O impacto das tecnologias de registro e difusão sonora no processo de desenvolvimento das histórias da música: caso do choro e do jazz.

June 6, 2017 | Autor: Ana Fontenele | Categoria: New Media, Popular Music
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O impacto das tecnologias de registro e difusão sonora no processo de desenvolvimento das histórias da música: caso do choro e do jazz

Ana Lúcia Fontenele E-mail: [email protected]

Introdução

Analisar o impacto da evolução técnica e da mídia nas estéticas artísticas, como na música, não é uma tarefa fácil. Muitos consideram a presença da indústria de entretenimento no campo das artes uma evolução natural das histórias da música, pois agregam valores importantes a essas estéticas. Outros, mais puristas sentem saudades, algumas vezes, do que não viveram. Mas, ainda bem que temos registros gráficos (no caso da partitura), fotográficos e sonoros da fase mecânica de gravação, fato que permite essa espécie de resgate musicológico, permitindo a efetivação dessa espécie de saudosismo imaginário. O presente artigo irá observar o impacto dessas tecnologias, a gravação elétrica, o rádio e o cinema sonoro, ambos surgidos na década de 1920, nas músicas do mundo e mais especificamente na música popular urbana brasileira. Para tanto alguns aspectos da época da gravação mecânica serão observados como forma de introduzir as fases posteriores de registro e difusão sonora. No âmbito da comunicação iremos observar o que dizem os teóricos sobre o impacto da difusão sonora em massa no comportamento das sociedades, como também o domínio da imagem na atualidade. Tal processo tem gerado uma espécie de embotamento do sentido auditivo como consequência da invasão imagética presente nas mídias da atualidade, a televisão e a internet.

1. Brasil e Estados Unidos: o surgimento do choro e do Jazz) Os gêneros musicais surgidos em países colonizados por europeus são diversos. No Brasil os vários tipos de música popular urbana surgidos desde a chegada da corte portuguesa no Brasil (1807-1808) foram se aprimorando a partir do

2 diálogo da musicalidade aqui presente, dos afro-brasileiros e, em menor volume, dos indígenas, com a cultura musical trazida pelos europeus. Alguns autores como Mário de Andrade (1980) afirmam que a modinha brasileira foi herdeira da música europeia. Provavelmente ela veio da influência de versões popularizadas de árias de operas. Por outro lado, Tinhorão (1998) considera que a modinha foi criada no Brasil por Domingos Caldas Barbosa e se popularizou em Portugal devido à atuação de Caldas Barbosa naquele país. Outro gênero dito brasileiro foi o lundu, uma dança que posteriormente tornou-se uma forma de canção com letras o lundu- canção. Esses dois gêneros inauguraram a criação de música popular no Brasil, porém, por volta de meados do século XIX houve um surto de danças europeias vindas da Europa nos bailes de salões imperiais no Brasil. Essas danças, polcas, mazurcas, valsas, schottischs, entre outras, foram adentrando nas festas em bairros populares da cidade do Rio de Janeiro e interpretadas de maneira diferente com um certo “tempero brasileiro” (TINHORÃO, 1991). Esse conjunto de músicos populares eram chamados de grupo de “pau e corda”, compostos por flauta, cavaquinho e violão (MIRANDA, 2015). O gênero polca teve um maior predomínio e chegou ao Brasil por volta de 1844. A partir de 1870 surgem compositores e figuras que sedimentaram o gênero choro, como consequência da “forma de tocar”, “abrasileirada”, dessas danças europeias. Dessa considerada primeira geração do choro destacam-se, Joaquim Callado, exímio flautista e compositor. Henrique Alves de Mesquita e Ernesto Nazareth, criaram o “tango brasileiro”, derivado da habanera e do tango espanhol (SEVERIANO, 2008). Chiquinha Gonzaga teve uma atuação importante nessa fase e nas posteriores com o surgimento das marchinhas carnavalescas no carnaval carioca, entre elas o “Abre Alas” de 1889. Até a década de 1930 Chiquinha Gonzaga compôs a parte musical de diversos teatros de revista. Ela e Ernesto Nazareth eram considerados como “pianeiros” e o maior produto do mercado musical brasileiro da época era as partituras das polcas e valsas compostas por esses compositores1. O início do século XX foi decisivo para a prática da música popular urbana na cidade do Rio de Janeiro. As práticas musicais aconteciam em profusão, em bailes de elite, com os pianos e as bandas de metais e nos bailes populares com voz, 1

Segundo MIRANDA (2015), o piano chega ao Brasil com a vinda da família real, em 1808, e a partir de 1834 é aqui fabricado.

3 violão, instrumento solista (flauta) e cavaquinho. À essa época existiam instrumentistas diversos, inúmeros compositores e grupos de choro. A fase de gravação mecânica, de se inicia no Brasil em 1901-1902, com a chegada de Fred Figner, dono das Casas Edison. Vários desses grupos e intérpretes como Patápio Silva (flauta), Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga, entre outros, tiveram suas composições registradas. Em termos sociais as práticas musicais urbanas do início do século XX aconteciam de forma espontânea em clima de união entre os executantes e apreciadores do choro. O carteiro Alexandre Gonçalves Pinto, escreve um livro, em 19362 , já em tom saudosista, sobre inúmeros personagens, músicos, compositores, como também dos locais onde essas festas se davam e as “fofocas” da época, envolvendo essas pessoas que faziam acontecer essas festas de aniversário, batizados e encontros musicais. Nos Estados Unidos, algo parecido aconteceu em regiões, entre elas em New Orleans, que tiveram uma maior predominância de “negros americanos”, descendentes de africanos trazidos ao país pelos espanhóis e por negros miscigenados, vindo da França, os “crioulos”. Desde meados do século XIX e durante o século XX, foram surgindo gêneros musicais que se cristalizaram em torno do jazz em período posterior aos cantos de lamento, cantos de trabalho e religiosos dos negros descendentes de africanos e o Ragtime, dos crioulos (BERENT, 2009). A partir do início do século XX tais músicas foram registradas pela indústria fonográfica em gravações de tecnologia mecânica3. O ragtime (tempo quebrado) era interpretado inicialmente pelo piano, na fase chamada de ragtime clássico. Considerado como um gênero híbrido, pois mesclava influências africanas com o ritmo bem marcado das marchas e polcas europeias, porem com sutilezas não presentes na música europeia, como a melodia obedecendo às acentuações rítmicas (BERENT, 2009). Os ragtimes do compositor pioneiro desse gênero, Scott Joplin, refletem esse tipo de tendência. Segundo Berent (2009, p. 21) o compositor Jelly Roll Morton “se libertou das normas de composição e execução do ragtime”. Morton deixou de obedecer a estrutura fixa das composições de ragtime para lidar com o material melódico das 2

Conf. PINTO (2014). Em 1950, outros registros de gravações mecânicas no cilindro da pianola, interpretados por Scott Joplin, um dos criadores do Ragtime, foram lançados em disco (Bartók, 1937). 3

4 obras de forma livre e jazzística. Primeiro pianista a improvisar. Seus improvisos eram construídos com base na herança dos ragtimes. Jelly Morton montou as primeiras bandas compostas com instrumentos de sopros (trumpete, clarineta e trombone) e com uma base harmônica e rítmica (piano, baixo e bateria), a Red Hot Peppers (1926-1930). Em seguida, surge em New Orleans, o primeiro fenômeno da cultura de massa nos Estados Unidos, Louis Armstrong e suas primeiras bandas os Hot Five e Hot Seven (1925-28). A formação instrumental das bandas lideradas por Armstrong protagonizou o estilo de jazz New Orleans. Além dos instrumentos de sopros já descritos, responsáveis pelas três linhas melódicas (trompete, clarineta e trombone), era utilizada uma base harmônica composta por contrabaixo ou tuba, banjo ou guitarra e piano e a marcação rítmica era feita pela bateria. O termo “hot” (calor), segundo Berendt: Se relaciona com a viva execução individual, com as características de sonoridade, articulação, entoação vibrato e modos de ataque de cada instrumento. O fraseado em geral lembra mais a articulação vocal de que a instrumental, - os músicos que “falavam” com os seus instrumentos (2009, p. 24).

Nas primeiras décadas do século XX esses tipos de bandas, as jazz bands, juntamente com os cantores e cantoras representativos levaram a música popular americana para o mundo. Nessa época, surgia um tipo de jazz, em New Orleans, considerado como o jazz branco, pelo fato de alguns músicos desse estilo chamado de dixeland jazz também espalha-se pelo mundo. Com o ragtime, o New Orleans e o dixeland estão lançadas as bases para a sedimentação em todo o mundo do gênero jazz e dos subgêneros surgidos a partir da década de 1930. Tal fato se deu pela propagação em massa através do disco (DELALANDE, 2007). Como no Brasil, a dança europeia, a polca, teve grande influência nos primórdios do jazz americano. Greene (1992) cita como exemplo de tal fato duas polcas que tornaram-se muito conhecidas após gravadas por grupos como o Andrews Sister e por Ella Fitzgerald, as polcas “Bei Mir Bist du Shoen” de Jewish-Yiddish e “Beer Barrel Polka” de Czech-German. Para o autor (1992, p. viii), essas duas peças demonstram uma forte tendência de parte do repertório veiculado pela mídia, provando “não que a cultura da música popular assimilou a cultura étnica, mas, possivelmente, que a música étnica passou a ser popular”. Nessa perspectiva destacase um elemento comum da polca que manteve um certo elo tanto nos Estados Unidos,

5 como no Brasil, a matriz da música negro-africana presente no ragtime, e no choro (MIRANDA, 2015).

2. As manifestações musicais populares no Rio de Janeiro nos primórdios do disco Duas importantes tecnologias de registro e difusão sonora surgiram no final do século XIX e início do século XX, o fonógrafo, (fase mecânica de gravação) e Gramofone (fase elétrica de gravação). Junto com elas, de início foram registrados diversos tipos de manifestações musicais em todo o mundo de gêneros da música popular e folclórica. Mais especificamente, na fase elétrica, na qual começa a formarse uma nova categoria de consumidores de produtos culturais, surgem nos países industrializados, como também nos países em desenvolvimento como o Brasil, um novo perfil de gêneros musicais, compositores e intérpretes que, de certa forma, atendiam às demandas técnicas e estéticas impostas por essa indústria cultural, a do disco. Segundo Bessa (2005, p.143), “durante a fase mecânica as gravadoras não faziam senão registrar os principais sucessos do momento (oriundos das casas das baianas), do teatro de revista ou das festas comunitárias”. Para Bessa, já na fase elétrica de gravação, “com o surgimento da vitrola, a relação começa a ser invertida, e as gravações também determinarão o que será consumido nesses locais, numa influência de mão dupla”. A tabela abaixo mostra alguns registros fonográficos no Brasil de grupos de choro e intérpretes do gênero que foram relançados em coleções específicas e obras de compositores da época que foram regravadas no Brasil, desde o final década de 1970, com o intuito de se resgatar a memória da música popular urbana no Brasil no final do século XIX e início do século XX (Tabela 1).

Fase Mecânica de Gravação (1901-1926)

Fase Elétrica de Grav. (1927-1941)

Compositores Grupos*

Intérpretes*

Compositores Grupos*

Intérpretes

56

14

15

15

34

Tabela 1.

9

6 O quadro da Tabela 1 faz um apanhado dos inúmeros compositores presentes nas seguintes gravações: Lps Chorando Callado (1981); Memórias Musicais (2002)4 e Princípios do Choro. (2003)5. O primeiro a partir de pesquisas de José Silas Xavier, o segundo com gravações originais dos discos (78 rpm) do pesquisador Humberto Franceschi e, a última, a coleção Princípios do Choro, uma grande pesquisa realizada por Maurício Carrilho e Anna Paes a partir de cadernos de partituras manuscritos do acervo de Jacob do Bandolim. Segundo Bessa (2012, p. 50), a partir de 1918, “com as empresas fonográficas entrando na onda da música americana, cai o número de gravações de bandas e conjuntos de choro, proliferando as das chamadas jazz bands”. Alguns grupos de choro e música urbana brasileira, como o caso do grupo Os Oito Batutas, passam a atuar no exterior. O grupo segue para a França em 1922, e para a Argentina, onde grava 20 faixas, em 1923. Se no Brasil a indústria cultural adotava o que se fazia nos Estados Unidos, na Europa os grupos e músicas de outros continentes, que traziam musicalidades exóticas, apresentavam-se em casas noturnas de Paris, como exemplo mais significativo. Nesse contexto é que surge no bairro do Estácio a nova forma de se acompanhar o samba, com maior ênfase no segundo tempo dos compassos, marcado pelo surdo, com configurações sincopadas na série rítmica de dois compassos, criando uma defasagem ao final do segundo compasso dessa série, por meio da síncope para seguir ao novo ciclo dessa série de acompanhamento rítmico (Figura 1). Tais facetas, segundo seus criadores, Ismael Silva e Bide, fundadores da primeira escola de samba advinda do bloco carnavalesco Deixa Falar, serviu para movimentar o andamento do samba para o desfile do bloco, o que não era propiciado pelo estilo de samba lançado em 1917, como o samba Pelo Telefone, o samba amaxixado.

Figura 1. 4

Série de 15 CDS, com encartes escritos por músicos pesquisadores, Pedro Aragão, Anna Paes e Pedro Paes, lançado em 2003, pela gravadora Biscoito Fino. 5 Série de 5 Cadernos de Partituras e 15 CDs com gravações inéditas, lançado pela Acari Records em 2003.

7 O samba moderno que surge para o grande público, desde a gravação do samba, Na Pavuna, pelo Bando dos Tangarás, composto por jovens músicos, amadores, como Noel Rosa, João de Barro e Almirante. O grupo leva aos estúdios um grupo de percussionistas do bairro Estácio para realizarem o primeiro registro desse estilo de acompanhamento do samba em disco, em 1929. Em seguida os arranjos para os sambas foram se sofisticando e foram surgindo inúmeros intérpretes da fase áurea das gravações, do rádio e do cinema falado no Brasil. Entre os arranjadores se destacam Pixinguinha e Radamés Gnatalli e como intérpretes destacam-se os cantores e cantoras Araci Cortes, Vicente Celestino, Mário Reis, Francisco Alves, Orlando Silva e Carmen Miranda, dentre outros. Os músicos considerados da 3a geração do choro, como os colegas de Pixinguinha, Luís Americano, Juca Valle, Saturnino, Benedito Lacerda, Dilermando Reis e Jacob do Bandolim, passam a atuar nas gravações da fase elétrica no Brasil como acompanhadores de cantores, os intérpretes do novo tipo de acompanhamento do samba, considera “moderno”, o samba do Estácio. Por outro lado, nesse período, ocorreram gravações esporádicas de choro, em geral, boa parte delas, com a roupagem de acompanhamento próxima a esta do samba moderno. Como afirmado por Aragão (2013) e por Tinhorão (1998), mesmo na época das gravações elétricas, os chorões antigos e os contemporâneos, continuaram a tocar música popular de cunho instrumental, o choro, com o acompanhamento derivado da polca considerada por Aragão (2013, p. 119) como a expressão máxima do que era entendido como “música nacional”. Segundo Tinhorão (1997, p. 50), “o samba criado no Estácio ao alvorecer da década de 30, e até hoje cultivado pelos sambistas das escolas de samba, e ainda – de uma maneira geral – o samba de carnaval, o chorinho e a marcha continuariam a evoluir dentro das características populares cariocas”.

3. Os prós e os contras da gravação e difusão sonora Em palestra realizada em 1937, o compositor e pesquisador da música folclórica da Hungria, Béla Bartók enumera algumas facetas sobre a possibilidade de gravação sonora e, ao mesmo tempo, aponta para alguns perigos relativos à difusão de material sonoro registrado de forma não adequada, principalmente, devido às limitações técnicas desde a época do sistema mecânico de registro sonoro. Dentre as

8 limitações apontadas encontra-se: (1) “algumas limitações quanto ao registro de frequências agudas, alterando o timbre de alguns instrumentos”; (2) “o âmbito das dinâmicas musicais é prejudicado” e, ainda, (3) “quando há um registro de várias fontes sonoras, na reprodução perdemos por completo a plasticidade do som” (BARTÓK, 1979, p.227). Por outro lado, o compositor reconhece que tais tecnologias de gravação trouxeram uma “contribuição inestimável para as investigações folclórico musicais” permitindo uma análise mais apurada dos detalhes interpretativos da música folclórica do seu país (BARTÓK, 1979, p.239). Ressalta um outro fator negativo acerca de uma tendência na indústria fonográfica em gravar música de baixa qualidade musical. Aponta para um outro tipo de problema que é a falta de consciência por parte das gravadoras no que se refere, por exemplo, a preservação das fitas originais (masters) de gravações de material sonoro de regiões pouco desenvolvidas em termos tecnológico e cita como exemplo uma série de gravações realizadas em Java. Para o compositor, nem a mais perfeita sonografia jamais poderá substituir a música “viva”. Bartók enfatiza que “a música “viva” é bem mais interessante pela sua possibilidade de mudança” (p.234). Nesse sentido Bartók prevê o que aconteceria na segunda metade do século XX, uma avalanche de música mecanizada presente no cotidiano das sociedades, em países desenvolvidos e em desenvolvimento, como os países da América Latina como Argentina, Venezuela e Brasil, entre outros (Bartók, 1979). Nessa perspectiva lembramos algumas considerações de teóricos da Comunicação como Norval Baitello Junior (1997), que aponta para uma espécie de embotamento do sentido auditivo devido a uma ampla difusão de música descartável aos ouvidos e um grande predomínio da linguagem visual da era televisiva e mais recentemente com o advento do computador de uso pessoal. Segundo o autor, precisamos observar em que medida “estamos nos coagindo ou estamos sendo coagidos a esquecer o que ouvimos em função de que somos obrigados a ver, enxergar o tempo todo” (BAITELLO JR, 1997, p.6). Boa parte das músicas difundidas na era das grandes mídias como o disco, o rádio, o cinema falado e, posteriormente, a televisão e a internet obedecem a lógicas estéticas que pouco primam pela qualidade musical, apesar da alta fidelidade alcançada no processo de registro e difusão do som musical. Segundo Hobsbawm (1996, p. 36) o jazz, como uma manifestação musical surgida em período pré-

9 industrial ainda conseguiu manter uma certa identidade norte-americana e “dentro desta uma mistura afro-americana”. Por outro lado, o autor reconhece que tanto o jazz, como outras artes surgidas em fase pré-industrial “foram usurpados de maneira mais distorcida ou diluída” pelos sistemas midiáticos (HOBSBAWN, 1996, p. 36). Essa tendência a uma homogeneização estética da música de caráter popular na mídia tem de certa maneira ofuscado manifestações musicais originais. Segundo Oliveira Pinto (2008, p. 108), “a globalização e a democratização do acesso aos meios de comunicação de massa levam aqueles que já foram dominados a dominarem quando incorporam os preconceitos etnocêntricos dos antigos dominadores”. Por outro lado, Hobsbawn (1996, p. 36) entende que a matéria prima da indústria de entretenimento segue receitas que mudam com o tempo, mas que são tal como um filme de western, unem o mito e o sonho, fazendo, em certa medida, com que o espectador “saia de si”. Por outro lado enfatiza a presença de uma boa dose de protesto como ingredientes necessários ao mundo da cultura popular. No Brasil desde o advento do samba “moderno” alguns tipos de imposições estéticas impetrados pela indústria cultural têm embotado o surgimento de manifestações criativo-musicais de qualidade relevante. Para Hobsbawn: a cultura popular, nos países industrializados, consiste em entretenimento comercializado, padronizado e massificados, transmitido por meios de comunicação... produzindo o empobrecimento cultural e a passividade: um povo de espectadores e ouvintes que aceita coisas pré-empacotadas, prédigeridas (HOBSBAWN, 1996, p, 34).

4. Considerações finais O movimento de valorização da música de culturas, em cujas regiões ainda não tiveram a implantação de grandes mecanismos da indústria cultural (world music), tem demonstrado o quão interessante é o descobrimento de músicas consideradas exóticas ou “novas” aos nossos tão cansados ouvidos. Com relação à música popular dos trópicos, Oliveira Pinto afirma que: por manter seus vestígios intactos como raríssimos domínios de cultura, não há mistura capaz de diluir completamente marcas e estruturas de origem e de estilos. Música consegue ser manifestação do presente sem deixar de reportar-se, simultaneamente, ao passado (OLIVEIRA PINTO, 2008, p. 108-109).

Em paralelo a essa tendência de resistência, mesmo na mídia, de manifestações musicais originais, o redescobrimento de musicalidades preservadas por registros sonoros da fase mecânica de gravação, ou por partituras recuperadas, em

10 muito têm a contribuir na pesquisa musicológica das músicas de diversos países. No Brasil destacam-se os registros sonoros e edições de partituras com músicas compostas e gravadas desde o final do século XIX e início do século XX no âmbito da música instrumental de caráter popular, o choro. Algumas coletâneas têm sido lançadas a partir de trabalhos de pesquisadores da música popular brasileira. Entre eles destacam-se Almirante, Jacob do Bandolim e José Silas Xavier, produtor de uma série de discos lançados pela Federação Nacional de Associações Atléticas do Banco do Brasil (FENAB) como: Sarau Brasileiro de 1977; Chorando Callado (3 LPs) de 1981; Bandas de Música de Ontem e de Sempre de 1983 e Os Pianeiros de 1986, entre outros (MILLARCH, 2015).

Referências Bibliográficas ANDRADE, Mário de. Modinhas Imperiais, 2ª ed. Belo Horizonte: Martins/Itatiaia, 1980. ARAGÃO, Pedro. O Baú do Animal: Alexandre Gonçalves Pinto e O choro. Ed. Folha Seca. Rio de Janeiro, 2013. BARTÓK, Béla. Música Mecanizada. In: Escritos sobre Música Popular. México: Siglo XXI Editores, 1979. BERENT, Joaquim, E. O Jazz do Rag ao Rock. 1a ed. 2a reimpressão. São Paulo: Editora Perspectiva, 2009. BESSA, Virgínia. Um bocadinho de cada coisa: trajetória e obra de Pixinguinha. História e música popular no Brasil dos anos 20 e 30. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, 2005. ________, A escuta singular de Pixinguinha: história e música popular no Brasil dos anos 1920 e 1930. São Paulo: Alameda, 2010. BAITELLO JR, Norval. A Cultura do Ouvir. In: Seminários Especiais de Rádio e Áudio – Arte da Escuta ECO. São Paulo: Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia, 1997. DELALANDE, François. De uma tecnologia a outra: cinco aspectos de uma mutaçãoo da música e suas consequências estéticas, sociais e pedagógicas. In: VALENTE, Heloísa (org). Música e Mídia: novas abordagens sobre a canção. São Paulo: Via Lettera Editora e Livrar, 2007. GREENE, Victor. A Passion for Polka: old-time ethnic music in America. Berkeley/Los Angels/Oxford: University of California Press, 1992. HOBSBAWN, Erik, J. História Social do Jazz. 3ª reimpressão. São Paulo: Ed. Paz e Terra S/A, 1996 MIRANDA, Dilmar. Música Popular e Sociedade Brasileira. Apostila de minicurso. Fortaleza: Museu da Imagem e do Som, 2015. PINTO, Alexandre Gonçalves. Choro: reminiscências dos chorões antigos. 3a ed. Rio de Janeiro: Acari Records, 2014.

11 OLIVEIRA PINTO, Tiago de. Ruídos, timbres, escalas e ritmos: sobre o estudo da música brasileira de som tropical. In: REVISTA USP, n.77, p. 98-111. São Paulo: março e maio de 2008. SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. Editora 34. Rio de Janeiro, 2008. TINHORÃO. José R. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: 34 Editora, 1998. ____________. Os Sons do Brasil: trajetória da Música Instrumental. Serviço Social do Comércio (SESC). São Paulo, 1991. ____________. Música Popular Brasileira: um tema em debate. (3ª edição revisada e ampliada), Editora 34. São Paulo, 1997.

Coletâneas (LPs, CDs e Edições Musicais) e páginas da internet CARRILHO, Maurício e PAES, Anna (Orgs.) Princípios do Choro (5 Vols e 15 CDs). EdUERJ e Acari Records. Rio de Janeiro, 2003. HIME, Joana (Prod). Memórias Musicais (15 CDs). Biscoito Fino. Rio de Janeiro, 2002. MILLARCH, Aramis. http://www.millarch.org. Acessado em 22.07.2015. XAVIER, J. Silas (Prod). Chorando Callado (3 LPs). Brasília: Federação Nacional de Associações Atléticas do Banco do Brasil (FENAB), 1981.

Artigo apresentado como trabalho final da disciplina Música e Cultura das Mídias do Programa de Pós-Graduação em Música da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) em junho de 2015.

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