O Jihadismo Europeu - algumas considerações sobre o conflito sírio-iraquiano

September 11, 2017 | Autor: Sandra L. Costa | Categoria: Terrorism, Political Violence and Terrorism, Radicalization, Jihadism, Terrorism and Counterterrorism
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O Jihadismo europeu – algumas considerações sobre o conflito sírio-iraquiano

Sandra L. Costa Universidade do Minho 15 Janeiro de 2015 – draft –

Os atentados de Paris e outras conspirações entretanto desmanteladas indicam que o receio que as autoridades europeias têm vindo a manifestar relativamente às consequências do conflito sírio e da situação iraquiana para a Europa se começam a materializar. Os acontecimentos naquela área do globo têm potencial para operar rupturas e transformações importante em território europeu, as quais poderão ter um impacto duradouro. Duas consequências merecem ser destacadas, ora porque representam uma ameaça a longo-prazo, ora porque podem conduzir a uma intensificação da violência. A primeira consequência está relacionada com a deslocação de cerca de 3000 Europeus a fim de participar no conflito sírio. Utilizando como referência os “Árabes afegãos” da década de 1990, podemos estar perante a formação de uma geração de “Europeus sírios”: um conjunto de indivíduos desenraizados, embrutecidos pelo conflito, com uma extensa rede de contactos e, em simultâneo, produto e veículo de uma ideologia política radical. Estes podem representar uma ameaça séria para o território europeu na actualidade, mas sobretudo na próxima década. Convém recordar como muitos dos indivíduos pertencentes àquela primeira geração se viram impedidos de regressar aos respectivos países após terem participado na guerra no Afeganistão, o que os obrigou a permanecer ali ou a deambular por palcos de conflitos onde existia a percepção que os Muçulmanos estavam sob ataque. Alguns destes, como se sabe, acabariam por se instalar em algumas capitais europeias. É previsível que muitos dos Europeus que se encontram na Síria nunca regressem aos seus países: alguns porque não querem – vejam-se as imagens a circular em vários sites jihadistas que mostram Ocidentais a destruírem os passaportes, simbolizando a sua recusa do Ocidente e o desejo de permanecerem na região que designam de bilād al-Shams –; outros porque não podem, sob risco de terem de enfrentar as autoridades e serem presos. A escolha será entre continuar no terreno sírio e iraquiano mesmo após o eventual término do conflito, e onde possivelmente se agudizarão as fricções com os elementos jihadistas autóctones; ou a deslocação para outras áreas do globo, como os tradicionais palcos jihadistas – por exemplo, a Chechénia e Caxemira – ou onde existam organizações radicais dotadas de meios logísticos, 1

como na Somália, Iémen ou Paquistão. Se a actual instabilidade política e social se mantiver em locais como a Líbia e Egipto (em especial na região do Sinai, onde existem alguns grupos jihadistas), muitos Europeus poderão também considerar tais cenários. A sociedade em rede teorizada por Castells e o elevado nível de conexão entre actores individuais e colectivos a nível global contribui, obviamente, para ampliar o perigo que esta geração coloca quando comparada com os Árabes afegãos. A segunda consequência é sentida de modo mais imediato e está relacionada com a competição entre organizações terroristas. A teoria diz que a luta por poder, recursos (humanos e materiais), território, credibilidade e publicidade pode encorajar os grupos a inovarem táctica e tecnicamente, de modo a superarem o seu competidor directo. Isto significa que a concorrência entre a al-Qaeda (e afiliadas locais) e o ISIS pode conduzir a uma escalada da violência na Europa ou, talvez mais realisticamente, a um maior número de conspirações terroristas, concebidas de maneiras cada vez mais inovadoras de modo a iludir as autoridades. Com recurso a radicais domésticos ou a ex-combatentes na Síria e no Iraque, as duas organizações podem promover ou inspirar atentados terroristas neste território para provarem a sua vitalidade, atraírem elementos entre o seu círculo de potenciais apoiantes ou punirem os Estados europeus que participam em campanhas militares contra os jihadistas. A tentativa de superar os actos da organização rival pode dar início a um ciclo em que a concepção de cada novo ataque seja uma tentativa de superar o anterior, de modo a produzir o efeito comunicativo desejado. Contudo, estas conspirações não precisam de ser directamente concebidas ou dirigidas operacionalmente pela organização terrorista, mas podem ser o acto de um ou mais indivíduos que apresentem algum grau de ligação ou contacto com aquelas (no presente ou no passado), e que, operando de modo independente, ajam em nome daquela. Com efeito, é necessário ter em atenção as lições que a década de 1990 nos legaram no que se refere a trajectos individuais e desenvolvimentos ideológicos e estratégicos, de modo a evitar que os “Europeus sírios” venham a ter o impacto que os seus antecessores do conflito afegão tiveram a nível global. Se o Jihadismo global nasceu a partir de um conjunto de dinâmicas forjadas após o início dos anos 90 e para as quais contribuíram aqueles que haviam participado na luta pela expulsão dos Soviéticos do Afeganistão, as dinâmicas dos próximos anos podem ditar a reabilitação de uma ideologia e de um movimento que muitos não hesitaram em declarar moribundos no início das revoltas árabes. Adicionalmente, não devemos menosprezar as questões organizacionais na perpetração de actos terroristas: apesar da atomização e policentrismo que caracteriza o movimento jihadista, e das evidências que apontam para a não existência de uma grande orientação estratégica por parte do Jihadismo global na actualidade, a modo de funcionamento interno do movimento e as relações entre os diferentes actores jihadistas continuam relevantes para o seu desenvolvimento. 2

Assim, o Jihadismo global representa não só uma ameaça imediata, mas também num futuro distante, o que implica a formulação de políticas de combate ao terrorismo e à radicalização que tenham em atenção condições sistémicas, estruturas organizacionais e processos individuais.

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