O Improviso de Júlia: a investigação de uma performance como objeto de uma análise sobre a comunicação entre humano e máquina

May 31, 2017 | Autor: Edmilson Miranda Jr | Categoria: Cartography, Performing Arts, Creativity, Vilem Flusser, Gilles Deleuze and Felix Guattari, Visual Arts
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Descrição do Produto

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ENCONTRO INTERNACIONAL DE ARTE E TECNOLOGIA INTERNATIONAL MEETING OF ART AND TECHNOLOGY

14º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia : #14.ART: arte e desenvolvimento humano 14th International Meeting of Art and Technology: #14.ART : art and human enhancement

Coordenação:

Professor Dr. Paulo Bernardino Bastos

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FICHA TÉCNICA Titulo | Title 14º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia: #14.ART: ARTE E DESENVOLVIMENTO HUMANO 14th International Meeting of Art and Technology: #14.ART : ART AND HUMAN ENHANCEMENT

Coordenação | Coordination PORTUGAL - Universidade de Aveiro, Departamento de Comunicação e Arte, ID+: Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura, Praxis e Poiesis: da prática à teoria artística, Professor Dr. Paulo Bernardino Bastos, idmais.org/ BRASIL - Universidade de Brasília, Instituto de Artes, Departamento de Artes Visuais, PPG-Arte, Midialab-UnB, Professora Dra. Suzete Venturelli, midialab.unb.br Vice-coordenação |Vice-coordination, Universidade Federal de Goiás, Professor Dr. Cleomar Rocha, medialab.ufg.br/art

Design

Carina Mouro, Cátia Amador, Kaiky Fernandez, Nuno Coutinho, Rui Roda.

Editora | Publisher

UA Editora, University of Aveiro 1st edition – October 2015 ISNN 2238-0272 Catalogação recomendada Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, 14, Universidade de Aveiro, 2015 14º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia : #14.ART : arte e desenvolvimento humano / coord. Paulo Bernardino Bastos, Suzete Venturelli e Cleomar Rocha. - Aveiro : UA Editora, 2015. - 499 p. ISNN: 2238-0272 Arte // Cultura científica // Cultura tecnológica // Desenvolvimento humano // Multimédia // Estética // Sociedade // Educação artística

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14º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia : #14.ART: arte e desenvolvimento humano

BRASIL Coordenação | Coordination Universidade de Brasília Instituto de Artes, Departamento de Artes Visuais, PPG-Arte Midialab-UnB Professora Dra. Suzete Venturelli midialab.unb.br Vice-coordenação | Vice-coordination Universidade Federal de Goiás Professor Dr. Cleomar Rocha medialab.ufg.br/art

PORTUGAL Coordenação | Coordination Universidade de Aveiro Departamento de Comunicação e Arte ID+: Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura Praxis e Poiesis: da prática à teoria artística Professor Dr. Paulo Bernardino Bastos idmais.org/ Comissão Organizadora (Portugal) | Organizing Committee Paulo Bernardino Bastos Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro Maria Manuela Lopes ID+ Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura, Universidade de Aveiro IBMC – Instituto de Biologia Molecular e Celular, Universidade do Porto Graça Magalhães Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro Pedro Bessa Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro Mário Vairinhos Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro Alexandra Moreira Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro Comissão Organizadora (Brasil) / Organizing Committee Suzete Venturelli Instituto de Artes, Departamento de Artes Visuais, Universidade de Brasília Cleomar Rocha Faculdade de Artes Visuais, Universidade Federal de Goiás

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Comissão Científica | Scientific Committee Adérito F. Marcos – UAB (pt) Agda Carvalho – Anhembi-Morumbi (br) Agnus Valente – UNESP (br) Alexandra Moreira – UA (pt) Ana Paula Tavares – IPCA (pt) Anelise Witt – UnB (br) Antenor Ferreira – UnB (br) António Caramelo – UÉ (pt) António Valente – UA (pt) António Wellington de Oliveira Junior – UFC (br) Belidson Dias – UnB (br) Celso Guimarães – UFRJ (br) Chuva Vasco – ESTG/IPP (pt) Cláudia França – UFU (br) Cleomar Rocha – UFG (br) Cristina Tavares – FBAUL (pt) Daniel Tércio – FMH/UTL (pt) Daniela Kutschat Hanns – USP (br) Danillo Barata – UFRB (br) Debora Aiita – UFRGS (br) Douglas de Paula – UFU (br) Edgar Franco – UFG (br) Edison Pratini – UnB (br) Eduardo Corte-Real – IADE (pt) Fabio Nunes – UNESP (br) Fátima Pombo – UL (be) Fatima Santos – UnB (br) Federico Brunetti – PM (it) Filipe Rocha da Silva – UÉ (pt) Francisco J. Sanmartin Piquer – UPV (es) Francisco Providência – UA (pt) Gabriela Vaz Pinheiro – FBAUP (pt) Gilbertto Prado – USP (br) Gonçalo Leite Velho – IPT (pt) Graça Magalhães – UA (pt) Guto Nóbrega – UFRJ (br) Heitor Alvelos – FBAUP (pt) Inês Moreira – FBAUP (pt) Isabel Azevedo – ARCA (pt) Isabel Baraona – ESAD/CR (pt) Julio Borlido Santos – IBMC/UP (pt) Joao Agreli – UFU (br)

João Mota – UA (pt) José Maçãs de Carvalho – UC (pt) Kathleen Rogers – UCA (uk) Leonardo Ventapane – UFRJ (pt) Lúcia Leão – PUC/SP (br) Lúcia Santaella – PUC/SP (br) Luís Graça – FM/UL (pt) Luisa Paraguai – PUC-Campinas (br) Luísa Ribas – FBAUL (pt) Manuela Penafria – UBI (pt) Maria Antónia Gonzales Valerio, UNAM – (mx) Maria Luiza Fragoso – UFRJ (br) Maria Manuela Lopes – IBMC/ID+ (pt) Mário Gandra – ISCE Douro (pt) Mário Vairinhos – UA (pt) Marta de Menezes – Ectopia+CC (pt) Miguel Carvalhais – FBAUP (pt) Milton Sogabe – UNESP (br) Mirian Tavares – UALG (pt) Mônica Tavares – USP (br) Nara Cristina Santos – UFSM (br) Olga Pombo – FCUL (pt) Pau Alsina – UOC (es) Paulo Bernardino Bastos – UA (pt) Paulo Luís Almeida – FBAUP (pt) Paulo Maria Rodrigues – UA (pt) Pedro Bessa – UA (pt) Philip Cabau – ESAD/CR (pt) Priscila Arantes – Anhembi-Morumbi (br) Rachel Zuanon – Anhembi-Morumbi (br) Raul Cunca – FBAUL (pt) Rogério Câmara – UnB (br) Rosa Oliveira – ID+ (pt) Rosana Hório Monteiro – UFG (br) Rosangella Leote – UNESP (br) Rui Roda – UA (pt) Silvia Laurentiz – USP (br) Suzete Venturelli – UNB (br) Tania Fraga – UnB (br) Vasco Branco – UA (pt) Vitor Silva – FAUP (pt) Wojciech Owczarski – UGD (pl) Yolanda Espiña – UCP (CRP) (pt)

Colaboradores | Collaborators Milton Sogabe Kaiky Fernandez Rui Roda Nuno Coutinho Cátia Amador Carina Mouro

Sérgio Eliseu João Vilnei Ilana Copque Tânia Suassuruna Ricardo Chaves Sara Alves Cláudio Duarte

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14º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia : #14.ART: arte e desenvolvimento humano

ÍNDICE KEYNOTE SPEAKER

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The designer evolution _________________________________________

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Cosmopolitical Futures - The Anthropocenic Human in the Stem Cell and Regenerative Medicine Space ___________________________________

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Processos Perceptivos e Multisensorialidade: entendendo arte multimodal sob conceitos neurocientíficos __________________________________

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1. ARTE EM PROCESSO/CONTEXTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO

33

O público na estrutura da obra Metacampo ________________________

34

Sobre a construção da Casa Impossível – o projeto “Clothes” e a partilha e a intimidade como espaços para a experiência artística _______________

38

Sem noite: notas sobre efeitos da luminosidade contínua ______________

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O intervalo da Invenção: a duração como potência e singularidade nas artes enquanto Recombinantes Arquitetônicos ______________________

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Pedro L. Granja

Professor Kathleen Rogers - University for the Creative Arts (UK)

Rosangella Leote

Milton Sogabe

João Vilnei de Oliveira Filho Paulo Bernardino Bastos

Fabiana Feronha Wielewicki Paulo Bernardino Bastos

Sidney Tamai

Praxis e Poiesis: da prática à teoria artística -uma abordagem Humanizante. ________________________________________________ Paulo Bernardino Bastos (Ph.D.)

Pensamento Circular na Filosofia de Flusser e na Cosmovisão Africana __

51

Marco Damaceno

57

Este (in)útil fracasso - Tempo e Repetição em performance ____________

60

Pedro Bessa David Figueiredoi Paulo Bernardino Bastos

O potencial da arte para o desenvolvimento humano: uma perspectiva histórico-cultural ____________________________________ Rosana de Castro

64

O rosto nas ruas: anonimato e visibilidade na arte urbana _____________

69

Invólucros corporais: deslocamentos perceptivos ____________________

73

Márcia Eliana Rosa Tarcisio Torres Silva Luisa Paraguai Agda Carvalho Edilson Ferri

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14º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia : #14.ART: arte e desenvolvimento humano

12. TRANS E PÓS-HUMANISMO

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Design e formação de professores de arte: a educação estética a partir de casos de design _____________________________________

438

Symbio: ponte tecnológica entre homem e natureza __________________

442

Arte robótica e seus contextos: uma triangulação a partir da concepção de eduardo kac _________________________________________________

446

“Ele queria ser santo”: re-performance e rito em “Aureoleds” de Tutunho__

450

O Improviso de Júlia: a investigação de uma performance como objeto de uma análise sobre a comunicação entre humano e máquina. ___________

454

Responsive illustrations: proposal for the development of adaptive drawings for future computer-mediated media ___________________________

458

Estética Tanatológica do Arkheion Facebookiano: Facebookofagismo ____

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POSTERS

467

ART-MAP. The concept of a Moving Curatorial Project and its practical realization in Aveiro ____________________________________

468

Vacío, Espacio y Existencia _____________________________________

470

Desenho e espaço ____________________________________________

472

Corpo santo _________________________________________________

474

Science-Art-Philosophy Lab (SAP- Lab) ____________________________

476

Enhancing the Mind’s I _________________________________________

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Maass, M. C.

Iane Cabral Mello Filipi Dias de Oliveira Gabriel Guimarães George Rappel M. da Conceição Taynah Lyra

Luciana Hidemi S. Nomura

Antonio Wellington de Oliveira Junior (Tutunho) João Vilnei de Oliveira Filho Paulo André Leite Cerqueira

Edmilson Forte Miranda Júnior Antonio Wellington de Oliveira Junior

Pedro Amado Catarina Silva

Chuva Vasco

Madina Ziganshina Pedro Bessa

Ricardo Chaves Hernández Graça Magalhães

Sara Alves Graça Magalhães

Paulo Bernardino Bastos Tânia Maria Fernandes Silva

Catarina Pombo Nabais, Graça P. Corrêa e Sara Fuentes Maria Manuela Lopes

14º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia : #14.ART: arte e desenvolvimento humano

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O Improviso de Júlia: a investigação de uma performance como objeto de uma análise sobre a comunicação entre humano e máquina. Edmilson Forte Miranda Júnior1 Antonio Wellington de Oliveira Junior2

Resumo A proposta de comunicação apresenta o estudo sobre uma ação performática envolvendo uma atriz e um dispositivo técnico. Surgiu desse encontro uma performance relacionando sujeito e aparelho, ponto de partida para análise de uma forma particular de improviso. A performance, produzida por Júlia Sarmento para interação com um dispositivo técnico de projeção de imagem, forneceu as pistas para uma mudança de opção metodológica. O que até então foi uma pesquisa sobre uma instalação, tornouse a análise da performance envolvendo corpo e máquina. Os objetivos iniciais do trabalho pretendem encontrar, a partir da performance, uma nova forma de abordagem metodológica para a construção de pesquisa sobre o processo criativo, no caso: o desenvolvimento de uma instalação interativa que investigava a noção de liberdade. A investigação proposta no artigo visa reconhecer os parâmetros envolvidos na atuação baseada no improviso da atriz diante de sensores de movimento também improvisados. O método desenvolvido para o trabalho foi criado utilizando uma abordagem baseada na Cartografia Deleuzeana e elaborada junto a Crítica de processo de Cecília Salles, metodologia desenvolvida para análise de processos artísticos. A observação direta da potência do corpo da atriz na interação com a máquina resultou na mudança de perspectiva no processo de desenvolvimento da pesquisa. O que ocorreu foi um reposicionamento dos esforços de compreensão do processo criativo, a performance – ao assumir o papel de catalisadora de uma nova abordagem para a análise da obra interativa – possibilitou a criação de um método de análise desenvolvido especificamente para a observação do processo, além de modificar o foco da análise: do dispositivo interativo para a performance surgida na relação entre homem e ferramenta, uma atriz e um dispositivo tecnológico. Palavras-chave: performance, comunicação, dispositivo, arte, método

Ideia para uma videoinstalação Imagine uma sombra feita, não pela usual variação no espectro luminoso, mas por números visíveis. Uma ilusão criada utilizando uma projeção de vídeo com imagens captadas em tempo real. Essa sombra numérica reage aos seus movimentos. Seriam necessários cinco elementos para esta produção: um computador, um projetor, duas câmeras e um software capaz de editar imagens captadas em tempo real. O projetor preso ao teto com a lente apontada para o piso projeta o “quadro” de luz que demarca o espaço da ação. As duas câmeras capturam a imagem dos corpos presentes, a primeira, ao lado do projetor no

teto, registra os corpos em movimento dentro do espaço acima referido e os projeta como uma sombra composta de números, esses números referem-se ao local que os corpos ocupam no plano e suas dimensões (peso e altura relativos) captadas pela segunda câmera. A transformação da imagem captada nos números que se reúnem para formar a sombra é processada pelo software de interação instalado no computador, o software escolhido chama-se Isadora1: ambiente de programação gráfica que fornece controle sobre mídias digitais interativas, com especial ênfase para a manipulação de vídeo em tempo real. Agora imagine uma pessoa dentro da área de projeção, captada pela câmera. O sistema, a partir da imagem captada e editada, projetaria uma sombra que varia de tamanho, de acordo com o ponto em que se encontra nesse espaço. No centro, ocorre o equivalente à sombra “real” sob o Sol do meio-dia, e quanto mais afastado do centro, mais a sombra se estende, simulando o que ocorre ao ar livre. A programação no software e a capacidade de processamento da máquina utilizada definem a quantidade de pessoas que podem ser captadas simultaneamente, e quais recursos gráficos compõem os números. *** Sombra projetada é como chamo minha instalação interativa, concebida a partir de uma metáfora que propõe o confronto entre o indivíduo e o espaço institucional, e que se amplia como a primeira fase de um jogo. É uma aproximação funcional entre um dispositivo de representação, a instalação interativa, e um dispositivo no sentido do termo foucaultiano, “um conjunto de práticas e mecanismos [...] que têm o objetivo de fazer frente a uma urgência e de obter um efeito mais ou menos imediato” (Agamben, 2009, p.35). Partindo desse projeto inicial, reuni três características principais: 1. A projeção de vídeo em tempo real que responde a movimentos; 2. Números na tela respondendo ao movimento captados; 3. A imagem correspondendo visualmente ao corpo que sensibiliza o dispositivo. No decorrer do texto me deterei na apresentação dos momentos de experimentação que abordam os efeitos a serem trabalhados na relação entre a atriz, Júlia Sarmento, e o dispositivo. Os demais testes de programação – e suas respectivas análises – podem ser vistos nos vídeos disponíveis online2 e na minha dissertação3.

Métodos e expandido

abordagens

em

âmbito

Nos testes de 6 a 104 fui capaz de criar – a partir da base anterior5 – uma variação dos números que apareciam na projeção acompanhando os movimentos captados. Essa correspondência entre o movimento do corpo e os números acontece graças a uma opção do programa capaz de fazer com que a posição do objeto em movimento na tela seja calculada. Esse número, resultado do cálculo, é diferente

1 Mestre em Comunicação na Linha de Fotografia e Audiovisual pelo Programa de Pós- Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (2013). Atualmente é professor celetista da FANOR Devry Brasil. Email: [email protected]. Tel.: 55 85 987898111. 2 Prof. Dr. em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Ceará. Email: wellington- [email protected]. Tel.: 55 85 999441313.

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dependendo da posição em que o corpo está no espaço da tela. Isso foi possível usando uma combinação específica entre as ferramentas do Isadora®. O software calculava a distância do objeto em movimento a partir dos parâmetros “x” e “y”, que relacionei, por meio das funções do programa, com as posições verticais e horizontais do objeto.

Figura 1 - testes 6 a 10 A

para performance: “toda e qualquer atividade de um determinado participante em uma certa ocasião, e que serve para influenciar de qualquer maneira qualquer dos participantes”, a própria ideia de performance – do verbo to perform – me conduz ao entendimento de um processo de representação. Como afirma Marvin Carlson (2009), performar implica em desempenhar um papel – entendendo esse papel nas perspectivas artística e social – frente a observadores, convocados a integrarem e participarem da performance. Nesse sentido, durante a experiência de ministrar aulas sobre performance para um grupo de não iniciados no assunto, me vi diante da oportunidade para experimentar minha ideia de dispositivo interativo. Decidi aplicar o protótipo de meu sistema como estímulo para criatividade dos alunos. Eles deveriam criar uma performance a partir desse dispositivo. Disso eu colhi as informações que me direcionaram nos momentos seguintes do projeto. A experiência desse trabalho me possibilitou a apresentação de minha pesquisa em dois momentos: uma primeira aula para a exposição e discussão do projeto, com desenvolvimento das teorias e autores estudados; e uma segunda aula para a proposta de um exercício de performance envolvendo a primeira apresentação da videoinstalação, montada ainda em sua versão do protótipo referente aos testes de 6 a 10. A coordenadora do curso, também uma das alunas e atriz profissional, Júlia Sarmento, colaborou com o trabalho respondendo a proposta de exercício com uma performance. O resultado disso permitiu a criação de um improviso em diálogo com parte da teoria proposta. E foi justamente esse o nome que ela resolveu dar à sua performance: Improviso.

Figura 1 - testes 6 a 10 A

Notas sobre o Improviso de Júlia6 Encontro do dia 8/12/2012, penúltimo encontro das aulas de Introdução à performance, Módulo II do Curso de Artes Integradas do Centro Urbano de Cultura, Arte Ciência e Esporte – CUCA.

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Figura 1 - testes 6 a 10 A

O sistema cria uma projeção em que aquele que se coloca em frente à webcam vê sua própria imagem transformada em espectro de luz e seguida por números em constante variação. Essa imagem espectral responde aos movimentos, desaparecendo se não houver nenhum objeto movendo-se em frente à câmera. Sem movimento, só há escuridão. O protótipo acionado revela formas quase fantasmagóricas seguidas pelos caracteres numéricos. Essas formas diferem da ideia inicial que encarava a sombra como elemento principal, mas esse distanciamento do primeiro objetivo me fez enxergar outros detalhes no decorrer do processo. Esse é o formato usado no experimento performático chamado “O Improviso de Júlia”, a primeira efetivação da obra. *** Partindo do conceito proposto por Ervin Goffman (2004)

Tenta evitar que números apareçam no dispositivo, micromovimentações, pede a interação do público; mesmo praticamente sem movimento, números acabam surgindo (falhas no programa?); caso apareçam números, retorna ao “grau zero”. Usa roupa preta, e, com o cabelo preso, para evitar que o programa a reconheça, pretende encontrar o ponto cego do programa; outros alunos também interagem e encontram movimentos distintos; outros interferem incomodando-a; tentando “atrapalhar” usam música emitida por telefones celulares, luz de lanterna, também de celular, fazem cócegas no pé. Terá sido esse tipo de intervenção que ela esperava? Eles encaram, tentam interrompê-la, como se disputassem um jogo. E ela segue, delicadamente, tentando não provocar números, aproximando-se da câmera, parece uma posição de súplica, auto- reconhecimento na forma fantasmagórica que surge. Usam som agudo de chinelos batidos com força, um contra o outro, tentando ainda criar uma distração na postura firme desenvolvida por ela. Com a boca já bem próxima da câmera, produz movimentos com a língua, e sua saliva escorre, o brilho dessa saliva produz números; na própria webcam há uma fonte luminosa, seis pequenos LEDs de luz branca em volta da lente, três de cada lado. A luz faz a saliva brilhar. Usaram uma flauta transversal tentando minar sua concentração, cadeiras arrastando, água pingada sobre seus pés. Cada um dos movimentos de intervenção dos outros alunos surge repentinamente,

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perturbando a mim que apenas observo, assusto-me com algumas intervenções mais intensas, mas ela permanece no percurso, como se nada mais existisse em volta; ao mesmo tempo, interage sutilmente a cada aproximação, cada toque, desde os adesivos colocados em volta de seu pescoço até o aluno que se coloca entre o projetor e a tela, produzindo a necessidade de uma nova percepção da sua fonte de referência. Se ela usava a projeção como guia para evitar a produção dos números, precisa se concentrar ainda mais quando essa mesma projeção está sobre a roupa usada pelo colega em movimento à sua frente. Ela parece querer “entrar” na camiseta onde surge a projeção. Percebo uma espécie de coreografia surgir no movimento suave dos dois, ela tentando evitar que o programa capte seu movimento, ele procurando se mexer sem perder a imagem sobre si, assumindo o papel de tela móvel, tremor dos membros que tentam mover o corpo lentamente. A imagem me remete a ultrassonografias (próprio do filtro que escolhi para o programa, considerando que tornaria a imagem P&B), o espectro fantasmático de traços brancos surgindo em meio ao nada, na parede, sob luz ambiente, o negro na tela era projetado como se nada houvesse na imagem. Todos parecem gostar de “atrapalhar” seu movimento, gostam de tentar impedi-la. Ela continua improvisando. Para encerrar o exercício preciso pedir que ela pare.

Figura 4 - Aproximação da performer em direção à câmera

Figura 5 - Interferência dos presentes com o apagar das luzes

Figura 6 - Vídeo captando a performer sem o acionamento dos números

Seria possível a objetividade7 necessária para a análise em um modelo no qual o pesquisador é também o pesquisado? A cartografia, proposta como método, me incluiu de uma forma problematizada na pesquisa. “(...) o objetivo da cartografia é justamente desenhar a rede de forças à qual o objeto ou fenômeno em questão se encontra conectado, dando conta de suas modulações e de seu movimento permanente.” (Passos; Kastrup; Escóssia, 2010, p.57) A interação, chamada de “improviso” por Júlia, fez-me problematizar minha posição diante de meu processo. Ela produziu uma brincadeira com a máquina. Se números a seguem, ela resolveu tentar impedir que isso acontecesse buscando a falha no reconhecimento do programa. Falha do programa? Ou seria falha do programador? Algo entre o limite da máquina e o meu próprio limite criou a brecha encontrada pela atriz. Durante a performance a câmera – transformada em sensor de movimento – era enganada. A presença de outros corpos em movimento direcionava a “atenção” do dispositivo e permitia que Júlia pudesse se mover mais livremente. Tomei essa busca pelo controle da “atenção” da câmera como uma pista para o entendimento da noção de transposição do dispositivo. Júlia descobriu como estabelecer uma comunicação com o sistema a partir de seus movimentos, isso lhe permitiu receber da máquina a resposta que ela pretendia: não sensibilizar o sensor. O projeto propõe novas experiências com outros grupos, diferentes na sua relação com a proposta, grupos e indivíduos sobre os quais uma nova abordagem seria aplicada. Abordagem baseada na livre iniciativa dos indivíduos perante a montagem, acionamento e interação com o dispositivo. Esse momento específico, em dois mil e doze, foi com um grupo abordado em um ambiente controlado8, eu expliquei por meio de exemplos as etapas, os conceitos e as teorias envolvidas no processo. Grupos sem esse tipo de “iniciação” poderão criar modelos distintos para comparação. Outras exposições do protótipo pretendem ampliar o escopo do projeto e dar estofo para a análise dos efeitos práticos do dispositivo. Diferente de apenas duas aulas esclarecendo e apresentando meu projeto de mestrado, eu proponho um jogo. Ferramenta metodológica para o mapeamento de um território conhecido. “Como cartógrafos, nos aproximamos do campo como estrangeiros visitantes de um território que não habitamos. O território vai sendo explorado por olhares, escutas, pela sensibilidade aos odores, gostos e ritmos” (ibid. p.61), mas, quando se tenta ser cartógrafo no ambiente que já conhece, deve-se tentar redescobrir o próprio olhar. Esse processo de descoberta ou “processualidade”

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(idem) como criador é, de fato, uma constante. Além de criador sou também produtor, observador, analisador e, porque não, até mesmo juiz, na medida em que julgo o valor estético ou de contribuição da obra, segundo minhas perspectivas e/ou de acordo com minhas referências. Daí o caráter da processualidade abordado na pesquisa cartográfica surge como ferramenta eficaz. Desse modo, tenho, nas etapas apresentadas, um dispositivo que apresenta três aspectos fundamentais para a obra: (1) interatividade em tempo real, (2) correspondência visual entre número e corpo, e a (3) possibilidade de instalação em um ambiente que não tenha sido preparado especificamente para uma exposição artística. Estes são aspectos específicos do projeto, que existem além da perspectiva da relação com o dispositivo institucional. O método cartográfico (idem) e a crítica de processo (Salles, 2006) estão atentos ao modo como as decisões múltiplas e as variáveis encontram-se no campo social, considerando a invenção. Mapear é acompanhar movimentos, e, para esta pesquisa, os processos de invenção são os pontos-chaves para a construção de um corpus de análise compatível com a fluidez do trabalho.

Referências Livros

AGAMBEN, Giorgio. (2009). O que é contemporâneo? Chapecó: Argos. FOUCAULT, Michel. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal. PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da (Org.). (2010). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-Intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina. SALLES, Cecilia Almeida. (2006). Redes de criação: construção da obra de arte. Vinhedo, São Paulo: Editora Horizonte.

Figura 8 - Printscreen da montagem do dispositivo no Isadora®

Figura 9 - Printscreen da montagem do dispositivo no Isadora®

Notas 1 Descrição disponível em (http://www.troikatronix.com). Acessado em 19 de outubro de 2011. Optei utilizar esse programa por considerar sua interface gráfica a mais intuitiva dentre os programas que experimentei, o que se resume a permutar combinações de actors, espécie de ferramentas do software. Ver nos anexos as configurações desenvolvidas para os testes de 6 a 10, figuras 7, 8 e 9 pp. 9-10. 2 Segue o link para os vídeos feitos com as configurações do Isadora® desenvolvida para todos os testes do projeto: 3 Disponível em Acessado em 9 de setembro de 2015.

Artigos

CARLSON, M. (2009). Performance: uma introdução crítica (p. 284). Belo Horizonte: Editora UFMG.

4 Segue o link para o vídeo feito com a configuração do Isadora® desenvolvida para os testes de 6 a 10:

GOOFMAN, Erving. “Performances: belief in the part oneis playing” The performance studies reader, Henry Bial, ed. 59-63. London and New York: Routledge, 2004

5 Segue o link para os vídeos feitos com as configurações do Isadora® desenvolvidas para todos os testes do projeto:

Sites

6 Seguem os links para visualização de vídeos gravados na segunda apresentação do “Improviso”, feita para o encerramento das atividades do curso. Início do processo , interferência dos alunos , detalhe da projeção , interferências e aproximação da câmera , projeção e performer diante da câmera que captura o movimento .

http://cycling74.com/products/maxmspjitter/ http://houaiss.uol.com.br/ http://puredata.info/ http://www.troikatronix.com/isadora.html

Apostila

Max MSP Jitter, Apostila do Laboratório de Criação & Projecto de Instalação Artística, Mestrado em Criação e Arte Contemporânea, 2009/10. Universidade de Aveiro.

Anexos

7 Falo objetividade não no sentido de uma necessidade cartesiana de investigação distanciada e comprovação empírica como é usual na produção científica, mas sim de modo a abordar uma visão sobre o objeto que evite confundir a análise crítica com uma análise confundida por decisões baseadas no senso comum, ou em meu senso estético pessoal. 8 Algo que considerei ainda artificial e por isso problemático. Pretendo desenvolver e ampliar o processo com a realização de um novo momento de apresentação do trabalho, em um ambiente que possibilite a experiência estética livre. Essa tentativa se apresenta na proposição de um jogo.

Figura 7 - Printscreen da montagem do dispositivo no Isadora®

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