O imperador Constantino na perspectiva de Paul Veyne

October 11, 2017 | Autor: Jefferson Ramalho | Categoria: add História Antiga romana, Historia Cultural, Antiguidade Tardia
Share Embed


Descrição do Produto

O IMPERADOR CONSTANTINO NA PERSPECTIVA DE PAUL VEYNE

Jefferson Ramalho1

Resumo Este artigo tem por objetivo apresentar algumas relações entre a figura do imperador romano Constantino que tem sido nosso objeto de pesquisa e o historiador contemporâneo Paul Veyne. Sendo Constantino, imperador romano do início do século IV de nossa era, o nosso objeto de investigação nas diferentes maneiras de ser descrito e interpretado, optamos por relacionar algumas características que lhe são atribuídas por diferentes matrizes historiográficas com o que compreendemos na leitura que fizemos da obra de Veyne. Palavras-chave: Constantino, Antiguidade, Paul Veyne, cristianismo, historiografia.

Introdução Por razões didáticas, estruturaremos esta breve exposição em três momentos: 1) Constantino, um imperador a partir de diferentes olhares: será neste momento que conheceremos um pouco de algumas fontes escritas que tratam desta personagem da chamada Antiguidade Tardia; 2) Paul Veyne e sua obra Como se escreve a História: aqui, de maneira sintética, destacaremos alguns pontos importantes da obra de Veyne, sobretudo, aqueles nos quais está claro o seu modo de conceituar História e de entender como ela é escrita pelo historiador; 3) Constantino, segundo Paul Veyne: finalmente, verificaremos o modo como Veyne aplica suas concepções historiográficas na recente obra Quando nosso mundo se tornou cristão (312-394)2, que tem sido uma das nossas principais referências para compreendermos o modo como uma personagem tão distante do nosso tempo pode ser interpretada a partir de diferentes olhares

1

e

Doutorando em História no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). RA: 154045. Contato: [email protected] 2 Paul Veyne, historiador francês do nosso tempo e que tem sido associado à terceira geração da chamada Escola dos Annales, mesmo com as críticas que ele já pontuou a esta corrente. Tem sido o principal referencial em nossas pesquisas, tanto em função de sua obra Como se escreve a História como da recente publicação Quando nosso mundo se tornou cristão (312-394).

2

documentos, dentre os quais se encontram não apenas textos, mas também aqueles provenientes da cultura material, tais como moedas, relevos e estátuas.

1. Constantino, um imperador a partir de diferentes olhares Para conhecermos acerca do imperador romano Constantino é importante que mencionemos tanto alguns dos seus traços biográficos mais conhecidos como as fontes históricas que o protagonizam. Assim, é inevitável que mencionemos seu biógrafo Eusébio de Cesareia, intelectual e bispo cristão do final do século III e início do século IV. A ele devemos por maior parte das informações que temos acerca de Constantino. Portanto, não parece possível pensarmos nos traços biográficos mais conhecidos deste imperador sem que consideremos o que Eusébio escreveu a seu respeito. O grande problema, porém, está no fato de que este intelectual entendia que a história de Constantino por ele escrita era uma espécie de reprodução fiel daquilo que o imperador vivera e, mais do que isso, daquilo que a divindade dos cristãos lhe providenciara a viver. É por esse motivo que na história da historiografia, textos como os de Eusébio de Cesareia, de Agostinho de Hipona e de Tomás de Aquino, para não citar outros, são considerados escritos que seguem uma tendência providencialista da história, ou seja, além do escritor relatar o que aconteceu, sua narrativa reproduz o que aconteceu porque Deus quis que acontecesse. Parece absurdo, mas é isso mesmo. Eusébio, além dos demais citados, por ser um escritor religioso, não conseguia conceber uma história que estivesse fora ou desconectada da chamada providência divina. Assim, Eusébio apresentará um Constantino que se tornou piedoso e generoso para com os cristãos pela simples razão de ter sido ele o governante escolhido por Deus para livrá-los da repressão romana que sofriam havia cerca de duzentos e cinquenta anos. Constantino nasceu, segundo a historiografia tradicional, entre 272 e 274 em Naissus, situada ao sul da atual Sérvia, na divisa com a Bulgária. Há pouco informado acerca da sua infância, da sua formação educacional, do seu cotidiano na juventude. Mesmo as informações sobre a sua atuação no exército antes de se tornar imperador não passam de conjecturas. No entanto, o Constantino que nos interessa é aquele que a partir de 306 se tornou um dos imperadores da Tetrarquia romana, instituída por Diocleciano alguns anos antes e que empreenderia uma política de restauração da Monarquia, o que

3

só aconteceria em 324. Assim, Constantino se tornará monarca do Império Romano a partir daquele ano até sua morte, em 337. Uma sucessão de conflitos se estabelecera para que Constantino conseguisse seu objetivo de se tornar monarca. A morte de Galério, as vitórias sobre Maxêncio e Licínio, o rompimento com a religião tradicional de Roma e a adesão à religião dos cristãos são alguns fatores que se destacam na sua biografia tradicional. No entanto, não é nosso objetivo reproduzi-los e detalhá-los neste artigo, pois o que pretendemos é pensar nas fontes mais comuns a seu respeito que, ora coincidem ora se chocam nas informações que fornecem. Também é nosso interesse identificar o modo como os referenciais teóricos do nosso tempo nos permitem fazer uma releitura dessas fontes, e, se possível e necessário uma releitura que seja comparada, pois apenas assim nos será permitido perceber os encontros e desencontros entre tais documentos. Em primeiro lugar e de maneira inevitável, a documentação sobre Constantino a ser mencionada é aquela que chamaremos de corpus eusebianus, ou seja, todo o conjunto de obras atribuídas a Eusébio que tratam de maneira direta da figura do imperador que estamos investigando. São elas: a História eclesiástica3, a Vida de Constantino4 e os Elogios a Constantino5. A partir de uma leitura crítica dessas narrativas, pretendemos demonstrar que Eusébio não só inaugura um gênero literário, mas o faz de maneira apologética e panegírica, referindo-se ao imperador romano como sendo um herói que, graças à providência divina, foi escolhido para libertar os cristãos da opressão romana. A leitura crítica que pretendemos desenvolver das obras atribuídas a Eusébio se justifica no fato de que são elas as representações da primeira e mais conhecida versão literária acerca de Constantino. Problematizando-as, poderemos, além de encontrar os seus percalços em matéria de conteúdo e de gênero literário, comparar com aquelas miragens de Constantino que se mostram em outros momentos através de textos divergentes a Eusébio e nas fontes materiais datadas do próprio século IV. Estas nos permitirão perceber outros perfis da mesma personagem. Ressaltamos que faremos as leituras dessas três obras atribuídas a Eusébio a partir de suas versões em língua grega.

3

cf. EUSEBIO DE CESAREA. Historia eclesiástica; [version, introduccion y notas: Argimiro VelascoDelgado, O.P.]. – Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 2001. Texto blilingüe. 4 cf. EUSEBIO DI CESAREA. Vita di Costantino; [Introduzione, traduzione e note di Laura Franco / testo greco a fronte]. Milano: BUR Rizzoli, 2009. 5 cf. EUSEBIO DI CESAREA. Elogio di Costantino – discorso per il trentennale e discorso regale; [Introduzione, traduzione e note di Marilena Amerise]. Milano: Paoline, 2005.

4

Em segundo lugar, nos colocaremos em contato com obras historiográficas que trataram do mesmo caso, ou seja, a figura de Constantino, porém, não sob a perspectiva cristã, eusebiana, teleológica, mas amparadas na pretendida objetividade iluminista, racionalista, historicista e, de certo modo, científica. Foram estudiosos desse período que, ecoando, mesmo que de maneira parcial, as críticas de um Zózimo6, viram em Constantino um político inescrupuloso, mas que na pena de Eusébio terá recebido todas as honras, além de uma imagem quase incorruptível de herói e salvador da cristandade. O suíço Jacob Burckhardt (1818-1897), a exemplo de outros do seu tempo que na certeza de que poderiam reproduzir fatos reais, entendia que o Constantino de Eusébio não passava de uma invenção do escritor cristão a fim de favorecer a sua religião e a sua visão providencialista da História. Para esses historiadores, seguindo ainda que de maneira parcial o historicismo do alemão Leopold von Ranke (1795-1886), seria possível por meio de outros textos oficiais chegar à imagem real do imperador. O próprio Burckhardt entendia que Constantino estava longe de ter sido um líder público escolhido pela providência divina para promover paz e liberdade nos territórios sob seu governo, mas que por certo terá sido um político que se utilizou da religião para garantir seu domínio imperial7. A obra Die Zeit Constantins des Großen, de Burckhardt, parte de uma exposição do contexto político-imperial no século III, detalha o governo de Diocleciano, discorre acerca de aspectos geográficos e sociais do Ocidente e do Oriente, apresenta o pano de fundo religioso sincrético, expõe os diferentes conceitos de imortalidade e o processo de rejeição dos cultos politeístas por parte dos cristãos, trata dos aspectos culturais do mundo antigo e se encerra com três capítulos nos quais detalha a ascensão de Constantino, sua trajetória política, seus embates militares, seus empreendimentos culturais, políticos e econômicos, sua relação com a religião cristã e sua morte.

6

Opositor pagão veemente da política constantiniana, que viveu no final do século V e início do século VI. Sua grande obra historiográfica que é marcada pelas críticas à figura de Constantino é intitulada Nova História. cf. Zosime. Histoire nouvelle. Tome I, livres I et II. Texte établi et traduit par François Paschoud. Paris: Belles lettres 1971. 7 A obra de Burckhardt acerca de Constantino é a famosa A era de Constantino, o Grande. cf. (reedição da versão original em alemão de 1852) BURCKHARDT, Jacob. Die Zeit Constantins des Großen, C.H. Beck, München, 2013 ou (versão italiana) BURCKHARDT, J. L’età di Constantino il Grande. Roma: Sansoni Firenze, 1957. Segundo Antonio Edmilson Martins Rodrigues, neste livro de Burckhardt “é possível notar a atenção do autor para as ideias formadoras das ações e mesmo discutindo as ações políticas, esmera-se em destacar o ambiente cultural como decisivo para os resultados obtidos.” Jacob Burckhardt (1818-1897). In: PARADA, Maurício (org.). Os historiadores clássicos da História vol. 2 – de Tocqueville a Thompson. Petrópolis, RJ: Vozes, PUC-Rio, 2013, p. 96.

5

2. Paul Veyne e sua obra Como se escreve a História Para este tópico entendemos que seja importante iniciar com uma breve apresentação do livro de Veyne e do modo como ele foi organizado por seu autor. Publicada originalmente em 1971, a obra Como se escreve a História trata do objeto da História e leva em consideração as diferentes maneiras desta disciplina ser compreendida, concluindo com o conceito de progresso histórico a partir do olhar, não apenas da própria História, mas também da Sociologia. Veyne começa com a pergunta “o que é história?”. Na busca por uma resposta, o autor lança algumas provocações, afirmando: “A história, em nosso século, compreendeu que a sua verdadeira tarefa era a de explicar”; “um determinado fenômeno não pode ser explicado só pela sociologia: o recurso a uma interpretação histórica não o tornaria mais inteligível?”; “será a história uma ciência? Debate vão! Não seria a colaboração de todos os pesquisadores desejável e a única fecunda?”; “não deveria o historiador dedicar-se a construir teorias?” (VEYNE, 2008, p. 11)

Para estas perguntas o próprio Veyne lança um categórico “não”. E de todas as suas respostas a essas questões, gostaríamos de destacar a que afirma convictamente que “a história não tem método; tentem pedir que lhes demonstrem seu método. Não, ela não explica coisa alguma, se é que a palavra explicar tem sentido: quanto ao que chama suas teorias, será preciso examiná-las de perto.” (VEYNE, 2008, p. 11) Em sua proposta historiográfica, Veyne quer deixar claro, antes de tudo, que a História não é ciência, que a História não explica e que a História não tem método. Logo, para Veyne, esta História sobre a qual muita coisa tem sido afirmada desde o início do século XIX simplesmente não existe. Portanto, o que é História? É nada mais que um romance real, uma narrativa verídica, uma reprodução de eventos reais que têm o ser humano como ator; mas, tudo isso, segundo o próprio Veyne, não diz muita coisa. É História aquilo que o historiador faz ser História, e isso por meio de seu trabalho escrito. Portanto, ninguém funda a História; antes, ela precisa ser contada por meio da escrita, independentemente das fontes que lhe serviram, havendo, sobretudo, por detrás do trabalho do historiador, não propriamente um método ou uma dependência teórica, mas um processo de conhecimento. A História é muito mais uma trama, uma trama real ou sobre o real, mas uma trama, uma narrativa. Por isso, a falácia do historicismo, segundo Veyne, foi a hipótese “ingênua” de Ranke de que o historiador

6

pode contar a História do modo como ela aconteceu. Para Veyne o historiador constrói um romance “verdadeiro”, a partir de suas próprias escolhas, juntando coisas não dadas na ordem natural, mas que de acordo com os interesses e pretensões do historiador serão selecionadas e usadas no enredo da trama que ele está por construir. Embora coloque em evidência a importância do documento, Veyne não desconsidera a hipótese de que a História é construída a partir da exploração de um problema identificado ou apontado pelo historiador, e isso em conformidade com uma preocupação particular. Da mesma maneira, Veyne dedica maior importância à noção fecunda do não-factual, pois entende que os acontecimentos não possuem dimensões absolutas conforme defendiam os historiadores positivistas. Há que sempre lembrar que é o historiador e não a história em si, o responsável por, em suas escolhas, determinar quais são os fatos mais importantes. Os acontecimentos, para Veyne, não se reduzem a uma cronologia, não há uma temporalidade própria ao objeto; o que há para ele é um processo. Para ele, a História tem o que contar e, exatamente por isso, a História não é uma Ciência Humana como a Sociologia que se assemelharia a uma história comparada. Como se escreve a História é um livro de epistemologia, segundo o qual não existe um método em História, não há uma pretensão universal, não há regras que delimitem problemáticas de objetos. Pensando em nosso objeto de pesquisa, o imperador romano Constantino, que segundo as historiografias tradicionais seria tratado como o grande personagem que protagonizou uma importante história política, na leitura proposta por Veyne poderia até ser ainda um protagonista, mas de uma trama que envolve questões sociais, econômicas e culturais, dando maior importância não aos acontecimentos políticos por ele vividos, mas, por exemplo, aos efeitos que sua participação na história acabou gerando. Conforme afirma o próprio Veyne: “o eixo dessas histórias gerais foi, durante muito tempo, a história política, mas hoje é, sobretudo, o não-factual: economia, sociedade, civilização.” (VEYNE, 2008, p. 31) Já à historiografia teleológica de Eusébio, Veyne dedicaria a seguinte crítica: “se a Providência dirige a História e se a História é uma totalidade, então o plano divino é indiscernível; como totalidade, a História escapa-nos e, como entrecruzamento de séries, ela é um caos semelhante à agitação de uma grande cidade vista de um avião.” (VEYNE, 2008, p. 35) Vejamos que Veyne se opõe à toda espécie de filosofia da

7

História, seja providencialista ou positivista, pois em concordância com Karl Popper8, não aceita qualquer forma de objetividade em História. Enquanto um historiador positivista afirmaria “vou contar o que aconteceu do jeito que aconteceu”, Veyne preferiria dizer “vou contar o que aconteceu do modo como eu vejo”. Muito ainda haveria para dizer sobre a historiografia na perspectiva de Veyne, mas verificaremos a partir de agora um pouco do modo como ele próprio escreve sobre o processo de cristianização do Ocidente que teve Constantino como figura central.

3. Constantino, segundo Paul Veyne Para entendermos o modo como Veyne interpreta a figura do imperador Constantino e sua importância no processo de cristianização do Ocidente, basta ler sua recente obra Quando nosso mundo se tornou cristão (312-394). Poderíamos, por exemplo, optar por ler os escritos de Eusébio fazendo uma análise de toda a sua discursiva panegírica em defesa e honra do imperador, no que Veyne nos ajudaria, pois há amplo instrumental teórico para isso tanto em sua obra Como se escreve a História como no ensaio Foucault revoluciona a História. No entanto, optamos por observar sua própria interpretação e pontuar alguns elementos gerais que se destacam em sua leitura. Veyne não deixa de citar Eusébio, bem como não omite a trama que tem Constantino como protagonista. Não esconde que hoje, mesmo depois da crítica de Burckhardt que via neste imperador um político calculista e interesseiro, a maior parte dos historiadores, cristãos ou não, aceita a hipótese de que Constantino tenha sido um adepto sincero da religião cristã, apesar dos exageros e fábulas que enfeitam a narrativa e o cenário que Eusébio arquitetou. Justificam que Constantino não se tornaria cristão para obter vantagens com um grupo tão irrisório numericamente – entre cinco e dez por cento da totalidade populacional do Império – correndo o risco de ter sua popularidade prejudicada em relação aos adeptos da religião tradicional de Roma que era politeísta. No entanto, a preocupação de Veyne não consiste em legitimar ou negar a autenticidade da conversão de Constantino ao cristianismo. Acerca disso, inclusive, ele prefere não comentar, pois entende que a expressão “conversão” é uma categoria que não cabe aos historiadores definirem, mas aos teólogos. O interesse de Veyne, por outro lado, está em problematizar todo esse processo que culminou na institucionalização de

8

cf. POPPER, Karl. A Miséria do Historicismo. São Paulo. Cultrix.1991.

8

uma religião até então proibida, apontando os efeitos que essa trama real ou sobre o real acabou gerando e, sobretudo, respondendo à questão: tem a Europa raízes cristãs? Quanto aos efeitos desse processo, Veyne identifica que boa parte dos imperadores que sucederão Constantino apoiará o cristianismo. Tal apoio foi determinante para que uma religião de vanguarda, proibida, até mesmo considerada criminosa até o início do século IV, se tornasse décadas depois a religião oficial do Império Romano, duzentos anos depois a religião de quase toda a população ocidental e hoje uma religião de quase um bilhão e meio de adeptos. Segundo Veyne, não pode ser desconsiderado que o cristianismo tornou, a partir de Constantino, uma religião imperial tanto na perspectiva do exercício do poder como na perspectiva estética. Já o Império, que antes mantinha as tradições religiosas de Roma, aos poucos começa a se cristianizar ou a ser cristianizado. No entanto, segundo Veyne, devido a tolerância adotada por Constantino, sua religião pessoal não foi imposta a ninguém. Ao contrário, ele ainda nomeia pagãos para importantes funções públicas. Assim, com Constantino, a sociedade romana será ainda pagã e cristã, simultaneamente. Por fim, como resposta à indagação “tem a Europa raízes cristãs?”, Veyne conclui que o cristianismo, em nosso tempo, até está enraizado nas sociedades secularizadas, no entanto não se encontra em sua raiz, tampouco é seu representante. A Europa não tem raízes, cristãs ou outras, pois se fez através de etapas imprevisíveis, nenhum de seus componentes sendo mais original que qualquer outro. Não foi pré-formada no cristianismo, não é o desenvolvimento de um germe, mas o resultado de uma epigênese. (VEYNE, 2010, p. 240)

Considerações finais Em linhas gerais, a Europa e todo o Ocidente, pensando com as conclusões de Veyne, possuem hoje outra identidade que não a religiosa, muito menos a cristã. A partir do século XVI os povos não serão mais classificados segundo suas predominâncias religiosas, mas por seus costumes, sendo a religião apenas um componente. E, em particular, a Europa, com toda a herança cristã que possui, sobretudo, na arte, na arquitetura, na literatura clássica, na música, apenas demonstra que o cristianismo é, atualmente, muito mais um patrimônio do que sua identidade. Percebemos, portanto, que na perspectiva de Veyne, o importante não é afirmar se Constantino foi ou não um cristão sincero ou um político calculista, mas pensar nos efeitos que essa relação entre ele e a religião cristã traria para a história do Ocidente.

9

Referências bibliográficas BURCKHARDT, J. L’età di Constantino il Grande. Roma: Sansoni Firenze, 1957. EUSEBIO DE CESAREA. Historia eclesiástica. Madrid: BAC, 2001. Texto blilingüe. EUSEBIO DI CESAREA. Elogio di Costantino – discorso per il trentennale e discorso regale. Milano: Paoline, 2005. EUSEBIO DI CESAREA. Vita di Costantino. Milano: BUR Rizzoli, 2009. Testo greco a fronte. PARADA, Maurício (org.). Os historiadores clássicos da História vol. 2 – de Tocqueville a Thompson. Petrópolis, RJ: Vozes, PUC-Rio, 2013. POPPER, Karl. A Miséria do Historicismo. São Paulo. Cultrix.1991. VEYNE, P. Como se escreve a história. 4ed. Brasília, DF: Editora UNB, 2008. VEYNE, P. Quando nosso mundo se tornou cristão – 312-394. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. ZOSIME. Histoire nouvelle. Tome I, livres I et II. Texte établi et traduit par François Paschoud. Paris: Belles lettres 1971.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.