\"O início da imigração japonesa para a América Latina: um breve histórico\"

September 11, 2017 | Autor: Rogerio Akiti Dezem | Categoria: Japanese Studies, Brazilian History, Immigration Studies, Latin American History, Japanese Immigration
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O início da imigração japonesa para a América Latina: um breve histórico1

Rogério Akiti Dezem "Para ustedes, que recibieron una educación, Perú es el paraíso, pueden conseguir cualquier trabajo, vayan tranquilos que hacer fortuna no es un sueño, sin saber que nos engañaron nos animamos a partir de Okinawa en junio de 1914 a medio año de casados. Junto con otras 291 personas de todo Japón en un barco del puerto de Yokohama. Cuando el barco estaba en mitad del Pacífico llegó un telegrama de que comenzó la Primera Guerra Mundial...” Depoimento da imigrante japonesa Kamako Gabe (1967).

Introdução

Ao traçarmos as raízes da imigração japonesa para a América Latina, devemos ter em mente que a principal opção do governo japonês no último quartel do século XIX para enviar os seus “súditos” eram o Havaí, o Canadá e os Estados Unidos. As nações latinoamericanas seriam uma segunda opção em território americano para a emigração japonesa. Consideradas pelo governo japonês como menos desenvolvidas (i.e. “modernas”) se comparadas aos Estados Unidos 1

Artigo originalmente publicado no vol. 10 da Revista de Estudos Brasileiros (ISSN 1881-2317) da Graduate School of Language and Culture da Osaka University na primavera de 2014.

por exemplo. Os países do hemisfério sul do continente americano eram vistos como nações possuidoras de estrutura urbana menos desenvolvida, portanto menos atraentes para os dekaseguinin nipônicos. Além disso, nações como o México (governado na época pelo ditador Porfírio Diaz) eram vistas como parceiros emigratórios possuidores de estruturas político-econômicas instáveis. Sabe-se que a mão de obra baseada na servidão (nativa) ou escravidão

(negra

africana)

foi

um

dos

pilares

do

(sub)desenvolvimento latino-americano por mais de três séculos. Em meados do século XIX, o tráfico negreiro já havia sido abolido na esfera internacional, fato esse que levou o comércio africano de escravos

para

esfera

da

ilegalidade,

passível

de

sanções,

principalmente por parte da Grã-Bretanha.1 Objetivando se adaptar a nova ordem imposta por ingleses e norte-americanos, como também, impulsionar a economia interna, alguns países da América Latina deram início ao processo de substituição de mão de obra compulsória para o trabalho livre assalariado. Como primeira e “mais barata” opção, cogitou-se a vinda de trabalhadores chineses (chins) como elemento de transição entre o regime compulsório/negro/ escravista e o livre/ branco/assalariado. Foi no “teatro das raças” americano, que os trabalhadores chineses escreveram mais um capítulo da sua trajetória como imigrantes (coolies2 ou não). Capítulo esse que pode ser considerado,

principalmente a partir de meados da década de 1840, em muitos aspectos como trágico, encenado em um único e último ato, retrato da delicada situação do “Império do Meio” face as potências imperialistas ocidentais naquele momento. Entre 1840-1860, com a chegada das primeiras levas de imigrantes chineses (uma parcela considerável de coolies) na América, teve inicio uma história de discriminação, maus-tratos, trabalho duro e situações de violência e conflito, a partir dos movimentos de trabalhadores nacionais contrários à mão de obra chinesa. Como resultado desse “tráfico amarelo”, calcula-se que durante o século XIX foram contratados para trabalhar na América cerca de 500 mil chins. 3 Esse fluxo criava aos olhos dos países receptores a visão da China como uma “fonte inesgotável de mão de obra barata e alternativa”. Dessa triste realidade surgiu um ditado: “onde houver mar, encontrarás chinos”. 4 Podemos adicionar a esse ditado outra afirmação: onde houvesse ocorrido o fim do tráfico de escravos haveria interessados na mão de obra chinesa.5 Entre 1847 a 1870, o tráfico de coolies “contratados” nos portos de Amoy (atual Xiamen), Hong Kong, Cantão e Macau para substituir a escravidão negra nas antigas colônias espanholas teve o seu maior fluxo. O motivo principal desses trabalhadores serem recrutados individualmente e não em grupos de casais ou de famílias, foi que, geralmente, sua procedência era de prisioneiros de guerra vendidos, aldeões e pescadores tomados a força (muitos eram

raptados), jogadores endividados e indivíduos enganados por contratadores ou demonios como eram chamados no Peru.6 O primeiro local na América Latina a receber trabalhadores chineses em grande número foi a colônia espanhola de Cuba, que na década de 1840 vivenciava uma grave crise agrária decorrente da falta de braços para lavoura canavieira e cafeeira, um dos fatores responsáveis pela queda dos preços desses produtos no mercado externo. Como solução emergencial, o governo espanhol tentou trazer imigrantes brancos de origem europeia, fracassando. Cogitouse trazer imigrantes chineses como solução parcial aos emergenciais problemas agrícolas da colônia. Em 3 de junho de 1847, a Real Junta de Fomento de Cuba trouxe em caráter oficial os primeiros 206 colonos chineses para trabalhar em território cubano. A maior parte dos projetos objetivando dar inicio ou continuidade a imigração chinesa para a América Latina, fracassou. A partir das décadas de 1870-80, em alguns países latinoamericanos (México, Peru, Brasil) a figura do Japão e dos imigrantes japoneses tornou-se tema nos debates associados a substituição do trabalho escravo. Acenava-se desse modo como uma possibilidade alternativa de mão de obra “barata” aos trabalhadores chineses que vinham sofrendo discriminações7 por parte da população dos países receptores.

Foi ab initio, a partir do fracasso da inserção da mão de obra chinesa como transitória e da incerteza da continuidade do fluxo imigratório europeu que os imigrantes japoneses começaram a efetivamente escrever sua história em terras latino-americanas. 1.

Entre

A América Latina e os japoneses (1890-1910) 1899

e

1908,

155.772

imigrantes

japoneses

desembarcaram no Canadá e nos Estados Unidos. No mesmo período 18.023 trabalhadores temporários japoneses se espalharam por cinco nações latino-americanas em busca de melhores condições de vida.8 Embora no México, Peru, Brasil e outras nações latinoamericanas houvesse, desde a década de 1870, uma necessidade cada vez maior em se contratar imigrantes como mão-de-obra livre (seja ela transitória ou não) para dinamizar a economia, em grande parte de caráter agrário, isso ocorreu de modo lento. A razão foi que esses países eram bem menos atrativos economicamente aos imigrantes, sejam eles europeus ou asiáticos, do que os Estados Unidos (“Promise Land”) e algumas áreas do Canadá. No caso da imigração japonesa, seu fluxo para a América Latina só foi aumentar a partir de um fator de caráter político muito mais do que econômico, o acordo informal nipo-americano Gentlemen’s Agreement 1907-8 (em jap. Nichibei Shinshi Kyôiaku) .9 Como ocorrido no Canadá e nos Estados Unidos, as companhias de imigração japonesas foram um dos principais

instrumentos de facilitação do fluxo dos primeiros japoneses no Peru e no México. A formação dessas companhias foi encorajada pelo aumento em potencial de emigrantes, muitos ex-soldados de origem camponesa que participarem da Guerra Sino Japonesa de 1894-95. A primeira companhia emigratória privada foi estabelecida em 1891 e cerca de outras cinquenta foram criadas até 1908, objetivando participar deste lucrativo negócio de recrutamento e envio de japoneses para o exterior.10 As mais proeminentes destas companhias no início do século XX foram a Togo Imin Kaisha (Companhia de Imigração Oriental), a Tairiku Shokumin Kaisha (Companhia de Imigração Continental), a Morioka Imin Kaisha (Companhia de Imigração Morioka), a Kokoku Shokumin Kabushikikaisha (Companhia de Colonização Kokoku), a Takemura Yoemon Kaisha (Companhia de Colonização e Fixação Takemura) e a Meiji Shokumin Kaisha (Companhia de Imigração Meiji). O governo japonês encorajou a criação destas companhias até o inicio da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), subsidiando parte do processo, para logo após passar a ter o controle efetivo das mesmas, dissolvendo algumas e centralizando as operações emigratórias a partir de fins da década de 1910. Seria importante ressaltar que todas as ações destas companhias faziam parte de uma nascente política emigratória japonesa em caráter oficial sob diretrizes governamentais desde abril de 1894 com a publicação do Imin Hogo Kisoku (Ordem de Proteção aos Imigrantes) e dois anos

depois pelo Imin Hogoho (Ata de Proteção aos Imigrantes) ambos proclamados pelo governo Meiji. No rol dos países latino-americanos que receberam imigrantes japoneses em seu território em grande número, fora o Brasil, destacou-se o Peru. Em fins do século XIX, esse país foi o pioneiro na América Latina a firmar com o governo japonês um Tratado de Amizade e Comércio em agosto de 1873, ratificado em maio de 1875. Além das especificações sobre questões ligadas ao livre comércio entre os dois países, havia por parte do governo peruano o desejo em receber imigrantes japoneses. É importante notar que esse tratado serviu de modelo para outros acordos efetivados posteriormente com alguns países da América Latina.11 A partir dessa afirmação e ao comparar o conteúdo dos tratados de amizade e comércio assinados pelo Japão desde o pioneiro, firmado em 1854 com os Estados Unidos – incluindo os tratados com o Peru em 1873, México, em 1888, até chegar ao tratado com o Brasil, em 1895 -, notamos uma evolução não só nas relações diplomáticas como também no papel atribuído ao Japão no cenário internacional. A tendência foi cada vez mais de que o “pais do sol levante” tomasse as rédeas de sua política exterior, as duras penas. Dessa forma, alterou-se a política diplomática japonesa até então submissa conforme o conteúdo do tratado de Kanagawa (1854). O Japão

mostrou-se mais agressivo a partir da década de 1870 ao menos com relação a sua política emigratória voltada para a América Latina. Isso se deveu a dois fatos: o primeiro, diz respeito a rápida modernização japonesa em vários aspectos (político-econômicos e militares), fato esse que refletiu na política diplomática adotada perante os países da Europa e América; o segundo foi decorrente da postura do governo japonês de consolidar e manter seu status de nascente potência, como também afirmar sua condição de “raça única” no âmbito asiático. Na busca dessa igualdade em relação aos olhos do Ocidente, o Japão pretendia ser reconhecido como pais “não asiático”, principalmente em termos raciais, buscando dessa forma se diferenciar da China e dos chineses, constantemente confundidos com os japoneses em terras latino-americanas. 12 Essa situação fez com que o governo japonês adotasse um outro modelo de política emigratória com relação aos países latinos, diga-se de passagem, vistos com um certo desprezo pelo corpo diplomático japonês e pelos próprios emigrantes. Apesar dessas impressões negativas por parte do Japão, veremos que a discriminação com relação aos seus “pequenos embaixadores” ocorreu tanto nos Estados Unidos como no Peru e no Brasil. Mostrando-se o governo norte-americano, por sua vez, o mais xenófobo dentre os três, sempre na vanguarda da discriminação contra os imigrantes, principalmente os de origem asiática. Essa “segunda opção” relegada aos países latino-americanos serviu, segundo o próprio governo japonês, como um laboratório

costoso. 13 Pois caso os movimentos antinipônicos na América do Norte viessem a recrudescer, a válvula de escape para a crise demográfica nipônica seria os países abaixo do Trópico de Câncer. Exemplo disso foi o acontecimento que levou a aproximação entre os governos do Japão e do Peru: o incidente com o veleiro peruano Maria Luz que em julho de 1872, devido a um temporal desviou-se de sua rota original vindo a atracar no porto japonês da cidade de Yokohama. Após esse ocorrido, descobriu-se que no barco viajavam mais de 230 chins em condições de semiescravidão com destino ao Peru, para trabalhar em serviços braçais, quando ocorreu um incidente: (…) um chinês pulou ao mar tentando fugir, sendo resgatado pelo barco inglês Iron Duke (...). Oe Taku, Vice-Governador da prefeitura de Kanagawa, seguindo as instruções do Ministro de Assuntos Exteriores, Soejima Taneomi, que por sua vez, estava de acordo com Watson, Encarregado de Negócios inglês, empreendendo uma investigação sobre este comércio de escravos e em juízo posterior condenou o capitão do Maria Luz por maus-tratos aos chins que iam a bordo. O capitão Ricardo Herreiro manifestou-se solicitando que se lhe devolvessem os chins. Esta reclamação não foi ouvida e o capitão, uma vez conhecida sua sentença, deixou o Japão abandonando o barco em Yokohama.14

Esse incidente ocorreu justamente no momento em que uma importante missão diplomática japonesa (Missão Iwakura 1871-1873) percorria alguns países da Europa e América do Norte. O grupo tinha como objetivo principal negociar a reformulação dos tratados de

amizade e comércio baseados em termos desiguais assinados anos antes. O governo japonês contrário ao tráfico amarelo, aproveitou-se diplomaticamente do fato de seus emissários estarem no exterior para adotar medidas exemplares no caso da embarcação Maria Luz. O objetivo principal foi demonstrar ante aos “civilizados” países, como Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e França, que o Japão era capaz de se comportar como um igual, ou seja, civilizadamente. Essa estratégia causou a impressão desejada pelo governo japonês. Merecendo de países como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos o reconhecimento pelo ato, o primeiro país ressaltou a “questão humanitária” da ação e o segundo demonstrou sua satisfação em um dos seus principais jornais, The New York Times, e na edição de 11 de novembro de 1872 publicou um artigo “Progress in Japan”. 15 Pelo conteúdo, os governantes do mikado além de satisfeitos devem ter ficado orgulhosos... Um ano após esse incidente e depois de muitas negociações, Japão e Peru, como vimos, firmaram um tratado de amizade e comércio. Vitória diplomática japonesa, que começava a ter em suas mãos as rédeas da política emigratória com relação a América Latina, fato que causou uma certa apreensão com relação as atitudes do Japão. Essa reação era diferente do que ocorria em relação a América

do Norte, na qual o interesse emigratório por parte do governo japonês era maior. 2. A imigração japonesa para o Peru

Logo após a assinatura do primeiro acordo diplomático entre os governos do Japão e do Peru, o inicio da imigração japonesa não ocorreu por uma série de motivos: um deles foi o desinteresse inicial por parte do governo japonês com relação ao Peru, possível receptor de emigrantes japoneses. Porém, o motivo mais importante a nosso ver, foi a preocupação na manutenção de uma “imagem positiva” por parte do Japão e do povo japonês, pois a preocupação maior do governo japonês “(...) era o temor em relação ao desgaste da imagem do Japão, mais do que a situação real dos imigrantes”.16 Preocupação essa que começou a mudar após a consolidação do Japão aos olhos do mundo como uma potência a partir da vitória sobre os russos em 1905. Esse acontecimento fez com que nas décadas posteriores o governo japonês passasse a se preocupar de forma mais efetiva com as condições de vida de seus emigrantes radicados na América e principalmente no Brasil.17 Resultando uma estruturação da política de emigração e colonização, que teve sua base na tríade Terra, Saúde e Educação. A demanda por trabalhadores japoneses no Peru deveu-se pela expansão comercial agrícola (açúcar e algodão), seguida pela abolição da escravidão africana em 1854 e pelo encerramento da

contratação de trabalhadores chineses (coolies) desde meados da década de 1870. Somente em 1896 foi ratificado um tratado entre Peru e Japão objetivando a vinda de trabalhadores japoneses; fato que se efetivou apenas três anos depois. No dia três de abril de 1899 desembarcaram do navio Sakura Maru no porto da cidade de Callao cerca de 790 imigrantes japoneses, todos do sexo masculino e solteiros, destinados a mão de obra nas plantações de cana de açúcar. A grande maioria destes imigrantes era formada por camponeses e trabalhadores pobres das prefeituras de Niigata (372), Yamaguchi (187) e Hiroshima (176), padrão idêntico as imigrações anteriores para o Estados Unidos, Canadá e Havaí.18 Essa primeira tentativa sofreu as consequências de seu pioneirismo: maus tratos, violações dos termos do contrato, dificuldades com a língua, desentendimentos entre os contratantes, imigrantes e a empresa imigratória, somando a isso, doenças como malária, febre amarela, febre tifóide, disenteria produziram o gosto amargo do fracasso logo no primeiro ano de contrato. Ao menos 143 imigrantes morreram, a maioria por causa da malária. 19 Muitos fugiram das fazendas. Triste história que se repetiu em outros países da América Latina, principalmente no período de 1890-1910 entre as levas pioneiras.

Além disso, desde o início ocorreram conflitos entre os recémchegados

trabalhadores

japoneses

e

peruanos

em

Callao.

Inicialmente devido as mas condições de trabalho, moradia e alimentação que estavam distantes do que havia sido prometido. Tempos depois, nos locais onde trabalhavam japoneses, ocorreram paralizações, reivindicações e desordens de caráter trabalhista (ações que os trabalhadores chineses também faziam) que acabaram sendo associadas aos novos elementos imigrados, acusados de “contagiar com maus hábitos” os trabalhadores peruanos. Importante lembrar que alguns trabalhadores japoneses que imigraram, por uma questão de “organização” e “sobrevivência”, trouxeram consigo ideais sindicalistas adquiridos após haver trabalhado anteriormente na costa oeste dos Estados Unidos.20 No ano de 1903, na cidade peruana de Santa Bárbara, ocorreu um conflito entre trabalhadores negros e japoneses enquanto estes desembarcavam. Devido a conflitos desse tipo e as más condições de trabalho, muitos imigrantes japoneses foram para a capital Lima em busca de melhores oportunidades. Apesar desses conflitos, o governo peruano (diferentemente do norte-americano), a princípio, utilizavase “apenas” do regime de quarentena logo após o desembarque como medida discriminatória. Aos olhos do governo japonês esses conflitos “(...) ocorriam porque os peruanos confundiam os chineses com os japoneses. Os japoneses, por sua, vez estavam plenamente convencidos de ser

diferentes, tanto dos chineses como do resto dos asiáticos”.

21

Confusão que não ocorria na América do Norte segundo o governo japonês. Após as vitórias sobre a China e a Rússia e com o aumento do número de imigrantes japoneses no Peru, desde a chegada da segunda leva em 1903, o Japão passou a pressionar o governo peruano para que tratasse “seus pequenos embaixadores” não como asiáticos, mas sim como europeus (!). Ao mesmo tempo, as companhias imigratórias japonesas começaram a ser malvistas por entidades trabalhistas peruanas. Na realidade essas companhias estavam interessadas na obtenção de lucros cada vez maiores, aproveitando-se dos objetivos primários da política emigratória japonesa, que era a de aliviar a crise demográfica do arquipélago. Nesse clima de desconfiança por parte dos peruanos e a consolidação da imagem do Japão como potência asiática, desenvolveram-se movimentos de caráter antioriental no Peru. Em 1907, o jornal peruano El Comercio apoiava a ideia de que deveria se aumentar a entrada de imigrantes brancos e proibir-se a entrada de chins.22 A partir da década de 1910, frequentemente eram publicados artigos desfavoráveis aos japoneses nos principais jornais peruanos, como La Prensa, El Comercio, La Cronica. Os sindicatos peruanos pediam ao governo que proibisse a imigração de asiáticos (chineses e

japoneses) para o Peru. Esses acontecimentos levaram ao surgimento em 1917 da Aliança Antijaponesa e a divulgação de discursos baseados no temor de que a influência da raça amarela levaria a raça peruana ao declínio.23 Na tabela abaixo podemos ter uma noção da corrente imigratória japonesa estabelecida para o Peru em seus primeiros anos: Companhia Emigratória /Navio

Data de desembarque

Tipo de imigrante

Homens

Mulheres

Total

Morioka

Abril de 1899

Contratados

790

-

790

Julho de 1903

Contratados Livres

883

98

981

184

10

194

Sakura Maru Morioka Duke of White Morioka

Novembro de 1906

Contratados

762

12

774

Fevereiro de 1907

Contratados

202

1

203

Fevereiro de 1907

Contratados

249

1

250

Maio de 1908

Contratados

854

40

894

Novembro de 1908

Contratados

586

16

602

Dezembro de 1908

Contratados

770

24

794

Dezembro de 1908

Contratados

152

-

152

Itsukushima Maru Morioka Kasato Maru Meiji Kasato Maru (1) Morioka Itsukushima Maru Meiji Calaveras Morioka Itsukushima Maru Meiji Itsukushima Maru

(2) Morioka

Julho de 1909

Contratados

527

24

551

Setembro de 1909

Contratados

52

4

56

Outubro de 1909

Contratados

54

-

54

-

-

6.605

230

6.295

Hong Kong Maru Morioka Mansho Maru Morioka America Maru TOTAL

Fonte: Adaptado a partir de Toraji Irie, “History of the Japanese migration to Peru”, In: The Hispanic American Historical Review, n. XXXI, 1951, p. 651-2. Apud Amelia Morimoto. Los imigrantes Japoneses en el Peru. Lima: Taller de Estudios Andinos/Universidad Nacionalk Agraria, 1979, p. 37. (1) (2) Mesmo dia e mesmo navio.

3. A imigração japonesa para o México Com relação ao México, é interessante ressaltar que a assinatura em 1888 do Tratado de Comércio e Amizade com o Japão foi um marco nas relações internacionais para o governo japonês. Esse tratado foi o primeiro acordo diplomático entre o Japão e outra nação em condições de igualdade e reciprocidade como tanto aspirava o mikado.24 Após a assinatura, o governo mexicano no ano de 1890 solicitou ao Japão se haveria a possibilidade de envio de imigrantes japoneses ao seu território. A alegação por parte do governo japonês de que ainda não existia nenhuma representação diplomática naquele país foi o pretexto para que naquele momento a imigração não se efetivasse fato que somente ocorreu oficialmente em 1897 (colonos Enomoto).25

Os 34 jovens japoneses pioneiros desembarcaram na região de Chiapas, sul do México, em maio de 1897. Considerados oficialmente, o

primeiro grupo de imigrantes japoneses a

desembarcar em território latino-americano. Esta empreitada foi organizada pelo ex-samurai (ligado ao clã Tokugawa) e ex-Ministro das Relações Exteriores do Japão, ardente defensor da política emigratória japonesa, Takeaki Enomoto (1836-1908).26 Após pouco mais de 6 meses de trabalho (lavoura de café) essa empreitada fracassou devido a falta de capital financeiro e nove imigrantes acabaram retornando ao Japão.27 Sob a perspectiva mexicana o interesse pelos trabalhadores japoneses repousava em três pontos: na demanda por mão de obra barata; na rápida ascensão japonesa como potência asiática desde 1895, vista positivamente por lideranças mexicanas de inclinação positivista e na não existência de uma dogmatização racial baseada em conceitos do social darwinismo. caracterizar

28

Essas premissas irão

a relação do governo mexicano como também da

população mexicana com os imigrantes japoneses como a menos xenófoba (mais tolerante), se comparada a outros paises da América como Estados Unidos, Peru e Brasil. De um total de cerca de 11 mil japoneses que imigraram para o México entre 1901 e 1907, as companhias emigratórias japonesas foram responsáveis pela contratação e transporte de

8.706

imigrantes. 29 A maior parte destes imigrantes foi empregada em

plantações de cana de açúcar, café e cânhamo, mineração, além da construção de estradas e ferrovias. As condições de trabalho eram “menos piores” nas ferrovias do que nas áreas de mineração e nas plantações. Trabalho pesado, insalubre, às vezes sob severas condições climáticas e principalmente sanitárias, causando inúmeros casos de béri-béri, febre tifóide e malária. Ocorrências infelizmente comuns também no Brasil e no Peru, como já foi relatado, nos primeiros anos da inserção de imigrantes japoneses. Em busca de melhores condições de vida e trabalho, muitos imigrantes abandonaram (fugas) as fazendas ou minas no México e imigraram de forma clandestina ou não para a Califórnia e alguns até para Cuba. As duas principais companhias emigratórias japonesas responsáveis pela contratação de mão de obra japonesa para o território mexicano eram a Kunimoto Imin Kaisha (Companhia de Imigração Kunimoto), responsável por contratar e enviar 1.242 imigrantes para as minas de carvão para as regiões de Esperanzas e e Fuente no estado de Coahuila, norte do México. A outra companhia, Toyo Imin Kaisha (Companhia de Imigração Toyo), responsável pela contratação de 3.048 imigrantes para trabalhar nas minas de El Boleo e nas minas de carvão na região de Esperanzas. Além disso, a Toyo Imin trnsportou 4.416 imigrantes para trabalhar em plantações de cana de açúcar, café e cânhamo, na construção da Ferrovia Central

em Colima e para as mina de ouro em Black Mountain na região de Magdalena, no estado de Sonora.30 Um fato interessante a ser observado, foi que apesar das difíceis condições de trabalho e dos baixos salários, o fluxo imigratório japonês para o México teve seu ápice nos anos de 190607, ou seja, anos antes da efetivação do acordo nipo-americano Gentlemens’Agreement em 1908. Neste contexto, o governo japonês e mexicano, acordaram encerrar a contratação de imigrantes por contrato de trabalho, no entanto, a imigração “livre” (yobiyose) foi permitida. Essa “possibilidade” de imigrar para o México, fez com que muitos imigrantes japoneses que tinham a intenção de ir para os Estados Unidos, imigrassem para o México inicialmente com o objetivo de cruzar a fronteira para a Califórnia, a maioria de forma ilegal Essa possibilidade era reforçada pela própria companhia imigratória japonesa (Toyo Imin) responsável pela contratação e transporte, que abertamente prometia: “Se você imigrar para o México, você pode entrar nos Estados Unidos no dia seguinte a sua chegada”.31 Mesmo antes deste período essa transmigração via México para os Estados Unidos ocorria, muitos imigrantes japoneses eram oriundos do Peru. Em 1909, o próprio governo japonês (com um pouco de “pressão” vinda de Washington D.C.) resolveu suspender por tempo indeterminado a imigração para o território mexicano, apesar da grande demanda por mão de obra japonesa. A instabilidade

política gerada pela Revolução Mexicana (iniciada em 1910) interrompeu a imigração japonesa para o México, ao menos até meados da década de 1910. Entre 1921 a 1940, cerca de 2.950 japoneses imigraram para o México a maior parte oriundo do arquipélago de Okinawa.32

Conclusões preliminares Como contingência histórica do “Novo Mundo”, o processo imigratório iniciado em grande escala em meados do século XIX, juntamente com as marcas deixadas pela adoção de regimes baseados em trabalho compulsório (escravidão e servidão), contribuiu, a nosso ver, para (de)formar etnicamente a face da América, principalmente em território latino-americano. A partir de 1850 é sabido que o processo de divisão internacional do trabalho, catalisado pela revolução tecnológica, influenciou diretamente o processo emigratório em certos países da Europa e da Ásia para o continente americano. Nosso objetivo neste artigo foi, de maneira breve, reconstruir a trajetória dos japoneses nos anos iniciais de sua experiência imigratória para América Latina, mais especificamente Peru e México. E também

apresentar as

dificuldades iniciais e o tratamento preconceituoso e discriminatório, reservado em várias ocasiões ao trabalhador de “raça amarela”, dentre os quais os chineses e depois os japoneses, que emigraram

para América com o único objetivo, segundo a lógica de quem os contratava, de trabalhar e produzir a um custo baixíssimo. Percebemos sob esse viés que o “fazer a América” não era mesmo para todos...

1 “Contrary to what was expected, the outlawing of the slave trade had little effect on slavery itself. It was generally believed that planters would be forced to treat their slaves more humanely in order to conserve and prolong their life of service, and that as the lot of slaves improved, slavery would gradually decline and hopefully die a natural death” In: William Law Mathieson, British Slave Emancipation, 1838-1849. New York, Octagon Books, Inc., 1967. p.1. 2 O termo coolie (variantes cooll, cooly, kull, koelle etc) provavelmente tem origem na palavra Hindi, kull. Comumente associada a mão de obra forçada e barata, recrutada (em alguns casos “raptada”) no interior da Índia, portos do sul China e do Sudeste Asiático, denominado “tráfico amarelo” ou “tráfico de coolies” , teve seu momento mais crítico entre as décadas de 1840-1860 em colônias inglesas, francesas, espanholas e portuguesas no Pacifico Sul e em muitos países da América. Na maior parte dos casos, indianos e chineses, eram recrutados para trabalhar em lavouras de cana-de-açúcar, café, ferrovias, extração de guano e outros trabalhos pesados e pouco qualificados. 3 Juan H. Hui. Chinos en América. Madrid:Editorial Mapfre, 1992. p.92. 4 Idem. p. 25. 5 Rogerio Dezem, Matizes do 'Amarelo'. A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (1878-1908). São Paulo; Humanitas – USP/FAPESP, 2005. p. 163.

6 Derpich Wilmatas. “ Sistema de dominácion: cimarronaje y fugas” . In: Primer Seminario Sobre Poblaciones Inmigrantes. Actas, tomo II. Lima; Concytec, 1988. p.80. 7 Ao menos até o inicio da década de 1850 os atributos relativos aos trabalhadores chineses eram positivos. Considerados por administradores ingleses e franceses como “industrious, patient, sober, honest and tranquil” ou “best class of emigrants under heaven” In. Arnold J. Meagher. The Coolie Trade, United States of America, Xlibris ed., 2008. pp. 50-51.

8 Daniel M. Masterson & Sayaka Funada-Classen. The Japanese in Latin America. Urbana: University of Illinois Press, 2004. p. 11. 9 Este “acordo de cavalheiros” entre o governo do Estados Unidos e do Japão, tinha como objetivos diminuir as tensões entre os dois países, baseadas principalmente nos sentimentos antinipônicos no estado da Califórnia. Segundo o acordo, governo japonês deveria restringir a ida dos seus emigrantes para os Estados Unidos (não emitindo novos passaportes) em contrapartida o governo norte-americano não deveria encerrar a imigração japonesa para o país, permitindo apenas a entrada de familiares ou noivas (picture brides) dos imigrantes japoneses já estabelecidos em terras norte-americanas. Esse acordo nunca foi ratificado pelo Congresso e foi “suspenso” em 1924. 10 Alan T. Moriyama. Imingaisha: Japanese Emigration Companies and Hawaii, 1894-1908. Honolulu: University of Hawaii Press, 1985. p. 50-51. 11Toshio Yanagida; Maria Dolores Rodriguez Del Alisal. Japoneses en América. Madrid: Editorial Mapfre, 1992. p. 173. 12 “(...) ante todo, se témia que les chegaran a considerar igual a los chinos, esto es cási, como a esclavos. (…) Si sus emigrantes, al llegam a Centro e Suramérica, eram tratados igual a los chinos, a parte de la preocupación desde el punto de vista humanitario, la imagen del Japón en América se rebajaba completamente. Idem, p. 72. 13 Idem. p. 178. 14 Tradução livre do trecho em espanhol feita pelo autor. Idem. p. 172. 15 Idem. 16 Idem. p. 182. 17 Sobre um melhor desenvolvimento desse tema, consultar a tese de doutorado em Antropologia Social de Celia Sakurai: Imigracão tutelada: os japoneses no Brasil. Tese de Doutorado – Departamento de Antropologia do Institutro de Filosofia e Ciêncais Humanas, da Unicamp sob a orientação da Profa. Dra. Maria Correa. Campinas, 200, p.83-6. 18 Elena Kishimoto de Inamine. Tradiciones e costumbres de los inmigrantes Japoneses em el Peru. Lima; Centro de Investigaciones Histórico Sociales, 1979. p.15 19 M. Masterson & Sayaka Funada-Classen. The Japanese in Latin America. Op. Cit. p. 36.

20 Toshio Yanagida; Maria Dolores Rodriguez Del Alisal. Japoneses en América.Op. cit... 183. 21 Idem. p. 95. 22 Idem. 23 Idem. p. 197. 24 Idem. p. 72. 25 Esses primeiros imigrantes faziam parte de um grupo organizado por uma sociedade japonesa de colonização, a Shokumin Kyokai, que tinha características diferentes das companhias de emigração que foram criadas posteriormente. p. 73-5.

26 “Takeaki Enomoto, que assumira o Ministério das Relações Exteriores em maio de 1892, divisou um novo projeto colonizador, segundo o qual os emigrantes não mais partiriam com a idéia de acúmulo pecuniário e retorno, mas sim desbravariam terras virgens, adquiridas ou alugadas com o capital do governo, e ali permaneceriam. A fim de concretizar esse projeto, Enomoto esboçou a criação do Departamento de Emigração e a realização de pesquisas de campo a fim de determinar qual seria o país mais propício à emigração. Contudo, nenhum dos sucessores de Enomoto demonstrou interesse pelo projeto após o seu desligamento do Ministério.” In: “As teses de Takeaki Enomoto”. (fonte consultada em 20 de janeiro de 2014: http://www.ndl.go.jp/brasil/pt/s1/s1_2.html)

27 Daniel M. Masterson & Sayaka Funada-Classen. The Japanese in Latin America. Op. Cit.. p. 28. 28 Idem. p. 19. 29 Chizuko Watanabe. The Japanese immigrant community in Mexico: its history and present. Los Angeles. California State University, 1983. p.21. 30 Idem. 31 Idem. p. 26-7 32 Emma Mendoza Martinez. “Migración okinawense al sur de Véra Cruz, México, príncipios del siglo XX”. Associácion Latinoamericana de Estudíos de Ásia y África. XIII Congreso Internacional de ALAADA. Bogotá, Colômbia, 2011.

Bibliografia: DEZEM, Rogerio, Matizes do 'Amarelo'. A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (1878-1908). São Paulo; Humanitas – USP/FAPESP, 2005. HUI, Juan H. Chinos en América. Madrid:Editorial Mapfre, 1992. INAMINE, Elena Kishimoto de. Tradiciones e costumbres de los inmigrantes Japoneses em el Peru. Lima; Centro de Investigaciones Histórico Sociales, 1979. MARTINEZ, Emma Mendoza. “Migración okinawense al sur de Véra Cruz, México, príncipios del siglo XX”. Associácion Latinoamericana de Estudíos de Ásia y África. XIII Congreso Internacional de ALAADA. Bogotá, Colômbia, 2011. MASTERSON, Daniel M. & FUNADA-CLASSEN, Sayaka. The Japanese in Latin America. Urbana: University of Illinois Press, 2004. p. 11. MATHIESON, William Law, British Slave Emancipation, 1838-1849. New York, Octagon Books, Inc., 1967. MEAGHER, Arnold J.The Coolie Trade, United States of America, Xlibris ed., 2008. MORIYAMA, Alan T. Imingaisha: Japanese Emigration Companies and Hawaii, 1894-1908. Honolulu: University of Hawaii Press, 1985. SAKURAI, Celia. Imigracão tutelada: os japoneses no Brasil. Tese de Doutorado – Departamento de Antropologia do Institutro de Filosofia e Ciêncais Humanas, da Unicamp sob a orientação da Profa. Dra. Maria Correa. Campinas, 2000. WATANABE, Chizuko. The Japanese immigrant community in Mexico: its history and present. Los Angeles. California State University, 1983. WILMATAS, Derpich. “Sistema de dominácion: cimarronaje y fugas” . In: Primer Seminario Sobre Poblaciones Inmigrantes. Actas, tomo II. Lima; Concytec, 1988.

YANAGIDA, Toshio & DEL ALISAL, Maria Dolores Rodriguez. Japoneses en América. Madrid: Editorial Mapfre, 1992.

Site: “As teses de Takeaki Enomoto”.Fonte consultada em 20 de janeiro de 2014: http://www.ndl.go.jp/brasil/pt/s1/s1_2.html

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