O Jornalismo Popular no Brasil e na Alemanha: uma perspectiva histórica através dos jornais BILD e Diário Gaúcho

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O Jornalismo Popular no B rasil e na A lemanha: uma perspectiva histórica através dos jornais B I L D e Diário G aúcho1 NUNES, Ana Cecília B.2 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS Resumo: O jornalismo popular no Brasil tal como tratado aqui é um fenômeno ainda recente, datando da década de 1990. No entanto, na Europa, jornais como o BILD dirigem-se a um mesmo seguimento destes periódicos brasileiros, mas emergiram muito antes. O jornal alemão em questão é o mais vendido hoje na Europa, com mais de três milhões de exemplares ao dia, e data de 1952. Já o Diário Gaúcho, de 2000, é o nono maior do país e teve como fonte de inspiração o próprio BILD. Épocas diversas de eclosão, contextos sociais nem tanto. Este artigo trata das características do jornalismo popular no Brasil e Alemanha através da análise da conjuntura de nascimento destes dois jornais e do modo como eles se apresentaram ao público quando do seu lançamento. O trabalho é fruto de coleta de material e entrevistas na redação do BILD (sucursal de Hamburgo) e do Diário Gaúcho (em Porto Alegre), além de revisão documental e bibliográfica. A análise revela contextos sociais e filosofias que possuem semelhanças e particularidades, pensando o jornalismo popular por um viés até hoje pouco explorado academicamente. Palavras-chave: jornalismo popular; Diário Gaúcho; BILD; Alemanha; Brasil.

Introdução A ascensão dos jornais populares a partir da década de 1990 gerou mudanças no mercado impresso nacional. Dados de 2010 do Instituto Verificador de Circulação (apud ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS, 2011) indicam que entre os dez periódicos com maior circulação no país, cinco pertencem ao segmento popular, sendo a primeira posição também ocupada por eles. O Super Notícia (MG) é hoje o maior jornal do país. Na lista também está o Extra (RJ, 4º lugar), Meia Hora (RJ, 7º lugar), Diário Gaúcho (RS, 9º lugar) e Aqui (consolidado das edições MG, MA, DF e PE, 10º lugar). Com muitas fotos, títulos em fontes gigantes e estímulos visuais por toda a parte, o jornalismo popular hoje representa um segmento impresso significativo no mercado brasileiro. A fórmula não é totalmente nova: muitas características provêm de jornais do passado ou que ainda hoje circulam. O diferencial está no tratamento dos temas e no seu 1

Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Impressa, integrante do VIII Encontro Nacional de História da Mídia, 2011. 2 Mestranda em Comunicação Social na Famecos ! PUCRS, email: [email protected] ! Este artigo é fruto da monografia "Jornalismo popular: uma análise do jornal alemão BILD Hamburg #$ %&$ '()*(&$ +,-./&01$ .&2$ &*(#34,56&$ %,$ 7*&fª. Drª. Ana Carolina D. Escosteguy. O trabalho foi apresentado em 2010 na PUCRS.

reconhecimento social por parte das elites como produto para as camadas populares. O segmento popular - intrinsecamente ligado ao sensacionalismo, mas com peculiaridades - exige novo termo para definir-se, com vias a extinguir um preconceito de valor agregado ao antigo termo. Apesar de as publicações assemelharem-se às sensacionalistas, o cenário atual no Brasil é novo. Elas sofreram transformações. A proposta deste artigo é pensar o jornalismo popular através da análise de duas publicações específicas, analisando o contexto em que nasceram e forma como se apresentaram ao público quando do seu lançamento. A ideia é compreender o jornalismo popular através das publicações, partindo de um viés histórico. Percebeu-se que o jornalismo popular, tão recente no Brasil, é um fenômeno mais antigo em países como a Alemanha, por exemplo. Além disso, no continente europeu, o jornal de maior circulação é o popular BILD. O periódico alemão tem vendagem diária superior a três milhões de exemplares e serviu de inspiração para jornais populares brasileiros como o Diário Gaúcho, lançado em 2000 no Rio Grande do Sul e o nono maior do país. Pensouse então que seria válido entender o surgimento destes jornais e suas características, para assim melhor compreender o fenômeno e essas publicações no Brasil. Apesar de os jornais populares conquistarem audiências e espaço no mercado, eles ,(3%,$%#482$9&:.,$,4#356&$%,$,.,%#2(,1$.&2&$,;(*2,$?@@A1$9B$CADE$">BBBD$ às publicações e aos programas dirigidos às camadas populares destinam-se muitas críticas, pouca análise e, consequentemente, quase nenhuma proposição0B Este artigo, então, tem o propósito de ocupar um espaço e agregar análise e reflexão a um segmento que tem merecido pouca atenção da academia, com vistas a melhor entender suas proposições e singularidades. Percebeu-se a necessidade de identificar as características que compõem as publicações e as abordagens que dizem respeito a este segmento, identificando peculiaridades da publicação brasileira e alemã em questão. O objetivo era perceber o jornalismo popular nas duas regiões através das publicações recém-citadas. Para tanto, a autora viajou à Alemanha e coletou informações sobre o BILD, na sucursal de Hamburgo (visitando a redação de 8 a 10 de Setembro de 2009) além de realizar entrevistas. Assim também procedeu no Diário Gaúcho, em Porto Alegre (3 a 5 de maio de 2010). A análise dos contextos sociais e das características que permearam o surgimento e popularização dos jornais são analisadas através da primeira propaganda do BILD, em 1952, e do texto de apresentação publicado na primeira edição do DG. As

capas do dia do lançamento são também comparadas com as das publicações de referência em circulação nas respectivas cidades. O Contexto H istórico e o Nascimento do B I L D e do D G Radionovelas, crescimento do setor livreiro, início do desenvolvimento do cinema nacional e introdução de uma nova mídia de massa: a televisão. O cenário midiático brasileiro no final da década de 40 e início da de 50 era de expansão em diversos setores. O rádio, após um começo muito elitista, consegue atingir um percentual maior da população, alcançando, em 1952, a marca de dois milhões e 500 mil receptores no país (ORTIZ, 2001, p. 47). Os livros, revistas e jornais aumentam suas tiragens e, é neste período também, que nascem as fotonovelas (Revista Grande Hotel, 1951; Capricho, 1952). A década de 50 inicia com a chegada da televisão no país: começando na cidade de São Paulo (1950) e chegando a Porto Alegre em 1959. No entanto, com&$,;(*2,$F*4(G$>?@@C1$9B$AHD1$",$I(3%-J4*(,$.:=4:*,=K$#$,$.:=4:*,$9&9:=,*$%#$ 2,JJ,$#2#*L#34#$J#$.,*,.4#*(G,2$2,(J$9#=,$J:,$(3.(9(83.(,$%&$M:#$9#=,$J:,$,29=(4:%#0B No âmbito político, o país saía de uma era populista: o Estado Novo, comandado por Getúlio Vargas. De 1939 a 1945, o Brasil vive período ditatorial e de consolidação da industrialização brasileira. Ao mesmo tempo, a Segunda Guerra Mundial eclode no mundo, começando e terminando nos mesmos anos, sendo o país contrário ao nazismo e favorável aos Estados Unidos. Terminada a guerra, em 1945, Dutra inicia novamente um período democrático no país e comanda uma política econômica liberal. Em 1952, Getúlio Vargas volta ao poder, desta vez não mais como ditador. Do outro lado do oceano Atlântico, no velho continente, o cenário era outro. Sob o domínio de Hitler e da filosofia nazista, a comunicação radiofônica se alastrava. O estímulo à produção maciça de aparelhos pequenos e baratos ajudou a incrementar o desenvolvimento, e os 4 milhões de ouvintes alemães em 1933, viraram 29 milhões em 1934 e 97 milhões em 1939 quando iniciou a Segunda Guerra Mundial (IRVING apud DINES em MEDITSCH, 2001, p.12). Neste mesmo ano, no entanto, um novo meio de comunicação era apresentado publicamente ao mundo, na Feira Mundial de Nova York: a televisão viria a ter transmissões na década de 40. Com o país em guerra até 1945 e, após, dividido em Ocidental e Oriental, a evolução da televisão no país se deu de forma %(;#*#34#1$J#L:(3%&$"=(3/,J$M:#$9&%#*(,2$4#*$J(%&$,34#.(9,%,J dada a história pós-guerra %,$ *,%(&%(;:J6&0$ >NOP+GS E BURKE, 2006, p. 241). Na Alemanha Ocidental, a

televisão e o rádio foram uma herança dos Aliados, e a primeira estação de televisão, a Nordwest Deutscher Rundfunk, começou a funcionar em dezembro de 1952. (Ibidem). É neste contexto e no mesmo ano que, na cidade portuária de Hamburgo no norte da Alemanha, o jornal BILD, da editora Axel Springer3, iniciava suas atividades. Ao terminar a guerra, os estabelecimentos do grupo Springer em Hamburgo haviam sido destruídos. Axel Springer reiniciou suas atividades, como as demais empresas alemãs, prosperou e lançou algumas revistas de larga .(*.:=,56&1$ .&2&$ "Q*(J4,==01$ %#$ A@@B@@@$ #R#29=,*#J1$ 4(*,L#2$ 4,2ST2$ ,4*(S:U%,$,$:2$V&*3,=$%#3&2(3,%&$"4*,%:56&$3&JJ,DB$_,(J$:2,$\#G$T$9&JJU\#=$9#*.#S#*$,$M:#$&$V&*3,=$J#$9*&9:3/,E$ :2,$ =#(4:*,$ =#\#B$ F$ 9*#5&$ #R4*#2,2#34#$ ,.#JJU\#=$ ./,2,$ ,$ ,4#356&$ 3&$ ,3-3.(&E$ "C@$ 3

Estabelecida em 1946, a editora Axel Springer cria, produz e distribui informação e entretenimento através de jornais, revistas e mídias digitais. Hoje a companhia é a maior editora de jornais da Alemanha e a terceira maior de revistas do país, possuindo cerca de 170 publicações, entre jornais e revistas e 80 serviços de informação online, funcionando em 36 países com cerca de 10.000 #29*#L,%&JB$?@@a1$9B$dCdD1$",$%T.,%,$%#$ 1990 foi um período em que se romperam as fronteiras entre os meios antigos e os novos; no interior de cada meio, entre a mídia experimental e a já estabelecida, os limites se embaraçavam, da mesma forma que as linhas divisórias que separavam as estratégias de mídias nacionais dos problemas e oportunidades globais. As decisões nacionais tinham implicações globais e vice-\#*J,B0$ O mundo vivia mais ou menos um mesmo cenário comunicacional devido à interligação de informações. No âmbito econômico, o Brasil tentava se

Figura 3 ! Capa do BILD do dia 24 de junho de 1952

livrar da inflação, que por décadas assombrara o país, chegando a atingir taxas mensais próximas a 50% em

meados de 1994. O Plano Real, instituído em julho daquele ano, diminuiu rapidamente os índices, que em dezembro caíram para 0,6% e em julho de 1998 tinha valor anual de 4%. Os assalariados de baixa renda foram os mais beneficiados pela repentina estabilidade de seus ganhos reais e tiveram aumento significativo de compras de bens de consumo duráveis (BAER, 2003). Foi nesta época que o jornalismo popular ascendeu no Brasil, impulsionado por um crescimento econômico. Como destacam Amaral e Prevedello (2007, p. 224): [...]as indústrias da imprensa promovem, a partir de 1990 no Brasil,

sucessivos lançamentos de jornais populares, destinados prioritariamente ao público das classes B, C e D. São exemplos o Extra (RJ), Agora São Paulo (SP), Folha de Pernambuco (PE), Primeira Hora (MS), Notícia Agora (ES), Expresso Popular (SP), Meia-Hora (RJ), A Hora de Santa Catarina (SC), Diário Gaúcho (RS).

Em 17 de abril de 2000, nascia o Diário Gaúcho, na cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. Antes de seu lançamento, porém, o DG convidou o público a escolher seu nome. O concurso, que tinha como prêmio um carro, contou com mais de 500 mil votos, já demonstrando grande apelo junto aos porto-alegrenses (AMARAL, 2006). A publicação entrava no mercado da região metropolitana após pesquisas de viabilidade realizadas no ano anterior, visando um leitor que não consumia jornais regularmente. Voltado às classes C, D e E, o projeto gráfico, criado pelo editor de Arte dos jornais do Grupo RBS4, Luiz Adolfo Lino de Souza, buscava cores e características que se relacionassem ao universo popular, utilizando, como auxílio para sua construção, referências locais e internacionais. Entre as principais influências do âmbito local, estavam os jornais Hoje e Folha da Tarde. Já no âmbito internacional, Souza5 destaca o The Sun e o Daily Mirror, da Inglaterra, além do alemão BILD, com o qual já tinha 2,(&*$ (34(2(%,%#E$ "c:$ V)$ .&3/#.(,$ &$ NPX'1$ 9&(J$ &$ #J9&*te da Zero Hora6, em alguns momentos de sua história, chegou a ter também um projeto gráfico parecido com #=#0B O DG era caracterizado por fotos grandes, uso de cores e textos simples. A ideia era atingir um público de menor poder aquisitivo, com notícias claras e que fizessem parte de sua realidade. O entretenimento estava presente, assim como no BILD, e trazia notícias de celebridades. As matérias policiais, secção de esportes e espaços em que o leitor era o foco tinham também destaque. O DG buscava ser simples e não deixar dúvidas a seus leitores, através da utilização de vocabulário de uso diário. A filosofia é evidenciada no texto de apresentação publicado na primeira edição (figura 4):

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Empresa detentora do Diário Gaúcho e de outros veículos de comunicação no sul do Brasil. Fundada em 1957, o Grupo RBS é uma empresa de comunicação multimídia com cerca de 5,7 mil funcionários. A empresa opera no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e detém 18 emissoras de TV aberta (afiliadas à Rede Globo), duas televisões comunitária, uma emissora com enfoque no agronegócio, oito jornais diários, quatro portais de internet, além de gráfica, editora, gravadora etc. O Grupo RBS possui diversas sucursais e escritórios espalhados pelo país, como nos estados do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Minas Gerais e Mato Grosso, sendo a maior empresa de comunicação multimídia da Região Sul do país. (GRUPO RBS, [2009?]; ZERO HORA, 2008) Em entrevista presencial a autora em 25 de maio de 2010. Periódico de referência pertencente à mesma empresa.

Para ler o seu Diário G aúcho O Diário Gaúcho nasce hoje, 17 de abril de 2000, como um jornal popular. Popular porque será barato, completo e digno. Por apenas R$ 0,25 você vai ter bem cedinho, em uma linguagem clara e fácil, as últimas notícias. Principalmente as de interesse da maior parte dos 2,8 milhões de habitantes da Grande Porto Alegre. Vão ser mais de 4,9 mil pontos de venda em 19 de municípios. O dia do nascimento do Diário Gaúcho não é acaso. A astróloga Sônia Jorge fez o mapa astral do Diário Gaúcho e concluiu que o dia de hoje seria o mais favorável para que o jornal nascesse com êxito em sua missão junto aos leitores. Confira como será o seu Diário Gaúcho, e seja bem-vindo! [...]

Dando apresentação Figura 4 ! Texto de apresentação do DG

continuidade (acima),

ao

texto

seguiam-se

de itens

explicativos de cada editoria do jornal e as páginas onde se situavam, como uma bula de remédio ou

um manual de instruções de leitura passo a passo. O texto é um manifesto do que virá a ser a filosofia do jornal. As semelhanças com o BILD são perceptíveis. O Diário Gaúcho enfatiza o seu custo, assim como o jornal alemão em sua primeira edição. O texto, com intuito de ser simples e fácil, é praticamente autoexplicativoE$ "Popular 9&*M:#$J#*)$S,*,4&1$.&29=#4&$#$%(L3&0B$F$V&*3,=$J#$,9*#J#34,$#$V)$%#J4,.,$,J$M:,=(%,%#J$ que quer que o leitor observe em suas edições. Ele classifica também o estilo de seus 4#R4&JE$"=(3L:,L#2$.=,*,$#$;).(=0$#1$,JJ(2$.&2&$&$NPX'$%(G$#2$J:,$9*(2#(*,$9*&9,L,3%,$ que a partir do dia seguinte estará por toda a parte, o Diário Gaúcho destaca o grande número de pontos de venda e municípios em que o jornal pode ser encontrado, comunicando de forma diferente a mesma ideia transmitida pelo tabloide alemão em sua primeira aparição. Da mesma forma que o BILD, o Diário Gaúcho foi uma inovação frente aos jornais de sua região e às outras publicações do Grupo RBS. Há neste contexto outra semelhança: o DG possui também um irmão tradicional7, é o jornal Zero Hora, fundado em 1964 e, assim como no periódico alemão, ao compararem-se as capas da data de lançamento do DG com a de mesma data do jornal Zero Hora, fica evidente a diversidade (figuras 5 e 6, na página seguinte). O fato constituiu-se uma das premissas adotadas pelo autor do projeto gráfico ao pensá-lo: evitar que os jornais concorressem entre si. 7

Admite-se aqui tradicional como sinônimo de jornais de referência.

Eu comecei a fazer o projeto do Diário Gaúcho, com uma idéia básica: ele tinha que ser totalmente diferente da Zero Hora para evitar um canibalismo entre eles. Embora o Grupo RBS soubesse que havia mercado (as pesquisas apontavam que os leitores gostariam de um jornal até com preço mais baixo, que leriam este jornal) a Zero Hora tinha medo de perder leitores. Mas isto realmente não aconteceu. O Diário Gaúcho acabou criando um novo mercado de leitores.

Segundo Souza, o projeto tanto gráfico como editorial foi pensado de modo a opor-se ao irmão de referência. As cores foram escolhidas de maneira a não serem análogas nem próximas uma da outra. Os colunistas, representados por fotos na ZH, no DG são Figura 5 ! Capa do Diário Gaúcho de 17 de abril de 2000.

identificados por caricaturas. O Diário Gaúcho constitui-se um impresso mais visual, com cores mais vibrantes que a ZH, além de fotos e manchetes maiores e abuso de fios e boxes. A simetria foi também outro fator deixado de lado por Souza ao pensar o projeto do DG. O tamanho da fonte das manchetes é também significativamente maior no periódico popular, além de ser possível observar-se a ausência de textos na capa do DG, que possui apenas títulos, cartolas, legendas e imagens. A fonte serifada da Zero Hora difere à do Diário Gaúcho, sem serifa. Estas últimas características puderam também ser observadas ao comparar a capa do BILD com o

Figura 6 ! Capa da Zero Hora de 17 de abril de 2000.

irmão Hamburger Abendblatt. O preço ocupa igualmente posição de destaque, assim como no

BILD. Souza lembra ter se inspirado no jornal popular alemão para definir o tamanho dos títulos, assim como o sublinhado presente na manchete principal da capa, as fotos recortadas, além da diagramação a partir da foto. O B I L D e o Diário G aúcho hoje Mais de 50 anos após o seu lançamento, o BILD é hoje diferente das quatro páginas com praticamente só fotos que apresentava em sua primeira edição: o jornal

cresceu, adaptou-se e ganhou espaço no mercado. A equipe, inicialmente composta por dez redatores e duas secretárias, hoje é formada por cerca de mil jornalistas (BILD8, 2009) O jornal que começou em Hamburgo com tiragem de 455 mil exemplares, hoje se encontra entre os de maior circulação do mundo, ficando em sexto lugar, com cerca de 3,8 milhões de cópias, segundo dados de 2005 da World Association of Newspapers. Atualmente custando 60 centavos de euro, o BILD, que era vendido somente nas ruas, possui hoje também assinatura. No entanto, o número não é expressivo se comparado às vendas avulsas. Dados do segundo trimestre de 2009 indicam que elas representam apenas 28,7 mil do total de 3,23 milhões da média de exemplares vendidos por dia no país neste período. A venda nas ruas continua sendo a mais expressiva do jornal. O BILD tem circulação nacional e conta hoje com 23 edições regionais espalhadas pela Alemanha. A de Hamburgo, cidade do lançamento, tem a maior vendagem regional, cerca de 248 mil exemplares/dia, A redação principal é atualmente em Berlim e parte do conteúdo vem de lá e outra é gerada nas sucursais. Segundo o editor-chefe da regional de Hamburgo, Matthias Onken9, o BILD Hamburg é o jornal que a maioria lê e o maior da cidade, possuindo 55% de leitura na região metropolitana e 45% nos arredores. A publicação tem estilo pouco conservador, com mulheres com seios a mostra em várias páginas ou homens sem camisa. O texto é simples, evitando o uso de palavras complexas, como destaca Onken, editor-ch#;#$%,$#%(56&$%#$h,2S:*L&E$"Nós buscamos abordar temas difíceis e contextos complexos de maneira bem simples, de modo que cada um o entenda: o professor na universidade, mas também os trabalhadores no canteiro de obras, em qualquer lugar, na rua, etc. Quando o jornal é lido por alguém, .,J:,=2#34#1$(3%#9#3%#34#$%#$M:#2$J#V,1$#=#$4,2ST2$%#\#$J#*$.&29*##3%(%&0. O Diário Gaúcho, por sua vez, completou em 2010 uma década de existência. Apesar de muito mais novo que o alemão, ele também está consolidado hoje no país, sendo o nono jornal com maior circulação no Brasil (INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO apud ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS)10. Ele alcança tal 8

Os dados apresentados neste item foram retirados do site do jornal ou de materiais fornecidos quando da visita da autora à redação. Os número e informações que não seguem esta referência estão devidamente indicados no próprio texto. 9 Em entrevista a autora em 10 de Setembro de 2009. 10 Dados referentes à circulação média diária no periodo de janeiro a dezembro de 2010.

posição mesmo tendo circulação principalmente em Porto Alegre e Região Metropolitana, sem presença significativa no interior do Rio Grande do Sul. Ao longo desses dez anos, o jornal apresentou algumas mudanças: incorporou seções e retirou outras, adaptando-se de acordo com os interesses dos leitores. Alexandre Bach, GerenteExecutivo de Produto do Segmento da Maioria do Grupo RBS (Diário Gaúcho e rádios Cidade, Farroupilha e Rural), enfatiza que a exigência do público é sempre a mesma: o jornal deve ser bom. No entanto, tais interesses mudam, devido inclusive ao momento econômico pela qual o país passa, e o jornal deve estar atento a isso. As alterações do DG foram editoriais, diretamente relacionadas a determinadas editorias, e não modificaram o modo de apresentação dos fatos, o texto ou o número de páginas. De acordo com Bach, que acompanha o jornal desde seu lançamento11, os pilares-básicos que formam o jornal continuam os mesmos. O gerente-executivo afirma que o DG baseia-se principalmente em três premissas: comunicação com o leitor (no sentido de estar aberto a eles), utilidade e bom humor. Os leitores são um pilar à medida que pautam os assuntos. No âmbito da utilidade, o jornal procura enfatizar aquilo que afeta a vida das pessoas. Já sobre o bom humor, o jornalista afirma que o DG é um jornal divertido, alegre, não só por causa das cores, das fotos e da parte de variedades. Ele enfatiza que a equipe sempre procura fazer um jornal alto astral, respeitando, evidentemente, momentos de tragédia. O Diário Gaúcho é comercializado a 75 centavos de Real. O jornal não possui assinatura, sendo vendido de forma avulsa em pontos diversos da cidade. Segundo Bach, a última pesquisa do Instituo Marplan evidencidou que o periódico possui cerca 1,3 milhão de leitores, o que significa 66% dos leitores de jornais da região. O DG possui redação própria (fotógrafos e repórteres), porém está sempre interligado com outros jornais do Grupo RBS, sendo comum reportagens permutarem de um para o outro, principalmente entre Zero Hora e Diário Gaúcho, alterando-se apenas a linguagem do texto, compartimentando-o e/ou substituindo-se alguns termos. Segundo o editor-chefe do jornal, Cláudio Thomas, o Diário Gaúcho é um jornal diferenciado em relação aos demais. Primeiramente, em relação ao público que se destina, pois, desde seu lançamento, o DG tem como foco trabalhar com leitores da classe C, D e E. Thomas ressalta que a publicação é calcada em pontos como serviço, 11

O jornalista era editor-adjunto quando do lançamento, posteriormente, ocupou o cargo de editor-chefe (2003 a 2009), sendo hoje gerente-executivo.

entretenimento, esporte (profissional e amador) e segurança pública (polícia). O jornal 4#2$.&2&$:2,$%#$J:,J$#J4*,4TL(,J$,$*#,=(G,56&$%#$9*&2&5b#J1$J#3%&$&$"i:34#$#$+,3/#0$ a mais popular e de caráter permanente. Nela, o acúmulo de selos possibilita a troca por kits de panelas ou outros utensílios. Os brindes são sazonais. Conclusão Apesar das publicações nascerem em épocas e espaços geográficos diversos, o momento (em âmbito nacional) pelo qual passavam os países assemelha-se. O BILD nasce em uma conjuntura de pós- guerra, após momento de opressão Hitlerista. O período é de reconstrução material e social, reorganizando-se a sociedade e as fronteiras, em um país que, como consequência da guerra, encontrava-se dividido. O BILD era uma publicação de leitura leve, que estruturava as notícias através de fotos e que tinha como tema central o entretenimento, sendo, assim, muito pertinente frente ao contexto social. No Brasil, a ascensão dos jornais populares do segmento do DG inicia-se na década 1990, após um período ditatorial, que termina em 1985. Nacionalmente, assim como no contexto alemão, o país vive um momento de reconstrução (aqui apenas de cunho social e político), de reestruturação de uma democracia e direitos dos cidadãos. Ambas as sociedades passavam por momento de reestruturação social e política. As publicações brasileiras, além do entretenimento, tinham seu foco no leitor, fato crucial após um momento de opressão. No caso do DG, apesar de lançado em 2000, os fatores ainda relacionam-se da mesma forma, já que seu nascimento foi também resultado de uma conjuntura de ascensão deste segmento de publicações em âmbito nacional. O jornal prega uma participação popular de uma maneira que era inexistente no Estado, tendo os leitores espaço inclusive na capa. Assim, jornais do segmento do DG mostravam-se, da mesma forma que o BILD na Alemanha, pertinente frente ao contexto em que estavam. Era uma leitura leve, com espaço para aqueles que estiveram às margens da sociedade midiática e sem possibilidade de expressão devido a um regime autoritário. O jornalismo popular brasileiro e alemão, aqui representado pelo BILD e o Diário Gaúcho, tem sua proposta calcada em características semelhantes. Entre elas, a intenção de transmitir uma relação de cumplicidade com o leitor, passando a eles a

sensação de amizade, o que foi destacado através do primeiro anúncio do BILD e do texto de apresentação do DG. As promoções são utilizadas como fator de apelo popular, recurso presente desde o lançamento dos jornais até hoje. Deve-se destacar também o modelo de venda, que tem sua base na comercialização avulsa, nas ruas. É possível perceber que tais características permanecem hoje e foram difundidas no lançamento dos periódicos formando um jornalismo segmentado a um público diverso ao dos jornais antes pré-estabelecidos em seu lócus. Ambos trouxeram inovação, diferenciando-se pelo modo de apresentar o conteúdo, seja no projeto gráfico, seja no texto, na filosofia e no segmento. Talvez resida aí parte do motivo de seu sucesso no mercado. O destaque ao custo busca evidenciar também o caráter popular, a relação com as massas, transmitindo a ideia de um jornal acessível a todos, não só através da linguagem, mas do preço. Neste sentido, vale prestar atenção no fato de que os dois jornais definem-se como uma leitura leve (BILD) e bem-humorada (DG), o que no fundo transmite mais o menos a mesma característica: uma leitura menos densa que os outros jornais. Isso pode ser interpretado tanto no sentido dos periódicos apresentarem temas leves e de forma mais informal e menos conservadora, como no fato dos textos serem simples, com vocabulários acessíveis e cotidianos. É importante destacar também a função lúdica e auto- explicativa das imagens e fotos. A grande quantidade de recursos iconográficos em ambos os jornais remetem a :2$ "V&*3,=$ 4#=#\(J(\&0B$ O BILD define-se inclusive como uma resposta impressa à televisão, logo no lançamento do novo meio. No Brasil, essa resposta à televisão talvez tenha chegado depois, com os jornais populares. Os periódicos impressos de referência não tinham grande espaço entre as massas. A televisão, no entanto, sempre ocupou lugar de destaque nas casas, mesmo entre as pessoas com menor poder aquisitivo. Essa relação do jornal e imagens, possivelmente foi um fator que gerou identificação no Brasil, e consequente maior popularização do meio. O abuso de fotos e entretenimento trazia as publicações para um universo próximo de seu leitor, que já possuía intimidade com a apresentação do conteúdo aliada a imagens no meio televisivo. Referências AMARAL, Márcia Franz. L ugares de fala do leitor no Diário G aúcho. 2004. 270 f.

Tese (Doutorado em Comunicação Social) ! Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, UFRGS, Porto Alegre, 2004. !

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