O Império e seus Intercessores: O Caso da Constituição Europeia

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O Império e seus Intercessores: O Caso da Constituição Europeia Pablo Sanges Ghetti*

Resumo Império e resistência. É nesse contexto que cumpre desvendar as condições constitucionais em que a Europa se apresenta. Sob que vestes se dá a autoridade europeia para interceder perante o Império? Tal questão demanda uma análise preliminar da própria natureza do Império hoje – a qual implica, em sua teoria mais propagada, uma reflexão acerca do poder constituinte (2). Em seguida, abordam-se o conceito de intercessão e suas repercussoes políticas, em especial, a compreensão do apelo intelectual à Europa e da Europa, e a natureza da resposta oferecida por alguns de seus mais proeminentes pensadores (3). Realçam-se a proposta de Balibar de uma Europa como mediadora evanescente e a aposta de Derrida numa Europa por vir. Posteriormente, analisa-se a trajetoria jurídico-política europeia, por intermédio de decisões da Corte Europeia de Justiça, e da retórica do mal-fadado tratado constitucional para a União Europeia (4). Por último, acentua-se a reapropriação imperial dos paradoxos europeus, apontando-se para uma juridicidade im-própria e por vir inscrita na rejeição ao tratado constitucional (5).

*

PhD – Universidade de Londres, Birkbeck, School of Law. Mestre em Direito – PUC-Rio. Diplomata de carreira.

O dever de responder ao apelo da memória européia... Este dever dita também a abertura da Europa a partir do cabo que se divide porque é também uma borda: de abri-lo sobre o que não é, nunca foi, nem jamais será a Europa.1

1.

Introdução: Apelos...

Há um apelo à Europa e há um apelo da Europa. Afirma-se que a Europa deve despertar e interceder entre o Império americano e seus outros, que a Europa deve usar de sua autoridade para persuadir o Império a dialogar com seus outros, em especial com as culturas árabe e islâmica. Diz-se também que a Europa pode ser força salutar na constituição de uma esfera pública mundial sem governo mundial capaz de oferecer resistência aos interesses corporativos, financeiros e soberanistas que ora regem o que convencionamos intitular de globalização. Há, porém, ainda um apelo da Europa – da Europa e suas instituições, história, tradições de direitos humanos e democracia, o universalismo expresso na promessa do direito internacional, das Nações Unidas e da paz perpétua. Um chamado, talvez, da ideia de Europa, ou do ideal oriundo da Europa. E é a esse chamado da ideia a que respondem os intelectuais e atores políticos que ora apelam à Europa, a uma nova prática da Europa no mundo Imperial.2 No entanto, trata-se exatamente de um mundo imperial – da globalização (e ainda mais se falarmos em mundialização). É neste contexto que cumpre desvendar sob que condições se dará este novo testemunho da Europa. O que ocorre quando a palavra é novamente dada à Europa? Sob que vestes vai-se resguardar uma tal autoridade? Qual o 1

DERRIDA, Jacques. L’Autre cap. Paris: Les Éditions de Minuit, 1991, p. 75. BALIBAR, E. Europe, médiation évanouissante. In: Idem. L’Europe, l’Amérique, la guerre. Paris: La Découverte, 2003. 2

espaço deste encontro entre Europa, Império e ‘outros’? Até que ponto devemos, os outros, ouvi-la? O que significa interceder perante o Império? Tais questões demandam uma análise preliminar da própria natureza do Império hoje – a qual implica, em sua teoria mais aplaudida, uma reflexão acerca do poder constituinte, de modo a alcançar o coração do constitucionalismo atual. Em seguida, abordamos o conceito de intercessão e suas repercussoes políticas, em especial, a compreensão do apelo intelectual à Europa e da Europa, e a natureza da resposta oferecida por alguns de seus mais proeminentes pensadores. Realçamos a proposta de Étienne Balibar de uma Europa como mediadora evanescente e a aposta de Jacques Derrida de uma Europa por vir. Por fim, analisamos os desenvolvimentos da trajetoria jurídico-política europeia, por intermédio de decisões da Corte Europeia de Justiça e da retórica do projeto de um tratado constitucional para a União Europeia – já assinado, mas cujo processo de ratificação encontra-se paralisado diante das negativas francesa e holandesa.

2.

Império e Globalização

Império e globalização são inextrincáveis. Não há criação de globo, conquista do globo, sem que a intensidade do poder imperial se manifeste. A globalização é um processo cruel e antigo de criação do mundo – pressupõe-se aqui que o mundo não seja um dado, mas um desafio, muito embora haja um elemento de relação com a terra, com o mundo, em certo sentido, que se verifica nas mais diversas culturas.3 Nossa mundanidade inafastável, porém, não pode por si mesma abrir os caminhos que levam à globalização, porque os conceitos de mundo e mundanidade estão eles mesmos em disputa, passíveis de interpretações múltiplas. Apesar de estarmos jogados no mundo, a formação do 3

Schmitt, Carl. The Nomos of the Earth. New York: Telos, 2003. Em especial, os dois primeiros capítulos.

mundo, em si, demanda a ponta de lança do império. É essa ponta de lança, tanto ideal (avanço racional, teleológico e apontado para o futuro) quanto bélica (e enquanto bélica, destruidora, sublime e técnica) que trabalha a mundanidade em direção ao mundo, ao globo e à globalização. A ponta de lança, a arma do soberano, é ao mesmo tempo o ponto mais visível e mais intenso da sua obstinação. O verbo latino imperare se forma a partir de duas raízes, do verbo parere (obter, alcançar) e do prefixo in, no sentido de movimento para dentro, intensivo, como em insistência, ou incidência. Não é por acaso que foi a Roma ‘imperial’ – não apenas o Império Romano, mas Roma enquanto berço do imperium, o mais alto poder executivo no direito público romano – que fez a humanidade vislumbrar o globo e, de certo modo, a globalização.4 Na obra de Hardt e Negri, Império, fica clara a inspiração em Roma. 5 Neste livro, o mundo do pós-guerra fria, em especial, após a 1 a. Guerra do Golfo, é entendido como aquele em que o Estado-Nação perde a centralidade decisiva, em que um poder global se constitui e se exerce por uma nova teia de atores sociais cuja atuação deve lealdade a uma nova soberania, uma soberania desterritorializada. Não se trataria de imperialismo, mas de Império. O imperialismo, enquanto extensão da soberania nacional para além de suas fronteiras, enquanto afirmação global do nacional, dá lugar ao Império, tal qual um sistema de poder descentralizado que captura as energias das novas técnicas e afetos comunicativos patentes na emergência do que os autores chamam de trabalho imaterial. Assim como na Roma imperial, tem-se um sistema de poder permeável, integrador, acolhedor até das mais diversas culturas, religiões e interesses, mas que não hesita em fazer uso das armas quando sua espinha dorsal é ameaçada. Não há nada fora do Império, 4

SCHMITT, Carl. Land and Sea. Washington D.C.: Plutach Press, 1997, p. 31. HARDT, Michael. NEGRI, Antonio. Império. São Paulo: Record, 2002. E o contexto da 1 a. Guerra do Golfo, com a ampla aliança internacional envolvida, é absolutamente crucial para a compreensão de tal livro. 5

mas é exatamente tal pertença absoluta ao império que permite às forças que o constituem – e é ainda a exploração do trabalho que garante o poder dessa nova soberania – o espaço de uma biopolítica radical e eficaz. Como o império não tem centro, as crises nas ditas periferias atingem a sua própria existência – a ação da multidão é constituinte 6 e decisiva, logo, capaz de desembaraçar-se da forma de poder imperial para criar uma nova forma de manifestação, agora não repressiva, da então matéria do império. É o que chamam de democracia absoluta, ou democracia da multidão.7 Todavia, este projeto revolucionário perde sentido pela evidente persistência do Estado-nação enquanto elemento de vanguarda na própria formação do império. Ademais, a intensidade imperialista a que aludimos com a imagem da ponta de lança produz evidentemente um sem-número de fissuras na estrutura do Império em rede, ainda que se verifiquem, prima facie, no interior do campo de batalha do capitalismo global. 8 Deste modo, o Império em rede não cairá por terra, mas persistirá paradoxalmente tanto mais tempo quanto mais profundas forem as suas fendas. Mais uma vez lembrando-se de Roma, só há império se houver também algo que se lhe escape, que lhe apresente o desejo de perdurar, prosseguir e conquistar. O império desmorona quando alcança a sua completude. Contudo, a história nos ensina que não adianta esperarmos tal desmoronamento, não apenas porque é apostar no imponderável, mas também porque a decadência do império é também o desmoronamento de seu mundo – em nosso caso do espaço-mundo por ele criado.9 Devemos, sim, vislumbrar tal completude do globo e este 6

NEGRI, Antonio. O Poder Constituinte – Ensaio sobre as Alternativas da Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, pp. 421-461. 7 HARDT, Michael. NEGRI, Antonio. Multitude – War and Democracy in the Age of Empire. New York: The Penguin Press, 2004, pp. 348-358. 8 LACLAU, Ernesto. Can Immanence Explain Social Struggles? In: PASSAVANT, P. A. DEAN, J. Empire’s New Clothes. New York: Routledge, 2004. 9 E se na análise do império devemos seguir a atitude de Marx perante a emergência do capitalismo, devemos não somente produzir a crítica, a crítica radical, a desconstrução – e, portanto, a afirmação de algo

desmoronamento como índices de nossa abertura e dedicação à pluralidade e à alteridade que transparecem no momento em que o conforto, a segurança e a certeza em relação à univocidade do ‘social’ e do ‘mundo’ são ameaçados. 10 À esquerda democrática contemporânea cumpre a tarefa de deixar-se apropriar por essa abertura, e ali indagar sobre se a globalização pode ser reconduzida ao registro das emancipações, ou se foi inexoravelmente colonizada pelo registro do poder – se o mundo global do império merece ser conservado, ou se a sua auto-reprodução não desemboca na catástrofe do mundo, naquilo que Jean-Luc Nancy nomeia de imundo.11 Certamente, faz-se necessário analisar mais a fundo a ideia de globalização. Acompanhando o trabalho de Jacques Derrida, poderíamos insistir no uso de mundialização. Segundo o autor francês, é o conceito de mundo, o mundus greco-romano e romano-cristão que dá sentido ao processo de mudanças profundas nas relações internacionais do pós-guerra. É a universalização dos direitos humanos e da democracia, é a prevalência universal e formal de suas instituições jurídico-políticas, é o processo de formação de uma aliança das nações que conhecemos como Nações Unidas, é uma nova jurisdição internacional, representada pelo Tribunal Penal Internacional que devem, enfim, demonstrar a nossa dívida central para com uma determinada articulação eminentemente romana dos mundos greco-latino e judaico-cristão. Outros autores procuram distinguir o atual processo de suas origens eminentemente mediterrâneas, precisamente para ali enxergar a oportunidade de um real diálogo intercultural e de superação das barreiras territoriais, culturais ou étnicas para o além – mas também reconhecer as oportunidades e instrumentos oferecidos por este novo espaço na luta contra formas de opressão mais antigas, como o comunitarismo, o nacionalismo, o racismo e o regionalismo. 10 DERRIDA, Jacques. Voyous – Deux essais sur la raison. Paris: Galilée, 2003, p. 213. 11 NANCY, Jean-Luc. La création du Monde, ou la mondialisation. Paris: Galilée, 2002, p. 16.

intercâmbio global de informações, bens e interesses. Aqui a expressão globo ganha preferência por ser mais neutra, aberta ao manuseio de qualquer interessado. 12 No entanto, seu caráter neutro, em termos do espraiamento da lógica do valor de troca, a lógica da equivalência geral da moeda, leva outros autores a investigarem a identidade última entre essas duas matrizes do que se costuma chamar de globalização: por um lado os universalismos da ideia e do poder imperial, e por outro, o monismo do mercado, a assepsia neutra da forma-mercadoria. Tal é a aposta de Jean-Luc Nancy, um dos principais herdeiros da desconstrução. Nancy observa nesses universalismos, nesses monismos, a energia do monoteísmo 13 – a fé na Unidade, tão abissal no reconhecimento mesmo do Deus desconhecido e no esvaziamento da imagem de Deus, que beirariam ao ateísmo. Abismo cujo caráter préoriginário não deve ser subestimado – o abismo sem fundo das fissuras do império préexiste ao império, e apesar de a soberania imperialista constituir o seu índice, a sua mais evidente prova, há esperança de que ele, o abismo, não se reduza a ela, a soberania. É óbvio, ainda, que não é estranho a Derrida este caráter, digamos, espectral do mercado imperial. E para Derrida, o trabalho de Marx deve ser interpretado como uma denúncia do caráter espectral, místico e alienante do valor de troca, e das relações sociais capitalistas, mas, sobretudo, como reconhecimento do espectro da própria economia enquanto tal, por ocasião da abstração produzida na forma geral da mercadoria. 14 É esse tema que Nancy desenvolve para afirmar que Marx não apenas apontou para o caráter central da economia, mas revelou como a economia se afirma em sua autonegação. Nas obras de Derrida e Nancy, a questão do capitalismo não se afasta de um entendimento 12

ARNAUD, André-Jean. Critique de la raison juridique 2.Gouvernants sans frontières. Paris: L.G.D.J., 2003, p. 25. 13 NANCY, Jean-Luc. La communauté affronté. Paris: Galilée, 2001. 14 DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, pp. 169-234.

mais amplo da noção de capital, em suas conotações de reserva, valor, acumulação (poder-se-ia acrescentar a sua sacralidade – sacrifício significa fazer sagrado, colocar à parte – o sacrifico moderno, em particular, é o autossacrifício, o trabalho), centralidade – e a questão da Capital: cabeça, ponta de lança, ponta avançada, cabo. O império aponta para um espectro de capital. E qual a península, o cabo, a ponta mais avançada, a cabeça altiva do império, senão a velha Europa?15

3.

Europa entre Autoridade e Intercessão

Vamos recapitular o problema do império sob nossa perspectiva. A ação imperialista do poder soberano em direção a uma expansão do seu domínio cria espaçomundo. O poder imperial do universalismo encontra acolhida na intensidade do sujeito moderno e produz espaço-mundo. O império não equivale à totalidade, vive e se alimenta do pluralismo. A globalização, resultado destas tendências do real, acrescenta aí o elemento da técnica, da neutralidade da técnica, do mero globo geográfico e asséptico. Contrapõe-se, assim, ao caráter ético da tradição mediterrânea do mundus, ainda que ela mantenha o mundus formal, enquanto expansão, conquista e espaço – e, muito embora as forças éticas do mundo não sejam anuladas, a defesa de direitos humanos, democracia e direito internacional acaba por se tornar instrumento de afirmação da soberania do império. As forças constituintes do império afrontam a soberania do império, não se subsumem completamente a ele, habitam exatamente as suas fendas – é dali que elas o constituem e combatem. Há neste ponto um risco, assim como em todo enfrentamento, em toda disputa política. Ele ocorre quando o brilho do adversário é tão intenso que ofusca os olhos e 15

DERRIDA, Jacques. L’Autre cap, pp. 24-27.

contamina o seu oponente. Não se trata de medo. O medo até colabora para o ressentimento e para a reação perspicaz, astuta. O problema se dá na identificação, como se não houvesse diferença de qualidade entre um e outro, como se não mais persistisse uma hierarquia que, no entanto, existe. Isto se dá quanto mais o soberano renuncia ao elemento imperial, conquistador, guerreiro de seu poder; quando sua soberania, assim, enverniza-se especialmente pela autoridade. É esta articulação entre auctoritas e potestas, que mobiliza a máquina imperial 16 – autoridade que é sempre criada de certo modo arbitrário, conservando uma aura piedosa e sustentada pela fé. 17 No direito privado romano ‘auctoritas é a propriedade do auctor, isto é, da pessoa sui iuris (o pater famílias) que intervém – pronunciando a fórmula técnica auctor fio [faço-me autor] – para conferir validade jurídica ao ato de um sujeito que sozinho, não pode realizar um ato jurídico válido’. [No direito público romano] ‘a auctoritas designa (...) a prerrogativa por excelência do senado. (...) O Senado não tem uma ação própria, e pode agir somente em ligação com o magistrado ou para homologar as decisões dos comícios populares, ratificando as leis. Não pode manifestar-se sem ser interrogado pelos magistrados e só pode perguntar ou ‘aconselhar’ – consultum é o termo técnico – e esse ‘conselho’ nunca é vinculante de modo absoluto”.18

Este artifício acaba por legitimar o poder; em outras palavras, tal dedicação desinteressada do oprimido diante do opressor – o Senado ou o pater familias agem por uma qualidade que lhes é imanente – é uma espécie de fábrica de legitimidade. O que nos interessa aqui é como essa ausência de poder, suspensão radical do poder, combina-se ao brilho da autoridade, à luz da justiça que se atribui de modo arbitrário, para consolidar, 16

Nesse particular, adoto posição bastante distinta da de Agamben. Em primeiro lugar, não articulo a auctoritas à linguagem e ao dever-ser, e potestas a mundo e a ser. Em segundo, não acredito que a distinção ser / dever-ser seja barreira ao totalitarismo, mas apenas um ato desesperado diante do totalitarismo, e uma prova cabal de que o totalitarismo está à espreita – como ocorre na obra de Hans Kelsen. Cf. AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção: São Paulo, Boitempo Editorial, 2004, pp. 115-133. 17 DERRIDA, J. L’Autre cap, p. 89. 18 AGAMBEN, G. Estado de Exceção, pp. 117-119.

renovar ou redistribuir o poder – com especial atuação nos momentos de crise do poder. Este risco, infelizmente, concretiza-se nos recentes apelos à Europa – como veremos, a face autoritariamente tenra do Império global. Foi Étienne Balibar quem ressaltou tais apelos no texto ‘Europa, Mediação Evanescente’.19 Balibar se concentra nos apelos que partem dos Estados Unidos. Apelos da intelectualidade de esquerda norte-americana, ou de uma intelectualidade de esquerda que vive ou representa uma parcela dos anseios norte-americanos. Balibar passa por Bruce Ackerman, Immanuel Wallerstein, Timothy Garton Ash e Edward Saïd. Todos eles de algum modo apelaram à ação da Europa, à intervenção da Europa diante de um mundo que estava prestes a testemunhar a 2a. Guerra do Golfo. Todos eles ‘contam virtualmente com ela [a Europa] para reencontrar essa combinação ideal da força e do direito, da qual a América parece se afastar’.20 Contudo, tais apelos não se comparam ao apelo do próprio Étienne Balibar, intelectual identificado com a esquerda democrática e marxista. Um dos mais famosos assistentes de Althusser, Balibar representa ainda uma certa esquerda marxista que não deixou de se inquietar com as injustiças do presente, que não deixou de agir por intermédio de seus escritos, mas que adquiriu maior escopo e capacidade interventiva ao acompanhar os desenvolvimentos do chamado pós-estruturalismo, notadamente os trabalhos de Foucault e Derrida. Na obra de Balibar, a Europa, ainda uma entidade identificável, perde a sua substância – e aqui Balibar acompanha Derrida. Não há uma essência da Europa, uma Europa de um povo europeu dotado de uma identidade natural, ou mesmo cultural. A Europa não pode nem mesmo se pautar por sua territorialidade, por sua peninsularidade.

19 20

BALIBAR, E. Europe, médiation évanouissante, pp. 11-61. Id., ibid., p. 25.

Ela deve ser vista, ao contrário, a partir da linha mesma que ela transborda. É terra de fronteiras (Borderland), incide, perpassa e desvela todas as fronteiras. Ela é um espaço de articulação de culturas e projetos de sociedade. Trata-se de uma comunidade contingente, de destino (num sentido mais próximo de acaso, do que de pré-determinação histórica, como em fate), unida pelas circunstâncias e pelo projeto comum que a alimenta. Em português poderíamos resgatar o termo ‘lance’ para designá-la como uma comunidade jogada num espaço que se lhe ocorre de modo contingente, abandonada a sua (im)própria sorte. Uma comunidade sem comunidade, que, portanto, não opera pela via da identificação comum e da distinção em relação a um inimigo comum. 21 Tanto é fronteiriça e porosa que não deverá circunscrever-se ao que a geografia moderna convencionou chamar de Europa. Balibar resgata o entendimento clássico de Europa, nada mais que uma pequena região da antiga Ásia Menor, hoje Turquia. Assim, poder-seia pensar a Europa em direção, curiosamente, a seu berço mediterrâneo, ao conjunto euro-mediterrâneo. Já há, e o autor as acompanha, iniciativas interessantes com o propósito de promover parcerias euro-mediterrâneas, lançadas pela conferência de Barcelona, em 1995. Vê-se aí o território sendo usado contra suas próprias premissas. Neste processo de reinvenção constante, a Europa, porém, assume uma certa identidade, ainda que provisória, é a própria mediação que a nutre. De terra das fronteiras, faz-se também terra das mediações, cujo paradigma maior é a tradução, tarefa constante na história europeia – tradição única no mundo, segundo Balibar, pela existência e importância de um sistema institucional permanente de traduções. Neste sentido, como

21

NANCY, Jean-Luc. La communauté désœuvrée. Paris: Christian Bourgois, 1986. Cf. tb. BALIBAR, Étienne. Citizenship without Community. In: Idem. We the People of Europe? Princeton: Princeton University Press, 2004,

eminentemente tradutora e mediadora, a Europa acaba por se fazer ‘intérprete do mundo’.22 Há evidentemente um quê de grandiosidade nesta afirmação, e a atribuição de um certo glamour a um continente que parecia ter perdido as suas razões de orgulho e diferenciação. Se aquilo que a diferencia – ainda que se trate de uma diferenciação pela via da pretensão de universalidade – mormente os direitos humanos, a democracia, o respeito ao estado de direito e ao direito internacional, alcança de fato uma dimensão global, sendo os seus valores assumidos pelas mais diversas culturas, logo, ela acaba por perder a identidade. O caminho que Balibar oferece, porém, não insiste sobre este paradoxo, mas encontra uma nova saída, um novo elemento de identificação e diferenciação que repete a trajetória dos demais: a singularidade da mediação europeia. Ora, num mundo em que o intercâmbio de informações e bens é tamanho, tem-se necessariamente o encontro de línguas, interesses, projetos de nação e culturas os mais distintos. Deste modo, nada mais justo que a tradução e mediação destes fatores tenda a se universalizar. No entanto, Balibar já prevê este processo de nova desidentificação: a mediação europeia, enquanto distintamente europeia é provisória e evanescente. Ela se pauta por uma concepção relacional e foucaultiana do poder segundo a qual ‘o poder não antecede a ação, mas é um seu resultado’. Além disso, ‘a utilização da potência do outro, levando em conta a sua orientação’ 23, de uma forma a ‘fazer entrar em jogo um novo regime de potência, do qual ninguém (...) poderia considerar-se portador ou proprietário exclusivo’24. Assim, qualquer estratégia de poder europeu revela-se igualmente como

22

BALIBAR, E. Europe, médiation évanouissante, p. 61. Id., ibid., p. 36 24 Id., ibid., p. 42. 23

antiestratégia, em que o ‘poder’ do agente só é enfatizado na medida mesma do fortalecimento de seu manejo do poder enquanto relação social. Acreditamos ser necessário revelar a natureza ‘autoritária’ desse poder. O argumento de Balibar incorre em um sério problema. Sob uma perspectiva que abraça o registro das emancipações, Balibar mascara o potencial disruptivo e criativo do paradoxo europeu que mencionamos – o paradoxo do paradoxo, nas palavras de Jacques Derrida. 25 Se por um lado, todo universalismo é paradoxal, na medida em que reflete uma certa pretensão de universalidade de um ente particular, enraizado num determinado mundo concreto, por outro lado, um novo paradoxo emerge da consciência da universalidade da universalidade, i.e., quando a universalidade alcança historicamente o seu auge.26 Tem-se, assim, que as mais diversas culturas tornam-se capazes de expressar suas experiências particulares numa linguagem que lhes oferece uma capacidade de expressão co-extensiva ao universal – e não há dúvida de que as relações de poder estão envolvidas neste processo, e aqui a universalidade é sempre construída, jamais um dado prévio da consciência, razão, ou linguagem. A experiência deste paradoxo não tem como resultante a erosão da universalidade, mas a corrosão de seu fundamento hierárquico e imperial. Ela usa o espaço criado por este império, mas o corrompe em direção a uma relativização do particular, a um universalismo frágil, permeável ao influxo do outro, do distante, e do impossível. Universalismo cioso das suas raízes imperiais, das suas mazelas, e, 25

Derrida, L’Autre cap, p. 74. E isto ocorre apesar de Balibar ter reconhecido este paradoxo num outro texto, mas em relação ao Estados-nação que ‘perdem sua capacidade de encarnar o universal em seu próprio território – porquanto experimentam a atual reversão das relações de poder entre mercado capitalista global e a habilidade dos estados de ali intervirem’. Cf. Balibar, We, the people of Europe? p. 153. 26 Pode-se dizer também que o Ocidente desaparece no momento mesmo de sua conquista do mundo. O problema que isso gera, por outro lado, e isso é um desafio ao potencial deste paradoxo do paradoxo, é que o império deixa de atuar em sua expansão, por que já não há mais nada a conquistar e passa a voltar sua energia conquistadora contra si próprio, eis novamente o problema da produção do imundo. Cf. NANCY, JL. La Mondialisation, ou la création du monde, pp. 15-16.

concomitantemente, aberto ao influxo da alteridade, que, ainda radicalmente distante, revela o caráter comum do mundo. Em outras palavras, para além da mera produtividade material do globo capitalista, ela aponta para aquele lado mundano, de co-existência, de comunidade de sentidos num mundus, agora perturbado, a que nos referimos anteriormente.27 O mascaramento deste paradoxo se dá pela via da técnica, uma técnica excepcional. Excepcional porque fator de identificação único, erigindo a Europa a um lugar excelso, mas também por fazer incidir a exceção sobre a própria Europa. A técnica que ora se opera é a técnica da tradução, que alcança, porém, dimensão cultural. Vejamos esta bela, mas ao mesmo tempo desconcertante passagem do livro de Balibar:

“Parece-me que a ideia do mediador evanescente não é fundamentalmente diferente daquela do tradutor ou do passante (logo do viajante), que, entre outras, eu propunha associar por excelência à função do intelectual. Ela pode, mesmo, juntar-se a ele muito concretamente, ao menos para o que importa a nós, Europeus, se notarmos que – como havia sustentado notadamente Umberto Eco – a única, a verdadeira ‘língua da Europa’ (e como conceber um conjunto político sem o símbolo de uma língua, ou sem um regime de línguas?) é a tradução. Talvez haja aí, com efeito, não apenas uma exceção cultural europeia (não no sentido de que a Europa seria a única parte do mundo onde se pratica a tradução das línguas e dos idiomas nos campos do saber, da tecnologia, do trabalho, da literatura, e da oração... mas no sentido de que em nenhuma outra parte – nem mesmo na Índia ou na China – as circunstâncias históricas produziram, na mesma escala, a necessidade de instituir os intercâmbios lingüísticos e as traduções, e, por conseqüência, de refletir neles as condições de possibilidade políticas e pedagógicas), mas algo como uma cultura europeia da exceção (exceção à regra, à uniformidade, o que não quer dizer sua ignorância ou abolição).”28

27

É nesta mesma obra recente de Jean-Luc Nancy que encontramos esta tensão e esta cooperação entre mundialidade (de produção capitalística, de imanência imperial e global) e mundanidade (de co-existência num mundo abandonado, desprovido do além-mundo, mas, ainda assim, radicalmente transcendente pela experiência do abandono). Cf. NANCY, J-L. La Mondialisation, ou la création du monde, pp. 31-41. 28 BALIBAR, E. Europe, médiation évanouissante, pp. 59-60.

Desta forma, Balibar reconhece a importância de outras tradições no campo da tradução, mas eleva a Europa a símbolo, a ponta de lança deste processo pelo qual o mundo se cria no encontro das culturas. A viagem, a transitoriedade, a tradução como instituição central das relações sociais, e mesmo, a exceção – elementos marcantes da própria experiência histórica contemporânea – tornam-se fatores da exemplaridade da Europa, e elementos da sua identidade. É claro que o autor faz ressalvas 29 e exalta o futuro cultural de outras regiões do mundo, mas isso apenas reforça o caráter exemplar, pioneiro da Europa – a sua liderança no processo de globalização. Mais uma vez se verifica o seu caráter imperial e capital. A Europa, berço do império, berço do capital, sacrifica o seu poder puramente imperial, fático, para perpetuar-se como centro do mundo (capital), pelo seu exemplo, e como capitalizadora das riquezas do mundo, pela sua capacidade técnica de mediação, usufruindo assim da segurança garantida pelo império militar americano.30 Mas isso não significa que a Europa renuncie à força militar, pelo contrário, tal força é requisito essencial, mas mediado, de sua autoridade. Esta técnica capital conserva uma associação com a guerra, a técnica da guerra. É na técnica excepcional de tradução da Europa que vemos o perigo de a comunidade de lance de Balibar ser reapossada pelo jogo do capital. Aquilo que parecia salutar e benfazejo: uma comunidade para além de toda a escatologia, aberta à alteridade, desenhada não pelas, mas sobre e em termos de fronteiras, acaba por ser arrebatada pelo risco do jogo, de um 29

Ressalvas que, porém, não enfrentam algumas questões que o próprio Balibar levantou em outros textos. Uma das questões cruciais diz respeito às segregações que se verificam no interior da Europa (apartheid europeu), tanto por ocasião das imigrações, como de disputas étnicas em andamento: ‘uma Europa dessegregada, ou seja, uma Europa democrática, está longe de adentrar a agenda [contemporânea]’. BALIBAR, E. We the People of Europe? p. 123. 30 É evidente que não seguimos aqui a versão hobbesiana das relações internacionais adotada por Kagan – a proposta aqui não é de uma volta da Europa-potência, mas de uma Europa aberta para a alteridade cultural, desidentificada, e, sobretudo, aberta para a alteridade do porvir, para a superveniência do acontecimento democrático, para o caminho das emancipações. No entanto, Kagan aponta corretamente para o benefício que o poder americano provê à Europa, que acaba deixando a parte mais ‘suja’ da administração do sistema global para os EUA. BALIBAR, E. L’Europe, l’Amérique, la guerre, pp. 96-105.

novo lance na história do imperialismo, uma artimanha aventurosa daqueles que foram jogados juntos numa terra de conflitos, mas que no entanto se afirmam como detentores da identidade universal. E se concordamos que deve haver um caminho do estar-junto para além da comunidade nacional e autêntica, comunidade sem comunidade, esta aventura, para nosso desespero, pode produzir mais capital, mais reserva, e mais guerra. A guerra norte-americana é aliada da tradução europeia. Ambas apóiam-se no vazio da técnica, em sua excepcionalidade glamorosa. Não se vislumbra aqui nenhuma articulação conspiratória entre EUA e Europa, mas a forma de manifestação contemporânea do poder do império. A mediação europeia compõe o elemento autoritativo do império. A mera mediação autoritária não encontraria acolhida no mundo de cultura de hoje, e um artifício tem de ser operado, pelo infeliz intermédio de um teórico cujas contribuições para um pensamento crítico são indubitáveis, por sobre as malhas da autoridade, a evanescência. O adjetivo usado para caracterizar esta mediação, evanescente, assim como o francês évanouissant remontam ao verbo latino evanescere, que por sua vez se forma a partir do substantivo vanus, ‘que não apresenta conteúdo sólido, oco, vazio’. É este vazio que fundamenta a exceção Europeia. Aqui, apenas a Europa tem acesso ao vazio, ao vazio que fundamenta a globalização e o império. Trata-se da exceção da exceção, ou seja, aquele elemento ao qual a tradução excepcional recorre para manter-se. Mas ao recorrer a ele, ela também o esconde, até porque seria arriscado permitir que essa força fosse liberada. Ela aparece sem força, manifesta-se plenamente como que sem vazio, como que substância verdadeira da justiça. Eis a força sem força da Europa.

Deste modo, não ocorre propriamente mediação entre EUA e o resto do mundo, mas intercessão. A Europa se dirige aos EUA, sim, mas maternalmente, como a um filho rebelde, excepcional até... A Europa, contudo, com sua intercessão também produz um apelo, apelo em favor da intercessão mesma. Ao interceder em nome dos valores universais que ela acolhe e recolhe, ela desvia a atenção de seu poder para a exceção norte-americana, mais letal, ainda que não tão resplandecente. A sua própria força é constantemente sonegada; a sua contribuição ao Império é renegada; e a sua sutileza é apregoada. O fato é que em suas relações internacionais, a Europa favorece exatamente as instituições do Império. Em seus acordos com o terceiro mundo, a boa-governança do Banco Mundial, a transparência econômica, a cooperação regional (em que a Europa sugere ou favorece modelos organizativos que lhe são semelhantes), e a harmonização jurídica e econômica são fortemente incentivados; questão que se explica pela aliança entre globalização, regionalização e liberalização31: não só a UE promove os efeitos da globalização em sua região, como também se faz instrumento da globalização e da regionalização ao redor no mundo; v.g. ela prestou assistência técnica ao Mercosul desde a sua concepção.32 Os seus acordos de ‘boa vizinhança’, 33 em especial, são índice crucial de sua natureza. Não nos referimos apenas às parcerias intraeuropeias, cuja grande moeda de troca para a imposição de políticas do interesse da UE é a possibilidade de acessão à União, mas também aquelas favorecidas por Balibar, para além das fronteiras da Europa,

31

SMITH, Karen E. European Union Foreign Policy in a Changing World. Cambridge Polity: 2003, pp. 52-96. 32 SMITH, K. E. European Union Foreign Policy in a Changing World, pp. 69-96. Ilustrativo é também o artigo de SMITH, Michael. Foreign Economic Policy. In: Carlsnaes, Walter, et alli. Contemporary European Foreign Policy. London: Sage, 2004, pp. 75-90. 33 MISSIROLI, Antonio. The EU and its changing neighbourhood: stabilization, integration and partnership. In: DANNREUTHER, Roland. European Union Foreign and Security Policy – Towards a Neighbourhood Strategy. New York: Routledge, 2004.

como a parceria Euro-mediterrânea 34. Quando questões como direitos humanos são inseridas – e os direitos humanos são instrumento de política externa europeia – têm-se políticas altamente inconsistentes: aos EUA, por exemplo, não se impõe nenhuma cláusula de respeito as direitos humanos.35 Apesar destas indicações no âmbito das relações internacionais, é no direito europeu que encontraremos as raízes do problema europeu contemporâneo. A Constituição atual da Europa – no sentido das decisões fundamentais que a unidade política ‘Europa’ tomou (ainda que uma Europa fictícia), por intermédio de tratados e decisões judiciais – e o projeto de Constituição Europeia apontam radicalmente para o papel da Europa como pilar do Império.

4.

Constituição Europeia: instrumento da intercessão?

A leitura dos tratados que constituem a base primária do direito europeu pode ser enganosa. Vêm sofrendo alterações profundas desde a implantação da Comunidade Econômica Europeia pelo tratado de Roma, em 1959. Numa ótica estritamente contemporânea, e numa leitura marcada pelo constitucionalismo brasileiro, que se afirmou no período posterior à Constituição de 1988 por intermédio da discussão em torno de princípios e direitos fundamentais, poderíamos sugerir que os dispositivos centrais para a identificação da Constituição da União Europeia, existente mesmo antes do Tratado Constitucional desfalecente – seriam o artigo 6o., 1 e 2 do Tratado da União Europeia (doravante T.U.E.), que estabelece os princípios sobre os quais a União é 34

GOMEZ, Ricardo. CHRISTOU, George. The EU in the Mediterranean. In: CARLSNAES, Walter, et alli. Contemporary European Foreign Policy. London: Sage Publications, 2004. TANNER, Fred. North Africa: Partnership, exceptionalism and neglect. In: DANNREUTHER, Roland. European Union Foreign and Security Policy – Towards a Neighbourhood Strategy. New York: Routledge, 2004. 35 SMITH, Karen E. European Union Foreign Policy in a Changing World, pp. 97-121. Quanto ao tema geral das boas relações UE-EUA, é muito esclarecedora a declaração conjunta de alguns especialistas norte-americanos no assunto, com o intuito de uma certa administração conjunta da globalização: ASMUS, R.D. BLINKEN, A.J. GORDON, P.H. Nothing to Fear, Foreign Affairs, janeiro/fevereiro, 2005.

fundada, e os artigos 17 e 18 do Tratado que Institui a Comunidade Europeia (doravante TCE), que estabelecem o direito mais elementar de uma unidade política moderna, o direito à cidadania, ou o direito a ter direitos. Analisemos por ora estes dispositivos e vejamos se este diagnóstico se sustenta: Art. 6o. T.U.E. 1. A União assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios que são comuns aos Estados-Membros. 2.

A União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção

Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.

Art. 17o. T.C.E. 1. É instituída a cidadania da União. É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União é complementar da cidadania nacional e não a substitui. 2. Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos no presente Tratado.

Nada devemos retocar nestes dispositivos. Pelo contrário, eles revelam um certo compromisso com a liberdade, a democracia, o estado de direito e os direitos humanos. Representam conquistas das longas histórias europeias de lutas por tais princípios – e é neste sentido dos esforços dos movimentos sociais e de institucionalização emancipatória que os louvamos. Entretanto, eles não representam, de modo algum, o cerne da Constituição Europeia. Infelizmente, aí se apresentam de modo instrumental, quase que como um escudo contra as orientações sistêmicas da União. Esta orientação sistêmica, esta vontade de prevalecer, de fazer-se valer, de perpetuar-se é certamente uma característica de toda unidade política, mas no caso da União Europeia tal afã é

especialmente poderoso – talvez em virtude de sua fragilidade inicial, da existência de fortes barreiras nacionais, da resistência de atores intracomunitários que também são dotados de grande vontade de império. O tom desta prática auto-afirmativa se encontra na primeira frase do preâmbulo do Tratado que Institui a Comunidade Europeia: ‘determinados a estabelecer os fundamentos de uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus’ (grifos meus). Este mal de origem da comunidade europeia foi verbalizado inúmeras vezes pela Corte Europeia de Justiça, que assumiu com muita seriedade este propósito dos signatários deste tratado. Ele é fundante e, sobretudo, hiperbólico. Foi a esse dispositivo que a Corte recorreu para justificar a sua conclusão de que Comunidade constituía um sistema jurídico singular, ‘uma nova ordem jurídica de direito internacional’.36 E o papel da própria Corte Europeia é aludido com esse propósito – a atribuição de função interpretativa a uma corte supranacional daria ao tratado, e ao direito comunitário, uma autoridade superior, supremacia até em relação ao direito nacional.37 Não há dúvida de que a Corte assumiu postura de autoafirmação semelhante. Voltemos, porém, aos artigos anteriormente citados, em especial à questão dos princípios fundamentais. Com a positivação de tais princípios, dever-se-ia concluir que a União assumira a defesa intransigente deles, que ela se obrigara a cumpri-los. No entanto, a Corte Europeia de Justiça não tem jurisdição sobre o art. 6 o. 01, conforme o disposto no art. 46, caput, do mesmo tratado. Além disso, apesar de ter jurisdição sobre o artigo 6o. 02, conforme o disposto no art. 46, d, tem-na apenas quanto aos atos das instituições da união. Assim, tais princípios passam a depender de construção indireta do direito jurisprudencial, da interpretação que a Corte produz do conjunto dos Tratados. Pode-se 36

Caso 26/62, N.V. Algemene Transporten Expeditie Onderneming van Gend en Loos v. Nederlandse Administratie der Belastingen [1963] ECR 1. 37 Caso 06/64, Flaminio Costa v. ENEL [1964] ECR 585, 593.

redargüir, que, apesar disso, a Corte se esforça em garantir os direitos humanos por via de sua leitura do conjunto dos ordenamentos jurídicos dos países membros. Deve-se ressaltar, contudo, o modo de engajamento com tais direitos e princípios. Mais uma vez, eles não são afirmados por seu valor intrínseco, mas por seu valor instrumental. São instrumentos do propósito de uma União cada vez mais forte. Foi exatamente o objetivo de proteger a ideia de supremacia do direito europeu que levou a Corte Europeia de Justiça a rever sua posição em relação aos direitos humanos e integrá-los em seu ordenamento. A posição inicial da Corte até meados dos anos 60 foi a de relutar contra tal integração.38 Quando no início daquela década, alguns tribunais nacionais começaram a pôr em cheque o princípio da supremacia com base na universalidade e primazia dos direitos humanos, a Corte foi obrigada a produzir nova jurisprudência.39 Apesar de ter tido sucesso nesta empreitada a Corte não admitiu a entrada da União Europeia no sistema de proteção de direitos humanos da Convenção Europeia de Direitos Humanos, por quê? Na decisão que examina esta possibilidade, a opinião n. 2/94, a Corte aponta algumas razões de natureza técnica, mas ela já ultrapassou as mesmas em outras ocasiões quando algum elemento fundamental da comunidade estava em jogo, e que outro elemento pode ser mais fundamental que os direitos humanos? A verdadeira razão para a denegação da possibilidade de acessão à Convenção deve ser buscada neste trecho da decisão: “isso acarretaria a entrada da comunidade num distinto sistema institucional internacional” (§35). A Corte deixa entrever que não está disposta a

38

Caso 01/58, Stork v. High Authority [1959] ECR 17; Caso 36, 37, 38 e 40/59, Geitling v. High Authority [1960] ECR 423; Caso 40/64, Starlagata e outros v. Comissão [1965] ECR 215, [1966] CMLR 314. 39 A mudança se inicia com o caso 29/69, Stauder v. Cidade de Ulm. A centralidade dos direitos humanos aparece num primeiro momento apenas com força interpretativa: “interpretado desta maneira, o dispositivo em questão não contém nada capaz de prejudicar os direitos humanos fundamentais consagrados nos princípios gerais do direito comunitário e protegidos pela Corte”.

permitir que haja qualquer poder que lhe seja superior, qualquer órgão, senão ela própria, que determine, em última instância, a validade do direito Comunitário. Um outro grande exemplo da prevalência de fundo dos direitos econômicos e do interesse da supremacia da União em detrimento da defesa intransigente dos direitos é o caso Grogan.40 Em 1989, na Irlanda, a Sociedade para a Proteção da Criança Não-nascida (Society for the Protection of the Unborn Child) pleiteou na justiça a proibição de distribuição de material informativo sobre clínicas de aborto no exterior – eram associações estudantis que divulgavam tal informação. Esta é uma questão difícil para quem trabalha no âmbito do direito brasileiro, e de sua conceituação da vida, mas a Constituição irlandesa confere direito à vida aos bebês não-nascidos, um direito fundamental no âmbito do ordenamento irlandês – tal dispositivo foi inserido na Constituição em virtude de um referendo, em 1983. O caso chegou até a Corte Europeia de Justiça para um julgamento preliminar conforme o art. 177 (TCE). A posição do advogado-geral deu o tom do debate na medida em que ela estabelece que o direito à informação é um corolário do direito de prestação de serviços, garantido pelos tratados. O advogado-geral sopesou o direito à informação, enquanto corolário do direito de prestação de serviços, ao direito à vida. Sua conclusão foi a de que a autoridade nacional tem poder discricionário de estabelecer proibição ao direito à informação desde que esta se dê de modo não discriminatório, e considerando-se fundamental o contato contínuo das autoridades nacionais com o mundo de valores da sociedade em que um determinado conflito aparece.41 A Corte, por seu turno, ofereceu uma argumentação mais sucinta, em que o cerne consiste não na ponderação, mas na mera desqualificação das informações

40 41

Caso C-159/90, SPUC v. Grogan [1991] ECR I-4685. Opinião do Sr. Advogado-Geral Van Gerven, de 11 de Junho de 1991, caso C-159/90.

prestadas pelas associações estudantis, tidas agora como exercício de atividade não remunerada, e logo desprovidas da proteção do direito à prestação de serviços. Entretanto, a Corte continua a afirmar que o aborto constitui um serviço, mesmo em face da negativa constitucional irlandesa. Além disso, a Corte desconsidera qualquer argumento de natureza moral, ela recusa terminantemente qualquer raciocínio com base na moral. É difícil entender, porém, como é possível desenvolver qualquer ponderação de princípios, algo que a Corte não exclui (apesar de inaplicável neste caso), sem uma argumentação que envolva a moral, ou uma distinção mais sofisticada entre direito e moral. Coppel e O’Neil expressam o problema de modo ímpar: “O aborto é definido pela Corte apenas em termos do possível comércio e lucro resultante dessa atividade. Em fazendo isso, a Corte ignora o aspecto simbólico da nãodisponibilidade do aborto num estado-membro em particular, como expressão de escolhas fundamentais sobre o tipo de sociedade que cada Estado se vê assumindo. O modo pelo qual o aborto exemplifica uma situação de profundo dilema moral não é de todo reconhecido. Abortos são realizados por dinheiro – este é o único fator relevante para a Corte”.42

Por fim, vejamos agora os dispositivos do Tratado Constitucional Europeu, que embora rejeitado por alguns estados-membros, ainda denota bem o sentido da integração. Verificaremos se tais dispositivos deixam entrever, assim como os casos pesquisados, o quanto a União Europeia é marcada por uma integração por via econômica, e não democrática, social, ou cultural. Algo, portanto, profundamente compatível com o ethos da globalização contemporânea. Mas vejamos, agora, se a manifestação de sua identidade externa, como avaliamos no início, e se os elementos constitucionais no âmbito da jurisprudência encontram acolhida no Tratado Constitucional. Não poderemos 42

COPPEL, Jason. O’NEIL, Aidan. The European Court of Justice: Taking Rights Seriously? Common Market Law Review 29, 669-692, 1992.

empreender uma análise detalhada deste instrumento de integração, mas com base em nossas investigações anteriores, não é difícil apontar para os pontos cruciais desta longa ‘constituição’. Acreditamos que alguns dispositivos desta ‘constituição’ revelam a sua natureza. Observemos o primeiro, que aparece no preâmbulo do texto submetido à ratificação, temse ali a reafirmação daquela formula tão relevante: ‘uma União cada vez mais próxima’. Isto aponta para o caráter não-terminado, interminável, expansivo e infinito do projeto Europeu. Além disso, tem-se que a Europa é estabelecida em virtude de um objetivo comum, de um destino comum, o que implica mais uma vez uma determinação, uma definição das fronteiras em torno de um projeto bem marcado por valores, história e ‘experiências amargas’. Ainda assim, quando da necessidade de prescrever a definição e objetivos da União, no art. 1, §2, sobre a fundação da União, especifica-se o caráter exclusivamente europeu e estatal desta União. Ela estará aberta para todo Estado Europeu, sem nenhuma qualificação do significado de europeu. Se isto normalmente significa europeu do ponto de vista geográfico – logo, convencional também – nada impede que se o entenda de outro modo no futuro (mais uma vez se enfatiza, ademais, a forma-estado – e se a União é, realmente, um estado de novo tipo, ela é composta por Estados estabelecidos de modo tradicional: marcados pelo monopólio da força legítima). Logo, está-se mais uma vez diante de uma Europa que se entende ao mesmo tempo como universal e particular, que parece não ter atentado para a radicalidade da criação de mundo, global e imperial, que ela promoveu. Uma Europa que procura agora na ‘paz’ e na ‘diversidade’ os valores que a distinguem de todo o resto do planeta.

É nessa aporia criativa que a Europa se fortalece. Se a citação de Derrida em epígrafe ao nosso texto está colocada num contexto de crítica à Europa, de uma Europa que se dá conta de suas mazelas, e que se abre não apenas para o mundo que ela cria, mas também para o ‘sem mundo’ exposto pelo paradoxo do paradoxo, se tudo isso é verdadeiro, esta Europa que ‘não é’, que se alimenta da sua diversidade e universalidade, também se afirma na sua ‘paz’, na sua definição territorial soberana e valorativa, as quais não tendem a uma diversidade verdadeira de convívio no mundo da globalização, mas a uma massificação e aplainamento de valores e princípios em nome do princípio único, verdadeiro princípio integrativo da Europa, o princípio, ou o valor sem valor do mercado. É ele que aparece ainda no título I da ‘Constituição’, sobre dispositivos de aplicação geral, logo após os ‘valores’ da União, na prescrição dos objetivos da união. Ali aparecem em primeiro lugar a ‘paz’ e o bem-estar, e depois o mercado, competitivo e sem distorções. Logo depois, no art. 4 o., e de modo pouco usual, aparecem algumas ‘liberdades fundamentais’. São as conhecidas liberdades de circulação de pessoas, serviços, bens e capital, e liberdade de estabelecimento comercial. Elas são infelizmente confundidas e usadas pelos tribunais como direitos fundamentais, algo que uma extensa literatura vem criticando.43 No Tratado Constitucional, porém, elas aparecem em um título diferente daquele relativo aos direitos fundamentais. No entanto, ao invés de subordinadas aos direitos fundamentais elas parecem ter primazia sobre eles. E se isso é o que ocorre na prática, a ‘Constituição’ acaba por corroborar a realidade, ou serve ao menos para expor a natureza mais perversa desta União. Do alto de sua invenção e 43

EVERSON, Michele. The Legacy of the Market Citizen. In: SHAW, J. MORE, G. (org.) New Legal Dynamics of the European Union, Oxford, OUP, 1995. Cf. tb. TUITT, Patricia. Race, Law, Resistance. London: Glasshouse, 2004, pp. 55-70. Cf. ainda LYONS, Carole. The Politics of Alterity and Exclusion in the European Union. In: FITZPATRICK, P. BERGERON, J. Europe’s Other: European Law Between Modernity and Postmodernity. London, Ashgate, 1998.

criatividade, a Europa reafirma as condições de manutenção da ordem Imperial contemporânea.

5.

Conclusão: A Última Face da Europa

Se o quadro que sobressai destas análises é desalentador, se no mundo global não há a quem apelar, senão sempre ao Império, ou seus intercessores, dentre os quais a Europa se destaca,44 devemos, porém, atentar para as fissuras do Império, para aqueles momentos em que o Império desfalece, para a aporia criativa no seu momento mais abstrato, anterior à reapropriação imperial. Não há nada a louvar na nova ‘Constituição’ da Europa em si, que afirma a sua supremacia por meio de um tratado internacional, e cujo debate foi tão localizado e desprovido de um espaço europeu de debate, produção e intercâmbio de opiniões e ideias. Deve-se ter muita preocupação, ainda, com os impulsos mercantilizadores da ‘constituição’ efetiva da Europa, como expressos nas decisões da Corte Europeia de Justiça e na retórica dos tratados fundadores. Todavia, vale ressaltar que há um elemento no tratado constitucional a merecer atenção e respeito, trata-se do disposto no art. 7, §2 que prevê a acessão da União à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos e Liberdades Fundamentais. Isto representa um avanço em relação ao ‘corpo’ constitucional anterior, que como vimos negava esta entrada num outro ordenamento internacional, capaz de julgar questões de direitos humanos em última instância. Não tão insuficiente, talvez, como a recente decisão da Suprema Corte norteamericana, com base no direito internacional, e em especial na Convenção Europeia,

44

A aliança atlântica foi abalada, mas ela é tão arraigada, que seu futuro, nas malhas do Império, é ainda promissor. Cf. ASMUS, R. D., et alli. Nothing to Fear – Washinton Should Embrace the European Union. Foreign Affairs, January/February, 2005.

sobre a inconstitucionalidade da execução de menores, 45 mas ainda assim um pequeno avanço. Tão tímido que poderia ser facilmente reapropriado em direção à lança e à insigne da soberania imperial. Sobretudo, se por direitos fundamentais sempre entendermos direitos Humanos, enquanto direitos de uma humanidade também soberana sobre o mundo e a natureza, e do mesmo modo, se os chamarmos exclusivamente direitos subjetivos, enquanto afirmação de uma subjetividade aliada ao mercado, à massa, ao Império. De todo modo, após o não francês e holandês, o tratado constitucional parece hoje fadado ao insucesso – ainda que sua experiência seja, como mostramos, rica em lições. Neste momento de desgaste da capital do Império, desempenhou papel preponderante, sobretudo na França, a ideia de direito social, 46 já como que desautorizada pelo mercado e pela integração europeia ao afrontar o individualismo jurídico e o liberalismo econômico. Resta saber se esta bela ideia congelada num aparato estatal pode despontar novamente, desgastando a ponta aguda do Império. Resta saber se o direito social contemporâneo, como o movimento que o pôs em prática, está aberto para o por vir – se, para além do republicanismo cego, é capaz de se realimentar das energias insubmissas de uma póscolonialidade que se alojou na raiz da potência europeia, e que ora se manifesta violentamente nos subúrbios de Paris.47 Resta saber se, em sua resistência infinita ao império, o caráter social do direito ultrapassa a dependência do estado, da nação, e da comunidade como tais. Por fim, cumpre perquirir se o que resta da resistência do direito 45

Roper, Superintendent, Potosi Correctional Center v. Simmons – Certiorari da Suprema Corte de Missouri. No. 03-633. Argüido em 13 de outubro de 2004. Decidido em 01 de março de 2005. 46 Para análise desta ideia no âmbito da formação do pensamento jurídico progressista francês e sua relação com a revolução francesa, ver HERRERA, Carlos Miguel. Jean Jaurès et l’idée de droit social. In: Idem. Droit et gauche: pour une identification. Québec, Presses de l’Université Laval, 2003. 47 Por vir pensado em termos de cidadania e direitos pelo próprio Balibar, ainda que não desenvolvido. Cf. BALIBAR, Etienne. Europe, Constitution, Frontière. Paris: Éditions du Passant, 2005, pp. 16-25.

será compreendido como direito das singularidades – em processos singulares de afirmação, antes de ação ou inação, de abertura para o acontecimento 48 – um direito aberto à justiça (enquanto por vir absoluto, sem piedade) que se afirma na pobreza do mundo a que estamos submetidos, e que Império algum é capaz de encobrir por completo, mas que não deixa de fazer uso das malhas do império para constituir-se, espraiar-se, disseminar-se. Eis o direito dos direitos, no coração do laço social, 49 um direito talvez não ao ‘poder’ constituinte, mas um direito constituinte – ele escapa, furtase, sobretudo, à criação do imundo da globalização, mas tampouco compartilha da criação de mundo soberana do império, pois que este direito constitui sem se constituir, sem se dar o nome, um nome, ‘propriamente’, ainda que aquele tão acalentado e prezado, o nome Europa.

48

GHETTI, Pablo S. Democracia Radical e Oportunidades da Justiça. In: DUQUE-ESTRADA, Paulo César. Desconstrução e Ética. São Paulo: Edições Loyola, 2004. 49 DERRIDA, Jacques. Politiques de l’amitié. Paris: Galilée, 1994, p. 258: sobre a curvatura heterônoma do espaço social: “antes de toda lei determinada, como lei natural ou como lei positiva, mas não antes de toda lei em geral. Pois a curvatura heterônoma e dissimétrica de uma lei de socialidade originária é também uma lei, quiçá a essência mesma da lei”.

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