

E para o bibliotecário, já 1994, Graça Maria Fragoso (1994) mencionava que é necessário promover a produção de textos, incentivar o leitor a recriar o que vivência e nesse ambiente dinâmico incorporar as novas tecnologias de informação e comunicação. (BLATTMANN; CIPRIANO, 2005, grifos nossos).

O bibliotecário no ambiente educacional precisa estar apto a desenvolver o papel de educador quando criar políticas internas para incentivar a prática cultural na biblioteca entre as quais em organizar mostras culturais, contação de histórias, sessões de teatro e cinema, dia de autógrafo com autores, gincanas de leitura e interpretação, criação de textos entre outros. (BLATTMANN; CIPRIANO, 2005, grifos nossos).

Estes profissionais, juntamente com os educadores, são apontados como os principais agentes de mudanças nas bibliotecas escolares, sendo-lhes atribuídos papéis, diretrizes e objetivos que devem ser cumpridos, visto que são legitimados pela autoridade conferida aos discursos científicos e, também, aos oficiais, nos quais eles se apóiam, os chamados “discursos da verdade”, dos quais já tratamos. Estes dizeres oficiais constituem uma heterogeneidade constitutiva no discurso científico e, também, uma regularidade deste funcionamento discursivo, como se pode observar em alguns recortes selecionados:

O problema da exigüidade das coleções, já superado em países desenvolvidos, ainda persiste na realidade brasileira e precisa ser enfrentado, como passo importante para se alcançar a diversidade do acervo sugerida pelos organismos interessados na biblioteca escolar, que permita a biblioteca propiciar o acesso efetivo aos materiais e apoiar a formação de leitores competentes e cidadãos críticos e responsáveis. (ABREU et al., 2004, p.31, grifos nossos).

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Assim, a biblioteca no ambiente educacional tem como função desenvolver também atividades de ensino, cultura e lazer, além de despertar o gosto pela leitura, preparando o indivíduo para assumir uma atitude crítica aos problemas de uma sociedade mutante e transnacional. (BLATTMANN; CIPRIANO, 2005, grifos nossos).

A biblioteca, indiferente se no ambiente educacional, empresarial, na comunidade, precisa centrar ações para estimular o prazer da leitura nos diferentes níveis. (BLATTMANN; CIPRIANO, 2005, grifos nossos).

Fica claro, a partir do exposto, que o papel da biblioteca escolar é fundamental para a formação do cidadão crítico, consciente e autônomo. (KIESER; FACHIN, 2000, p.6, grifos nossos).

Daí, porque, a formação do leitor mais complexo e crítico deverá contribuir para fornecer bases para a aprendizagem ao longo de toda a vida, não só dentro da escola ou no trabalho, mas independente deles. (CARVALHO; PONTES, 2003, p.341, grifos nossos).

Embora não mencionados, percebemos o diálogo existente entre estes recortes e os documentos analisados, como o Manifesto IFLA/UNESCO para biblioteca escolar e a Declaração Política da IASL sobre Bibliotecas Escolares. Por meio deles, propagam-se, repetidamente, os sentidos acerca dos papéis da biblioteca escolar em relação à promoção da informação e do conhecimento, para que se estimule, através da leitura e aprendizagem constantes, a formação de um cidadão crítico e responsável. Nos recortes abaixo, podemos observar a presença marcada dessas outras vozes que instauram estes e outros sentidos sobre o papel da biblioteca escolar e, também, do profissional da informação:

Nesse sentido, a International Association of School Libraries – IASL, por exemplo, no documento em que expõe sua política com relação à biblioteca escolar, declara que ela deve contar com “uma ampla gama de recursos, tanto impressos como não impressos, incluindo recursos eletrônicos e acesso a informações que promovam a consciência da própria herança cultural das crianças e forneçam a base para o entendimento da diversidade de outras culturas” (IASL, 1995). A Unesco, no seu Manifesto sobre as Bibliotecas Escolares também recomenda acervos variados. (ABREU et al. 2004, p.22, grifos nossos).

A Federação Internacional de Associações de Bibliotecários e Instituições (IFLA) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), consideram fundamental o envolvimento do bibliotecário escolar, no sentido de que este possa diagnosticar e apontar alternativas para que os objetivos da biblioteca sejam alcançados, e expressam no Manifesto IFLA/UNESCO para Biblioteca Escolar (2005, p. 3) que ‘O bibliotecário escolar é o membro profissionalmente qualificado, responsável pelo planejamento e gestão da biblioteca escolar’. (GARCEZ, 2007, p.59-60, grifos nossos).

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O Manifesto IFLA/UNESCO para Biblioteca Escolar (2005, p. 2) defende que a escola através de sua biblioteca ‘ [...] [ofereça] oportunidades de vivências destinadas à produção e uso da informação voltada ao conhecimento, à compreensão, imaginação e ao entretenimento [...].’ (GARCEZ, 2007, p.61, grifos nossos).

Além da retomada dos dizeres presentes nos documentos oficiais que analisamos, outros documentos são tidos como padrão, como “prova” do que é autorizado circular acerca da biblioteca escolar e das atividades que se realizam em seu ambiente. Dentre eles, destacamos os documentos do MEC, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o Modelo Flexível para um sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (da Organização dos Estados Americanos) e a obra de Kuhlthau (2004), que se constitui como um “guia de atividades (realizadas, preferencialmente no interior das bibliotecas) a apresentar uma metodologia para o ensino do uso de recursos informacionais e a pesquisa escolar”. Seguem alguns recortes que materializam esta retomada de sentidos:

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a leitura é sempre um meio, nunca um fim. Por isso, na escola ela deve ter várias funções, pois é diferente ler para se divertir, ler para escrever, ler para estudar, ler para descobrir algo que deve ser feito etc. Os PCN recomendam que o acervo da biblioteca seja variado, que nos momentos de leitura livre o professor leia junto com a turma e que os alunos também possam, em alguns momentos, escolher as próprias leituras e levar os títulos para casa. (PRADO, 2003, p. 3, grifos nossos).

O texto foi organizado por área e dentro de cada área por nível (educação infantil e ensino fundamental), traçando-se um perfil do acervo da biblioteca escolar necessária a um projeto pedagógico nos moldes sugeridos pelos PCN. (CAMPELLO et al., 2001, p.72 grifos nossos).

No Brasil não existem documentos institucionais que delineiem o acervo ideal de uma biblioteca escolar. O Modelo Flexível para um Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares, traduzido por Walda Antunes e que teve ampla divulgação no país na década de 1980, sugere basicamente as mesmas características já mencionadas [...] (ABREU et al. 2004, p.23, grifos nossos).

A Organização dos Estados Americanos (1985, p. 21) conceitua a biblioteca escolar como um centro de aprendizagem [...] (VIANNA; CALDEIRA, 2004, p.1, grifos nossos).

Dentre essas conseqüências apontamos um estudo recente e inédito do Ministério de Educação e Desporto (MEC) mostrando que apenas 5% dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental demonstram habilidades de leitura compatíveis com a série que cursam. (CARVALHO; PONTES, 2004, p.1, grifos nossos)

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Com cada faixa etária é possível um tipo de trabalho diferenciado na biblioteca. As sugestões a seguir foram criadas por Carol Kuhlthau, da Rutgers University, nos Estados Unidos, em seu livro Como Usar a Biblioteca na Escola. (PRADO, 2003, p.2, grifos nossos).

Sendo assim, todas essas vozes, legitimadas pela ideologia, se cruzam nos discursos científicos, (res)significando a biblioteca escolar a partir de um lugar em que pese a necessidade de normatização, recomendações sobre a importância e um suposto lugar de destaque. Tanto os dizeres que conceituam a biblioteca como uma importante instituição da sociedade da informação, quanto aqueles que recomendam as práticas que devem ser seguidas para a sua inserção neste paradigma, inserem-se na primeira formação discursiva que apontamos, visto que delineiam a biblioteca escolar como um órgão importante, valorizado e imprescindível na escola e na sociedade brasileira, sem levar em consideração se esta posição discursiva corresponde à sua posição social. Marcamos que é importante o reconhecimento da biblioteca escolar e a existência destes parâmetros, para que o profissional atuante na biblioteca saiba o que é esperado do seu trabalho e que possa direcionar suas ações profissionais para tais objetivos, tentando executálas da melhor forma. Entretanto, ressaltamos que se deve analisar o contexto no qual a instituição se insere, aproximando este arquétipo de biblioteca “ideal”, de um padrão “real”, possível de ser alcançado. Por isso, julgamos ser importante levar em conta as condições de produção dos discursos e os movimentos de sentidos e sujeitos que nos permitem interpretar/ considerar o sócio-histórico-ideológico e o lingüístico inscritos no momento da enunciação. Os sentidos sobre a biblioteca escolar, que se inserem na segunda formação discursiva apresentada, levam-nos a observar as concepções restritas que lhe são, frequentemente, delineadas e os problemas que enfrenta. Ressaltamos que tais dizeres são sustentados por suas críticas condições de produção, influindo na valorização da biblioteca. Já apontamos, no capítulo 3, através de um breve passeio pela sua trajetória na história educacional brasileira, as dificuldades e restrições a que as biblioteca escolares (especialmente as da rede pública) estiveram, e ainda estão, submetidas. Nesta seção, analisamos os discursos que enfocam esta limitação, e como eles constroem um imaginário que “congela” a biblioteca, influindo nos seus movimentos de ressignificação no cenário nacional. Observamos que é através dos discursos que conferem à biblioteca escolar uma postura passiva, privilegiando seu aspecto físico de depósito organizado de materiais, que esta instituição pode ser vista de forma restrita. Tais sentidos silenciam outros, que consideram-na

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como um centro dinâmico de aprendizagem, de troca, e não, simplesmente, de acúmulo de saberes. Seguem alguns recortes em que se pode observar esta inscrição:

Considerando-se que a biblioteca constitui geralmente o espaço coletivo que abriga os suportes, procurando garantir seu acesso de forma democrática (CAMPELLO et al., 2001, p.72, grifos nossos).

A biblioteca escolar constitui, desta forma, uma instituição do sistema social responsável pela organização de materiais bibliográficos e não-bibliográficos, devendo disponibilizá-los para leitura e uso por toda a comunidade escolar: alunos, professores, pesquisadores, funcionários e a população em seu entorno. (VIANNA; CALDEIRA, 2004, p.1, grifos nossos).

A biblioteca seria, assim, o exemplo de modelo alternativo, onde o receptor passa a ser o sujeito ativo do processo de comunicação, por se constituir no lugar onde as informações são estocadas e ficam à disposição do receptor que se dirige a elas e as escolhe - na condição de sujeito da comunicação - recebendo-as de acordo apenas com seus interesses e motivações. O desafio da biblioteca é, portanto, situar-se no contexto dos sistemas de comunicação da sociedade, preservando seu modelo peculiar e, mais do que isso, criando condições para que os outros sistemas se adaptem ao dela. Assim, a simples disponibilização do acervo conferiria à biblioteca uma dimensão pedagógica. (ABREU et al., 2004, p.20, grifos nossos).

Assim, privilegiando-se os sentidos de guarda, a biblioteca é concebida de forma limitada, ignorando-se as inúmeras atividades de mediação do acervo, e tantas outras, que dão vida à uma biblioteca escolar. Esta visão arcaica escapa, até mesmo, nas falas de sujeitos que pensam enunciar a biblioteca de uma forma mais moderna, ao considerar o “acesso de forma democrática”, a presença de “materiais bibliográficos e não-bibliográficos”, a atuação no “contexto dos sistemas de comunicação”, etc. É interessante observamos como estes dizeres mais restritos retomam, pela memória discursiva, os mesmos sentidos enunciados, há séculos, para as bibliotecas. Chartier (1999, p.70, grifos nossos) apresenta uma concepção de biblioteca, do fim do século XVII, presente no Dictionnaire de Fuetière (1690):

A primeira acepção é a mais clássica: ‘Biblioteca: aposento ou lugar onde se colocam livros; galeria, construção cheia de livros. Diz-se também de livros que são geralmente arrumados sob construções compridas e em arcos’. Segue-se um segundo sentido que designa não mais um espaço, mas um livro: ‘Biblioteca é também uma coleção, uma compilação de várias obras da mesma natureza, ou de autores que compilaram tudo que se pode dizer de um mesmo tema’

Esta visão de biblioteca, após mais de trezentos anos, ainda é amplamente difundida, podendo referir-se, infelizmente, às bibliotecas escolares. Nos recortes acima, observamos a circulação de sentidos que reforçam a biblioteca como um espaço físico, um mero ‘aposento”,

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algo que já observamos nos documentos oficiais com a repetição dos significantes “local”, “lugar”. A acepção de biblioteca como coleção de livros, como vimos, é hegemônica nos documentos oficiais brasileiros que analisamos. Assim, percebemos que estes sentidos seculares insistem em retornar nos discursos contemporâneos, constituindo um já-dito presente nos vários e diferentes textos analisados, que indicia a pequena evolução desta importante unidade de informação, ao longo do tempo. As marcas dessa falsa relação de sinonímia “biblioteca = acervo”, podem ser encontradas nos trabalhos científicos analisados que, em grande parte, conferem um amplo destaque para as questões referentes à coleção da biblioteca. Marcamos que é, sob o efeito ideológico da repetição, que os sentidos são e formam-se cristalizados e tomados como unívocos. Neste sentido, assinalamos a existência de textos cujo objetivo é apresentar, simplesmente, um estudo de caráter quantitativo e normativo do acervo, como se pode observar nos recortes abaixo:

No sentido de aprofundar o conhecimento sobre os acervos, a presente pesquisa procurou verificar o tamanho da coleção na perspectiva da quantidade de livros disponíveis para os alunos. Essa abordagem foi escolhida, tendo em vista que é a utilizada na maioria dos padrões quantitativos existentes, possibilitando comparações. (ABREU et al., 2004, p.20).

O texto foi organizado por área e dentro de cada área por nível (educação infantil e ensino fundamental), traçando-se um perfil do acervo da biblioteca escolar necessária a um projeto pedagógico nos moldes sugeridos pelos PCN. (CAMPELLO et al., 2001, p.72, grifos nossos).

Assim, a coleção da biblioteca deve oferecer uma variedade de fontes de referência como dicionários de língua e especiais, enciclopédias, fontes geográficas e biográficas, almanaques, gramáticas etc. (CAMPELLO et al., 2001, p.76, grifos nossos).

Assim, aponta-se o número de materiais disponibilizados por alunos, se há, ou não, acesso às informações eletrônicas, por quais materiais deve ser composto o acervo, dentre outras informações traduzidas em números, tabelas e diretrizes, que pouco mostram e/ou levam a uma reflexão sobre a importância e a real função da coleção. A biblioteca não deve ser reduzida a um acervo que, para nós, não pode ser visto como um fim, mas, como um meio, adquirindo importância na medida em que é planejado, adequado às necessidades, mediado e difundido, devendo, assim, ser considerado de forma menos mecânica. As informações referentes a um diagnóstico do acervo são importantes, mas devem ser o primeiro passo para uma série de outras discussões que insiram a biblioteca no patamar desejado. Da mesma

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forma, ao serem apresentados os vários problemas enfrentados pelas bibliotecas escolares, o intuito não deve ser apenas o de lamentar as condições precárias, mas sim, chamar a atenção para a biblioteca escolar. Fazendo parte desta rede de efeitos de depreciação a respeito da biblioteca escolar, os dizeres que apontam a sua desvalorização social, precariedade e, até mesmo, a sua inexistência estão presentes na quase totalidade dos textos analisados, e em muitos outros que observamos. Estes dizeres, inscritos em outra formação discursiva, são conseqüência das condições de produção dadas pelas grandes dificuldades presentes no sistema educacional, desde a instalação da primeira escola brasileira. Seguem alguns recortes, nos quais se pode observar estes sentidos que se relacionam, principalmente, às bibliotecas escolares da rede pública de ensino:

As bibliotecas nunca foram consideradas elementos importantes no sistema educacional brasileiro, seja no ensino fundamental e médio ou mesmo nas universidades onde, muitas vezes, são consideradas apêndices. (KIESER; FACHIN, 2000, p.8, grifos nossos).

Dada a magnitude da rede escolar brasileira, ANTUNES (1993) afirma que 99% das escolas brasileiras teriam que fechar as suas portas, se a existência de bibliotecas fosse condição sine quanon para seu funcionamento. (PERUCHI, 1999, p.83, grifos nossos).

Entretanto, analisando o panorama educacional brasileiro, não são muitos os exemplos de bibliotecas escolares que alcançaram o patamar de qualidade de serviços preconizados. (VIANNA; CALDEIRA, 2004, p.2, grifos nossos).

As escolas londrinenses ainda não descobriram todo o potencial da biblioteca no processo educativo e, principalmente, seu inegável papel no desenvolvimento do conhecimento e das habilidades intelectuais do aluno. (OLIVEIRA; MORENO, CRUZ, 1999, p.48, grifos nossos).

Diretores e coordenadores pedagógicos, de modo geral, expressaram preocupação com as dificuldades relativas a leitura dos alunos; mas, quanto à biblioteca, há um desconhecimento do que realmente seja esta instituição, enquanto órgão basilar para o desenvolvimento do ensino aprendizagem. (CARVALHO; PONTES, 2003, p.346, grifos nossos).

A questão da deficiência, ou mesmo inexistência, de bibliotecas escolares não tem merecido estudo aprofundado por bibliotecários e pedagogos acarretando sérias conseqüências para a educação pública brasileira [...] (CARVALHO; PONTES, 2004, p.1, grifos nossos).

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Das mais de 172 mil escolas de Ensino Fundamental, apenas 46 mil contam com biblioteca ou sala de leitura. O quadro melhora no Ensino Médio, com 81% das unidades aparelhadas. Além disso, muitas crianças brasileiras nascem em lares com pouco material escrito. (PRADO, 2003, p.1, grifos nossos).

os alunos têm sentido a falta da Biblioteca como apoio às suas necessidades de informação; a comunidade escolar tem percebido a falta de investimentos na Biblioteca pelo pouco espaço existente, pelo acervo pequeno e desatualizado e pela falta de acesso à Internet. (GARCEZ, 2007, p. 72, grifos nossos).

Os recortes acima significam sentidos de abandono e o esquecimento, aos quais estão submetidas grande parte das bibliotecas escolares existentes no Brasil, marcando uma posição-sujeito antagônica àquela dada pelos discursos oficial e científico, marcados pela normatização e pelo endeusamento da biblioteca escolar. Observamos ainda, os discursos que apontam, a natureza dos recursos faltantes a estas bibliotecas:

Com base na pesquisa, concluiu-se que: a biblioteca encontra diversos entraves para sua criação e funcionamento satisfatório. E nas escolas que possuem biblioteca, essas funcionam em estado precário, faltando materiais adequados, local apropriado, funcionário disponível e qualificado para orientar alunos e professores e diversificação do acervo, sendo que o acervo em geral é pobre e não se renova. Existem poucas bibliotecas escolares, e as existentes não satisfazem as necessidades de seus usuários. (PERUCHI, 1999, p.94, grifos nossos).

No Brasil, vários indicadores apontam para um quadro pessimista de implantação, desenvolvimento e atuação das bibliotecas escolares, expressando sua precariedade de condições: falta de espaço físico adequado, de mobiliário e equipamentos, falta de política de desenvolvimento de coleções, falta de pessoal em número e qualificação, falta de programas de capacitação de pessoal. (MARTUCCI; MILANI, 1999, p.83, grifos nossos).

Esta carência de recursos, como podemos observar em Garcez (2007, p.59, grifos nossos), de tão constante, é tida como natural, conhecida por todos, sendo extensamente propagada e repetida pela literatura científica:

Sabe-se que as dificuldades enfrentadas para equipar a biblioteca escolar são significativas, e que a falta de recursos pode comprometer a qualidade dos serviços e produtos de qualquer segmento de uma instituição, mas é na biblioteca que se percebe que estes recursos demoram a chegar.

Alguns tópicos referentes às bibliotecas escolares, ditos anteriormente pela formação discursiva dominante como atrativos e como efeito de conquista, são frequentemente apresentados como os pontos mais críticos, dentre eles, destacamos: o acervo, os recursos financeiros, materiais, eletrônicos e humanos:

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Embora não haja no Brasil parâmetros absolutos para comparação, pode-se dizer que a média de livros por aluno (3,56) é muito baixa. (ABREU et al., 2004, p.31, grifos nossos).

Os acervos das bibliotecas pesquisadas estão sobrecarregados com materiais não apropriados (livros didáticos e livros do acervo de classe), resultado que parece refletir uma prática comum em bibliotecas de escolas públicas.. (ABREU et al., 2004, p.30, grifos nossos).

A realidade da biblioteca escolar tem mostrado que a falta de recursos é fator decisivo para que a coleção vá se formando quase que exclusivamente por doações, o que, na maioria das vezes, têm comprometido a qualidade e afastado os leitores, quer pela baixa atratividade do material, quer pela inexpressiva relevância do mesmo. (GARCEZ, 2007, p.62, grifos nossos).

A biblioteca escolar não dispõe de equipamentos próprios e, se dispuser de algum, este é uma máquina de escrever. (MARTUCCI; MILANI, 1999, p.92, grifos nossos).

É muito pequeno o número de bibliotecas que possuem computadores ligados à internet: apenas 3 das 63 pesquisadas. (ABREU et al., 2004, p.28, grifos nossos).

O acesso ao acervo da biblioteca disponibilizado em base de dados e o acesso à Internet respondem a tais expectativas, mas não estão disponíveis à maioria dos estudantes. (GARCEZ, 2007, p.62, grifos nossos).

Como falta o profissional bibliotecário e treinamentos necessários para os professores lotados nas bibliotecas, esses se limitam na tentativa de suprir essa lacuna. Reclamam a escassez de treinamento oferecido pela instituição para que possam, pelo menos, exercer o papel de auxiliares de bibliotecários. (CARVALHO, 2006, p.77-78, grifos nossos).

Trata-se, por exemplo, do pessoal não qualificado que atua nas bibliotecas escolares; na maioria dos casos, muitas contam com professores ou agentes administrativos que não estão mais aptos a exercerem suas atividades específicas. Estas pessoas não se interessam pelos trabalhos e serviços biblioteconômicos e sequer se interessam pelas necessidades dos usuários. (KIESER; FACHIN, 2000, p.8-9, grifos nossos).

As bibliotecas escolares em atividade possuem praticamente um funcionário, em geral um Professor III, com formação universitária, que divide sua jornada de trabalho docente com o trabalho na biblioteca ou que ali trabalha por ser readaptado e não ter condições de saúde para o exercício regular da função docente. (MARTUCCI; MILANI, 1999, p.92, grifos nossos).

Ressaltamos que a identificação e o entendimento dos problemas existentes são extremamente importantes para que haja mudanças; para tanto, é necessário que, ao invés de se lamentar as dificuldades, sejam propostas soluções, tratando-se os problemas de forma

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menos superficial, buscando-se entender suas origens, a exterioridade que os constitui. Marcamos novamente o litígio de formações discursivas em relação ao nosso objeto. Em consonância com a FD dominante, a biblioteca teria seus sentidos de ampliação, extensão e valorização postos em discurso a partir dos mesmos elementos que, na FD contrária, instalam efeitos de déficit. Como já dissemos, os dizeres sobre a biblioteca escolar, sofrem grande influência das condições em que são produzidos. Longe das dificuldades vividas nas escolas públicas, a produção de sentidos sobre a biblioteca de uma escola particular se mostra bem diferente, contando, de forma mais movimentada e alegre, uma realidade que é tão próxima do imaginário utópico sobre uma genuína biblioteca escolar: Ao iniciar meu trabalho (há quatro anos e meio), me deparei com uma rotina escolar que jamais havia visto e para o qual o academismo da universidade não me havia preparado. Eram crianças de pré-escola indo buscar livros na biblioteca, rodas de debate literário nas salas de aula, seminários de livros entre classes, resenhas literárias e uma infinidade de crianças que entravam na biblioteca comentando sobre os livros que leram, sugerindo a compra de mais exemplares de determinado livro, contra indicando outros e dando suas opiniões sobre autores e ilustradores com tamanha desenvoltura que me impressionava. (PATENTE, 1998, p. 172).

Em relação às bibliotecas escolares da rede pública de ensino, Souza (2005), nos oferece um relato de experiência mais positivo, que mostra como uma biblioteca de escola pública pode ser um ambiente dinâmico e se aproximar do padrão recomendado nos discursos dos órgãos internacionais que analisamos. Observamos, neste artigo, a emergência de diferentes sentidos para a biblioteca escolar, pelos quais, não se aborda apenas diretrizes a serem seguidas, supervaloriza imaginariamente a biblioteca, tenta inseri-la em um falso paradigma ou enumera os seus problemas, mas sim, mostra-se o resultado benéfico da união entre teoria e prática. Os números e dados apresentados não são preocupantes estatísticas que mostram a escassez de recursos e a desvalorização da biblioteca, mas sim, as atividades realizadas, a quantidade de alunos beneficiados e outros dados que inserem a biblioteca em uma outra posição discursiva que dialoga com sua posição social. Gostaríamos de ver mais relatos como estes, que sinalizassem uma valorização da biblioteca, a ocupação de outros lugares. É interessante ressaltar que, as doações realizadas pelos governos não são vistas como a solução mágica para os problemas, mas, como o instrumento para que diversas ações e projetos sejam realizados, ou se ampliem. A biblioteca acaba sendo concebida, assim, de uma forma mais dinâmica, visto que não é considerada apenas como um local que serve de abrigo aos livros recebidos:

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Ainda, no final do ano letivo de 2001 fomos beneficiados pelo Programa de Bibliotecas das Escolas Estaduais (PBEE) com a aquisição de mais de 1300 obras literárias e de apoio. E como a escola já possuía uma proposta de política de leitura, com a chegada de novos livros providenciamos de imediato a transferência do espaço da biblioteca para um local amplo, arejado e bem iluminado. Fomos contemplados também, pelo mesmo programa, com um mobiliário novo (mesas com cadeiras e estantes). Essas mudanças contribuíram para a eficácia dos projetos de leitura desenvolvidos pela BDGF e permitiu atrair novos usuários. (SOUZA, 2005, p.153-154, grifos nossos).

Esta visão mais ampla pôde ser observada, quando o trabalho realizado é focado nos alunos e em toda a comunidade escolar, promovendo atividades mais dinâmicas, como variadas oficinas, exposições, apresentações teatrais, confecção de um jornal, etc. Destacamos que a biblioteca é coordenada por uma profissional especializada que conta com a ajuda de colaboradores. A postura adotada nesta instituição e os resultados alcançados confirmam a extrema importância de que haja profissionais da informação treinados, capacitados e motivados para atuação nas bibliotecas escolares. Por fim, pudemos observar a importância do trabalho em equipe, para que a biblioteca seja, realmente, um órgão integrado à comunidade escolar. Neste sentido, a autora abaixo aponta a necessidade de ações conjuntas entre governo, universidade e escola, oferecendo, por meio da apresentação de um projeto realizado no Ceará, um bom exemplo de como é possível alavancar uma biblioteca escolar da rede pública de ensino:

Inferimos que os professores e alunos do curso de Biblioteconomia podem ser parceiros das escolas públicas, buscando reverter o estado atual da Educação no Ceará, daí porque resolvemos coordenar, desde agosto de 2001 com o apoio da professora Rute Batista de Pontes, o projeto de pesquisa intitulado Práticas Leitoras nas Escolas Públicas Estaduais do Conjunto Ceará. Posteriormente, oficializamos com mesmo título um projeto de extensão (CARVALHO, 2006, p.75, grifos nossos).

Ressaltamos que o referido projeto, a despeito do título, não enfoca apenas as atividades de leitura, promovendo, também, a conscientização dos profissionais do contexto escolar em relação às suas práticas educacionais, à importância da biblioteca, dentre outras questões. Esta ações implementadas ultrapassaram as paredes da biblioteca, tendo sido realizado, inclusive, o I Encontro das Escolas Públicas do Conjunto Ceará, que resultou na elaboração de um documento, entregue à Secretaria de Educação do Ceará, reivindicando melhorias para as bibliotecas escolares. Carvalho e Pontes (2003) escrevem também sobre o mesmo projeto e sobre outras ações que foram implementadas. Assim, por meio do conhecimento sobre a realidade vivida pela comunidade escolar, a valorização da biblioteca e do papel do profissional da informação, podem ser implantados projetos, em parceria com os

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sujeitos escolares, não se esquecendo de cobrar do governo, o papel que ele deve exercer em relação às bibliotecas das escolas públicas, visando ao seu reconhecimento social e às ações mais estruturadas. Artigos como estes põem em discurso sentidos de que a crítica situação que descrevemos, ao longo deste nosso trabalho, pode ser revertida ou atenuada. Para tanto, é fundamental a participação dos profissionais da informação, professores e, também, das autoridades governamentais e da comunidade escolar e seu entorno, todos envolvidos na busca e prática de ações de melhoria que não sejam eventuais. Infelizmente, os dizeres e as experiências enunciados nestes três documentos não são muito recorrentes nos artigos analisados, assim como, em outros materiais com os quais tivemos contato. Julgamos que a regularidade, que foi observada nos artigos que abordam as mesmas recomendações e que trazem os mesmos problemas, sinaliza que algo não está dando certo. Supomos que, além do pouco interesse e importância conferidos à biblioteca, a literatura sobre esta instituição pode não estar sendo suficiente, adequada ou acessível, prejudicando, ainda mais, o despontar de novos sentidos, um dizer mais polissêmico sobre esta instituição. Não pensamos que não se deve escrever acerca dos problemas enfrentados pela biblioteca escolar e nem recomendar práticas a serem realizadas, mas sentimos falta de dizeres menos parafrásticos, mais reflexivos, críticos e produtivos que incentivem soluções passíveis de serem realizadas com sucesso e, também, de relatos que nos mostrem estes resultados, afastando a biblioteca do plano do ideal ou da triste realidade. Esperamos que ao ser problematizada, compreendida e valorizada, a biblioteca escolar possa evoluir e suscitar sentidos e resultados mais próximos dos discursivizados nestes últimos textos.

5.3. Entrevistas: alunos e professores como sujeitos de discursos Nas análises a seguir, interpretamos discursivamente alguns dizeres, de sujeitosescolares, alunos e professores, sobre a biblioteca escolar. Interessou-nos observar o modo como estes sujeitos produziram sentidos sobre esta instituição, através da retomada da memória discursiva, da influência das condições sócio-histórico-ideológicas e do diálogo com os sentidos tão repetidos nos discursos que analisamos até agora. Para a coleta dos dados, convidamos nossos entrevistados a responderem, anonimamente, as questões: Para você, o que é uma biblioteca escolar? Qual o seu papel? Ressaltamos que foi realizada uma transcrição ipsis litteris das respostas que selecionamos para a análise.

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Notamos uma grande regularidade nas respostas dos sujeitos, que imaginarizam a biblioteca escolar como um lugar distante e restrito, fazendo-nos pensar a respeito da inserção desta instituição no contexto educativo e, também, social. Analisamos, primeiramente, os dizeres dos alunos, posto que eles seriam os que deveriam estar em contato permanente com o universo da leitura e aprendizagem. Observamos, na fala dos sujeitos-alunos, um distanciamento em relação à biblioteca, tanto através do seu desmerecimento, quanto da sua supervalorização. A primeira marca discursiva que nos chamou a atenção foi o uso repetitório dos significantes “local”, “lugar” e “sala”, para conceituar a biblioteca escolar. Desta forma, privilegiando-se o seu aspecto físico, destacando-se, inclusive, o seu mobiliário, esta instituição é vista como o recinto em que se guardam, apenas, livros (haja vista que a presença de outros materiais, como os fonográficos, eletrônicos e audiovisuais foi silenciada, não sendo mencionada em nenhuma entrevista). Notamos, assim, a redução do conceito e das funções da biblioteca escolar, que foi caracterizada de forma estática e singular. A multiplicidade está presente somente nos gêneros, temas e quantidade de obras que compõem o acervo, e não nos suportes e tipos de materiais que a biblioteca poderia conter, nos serviços que ela poderia oferecer, ou, nas atividades que poderiam ser realizadas, dentre outros tantos aspectos que confeririam à esta unidade de informação, uma atuação mais interessante e dinâmica. Seguem alguns recortes que apresentam algumas destas restritas definições de biblioteca escolar:

A biblioteca é um local onde se guardam livros.

É um lugar que tem livros de vários assuntos.

Lugar cheio de livros.

É um lugar onde existem vários livros.

É um lugar onde tem muitos livros diferentes, que você pode usar para ler.

Biblioteca é sala de livros.

É onde ficam os livros que as pessoas lêem.

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A biblioteca é um lugar onde tem muitos livros e que tem cadeiras e mesas para ler e estudar (lugar silencioso).

Um lugar onde é colocado os livros para o acesso à população.

Significando a biblioteca, a partir da simples função de armazenamento, silenciam-se sentidos que a enunciam como “la puerta de entrada a la sociedad del conocimiento y de la información.” (FUENTES ROMERO, 2006, p.30), “uma das forças educativas mais poderosas de que dispõem estudantes, professores e pesquisadores” (KIESER; FACHIN, 2000, p.2), “centro educacional e cultural” (FURTADO, 2004, p.8), dentre muitos outros. Segundo Romão (2007, p.18-19), estas concepções reduzidas de biblioteca escolar:

instalam a compreensão de um lugar extremamente frio e impessoal, onde os livros são depositados como objetos inertes, dispostos em uma sala, lugar, local, para os quais não há indicações de atividades de criação, movimento, deslocamento ou vida. Não se diz, por exemplo, que na biblioteca a gente lê revista, brinca com os personagens de gibi, desenha a história que leu, troca livros e relatos, lê um jornalzinho mural, conhece escritores ou relatos interessantes. Raramente se escuta uma definição de biblioteca como a possibilidade de convívio com outros sentidos do mundo, com culturas estranhas, com teias de sentidos nunca dantes imaginados, com o acesso a dizeres de mentira nascidos na boca de seres mágicos de verdade, com a disputa de dizeres e interpretações.

Observamos que, acompanhando essa inércia conferida à biblioteca escolar, estão os sentidos que retomam a falsa relação de sinonímia “biblioteca = acervo”, que, como mostramos, circula há séculos nos discursos sobre as bibliotecas em geral e que aqui aparece atualizado sob o efeito da repetição do discurso dominante:

É um monte de livros.

Uma biblioteca é um conjunto de livros.

É um conjunto de livros onde você pode fazer leitura.

Quando se abordam as atividades realizadas nas bibliotecas escolares, elas se restringem à leitura, à pesquisa e ao estudo, reforçando-se o caráter estático conferido a este “lugar”, ao passo em que se “esquece” das diversas atividades lúdicas, de cunho educativocultural, que podem e deveriam ser realizadas, para que a biblioteca se torne atraente, desejável, alegre e, realmente, parte da vida dos educandos e educadores:

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Lugar onde pode ler muito e aprender.

É onde você lê os livros e aprende.

É onde a gente lê.

A biblioteca é um lugar onde podemos estudar e procurar livros para fazer trabalhos.

É um lugar pra fazer trabalho e pegar livro. É um lugar de conhecimento, ajuda muito em pesquisar. É bom para pegar livros e para trabalhos...

Eu acho que é um local onde nos ajuda a nos deixar estudar e nos emprestar livros.

É onde se guarda e se estuda todos os tipos de livro. Onde se pesquisa diversos trabalhos através dos livros.

Para pesquisas de trabalho.

É um lugar onde os estudantes vão para escolher livros para ler e saber um pouco mais da literatura em nosso mundo.

Para pesquisas de trabalho.

É um meio do aluno de estudar e se aperfeiçoar.

É onde o aluno fica para poder estudar tranqüilo.

Observamos que esta limitação na atuação da biblioteca leva os alunos a enunciaremna, inclusive, como um lugar de ociosidade, em que se “passa” o tempo em que não há algo para fazer na escola e na biblioteca, perdendo-se, assim, a excelente oportunidade de serem desenvolvidas atividades educativas que não sejam marcadas pelo peso da obrigação e que, através do prazer, ampliassem o conhecimento dos alunos, integrando-os à biblioteca, o lugar do nada, da passagem das horas, da improdutividade do tempo que passa e que se combina com o “estudar” e o “aprender”, versos ditos em relação ao efeito de ociosidade. Essa consideração parece apontar para uma estranha equação discursiva (MARIANI, 1998) em que estudar, aprender e ficar na biblioteca constituem cenas de igual valor, visto que estão amarradas sintaticamente pelo “e”. Tecidas na ordem do nada, elas parecem substituir ou completar uma à outra:

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É aqui que eu fico pra passar o tempo e quando eu vou estudar.

É o lugar onde eu fico pra aprender mais e passar o tempo.

Em relação aos inúmeros serviços que uma biblioteca escolar pode oferecer (consulta local, empréstimo, orientação bibliográfica, promoção de palestras, oficinas, debates, exposições, etc.), não se considera nenhum outro, além da consulta e o empréstimo de livros que é enunciado, muitas vezes, como aluguel:

Biblioteca é um lugar para ler livros e para pegá-los emprestados, mas também para treinar a imaginação.

Biblioteca é um lugar para nós lermos nossos livros e alugar livros para lermos.

É um lugar que você aluga livros.

Biblioteca escolar é onde a escola propõe o aluguel de livros que o aluno precisa.

Para mim, biblioteca seria um lugar na escola que se localizam vários livros. Um lugar bom onde os alunos não precisam pagar para pegar um livro didático.

É um lugar bom porque quando nós precisamos de livros, não precisamos procurar bibliotecas na cidade.

Para pegar livros.

Eu acho que é um local onde nos ajuda a nos deixar estudar e nos emprestar livros.

Ressaltamos que os sujeitos não consideram a possibilidade de haver outros materiais/serviços/atividades, parecendo-lhes natural que a biblioteca ofereça apenas livros e os empreste. Longe de ser questionada a respeito dos tantos outros recursos que ela poderia proporcionar, a biblioteca escolar assume outra posição nestes discursos: a de instituição de caridade, onde se doam livros, permite-se o acesso fácil e gratuito (a despeito do significante “aluguel” que é empregado, mesmo não se pagando pelo empréstimo), ajuda-se os alunos, deixa-os estudar, sendo, portanto, um “lugar bom”. Desta forma, através de uma sanção positiva, a biblioteca é imaginarizada de forma tão restrita, quanto já comentamos. Marcamos que os sentidos de ordem, coerção e silêncio que são inerentes aos tipos de

discurso

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autoritário, como o pedagógico, circulam, muitas vezes, dentro da biblioteca e, também, nos discursos sobre ela, como podemos observar nos recortes abaixo:

Olha, eu acho que a biblioteca é um lugar tipo que sagrado. Não pode falar, brigar, a biblioteca é como se fosse uma sala de aula, é um lugar onde aprendemos a ler e muito mais, é como se fosse um estudo. Professores sempre falam para pegarmos livros na biblioteca para lermos, uns pegam, outros não. Acho que a única coisa que precisa a mais é aumentar, e, colocar mais livros.

Um lugar cheio de livro e muito silêncio.

Lugar de muito silêncio e tem muitos livros.

Para mim uma biblioteca é um lugar silencioso onde tem um monte de livros para as pessoas lerem, para desenvolver a leitura.

Biblioteca é uma sala onde se guardam os livros, e fazem silêncio para poder ler.

Silêncio de ler.

Uma biblioteca é um lugar de leitura silenciosa e com muitos livros.

Um lugar sem bagunça com livros com menos de 50 páginas.

Pra mim uma biblioteca é um lugar que você procura curiosidades nos livros e tem que ficar quieto.

É um local onde você pode fazer pesquisas, ler livros que caem em vestibulares e que professores pedem .

Neste lugar tão cheio de livros e de silêncio, não restaria muito espaço aos alunos, ao movimento, à liberdade de não ler somente o que é exigido, à conversa descontraída, enfim, a qualquer atividade que ultrapasse a rigidez das propostas e dos conhecimentos validados pelo currículo escolar. Legitimada e sustentada por essa estrutura, a biblioteca escolar também assume uma postura rígida, de reguladora do que é preciso e permitido saber, ocupando, assim, um lugar imponente, já que é imbuída da autoridade que o conhecimento e a sabedoria lhe conferem. Frente à esta posição privilegiada que é assumida pela biblioteca, resta ao aluno submeter-se às ordens de silêncio e de ficar parado na cadeira, não mexer muito nos livros, escolhê-los rapidamente para que saia logo, ou, levar o que a atendente escolher, executar as atividades “robotizadas”, confiar apenas no livro didático ou no suplemento de leitura do

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paradidático que lhe é oferecido, nas respostas que lhe são dadas, não esperando nada além disso. Esses sentidos de legitimação da biblioteca escolar, presentes nos recortes abaixo, conferem-lhe até um poder “sagrado”, de fonte do conhecimento, que afasta, ainda mais, o “profano” e limitado leitor do seu ambiente.

Olha, eu acho que a biblioteca é um lugar tipo que sagrado [...].

É uma fonte de conhecimento.

É uma fonte de conhecimento, e um meio de poder estudar.

É um lugar onde há livros e você adquire conhecimento através de pesquisas. É um ensino fundamental.

É pra ajudar as pessoas e pro ensino fundamental.

Porque lá, se adquire conhecimento.

É um mundo de conhecimento.

É um lugar onde tem muita cultura que os livros nos mostra (sabedoria).

Para mim, biblioteca é uma casa de aprendizado, só que com mais sabedoria e respostas.

Deste modo, observamos que, através da sua supervalorização, a biblioteca escolar é, mais uma vez, falada como um “lugar” de aprisionamento de palavras plurais, restrito, distante do sujeito-aluno, retomando-se, assim, sentidos próximos daqueles enunciados em um contexto de controle religioso ou censura do governo que marcaram, por longos períodos, esta instituição brasileira. Uma outra forma de distanciamento em relação à biblioteca, pôde ser observada na constante remissão aos sentidos ligados a um “mundo da imaginação”, “fantasia” e “sonho”, pelo qual se pode “viajar”:

É um lugar onde você lê, você viaja nas letras. Também é um lugar de pesquisa onde você fica por dentro da histórias e outras matérias. E também tem muitos livros de autores e gêneros variados.

É o mundo das histórias e da imaginação.

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A biblioteca é uma sala de magia que nós desenvolvemos a imaginação, a imaginação da leitura.

Biblioteca para mim é um lugar maravilhoso para a gente ler, para aprender a imaginar.

Bom, pra mim é o cantinho da leitura, biblioteca é o lugar onde encontra vários livros pra ler e viajar com histórias, muitos legais e interessantes.

A biblioteca é um lugar cheio de imaginação e lá tem muitos livros.

É algo muito importante para nós pois ali podemos ir em lugares onde só nossa imaginação pode nos levar.

Um lugar onde aprende mais, tem mais imaginação

Um lugar onde podemos obter mais conhecimento cultural e ampliar a nossa imaginação.

Eu acho que biblioteca é cultura, educação, é fantasia e paz, porque na Biblioteca nós ficamos bem silenciosos para ler, e a leitura hoje é muito importante para uma pessoa.

Este mundo superior dado pelos contos de fada, repletos de encanto e magia, faz-nos pensar sobre até que ponto estes sentidos podem estar associados à realidade vivenciada na maioria das bibliotecas escolares brasileiras. Sob esta ótica colorida, oferecida pela leitura de obras infanto-juvenis (muitas vezes, os únicos materiais e atividades a que se tem acesso), tamponam-se os vários problemas ligados à falta de materiais, obras e suportes de informação variados, profissionais especializados, atividades e serviços adequados, dentre outros tantos elementos que poderiam propiciar atividades, cuja prática atribuísse à biblioteca a extraordinária posição que ela ocupa nos sentidos presentes nos recortes acima, afastando tais sentidos do senso comum ao qual se submeteram. É interessante observarmos que os sentidos de denúncia das dificuldades enfrentadas nas bibliotecas escolares são, por muitas vezes, enunciados nos dizeres dos alunos, que emitem suas opiniões, inserindo-se no seu discurso, e não apenas repetindo de forma impessoal, como faz os professores, o que já foi dito e redito, muitas vezes, sobre a biblioteca escolar, conforme podemos observar nos recortes a seguir:

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Olha, eu acho que a biblioteca é um lugar tipo que sagrado. Não pode falar, brigar, a biblioteca é como se fosse uma sala de aula, é um lugar onde aprendemos a ler e muito mais, é como se fosse um estudo. Professores sempre falam para pegarmos livros na biblioteca para lermos, uns pegam, outros não. Acho que a única coisa que precisa a mais é aumentar, e, colocar mais livros.

Biblioteca escolar é muito pobre de materiais para pesquisa às vezes você encontra poucos livros e também falta orientação, ajuda.

É um lugar cheio de livros, com várias estantes cheias de livros, com vários estilos de livros (não gosto muito de ler).

É onde eu estudo, faço trabalho, pesquiso e leio.

Na biblioteca escolar há uma grande carência de obras fundamentais e de livros de pesquisa. Também precisaria de uma estrutura mais simplificada de achar os livros.

Todas as escolas tinham que ter uma biblioteca, pois lá está a nossa educação. O que infelizmente muita gente ainda não aprendeu a ler uma coisa extremamente importante.

Deveria existir biblioteca em todas as escolas.

Por fim, em relação aos dizeres dos alunos, observamos que o professor não foi mencionado como um freqüentador da biblioteca, como aquele que acompanha os seus educandos em atividades de leitura e pesquisa, limitando-se, apenas, a ser aquele que dá ordens de ir pegar e ler determinado livro. A ausência do professor, nestes dizeres, faz com que notemos a falta do importante diálogo entre biblioteca-professor-aluno, que poderia contribuir muito para o processo de ensino e aprendizagem. Acerca das entrevistas com os professores, ressaltamos que também observamos uma grande regularidade nas respostas, assim como um intrínseco diálogo com os sentidos enunciados pelos alunos, apontando-nos uma série de já-ditos cristalizados pela força da repetição e legitimados pela ideologia dominante na esfera escolar. Neste contexto, a biblioteca escolar continua sendo vista de forma proibitiva, fechada e empoeirada, como um estático espaço associado, quase que exclusivamente, à leitura e, também, à pesquisa e empréstimo de livros, conforme podemos observar nos recortes abaixo:

É um espaço onde o aluno está mais diretamente ligado com a arte de decodificar os diferentes gêneros textuais. Mostrar a dimensão dos mesmos.

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A biblioteca é e deve ser o local, isto é, o lugar de estudo, reflexão e pesquiza (sic) e aprimoramento de conteúdos que foram ensinados na sala de aula. A biblioteca escolar se destina à emprestar livros aos alunos, é um local de pesquisa. O ideal seria que os alunos a procurassem como procuram o computador.

É um lugar onde encontramos toda tranqüilidade. O seu papel é de transmitir aquilo que as pessoas necessitam para desenvolver suas capacidades.

A biblioteca escolar é uma sala com muitos livros interessantes, onde você leva os seus alunos para ler ou pesquisar. Ela tem que ser um lugar contagiante e motivador.

É o lugar onde os alunos podem ficar à vontade para realizar leituras ou pseudoleituras. Estar sempre aberta e com os mais variados portadores textuais para atender a toda clientela escolar.

Espaço físico com livros. “Levar” o aluno a conhecer a si e o outro mundo e por que não o universo através da leitura

Neste último recorte, observamos que os sentidos de biblioteca escolar como um indeterminado espaço “mágico”, conferidos pelo “mundo da leitura” prazerosa, não são enunciados apenas pelos alunos, constituindo uma regularidade na fala dos professores, que desconsideram sua participação real nesta esfera de sonho, transferindo seu papel à biblioteca escolar, aos livros e aos seus escritores:

É um local de “prazer”, de encontro com o sonho e a fantasia, ou seja, um mundo mágico e de delícias.

A biblioteca é o local onde os alunos se interagem com o mundo da leitura através da visão do escritor, o tempo em que ele viveu (o contexto de mundo) e o conhecimento de outros mundos. A função dela é despertar o interesse do aluno por esse universo mágico da leitura.

É o espaço onde as crianças têm acesso ao mundo do conhecimento, da fantasia, dos sonhos, etc.

Para mim é um rico acervo de conhecimento e prazer, seu papel é transmitir conhecimento, saber, ajudar nas pesquisas etc.. Mas para um assíduo leitor que gosta de ler é um tesouro perdido que se encontra em cada livro.

É um local de aquisição de conhecimento em geral. Seu papel é fazer o aluno viajar em outros mundos.

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Relacionados a estes sentidos que, como já dissemos, constituem um já-dito que se aproxima do senso comum, estão aqueles que atribuem à biblioteca o papel de “coração da escola”, uma formulação que nos soa artificial, que tenta conferir uma importância que, na realidade, não se concede a esta instituição. Marcamos também que “coração” garante uma polissemia de sentidos pouco experimentada pelos sujeitos escolares nas práticas de leitura no âmbito da biblioteca escolar, isso quando elas existem, diga-se de passagem. Coração é órgão vital para o corpo, garante a pulsação de todo o sistema de circulação sanguínea, estando ligado metaforicamente à capacidade de amar e trocar afetos e é assim que a biblioteca escolar é colocada em discurso, embora saibamos que, pela voz dos alunos, ela apresenta-se como lugar de interdição de silêncio. O quanto falta de efeitos de vida no dizer dos alunos, sobra no dos professores:

É o coração da escola. O seu papel é proporcionar oportunidades de leitura prazerosa

Como disse minha amiga “é o coração da escola”. Seu papel é permitir ao aluno o contato com o mundo real e imaginário.

O coração da escola. Deve ser bem equipada com bons livros.

Biblioteca é o local de busca de conhecimentos, onde você pode sonhar, viajar e conhecer. É o coração da escola, pois enriquece o educador e o educando.

Biblioteca escolar é o “coração” da escola. É o local de descobertas e delícias. O papel dela é de enriquecimento para o aluno e a sociedade.

Após estas breves análises, é inevitável que indaguemos como os alunos poderão estar incluídos na biblioteca escolar e enunciá-la a partir do lugar que merece ocupar, se os seus próprios professores possuem uma visão tão restrita sobre ela? Além de investimentos na biblioteca escolar e na formação de profissionais competentes para administrá-las com sucesso e dinamismo, é fundamental que os professores, assim como a direção da escola, estejam cientes da importância das bibliotecas escolares, das possibilidades que elas oferecem e da necessidade de um trabalho conjunto que envolva todos os membros da comunidade escolar, o que implica considerar também o discurso, a pluralidade e os movimentos dos sujeitos escolares.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: SENTIDOS QUE NÃO SE FECHAM

SILVA, Maria Helena Vieira da. Biblioteca. 1949. FONTE:

Luz, quero luz Sei que além das cortinas são palcos azuis E infinitas cortinas com palcos atrás Aranca, vida estufa, veia... E pulsa, pulsa, pulsa, pulsa, pulsa mais Mais, quero mais... Chico Buarque

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Após essa nossa incursão pelas trilhas do discurso, através da qual fomos colhendo as pistas dos modos como a biblioteca escolar vem atuando e sendo significada por diferentes sujeitos, chegamos não ao final de um percurso, mas ao início de outro. As reflexões aqui apresentadas nos mostraram que os problemas e os discursos referentes à biblioteca escolar estão acorrentados a uma série de restrições e ao silêncio. Romper os elos, assoprar poeiras e mover sentidos oficiais são condição para que a biblioteca escolar possa ocupar outras posições no discurso e na sociedade. Vimos como os discursos políticos, científicos e escolares sobre a biblioteca escolar são influenciados pelas suas condições de produção e pela ideologia. Sendo assim, analisar o discurso implica observar as práticas sócio-político-educacionais vigentes no país, que levam o sujeito a enunciar de uma determinada maneira, e não de outra, em que se valoriza, ou não, a biblioteca. Observando as estabilizações e as rupturas de sentidos, pudemos perceber que a monotonia, que caracteriza grande parte das atividades escolares, dialoga com o retorno constante a um mesmo já-dito, que significa a biblioteca escolar de forma parafrástica, restrita e singular. Por meio da análise dos documentos, percebemos que o imaginário sobre a biblioteca escolar transita da supervalorização ao silêncio, à censura. Marcamos que, a partir de diferentes formas, a biblioteca escolar é vista de forma restrita: seja por meio de sua inserção em uma esfera mágica do sonho, dos sentidos de ordem que estabelecem o quê e como ela deve ser (sem levar em conta se tais determinações se aplicam ao contexto existente), ou, através da exposição das suas precárias condições e a redução/deturpação de seu conceito. Sendo assim, a biblioteca escolar, nos discursos analisados, é marcada pelo distanciamento e pela pouca reflexão e profundidade na abordagem do tema que é visto, muitas vezes, sob a ótica do senso comum, marcada por estereótipos, o que dificulta, ainda, mais a sua inserção na escola e na sociedade. Para que melhorias nas bibliotecas escolares sejam alcançadas, é fundamental que esta instituição seja mais abordada, discutida, refletida, para que feche, ou diminua, a grande lacuna existente entre a teoria e a prática realizada nas bibliotecas. Consideramos que a literatura científica deveria ser um instrumento privilegiado para a promoção do conhecimento sobre a biblioteca escolar, para tanto, ressaltamos que é necessária uma outra postura, mais crítica, ampla e polissêmica, que leve em conta as condições de produção e a instância ideológica do dizer. Os profissionais da informação podem e devem colaborar com a circulação de novas práticas e sentidos nas bibliotecas escolares, seja por meio da promoção de ações de extensão,

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de debates no meio acadêmico, para que se formem profissionais conscientes de seu importante papel, ou, através da atuação profissional nas escolas. Além disso, diante da necessidade de mudanças estruturais, deve-se lutar para que haja um maior reconhecimento da biblioteca escolar e da necessidade de que ela seja coordenada por um profissional competente. Ao adotar uma postura ativa e crítica, levando em conta o modo de produção e circulação dos discursos, o profissional da informação escolar pode assumir sua função de mediador e educador, ciente de que é necessário saber mais do que organizar fisicamente a biblioteca. Buscar conhecer o ambiente escolar, os sujeitos-usuários reais e potenciais da biblioteca, a sua inserção na comunidade e os problemas enfrentados são também atitudes importantes para que a situação real das bibliotecas se aproxime da desejável, tão repetida nos discursos analisados. Por fim, assim como na canção de Chico Buarque, queremos muito mais! Queremos mais para a biblioteca escolar, acreditando que, detrás das quase infinitas cortinas que escondem suas cores, sua luz e sua vida, possam surgir outros sentidos de biblioteca escolar que, há muito tempo, esperam para ser protagonistas do cenário educacional brasileiro.

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