O LIVRE ARBÍTRIO: ENTRE A LIBERDADE E A RESPONSABILIDADE

Share Embed


Descrição do Produto

O LIVRE ARBÍTRIO: ENTRE A LIBERDADE E A RESPONSABILIDADE Ananias Epifânio de Oliveira

RESUMO Este artigo procura apresentar em linhas gerais o tema do livre arbítrio, mostrando quais são as principais correntes de pensamento sobre o tema, dando ênfase aos temas da responsabilidade e da liberdade. Também apresentaremos uma breve discussão sobre a contribuição de Jean-Paul Sartre sobre o tema.

Palavras-chave: livre arbítrio, responsabilidade, liberdade, determinismo, libertismo, compatibilismo.

RESUME This article attempts to outline the topic of free will, showing which are the main schools of thought on the subject, emphasizing the theme of responsibility and freedom. Also we present a brief discussion of the contribution of Jean-Paul Sartre on the subject.

Key words: free will, responsability, freedom, determinism, libertism, compatibilism.

1

1) INTRODUÇÃO O tema do livre arbítrio é um dos mais complicados da filosofia. Sabemos que adentrar em tal tema é entrar em um terreno cheio de discussões, muitas vezes contraditórias. Há teses completamente opostas entre si, há os que defendem que temos livre arbítrio, pois não há nada que determine nossas escolhas e os que acreditam que nossas escolhas são pré-determinadas, e há também os que procuram harmonizar as duas concepções. Independente da posição que tomarmos, sabemos que há objeções fortes em relação a elas e é o que iremos fazer no presente artigo, mostrar em linhas gerais quais são as posições mais relevantes em relação ao tema e o que elas têm a contribuir para que pensemos a liberdade e a responsabilidade. Entendemos também que Jean-Paul Sartre (1905 – 1980), filósofo existencialista, tem muito a contribuir para nossa discussão, então discutiremos algumas das suas ideias referentes ao tema aqui exposto, utilizando para isso o livro O Existencialismo é um Humanismo (1946), pois é um trabalho importante, onde o autor discutirá claramente sua posição sobre a liberdade e a responsabilidade. Pensamos que, por se tratar de um tema muito discutido, apontar uma saída definitiva não é a melhor solução, pois como diz Thomas Rachels, “... quem arrisque dar uma opinião a seu respeito deve estar devidamente consciente da possibilidade de estar enganado.” (P. 203) Mas pensamos também que adentrar em tal tema nos ajuda a entender melhor nossa própria natureza humana e o que está por trás de nossas ações.

2) A posição determinista O Determinismo é uma corrente que nega a ideia de que temos livre arbítrio, argumentando que tudo o que fazemos é causado por forças que não podemos controlar. A ideia não é a de que podemos conhecer todas as circunstâncias que antecedem nossas escolhas para assim prever o que acontecerá, e sim que há algo

2

em nós que faz com que escolhamos algo e excluamos outra coisa. Para eles, há leis como as que regem o universo, que determinam as nossas escolhas. Durante muito tempo houve uma tentativa de explicar tudo através da ótica racional, da visão científica, inclusive os aspectos morais, desde Aristóteles, passando por Kant, vemos uma tentativa de analisar nosso comportamento através da razão, inclusive o agir deve ser determinado pelo que a reta razão manda, havia também uma crença de que era possível descobrir as leis que regem o universo. A razão era então, a reguladora tanto das ciências naturais quanto dos nossos comportamentos, pois só ela poderia nos oferecer o suporte necessário para o agir bem. Hoje nem o pensamento científico trabalha mais com exatidão (o certo ditado pela razão), e sim com probabilidade, então tentar encaixar nossas escolhas dentro das leis científicas é bem mais complicado. Parece que percebemos facilmente a dificuldade de sustentar a tese determinista, pois parece, empiricamente, que não há nada que determine nossas escolhas, parece que cabe somente a nós mesmos escolher, que não há nada que determine nossas ações, mas será isso correto? É o que iremos debater. Uma coisa fica ainda em aberto quando assumimos o Determinismo: em que medida somos responsáveis pelas nossas ações se elas já estavam determinadas? Como condenar um assassino por ter matado alguém se já estava determinado que assim ele o faria? Parece que não há como condenar o assassino, então, essa seria uma consequência desagradável do Determinismo, pois implicaria problemas muito sérios, então, resta-nos procurar solução em outras teorias.

3) O Libertismo O Libertismo afirma que pelo menos algumas das nossas ações são livres porque não estão determinadas. As leis causais determinam o que irá acontecer, mas nem todas as decisões humanas podem ser determinadas. Pelo argumento da experiência sabemos que somos livres, pois assim o percebemos a cada escolha que fazemos, mas como saber somente pela experiência se nossas ações são 3

livres? Como ter a certeza de que essa sensação de liberdade não é uma ilusão da nossa mente? Analisando o tema da responsabilidade, não há como não vermos as outras pessoas como autoras das suas ações. Censuramos e elogiamos as pessoas pelas suas condutas, e se somos totalmente livres para agir, se não há nada que determine nossas ações, como podemos continuar a agir assim? Na vida cotidiana expressamos juízos de valor em relação à conduta das outras pessoas e de nós mesmos, e de onde vêm tais juízos? Se não há nada que determine nossas ações, não há nada que faça com que tenhamos tais juízos, o problema é que fazemos tais juízos, e eles devem sair de algum lugar. Devemos outra vez buscar a solução em outro lugar.

4) O Compatibilismo Segundo o Compatibilismo, uma ação pode ser ao mesmo tempo determinada e livre, e mesmo que isso pareça uma contradição, segundo alguns estudiosos, é perfeitamente ajustável. Segundo tal teoria, algumas ações são obviamente livres, como entregar a carteira a um assaltante que nos apontou uma arma, e outras que não são determinadas, como doar dinheiro a alguma organização beneficente, porque assim o decidimos. Então uma ação livre seria aquela em que nossa escolha está baseada nos nossos próprios desejos, sem que alguém nos diga o que fazer, já a ação determinada seria aquela em que alguém nos coagiu a fazê-la. Livre, no caso, seria uma ação isenta de coação. Há um problema em relação ao Compatibilismo, pois afirma somos livres quando nossas ações não são coagidas, como doar dinheiro para ajudar alguma instituição, mas como ter certeza se nosso desejo de ajudar alguém não é determinado por algo? Parece haver certos desejos que são causados por forças que não controlamos. Esse fato coloca em xeque nossa sensação de liberdade, mas parece não ter tantas consequências em relação a nossa responsabilidade, pois sendo livres ou não, podemos ser responsáveis pelas nossas ações, pois cabe a 4

nós decidir doar ou não, mas o problema da responsabilidade aqui não é tão grande, e sim o da liberdade. 5) A questão da responsabilidade Ser

responsável

por

algo

significa

que

podemos

arcar

com

as

consequências das nossas ações, e vimos que as teorias que estudamos não respondem adequadamente a essa questão, pois se temos livre arbítrio, como diz o Libertismo, não há nada que determine o que fazemos, e não há como uma pessoa ser responsável pelos nossos atos, se somos determinados, não há de novo, como atribuir responsabilidade a alguém, pois a situação já estava determinada. E como saímos dessa situação? Responsabilizamos as pessoas por suas condutas, e temos juízos de valor até mesmos sobre nós mesmos, e de onde vêm tais juízos? Analisemos o que JeanPaul Sartre tem a acrescentar sobre o tema aqui exposto.

6) Sartre: Liberdade e Responsabilidade O livro O Existencialismo é um Humanismo é parte de uma conferência dada por Sartre em Paris no dia 29 de outubro de 1945. É uma tentativa do autor de defender o Existencialismo dos ataques que vinha sofrendo. Alguns diziam que levava as pessoas ao quietismo, outros, os católicos diziam que tal filosofia apenas colocava em relevo o lado negativo da vida. Aqui iremos analisar somente os aspectos relevantes ao nosso tema. Sartre acredita que não há uma natureza humana a priori, somos aquilo que escolhemos ser, e se escolhemos o que somos, somos totalmente responsáveis pelas nossas ações e escolhas, pois a “existência precede a essência” (P. 19) , e isso tem sérias consequências para nosso estudo. Segundo Sartre, “o homem existe primeiro, se encontra, surge no mundo, e se define em seguida” (P. 19). Então, o que Sartre está dizendo é que não há natureza humana a priori, há uma necessidade de sempre escolher, não há homem sem escolha, e inclusive não escolher já é uma espécie de escolha. Se não há nada a priori, há que se criar o vir a ser. 5

Concluímos que, para Sartre, há total liberdade, pois nada determina as ações humanas, e somos responsáveis pelo que escolhemos. Analisemos melhor sua noção de responsabilidade. Sartre nos diz que quando o homem escolhe, não escolhe somente a si mesmo, mas a humanidade, “sou responsável por mim e por todos e crio uma determinada imagem do homem que escolho ser; ao escolher a mim, estou escolhendo o homem.” (P. 21) Então, a questão da responsabilidade está no cerne do pensamento sartreano, pois, se ao escolhermos, criamos uma imagem do homem, temos que tomar cuidado pela imagem de homem que crio. Para terminar, reflitamos sobre o que o próprio Sartre diz: o homem está condenado a ser livre. Condenado, pois ele não se criou a si mesmo, e por outro lado, contudo, é livre, já que, uma vez lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. (P. 24)

Cremos, com essas reflexões, ficar clara a posição de Sartre sobre os temas propostos, percebemos que a palavra “escolhas” é importantíssima para entender o que Sartre está defendendo, pois é ela que irá determinar nossas ações e nossa responsabilidade.

7) Conclusão Como foi dito no começo, entrar em tal tema é saber que podemos ser contestados, mas a empreitada vale a pena, e objeções podem ser feitas acerca do pensamento de Sartre. Vimos que com o Libertismo e com o Determinismo temos problemas para definir até que ponto o homem é responsável pelas suas escolhas, pois segundo este, não há como atribuir responsabilidade, pois as circunstâncias estão prédeterminadas, não há livre-arbítrio, e o homem não é livre para fazer suas escolhas. Segundo aquele, pelo fato de nossas ações não sofrerem pré-determinação, não há como saber em que posso me basear para julgar minhas ações, e entramos de novo na dificuldade de atribuirmos responsabilidade pelos nossos atos. 6

Por outro lado, Sartre parece se aproximar do Libertismo na medida em que diz que somos livres para escolher, aliás, a escolha é condição da nossa própria existência, pois é a partir dela que nos definimos como sujeitos, mas ela também leva o homem a uma espécie de angústia, pois não há como viver sem escolher, e escolher requer também arcar com as consequências de tal escolha, fica mais clara, então, a noção de responsabilidade. Tal escolha não leva a um quietismo como o autor foi acusado, pelo contrário, é ela quem impulsiona o homem a determinar o que vai ser, e esse vir a ser será um espelho das próprias escolhas que o homem fez. Então, escolher requer uma responsabilidade grande, pois ela requer também escolher uma imagem de homem que não é dada a priori, mas é válida a partir da escolha que o homem faz. Escolher é, então, validar uma imagem, daí advém nossa noção de responsabilidade. Há questões que não podemos abordar aqui, pois o autor trata em outras obras, e o livro tratado apresenta muito resumidamente suas ideias, sendo o livro O Ser e o Nada muito mais expositivo para quem queira entender a fundo as ideias do autor, mas pensamos ser suficiente o que expomos para entender as questões propostas.

8) Bibliografia NAGEL, Thomas. Uma Breve Introdução à Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. RACHELS, James. Problemas da Filosofia. Lisboa: Gradiva. 2009.

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Petrópolis: Vozes. 2014.

7

8

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.