O limiar ético entre o público e o privado: estudo de caso das demissões dos jornalistas Alec Duarte e Carolina Rocha da Folha de S.Paulo e Agora São Paulo

August 6, 2017 | Autor: Eduardo Vasques | Categoria: Jornalismo, Ética, Redes Sociais, Mídias Sociais, Espaço Publico
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES (ECA) Gestão Integrada da Comunicação Digital nas Empresas - Digicorp

O limiar ético entre o público e o privado: estudo de caso das demissões dos jornalistas Alec Duarte e Carolina Rocha da Folha de S.Paulo e Agora São Paulo

São Paulo Janeiro 2015 EDUARDO GOMES VASQUES

O limiar ético entre o público e o privado: estudo de caso das demissões dos jornalistas Alec Duarte e Carolina Rocha da Folha de S.Paulo e Agora São Paulo

Trabalho do curso Gestão Integrada da Comunicação Digital nas Empresas - Digicorp, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), como requisito para conclusão do módulo Ética. Professor: Ivan Paganotti.

São Paulo Janeiro 2015

VASQUES, E.G.. O limiar ético entre o público e o privado: estudo de caso das demissões dos jornalistas Alec Duarte e Carolina Rocha da Folha de S.Paulo e Agora São Paulo / Eduardo Gomes Vasques – 2015 n. de f: 26 Professor: Ivan Paganotti Trabalho do curso Gestão Integrada da Comunicação Digital nas Empresas - Digicorp, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), como requisito para conclusão do módulo Ética 2015.

EDUARDO GOMES VASQUES

O limiar ético entre o público e o privado: estudo de caso das demissões dos jornalistas Alec Duarte e Carolina Rocha da Folha de S.Paulo e Agora São Paulo

Trabalho do curso Gestão Integrada da Comunicação Digital nas Empresas - Digicorp, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), como requisito para conclusão do módulo Ética, avaliado pelo professor abaixo nominado.

___________________________________________ Professor Ivan Paganotti

São Paulo, janeiro de 2015.

RESUMO A adoção maciça de plataformas de mídias sociais não só por veículos de comunicação em suas estratégias de disseminação da informação mas também por jornalistas profissionais modificou e criou tensão na relação que esbarra diretamente em direitos estabelecidos e consolidados. Essas ferramentas digitais promoveram novas configurações entre o público e o privado, entre o pessoal e o profissional, gerando conflitos difíceis de serem mediados entre os jornalistas e conglomerados de mídia. O caso estudado apresenta os embates éticos que envolvem a demissão dos jornalistas Alec Duarte e Carolina Rocha, ambos contratados por veículos do Grupo Folha, por conta de comentários em suas mídias sociais pessoais sobre a dinâmica e processo de seus contratantes. ABSTRACT The massive adoption of social media platforms not only by media groups in their strategies for dissemination of information but also by professional journalists have modified and created tension in the relationship stumbles directly on established and consolidated rights. These digital tools have promoted new settings between public and private, between the personal and the professional, generating difficult conflicts to be mediated among journalists and media conglomerates. This case study presents the ethical clashes involving the dismissal of journalists Alec Deleon and Carolina Rocha, both hired by Grupo Folha vehicles, because of comennts on their personal social media.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 7 2. O PROBLEMA ...................................................................................................................... 8 2.1. O contexto das demissões ................................................................................................ 8 3. DILEMAS E CONFLITOS ÉTICOS EM QUESTÃO ........................................................ 11 3.1. Análise da conjuntura .................................................................................................... 11 3.2. Reflexão sobre os conflitos ............................................................................................ 16 4. DIRECIONAMENTO PARA A PROBLEMÁTICA .......................................................... 19

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1. INTRODUÇÃO

Se há uma profissão diretamente afetada em todos os aspectos pelo universo digital foi o jornalismo. O virtual pôs em xeque não só a forma de produção da notícia, mas o contexto da comunicação e modelo de negócios como um todo. Há, atualmente, uma grande discussão sobre a falência da estrutura comercial que sempre sustentou o jornalismo e uma grande crise no mercado editorial em si, na essência do processo de produção e distribuição de informação. O problema vai além da gestão. Há um certo esvaziamento da “propriedade da informação”, ou seja, ela não está mais nas mãos de grandes conglomerados. Ela está, agora, sob a guarda de qualquer cidadão que tiver a mínima percepção e senso, dispositivos e ferramentas tecnológicas - além de conexão à internet. De uma forma ou de outra, essa discussão ainda vai longe. Mas há um ponto relevante neste contexto e que é peça fundamental para a dinâmica, seja ela a que se estabeleceu ao longo dos séculos, seja a nova forma de se fazer comunicação: o jornalista. Pensar na pauta – agora em múltiplos canais –, integrar estas diversas plataformas de mídia, interagir com o público leitor são ações que extrapolam o limite da produção e distribuição de conteúdo, de notícia. Em meio a este turbilhão de novidades, novas bases virtuais de desenvolvimento, entrega e consumo de informações, o jornalista se vê, ainda, preso em dilemas que passam sobre a discussão entre o público e o privado, a liberdade de expressão e comunicação, novos valores ou ressignificação de velhas normas. Por esta razão, alguns destes profissionais acabaram sendo punidos, demitidos ou sofreram algum tipo de retaliação por parte de quem tem o comando do modelo jornalístico tradicional: a gestão corporativa dos grandes veículos de comunicação. É o caso dos jornalistas Alec Duarte e Carolina Rocha, da Folha de São Paulo e do Agora São Paulo, respectivamente, ambos periódicos do Grupo Folha, que foram demitidos em meados de 2011 por publicarem comentários no Twitter sobre procedimentos da empresa em relação ao furo jornalístico - o real objeto de estudo neste artigo.

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2. O PROBLEMA

Para compreendermos com mais profundidade as questões éticas envolvidas nesse caso, é preciso avaliar o cenário e explanar de forma clara como o caso de demissão sumária dos jornalistas aconteceu e qual foi a sua repercussão, no que diz respeito ao âmbito jornalístico e aos aspectos éticos que envolvem o fato.

2.1. O contexto das demissões

As primeiras informações davam conta da morte do ex-vice-presidente da República, José Alencar. A imprensa nacional estava atenta ao fato. Todos os grandes veículos de comunicação corriam para confirmar o óbito para que pudessem publicar o acontecimento em suas versões digitais o quanto antes. Há alguns meses, a Folha.com, versão virtual da Folha de S. Paulo, havia noticiado de maneira equivocada a morte do senador Romeu Tuma. O veículo publicou manchete e uma pequena nota confirmando o falecimento do parlamentar, sem que a informação estivesse confirmada. Pediu desculpas ao público e desmentiu o fato. Como decorrência desta falha provocada em outubro do ano anterior, o veículo adotou procedimentos que evitassem nova ocorrência do gênero, o que prejudica a imagem e reputação de um meio de comunicação. Por esta razão, demorava a assegurar e publicar algo sobre a morte de José Alencar. Ao longo desse processo de espera pela confirmação oficial do hospital em que o expresidente estava internado, o então editor-assistente de política da Folha, Alec Duarte, e a repórter do Agora São Paulo, Carolina Rocha, usaram seus perfis pessoais no Twitter, mídia social de microblog, para comentar o tema.

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O diálogo foi ainda mais longe a partir da resposta da repórter ao editor.

O caso chamou a atenção da alta direção do Grupo Folha, que decidiu por demitir ambos em virtude dos comentários publicados, sem considerar inclusive que os profissionais não se identificavam como contratados da empresa jornalística em seus perfis pessoais. A atitude causou certa comoção no meio jornalístico e repúdio de diversos profissionais da área. A coluna publicada em 03 de abril de 2011, assinada pela ombudsman da Folha, Suzana Singer, usou alguns argumentos para o ocorrido: “Um diálogo ruim, de todos os pontos de vista. É insensível jogar na cara do leitor que há obituários prontos à espera do momento de publicação. Não faz sentido um jornalista criticar, publicamente, um site da mesma empresa. E não deixa de ser desagradável lembrar um problema recente - a divulgação errada, pela Folha.com, da morte do senador Romeu Tuma.”

A ombudsman lembra, ainda, de um outro fato que havia ocorrido recentemente, quando um fotógrafo colaborador do Agora São Paulo, na cobertura das eleições no Palmeiras, pedia, no Twitter, mais lanchinhos enquanto os “porcos” (em referência aos sócios e torcedores do clube) não se decidiam para que ele pudesse acompanhar o jogo do Timão (apelido do time rival Corinthians). Ao descobrirem, o fotógrafo foi agredido dentro da sala de imprensa por seguranças do clube e, posteriormente, afastado do veículo de comunicação sob a alegação de que ele era um profissional freelancer e aquela já seria a sua última cobertura, de qualquer forma. Na opinião de Suzana à época, era difícil dissociar o pessoal e o profissional de perfis de um jornalista nas mídias sociais porque ele consegue angariar seguidores e público, já que representa um veículo de comunicação, talvez associando a reputação e o prestígio que o profissional carrega da empresa em sua vida pessoal. Cita em seu texto, inclusive, um

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comunicado de 2009 da chefia de redação da Folha com alguns princípios editoriais para quando os jornalistas estivessem online – com a ressalva de que deveria ser atualizado. De acordo com a ombudsman, o documento deixava explícito que: “Jornalista não pode declarar voto político, xingar artistas, amaldiçoar o time de futebol rival, bater boca com leitores, expressar preconceito nem tentar obter vantagem pessoal (reclamar, por exemplo, do mau atendimento num restaurante, para que saibam que ele é da imprensa).” A alegação é o possível desconforto de um jornalista do veículo ser escalado para determinada cobertura, entrevista a uma personalidade da qual tenha falado mal em seus canais pessoais nas mídias sociais. E ela encerra com uma frase simbólica: “Quem mais luta pela liberdade de expressão precisa restringir a própria para não perder a razão.” Decisão tomada sem volta. O caso repercutiu em diversas outras publicações do jornalismo brasileiro. Em vão, a repórter Carolina Rocha chegou a se manifestar publicamente sobre o caso em seu blog e por e-mail enviado à ombudsman da Folha, Suzana Singer, conforme aponta reportagem do Observatório da Imprensa em 05/04/2011. “Você não acha hipocrisia o jornal negar - ou censurar comentário sobre o tema - que depois da notícia errada sobre a morte do Tuma, os cuidados foram redobrados? Nada mais natural. Mais hipocrisia ainda é um jornal que zela tanto pela liberdade de expressão, que diz não admitir qualquer tipo de censura, praticar a mesma censura contra seus funcionários. Me lembro que o manual de redação diz alguma coisa como ‘somos abertos a críticas’. Sério? Não conheço ninguém que tenha criticado a Folha e não tenha sofrido represália”. Ao saber das demissões, prontamente o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) disparou comunicado público sobre o caso. O texto ressaltava: “É uma atitude autoritária que não coaduna com o discurso de uma empresa que diz defender a liberdade de imprensa e de expressão.”

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3. DILEMAS E CONFLITOS ÉTICOS EM QUESTÃO

A liberdade de expressão talvez seja o ponto de reflexão mais importante nesta discussão. Ainda que isso ocorresse em tempos atuais – e já se passaram três anos – a análise recairia sobre a livre manifestação de ideias e, muito provavelmente, causaria a mesma comoção e repúdio da classe jornalística por conta dos conflitos éticos que poderiam ser interpretados como paradoxais. E esse tema se acentua especialmente com as transformações da percepção do conceito de privacidade provocadas pela utilização em massa da internet e das novas tecnologias digitais. Aliás, vale lembrar que a livre manifestação do pensamento e o jornalismo se entrelaçam ao longo da história, como bem lembra Jorge Pedro Sousa em “Pesquisa em jornalismo: O desbravamento do campo entre o século XVII e o século XIX”. O texto apresenta o ponto de encontro. “A crítica à imprensa nasceu com as discussões sobre a liberdade de imprensa e os seus eventuais limites. Ao discorrer-se sobre os limites da liberdade de imprensa chegou-se à discussão sobre a ética jornalística.” (SOUSA, p.7) Por isso, a proposta é analisar algumas problemáticas proporcionadas pela adoção em massa de mídias sociais pelos jornalistas e seus possíveis efeitos no campo profissional. É preciso observar até que ponto é possível separar o pessoal do profissional no ambiente virtual e se há regras ou boas práticas que precisam ser levadas ao pé da letra. Até que ponto pode um veículo, um empregador, determinar os limites de expressão de um colaborador em canais pessoais e não profissionais? Até que ponto um jornalista profissional, empregado por um grande veículo de comunicação, pode ter suas opiniões próprias sem ferir ou ter essas críticas diretamente associadas ao seu contratante? O objetivo é explorar os limites éticos entre o público e o privado e, enfim, identificar se a atitude do veículo foi a mais adequada ou se este caso poderia ser contornado de outra forma, considerando práticas, padrões, princípios, códigos de conduta criados e desenvolvidos a partir da nova lógica digital.

3.1. Análise da conjuntura

O jornalismo vem se adaptando aos contextos sociais e utilizando a tecnologia para fazer isso, seja para o bem dos negócios ou seja simplesmente por necessidade de sobrevivência em um ambiente em que as barreiras de entrada caíram por terra, no qual os

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receptores de informação se tornam produtores e que o modelo comercial de negócio da grande imprensa foi colocado em xeque - bem como a credibilidade e a idoneidade de seus interesses particulares. A velocidade com que novos meios surgem e precisam ser incorporados às práticas jornalísticas, entretanto, exigem uma ponderação mais ampla, não somente em relação ao processo de produção e distribuição da notícia, mas a um estudo que considere, além do tecnológico, aspectos culturais, sociais, políticos e éticos. Assim como as empresas, que encontraram um universo completamente desconhecido de contato direto com seus públicos, os jornalistas, participantes diretos deste novo contexto de comunicação, encontram-se pela primeira vez, a partir das mídias sociais, diante de uma aproximação real com o público, algo extremamente novo também para eles. Singular para quem lidava sempre com diversos outros processos mediadores da interlocução. Em uma primeira observação pode-se afirmar que trata-se de um cenário de tensão. Tanto veículos quanto jornalistas ainda estão aprendendo a lidar com essa queda do muro que separava o emissor do receptor, as barreiras do meio, o canal de retorno. O acadêmico, pesquisador e autor de livros e artigos sobre o impacto da tecnologia no jornalismo, na mídia e na sociedade John Pavlik, descreve esse cenário. En primer lugar, el carácter del contenido de las noticias está cambiando inexorablemente como consecuencia de las tecnologías de los nuevos médios que están surgiendo. En segundo lugar, en la era digital se reorganiza el modo en que ejercen su trabajo los periodistas. En tercer lugar, la estructura de la redacción y de la industria informativa sufre una transformación radical. Y, por Jornalismo e ética no século XXI 21 último, los nuevos medios están provocando una redefinición de las relaciones entre las empresas informativas, los periodistas y sus diversos destinatarios, que comprenden a audiencia, fuentes, competidores, publicitarios y gobiernos. (2005, p. 16-17).

Esta adaptação ainda parece lenta e dolorosa para os dois lados. Veículos e grandes conglomerados de mídia sofrem com essa dinâmica em que o poder de comunicação está dissipado e não mais concentrado, trazendo consequências sérias do ponto de vista de modelo de negócios, de credibilidade, de veracidade e até mesmo de interesses políticos. Já para o profissional jornalista, a linha tênue entre o privado e público torna-se ainda menos transparente e mais sensível. O ambiente nebuloso provoca situações por vezes incômodas, mas estimula e reaquece uma discussão mais transparente sobre os princípios da liberdade de expressão. Na prática, a primeira reação dos grandes meios de comunicação em relação às novas tecnologias e, em especial, às mídias sociais, foi restritiva. Exemplo clássico desse padrão

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aconteceu com o maior grupo do Brasil: as Organizações Globo. Em abril do ano passado, um comunicado oficial circulou entre os funcionários da companhia proibindo a divulgação de links de matérias de seus canais proprietários – como as diversas publicações da Editora Globo, o Jornal O Globo e o portal G1 – no Facebook. A justificativa é que plataformas de mídias sociais estariam desviando a atenção do público e, por consequência, reduzindo a audiência dos canais da empresa, isto é, os usuários viam a chamada nas redes sociais, mas não clicavam no link para serem direcionados para os portais e sites das Organizações Globo. Somente em janeiro de 2014 a política foi revista e os perfis das mídias sociais das publicações da empresa voltaram a receber os links de direcionamento. Hoje, entretanto, é muito raro encontrar veículos de comunicação que não façam bom proveito das mídias sociais. O Buzzfeed, a vedete do chamado “novo jornalismo”, pode comprovar esta teoria quando o tráfego gerado em seu portal, a partir de mídias sociais, é maior que o de busca orgânica na internet, conforme relatório divulgado por eles intitulado How Technology Is Changing Media (Como a tecnologia está modificando a mídia). O levantamento mostra que os canais sociais representam cinco vezes mais geração de tráfego para o veículo do que as ferramentas de busca da internet. Houve também um grande esforço das próprias plataformas sociais em desenvolver formas de atração e oferecer ferramentas para os jornalistas e para o jornalismo. Criada pelo Facebook – a maior mídia social do mundo em volume de usuários e tempo de navegação – ainda em 2011, a página Facebook and Journalists, por exemplo, pretende estimular a presença constante dos profissionais na plataforma, separando os perfis, sem a necessidade de expor a vida pessoal. Entre os recursos apresentados, a página não limita o perfil a cinco mil amigos, como é o padrão, e acesso ao Insights, que entrega dados de audiência do perfil. Também iniciativa da rede social criada por Mark Zuckerberg é a oferta de uma ferramenta que publica, em tempo real, conteúdo relacionado às notícias do dia. Intitulado FB Newswires e lançado em abril de 2014, permite que jornalistas e redações encontrem, compartilhem e incorporem em outras plataformas conteúdos do Facebook nos meios de comunicação em que trabalham. Na prática, a integração entre mídia convencional e social vem acontecendo, queiram os profissionais de comunicação ou não, queriam os veículos tradicionais da imprensa ou não. E neste contexto, donos de veículos, jornalista e audiência adotaram as plataformas sociais como ferramentas dinâmicas de construção de relacionamentos, com fins profissionais ou

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apenas de entretenimento. É raro hoje, por exemplo, encontrar um veículo noticioso de grande ou médio porte que não ofereça botões que permitem ao público leitor compartilhar, reproduzir as informações em diversas mídias sociais. E há dados que mostram que a integração entre as plataformas é cada vez mais real. De acordo com uma pesquisa realizada pelo IBOPE Media, em 2014, 16 milhões de brasileiros acessam a Internet enquanto estão na frente da televisão. Os dados mostraram que 38% de consumidores fazem comentários nas mídias sociais enquanto assistem programas na televisão. Isso representa um aumento absoluto de 136% em relação a 2012, quando o pesquisador divulgou a primeira pesquisa sobre o tema. Estudo realizado pela Ipsos MediaCT sob encomenda do Facebook, também no ano passado, apontava que 57% dos brasileiros usam o a plataforma de Zuckerberg enquanto assistem TV. Durante o horário nobre, considerado entre 20 e 0h pelo levantamento, o índice cresce: oito em cada dez brasileiros usam a rede social enquanto estão vendo TV, isto é, a atividade é realizada por 81% dos telespectadores. Além do Brasil, telespectadores na Argentina, Chile, Colômbia e México. E os jornalistas também passaram a se envolver diretamente com plataformas sociais. Defasada – já que tivemos mudanças significativas nos últimos dois anos – mas ainda válida, uma pesquisa realizada em 2012 pela PR Oriella Network apontava que muitos jornalistas brasileiros utilizavam mídias sociais como fontes de informação, mais até do que as assessorias de imprensa. Cerca de 66,67% dos entrevistados disseram utilizar o Twitter como fonte de informação. Os outros 40% disseram usar o Facebook. Outro levantamento, do mesmo ano, feito pela Article19 em cooperação com a Unesco e Portal Imprensa, revelou que 79% das empresas para as quais os jornalistas entrevistados trabalhavam não dispunham de alguma orientação sobre o uso de redes sociais por funcionários e prestadores de serviço. Fato é que trata-se de uma composição, em princípio, sem volta. Ainda mais se contarmos uma geração considerada nativa digital – já cresceu e se desenvolveu utilizando plataformas e ferramentas digitais – que já começa a atuar profissionalmente nas redações. Isso modifica a forma como lidamos com as mídias. Todas elas, não só as tradicionais e muito menos as digitais. É bastante emblemática a ponderação de Mark Washaw, que escreveu, produziu e dirigiu seriados e conteúdo digital em diferentes plataformas de mídia para a Warner Bros, CW, NBC, Elle Magazine e Hulu, entre outros projetos. Ela dita um pouco deste novo ritmo do processo da interação a partir de novos meios.

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As velhas mídias não morreram. Nossa relação com elas é que morreu. (WASHAW, Mark, em “Cultura da Convergência”, de JENKINS, Henry. 2009)

O que se abre com esse novo contexto constituído por múltiplas plataformas, entretanto, é um abismo nos conceitos e definições sobre a separação entre o pessoal e o profissional no que diz respeito ao jornalista, algo que provoca discussões aprofundadas e ainda sem respostas sobre em que momento ele está usando pessoal ou profissionalmente seus canais digitais, qual sua influência enquanto jornalista profissional para atrair público e audiência para seus canais particulares. Mas até que ponto os veículos, reticentes a modelos considerados concorrentes de atenção de público, sofrendo impacto direto destas novas plataformas digitais, atuando por modelos alternativos de contratação de profissionais, têm o direito ou a abertura para determinar o que seus profissionais podem ou não opinar em canais sobre os quais eles (veículos) não possuem controle? Como definir o limite ético e de convenções sociais que o profissional jornalista contratado precisa seguir quando não está exercendo sua atividade? Por outro lado, ao saber das regras de forma clara e objetiva, pode o profissional jornalista opinar sobre o que quiser, quando quiser, na plataforma em que desejar sobre os mais variados temas sem considerar que ele, em muitos momentos e casos, mesmo em seus canais pessoais, é reconhecido como um funcionário de determinado veículo? Trata-se de um tema bastante delicado ao considerarmos o fato de afetar diretamente aspectos de liberdade de expressão. E não se pode dissociar esta discussão da visão de espaço público e privado. Apesar do caso das demissões de Alec Duarte e Carolina Rocha ser o centro do estudo, não se trata de um fato isolado. Há outras diversas histórias semelhantes como a que aconteceu com o editor da National Geographic, Felipe Milanez, que criticou uma reportagem da revista Veja, da Editora Abril, o fotógrafo Thiago Vieira, do jornal Agora, por fazer piada com a torcida do Palmeiras, além de Flávio Gomes, história posterior a dos jornalistas do Grupo Folha, que atuava na ESPN e foi demitido após críticas e insultos em sua conta no Twitter a torcedores do Grêmio. Se olharmos para a postura dos veículos no exterior, a situação não é muito diferente, conforme relata reportagem de Maira Magro publicada no Knight Center: “[...]o exigente editor-chefe da Bloomberg News, Matt Winkler, enviou uma nota à redação com uma lista de "tweets" inadequados de seus repórteres durante a cobertura de uma audiência no Congresso sobre a crise financeira, diz o site Talking Biz News. Segundo o editor, comentários "opinativos e imprecisos" dos repórteres haviam comprometido a integridade da Bloomberg. Contratempos também foram relatados pelo jornalista americano Andrew Romano, na edição online da Newsweek. A revista pautou o repórter para fazer um perfil no

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Twitter da controversa deputada federal republicana Michele Bachmann, para depois publicar uma versão comentada da experiência na edição impressa da revista. Bastaram alguns tweets irônicos para que a deputada cancelasse a entrevista. O resultado: a matéria caiu.” (MAGRO, Maira. n. p.)

Ao passo em que facilitam a liberdade de expressão – quando permitem que indivíduos conectados à internet apresentem ideias de forma exponencial por meio de plataformas sociais, portanto distribuídas – há uma alteração significativa na esfera pública. Estes dispositivos tornaram a fronteira entre o público e o privado, o pessoal e o profissional ainda mais complexa de ser compreendida.

3.2. Reflexão sobre os conflitos

O referencial teórico em relação a estas indagações especificamente aplicadas aos jornalistas é bastante limitado. Ora encontra-se material sobre ética da disciplina e da produção de informação, ora o campo de estudo está delimitado na liberdade de expressão do homem ou de sua posição diante do público e do privado e não do profissional em questão. É inegável que a configuração atual do jornalismo moderno está diretamente atrelado às transformações motivadas pela evolução do capitalismo no que diz respeito à política, à economia e ao social. A partir do momento em que os veículos deixam de ser replicadores de informações politizantes para se transformarem em imprensa comercial, a esfera pública fica desconfigurada. O modelo calcado na publicidade de informação acabou por acentuar o caráter rentável, mercantil dos meios de comunicação de massa. Nesse contexto: [...] o jornal acaba entrando numa situação em que ele evolui para um empreendimento capitalista, caindo no campo de interesses estranhos à empresa jornalística e que procuram influenciá-la. Desde que a venda da parte redacional está em correlação com a venda da parte dos anúncios, a imprensa, que até então fora instituição de pessoas privadas enquanto público, torna-se instituição de determinados membros do público enquanto pessoas privadas, ou seja, pórtico de entrada de privilegiados interesses privados na esfera pública. (HABERMAS, 1984, p.217).

Este inovador modelo de produção e distribuição comercial da informação cria um novo papel para o jornalista. Ele tem como missão informar a sociedade. Em contrapartida, precisa seguir alguns preceitos de uma organização jornalística com interesses de lucro e muito dependente de seus anunciantes – que podem e exercem influência política no teor e no conteúdo divulgados. Essa dinâmica cria grande ambiguidade do fazer jornalismo. “Embora sempre o tenha defendido como o profissional produtor das formas de conhecimento ligadas à informação pública da realidade que são consideradas

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socialmente relevantes para viver nas actuais sociedades “estruturalmente complexas” e “democráticas”, este autor considera agora que o papel desempenhado pelo jornalista é o de ser simultaneamente “funcionário da humanidade e funcionário de uma indústria regida por um processo de produção, distribuição e consumo, respectivamente caracterizados por regras e procedimentos industriais, em série e regulados pelo mercado.” (Rita Lopes Apud. José Luís Garcia, “Legitimidade, poder e interpermutação”, op. cit., p.367)

E a introdução de novas ferramentas de comunicação - não só no processo jornalístico, mas que torna qualquer indivíduo produtor de informação -, forçou muitas companhias de mídia de massa a criar seus próprios códigos de conduta para lidar com essas celeumas. Grandes grupos de comunicação ao redor do mundo já dispõem de suas cartilhas que determinam políticas de uso de mídias sociais. Algumas, inclusive, apresentam publicamente seus preceitos, como BBC, Washington Post e Thomson Reuters, apenas para ficar em três casos de veículos renomados e consagrados internacionalmente. São documentos que, via de regra, têm como principal argumento minimizar possíveis conflitos – inclusive éticos – entre o veículo e os profissionais que para ele trabalham. A crítica do mercado, entretanto, recai sobre uma falta de padronização ou embasamento legal que possa regular todo o segmento. Os valores e convenções sociais são impostos à revelia dos profissionais produtores e organizadores das informações, gerando um ambiente de tensão. Janara Nicoletti propôs, em sua dissertação de mestrado para a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), analisar a normatização do uso de redes sociais por jornalistas. Para tanto, avaliou 34 documentos – dividindo-os por políticas (que se referem a códigos deontológicos instituídos pelas empresas jornalísticas) e netiquetas (conjuntos de recomendações encaminhadas por e-mails aos colaboradores para evitar situações hostis). Na avaliação ela argumenta que: “A partir da avaliação destes aspectos foram identificadas as possíveis interferências destas políticas sobre o uso privado dos jornalistas nestes canais. Dentre os documentos analisados observou-se um evidente excesso de controle sobre as atividades individuais e desvinculadas da empresa exercidas pelos jornalistas nestas mídias. Toda e qualquer ação pode ser interpretada como prática profissional, passível de advertências, punições e demissões. Situação que se reflete em um tipo de autocensura por parte dos próprios jornalistas. Para evitar retaliações e constrangimentos por comentários considerados indevidos, muitos profissionais deixam de se expressar em seus perfis pessoais de redes sociais. Eles preferem não expor suas opiniões, para proteger sua imagem enquanto jornalista e funcionário de determinada organização.” (NICOLETTI, 2012, páginas 22 e 23)

Exemplo disso foi a atitude de Raju Narisetti, um dos principais editores do Washington Post que, em 2009, assim que publicado o manual de conduta do veículo,

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cancelou sua conta no Twitter. Soma-se a este cenário um ambiente de crise financeira enfrentada pela mídia de forma geral, que ao longo dos últimos anos vem trabalhando com profissionais menos qualificados com vistas para remunerações menores e realizando uma série de demissões, deixando as redações enxutas. Frente a este quadro, os jornalistas também se sentem acuados por estes modelos de política e, com receio de perderem seus empregos, acabam limitando suas atuações em plataformas de mídias sociais Apesar do modelo de apresentação de um código ou manual de conduta ter se disseminado entre os grandes meios de comunicação, as perguntas sobre a validade legal – até mesmo moral - desse tipo de postura continuam de pé e sem respostas objetivas. Não há um indício de que esse tipo de conflito se resolva em curto ou mesmo médio espaço de tempo, até porque, mesmo com a evolução exponencial das plataformas digitais, ainda não existe teoria ou estudos que ratifiquem conclusões sobre as mudanças culturais, políticas e sociais produzidas por essas ferramentas tecnológicas. A ausência de um marco regulatório que possa mediar este tipo de divergência entre a esfera patronal e proletária dentro do universo de mídia pode causar limitações à liberdade de expressão e à própria imprensa, ferindo não somente o Código de Ética dos Jornalistas, mas também a Constituição Brasileira e, em sua amplitude, direitos universais do homem conquistados e consolidados ao longo de séculos. Apesar de não ser de conhecimento público se algum destes profissionais punidos pelos seus empregadores da área de mídia incorreram em processos judiciais, as diferenças que esbarram na liberdade de opinião acabam sendo tratadas pelo Código Civil ou legislações já vigentes. E, nos últimos anos, as decisões têm ocorrido de forma favorável aos empregadores. Ao analisarmos o âmbito legal, via de regra, a Justiça tem favorecido os empregadores em casos de demissões causadas por comentários, atividades ou opiniões em redes sociais. Em caso recente de junho do ano passado, por exemplo, a Justiça do Trabalho de São Paulo ratificou a decisão de uma concessionária localizada no interior do Estado a demitir, por justa causa, um funcionário porque ele “curtiu” no Facebook conteúdos de ex-colegas de trabalho que ofendiam a empresa e a sócia da companhia. Em outro caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª confirmou a demissão por justa causa de um funcionário de uma empresa da área de Telecomunicações que divulgou no Facebook ofensas contra superiores e empregadora.

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Já o Tribunal Superior do Trabalho foi responsável por cuidar do caso de uma enfermeira que foi demitida de um hospital em Olinda (PE), depois de publicar no Orkut fotos da equipe trabalhando na Unidade de Terapia Intensiva. Apesar de alegar que havia sido discriminada porque não tinha sido a única a agir dessa maneira e expor o trabalho, queria evitar a justa causa e solicitava indenização por dano moral. O órgão negou o pedido. Este novo tipo de intercorrência forçou uma postura de recuo para as empresas. Na ânsia de se resguardar, muitas companhias passaram a bloquear a utilização de mídias sociais durante o horário de trabalho e a partir de infraestrutura oferecida pelas companhias. Na prática, com o avanço da mobilidade e crescimento da adoção de smartphones e planos de dados de operadoras de telefonia celular, isso torna-se uma falácia. Com estes recursos em mãos, o indivíduo pode ficar conectado e utilizar as plataformas quando bem desejar. Ainda não é possível traçar um fim objetivamente para este dilema ético que perpassa pela Constituição, por princípios morais, por direitos humanos. Mas vale exercitar alguns possíveis caminhos que amenizem ou permitam que este tipo de situação gere menos conflito social e ético.

4. DIRECIONAMENTO PARA A PROBLEMÁTICA

O primeiro ponto de conflito no caso das demissões de Alec Duarte e Carolina Rocha recai sobre a postura do Grupo Folha, cunhada como censura à liberdade de expressão. A decisão foi sumária. No processo de dispensa não se fez presente o direito à defesa ou sequer uma abertura para o diálogo, algo essencial para o exercício da democracia, ainda mais em um veículo de comunicação que sempre se vangloriou de combater o cerceamento da informação. Para quem tem um histórico de luta contra a censura – isto é, a imprensa – a ação do Grupo Folha pode ser considerada arbitrária no sentido de obter um controle ideológico. A empresa foi imparcial, considerando apenas os seus interesse lançados à mesa, deixando de lado a liberdade de opinião e ideias dos jornalistas que, antes de qualquer outra definição profissional, são cidadãos. Ainda que os profissionais empregados estivessem cientes das normas e regras impostas pelo empregador, seria de suma importância considerar um direito à contraargumentação que permitisse aos dois jornalistas refletir sobre o que fizeram e compreender com mais profundidade não só a política determinada pela empresa, mas também a dinâmica de funcionamento de plataformas de mídias sociais nesse novo contexto da comunicação.

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A ombudsman, com o código de conduta “embaixo do braço”, limitou-se a expor e ressaltar apenas alguns pontos específicos do documento sem necessariamente se aprofundar nas consequências impostas pelo manual aos profissionais prestadores de serviço. Isso deixa lacunas interpretativas inclusive para aqueles que continuaram e continuam trabalhando para a companhia. O ato parece ter sido definido como algo que pudesse gerar também um alerta para os demais profissionais da organização, um recado para que tivessem mais cuidado, para que compreendessem a dimensão e as consequências de possíveis atos falhos. Neste caso, o chamamento dos profissionais para uma conversa franca e até mesmo para a discussão sobre o avanço ou consolidação da política interna da companhia em relação à utilização de mídias sociais por parte do corpo de colaboradores poderia minimizar o impacto negativo da atitude e passar o recado aos demais colegas de profissão. Uma advertência, com evidências e acentuação dos princípios do manual de conduta, talvez fosse suficiente para expor o lado negativo que a iniciativa de Alec Duarte e Carolina Rocha poderiam provocar para a imagem e reputação do Grupo Folha. Ao contrário, a demissão apenas ressaltou um caráter impositivo – tratado por profissionais e entidades como censor e ditatorial – por parte da companhia. Outra questão de extrema relevância para este debate está relacionada à intimidade. A publicização do privado vem ganhando corpo com o avanço da conectividade. Podemos recorrer a SCHITTINE (2004), uma das principais referências sobre a questão da produção de relatos íntimos na internet, com diversas análises principalmente sobre blogs. Ela trata da questão da vaidade do homem de ser percebido em um contexto social, aborda itens que remetem à solidão motivadora do exibicionismo, do desejo da obtenção de visibilidade diante dos pares e, em especial, sobre a possibilidade do indivíduo se expressar com liberdade diante do público. A autora também ressalta a importância do suporte – as plataformas tecnológicas e sociais, no caso específico do autor, os blogs – para a realização dessas vontades: “O computador permite ao autor do escrito íntimo realizar um desejo que jamais poderia ter sido realizado através de outro meio de comunicação: o de se expor sem se identificar. A opinião do outro, tão importante para quem escreve, pode ser conhecida sem que o autor precise ter um contato direto com o leitor. Desta forma, os sentimentos pessoais íntimos, podem ser também encontrados em outras pessoas, justamente aqueles 'estranhos' a quem o autor tanto teme. [...] É a decisão do diarista de abrir um escrito íntimo para um ou vários leitores que cria uma nova tensão entre os assuntos públicos e privados e, a partir dela uma série de questões irá surgir. (SCHITTINE, 2004, p. 35).

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A popularização desse modelo trouxe profissionalização, amplitude de público, de formatos e de ideias. Fez o segmento retomar a discussão não só no entorno da exposição da intimidade, do anonimato, mas também da construção de personas no ambiente virtual. Ainda coloca na esfera do debate com bastante força os preceitos da liberdade de expressão. Essa reconfiguração do espaço público e da audiência – influenciada por novas plataformas – ainda incerta do ponto de vista social e inconclusa no que tange às teorias, gera um contexto extremamente confuso de informações e princípios éticos. Assim como a interpretação de conceitos e normas seculares preestabelecidos tornam-se vagos e variáveis, há de se considerar também que as doutrinas éticas sejam mutáveis para acompanhar estas transformações do indivíduo, algo extremamente complexo. Os novos meios de comunicação digital, aliás, serão responsáveis por um tema que deve se tornar central nos debates sociais nos próximos anos: a privacidade. E o debate será longo, não só porque considera a visão do indivíduo, mas porque pode alterar a dinâmica de negócios no mundo inteiro. Em caso recente, por exemplo, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) definiu que os internautas têm direito de exigir legalmente que a empresa Google – o maior e mais utilizado dispositivo de buscas da internet no mundo – apague dos resultados de busca seus nomes ou informações relativas a eles. E essa decisão pode influenciar sobremaneira a dinâmica de funcionamento e faturamento da companhia. Referência sobre esse assunto é o documentário “Sujeito a termos e condições” (“Terms and conditions may apply”), de Cullen Hoback. O vídeo indica as armadilhas em termos de privacidade de dados implícitas em contratos de utilização dessas novas plataformas tecnológicas como Google, Facebook, entre outras. Outro aspecto menos relevante, mas ainda parte desse debate e que permite uma reflexão profunda sobre a profissão, é a análise da essência da prática rotineira do jornalismo. Nada impede que a atuação de um jornalista profissional não passe de uma representação, de uma leitura social a partir das características pessoais, experiências, conceitos éticos e morais de quem relata um fato. O jornalista não está isento de transmitir um episódio seguindo preceitos e premissas próprias, individuais e que, em determinados momentos, pode ser conflitante com as convenções sociais estabelecidas, ainda que o resultado seja algo sutil e não extrapole as normas de convivência em sociedade. Aliás, isso é praticamente impossível porque está diretamente ligado à construção da personalidade humana. “Quando o jornalista realiza a representação de uma representação ele está muito aquém da questão dos ditos pilares – verdade, justiça e ética. Porque nunca conseguirá uma representação “pura”. Sempre será reproduzindo visões de outrem –

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sem contar a presença de todos os outros que formaram a sua própria visão de mundo. Pode reproduzir, muitas vezes sem o saber, uma representação nem verdadeira, nem justa, nem ética. Nem no momento em que é testemunha ocular de um fato, um assassinato, por exemplo, ele estará sozinho com sua representação. Mormente porque o jornalismo não se dará apenas com a publicação de seu testemunho na primeira pessoa – e esse testemunho também vem carregado das representações que o formaram como ser humano e como técnico em jornalismo. O jornalismo não se fará sem as outras representações que propiciarão informações sobre o assassinato: o que diz a autoridade policial, a família da vítima, o agressor, o advogado do agressor, as outras eventuais testemunhas...” (COSTA, Caio Tulio, p. 46)

O autor é enfático ao lembrar que as representações são reflexos de outras representações, sempre haverá, na prática do jornalismo, a visão do outrem. E, mesmo que calcada em depoimentos de alguém que viu um fato, ainda assim este depoimento estará repleto de uma ideia própria, particular de concepção do mundo. E o meio de transmitir essa informação sempre enviesada é o veículo de comunicação, o grupo de mídia que emprega o jornalista, estimula essa produção e, por fim, sobrevive dia a dia dessa representação nem sempre tão justa, verdadeira e ética.

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