O luso-tropicalismo e a cooperação militar como instrumentos de política externa.

August 29, 2017 | Autor: Marco Arrifes | Categoria: International Relations, Portuguese Colonialism and Decolonizaton, Colonialism
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O Luso Tropicalismo e a Cooperação Técnico Militar como Instrumentos de Política Externa

Marco Fortunato Arrifes

INTRODUÇÃO 1. Uma Europa que dominara o mundo durante séculos vê-se, concluída a segunda guerra mundial, confrontada com uma nova realidade económica, política e por isso também geoestratégica que a desloca do centro do poder e a fragiliza de facto e simbolicamente, perante os seus domínios coloniais. Já o fim da primeira guerra mundial e a emergência de uma nova ordem, alicerçada na intervenção americana e nos princípios Wilsonianos, introduzira uma série de elementos perturbadores para a manutenção do domínio Imperial europeu. O Presidente Wilson, nos seus “catorze pontos”, estabelece uma nova arquitetura das relações internacionais que não só rompe com o sistema de equilíbrio oitocentista como, em paralelo com a afirmação das ideias de democracia e segurança coletiva, afirma desde logo o princípio da autodeterminação dos povos. Pode-se acreditar que para Wilson a ideia da autodeterminação, na sequência natural do seu pensamento, foi equacionada numa perspetiva integrativa e não desintegrativa, olhando para a europa e pouco para os espaços ultramarinos1, mas não se pode negar que, na prática, contribuiu para propagar pelas elites burguesas coloniais, na esmagadora maioria dos casos de origem europeia, um sentimento autonomista, que se frustrado em 1918 não deixou de se reforçar, implicando um fortalecimento dos programas políticos e das organizações defensoras da autodeterminação2. Assim, em 1945, uma europa enfraquecida, destruída e desmoralizada é incapaz de administrar com proveito as extensas regiões ultramarinas sob seu domínio ao mesmo tempo que vê crescer os sentimentos autonomistas, nacionalistas, pan-arabistas e depois o próprio internacionalismo marxista,

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A propósito do conceito de auto determinação para Wilson ver: Trygvet Th ro n t v e i t, The Fable of the Fourteen Points: Woodrow Wilson and National Self-Determination, Diplomatic History, 445-481. 2 Nesta afirmação seguimos o pensamento de Erez Manela, no seu livro The Wilsonian Moment. SelfDetermination and The International Origins of Anticolonial Nationalism, (2007), Nova Iorque, Oxford University Press.

os quais, através de processos e enquadramentos múltiplos, acabarão por, em menos de vinte anos, levar às independências da quase totalidade das colónias, asiáticas primeiro e africanas depois. Este novo mundo bipolar e a sua vertente anti colonial implicam para Portugal um conjunto de novas dificuldades, nomeadamente no que à relação com os espaços ultramarinos diz respeito. Desde finais do século XIX que África assumira um papel fulcral nos discursos dos diversos regimes em Lisboa. Se é certo que esses foram constantemente divergentes com a prática, possível e desejada, também é verdade que ao longo do séc. XX os políticos da 1ª república e do estado novo criaram uma série de mecanismos de inculcação, tendentes a criar uma mitologia nacional justificadora de práticas de apropriação económica predatórias, consubstanciados em justificações simbólicas e históricas, as quais muitas das vezes se colocaram mais ao nível da construção ideológica do que do real. Deste modo o olhar português face aos espaços africanos acaba marcado pela perspetiva daquilo a que Valentim Alexandre já chamou os mitos do Eldorado e da Herança Sagrada (Alexandre,1995, pp. 40,41), ou seja, a visão de que do continente africano poderiam vir riquezas infindáveis e que a manutenção e consolidação do domínio luso sobre Angola e Moçambique eram condições indispensáveis para a sobrevivência da pátria. Assim, à medida que durante a década de cinquenta, contra a vontade mais íntima das potências europeias, os impérios foram desabando à sombra da nova realidade bipolar, da carta das nações unidas e do despontar do terceiro mundo, chamado ao protagonismo dos principais palcos da história após Bandung, Portugal tem de criar instrumentos de relação diplomática que lhe permitam, aproveitando as contradições e as especificidades do contexto, uma defesa dos seus posicionamentos face aos espaços extra europeus. Com este trabalho pretende-se isolar e analisar dois desses instrumentos utilizados pela estratégia diplomática do Estado Novo, no âmbito desta nova realidade: a utilização das teorias do lusotropicalismo como instrumento de política externa e o aparecimento de algumas modalidades de cooperação internacional técnico militar para a defesa dos espaços africanos.

2. Objetivos

Este trabalho tem como objetivo geral caracterizar a utilização das teorias do luso-tropicalismo como instrumento diplomático, e as tentativas de criação de mecanismos de cooperação técnico militar específicos para os territórios africanos. Desde a perda do Brasil que África se foi, paulatinamente, assumindo como um meio do Portugal periférico manter os seus sonhos de regresso a uma centralidade perdida. Assim, é de entendimento fácil que para manter o Império a diplomacia nacional se tenha desdobrado em estratégias diversificadas, com a utilização de múltiplos instrumentos como o recurso à via legalista/processual, a negação do próprio conceito de colonialismo, o discurso de que Portugal era,

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em África, a vanguarda na luta contra a expansão comunista, ou a afirmação da especificidade portuguesa sustentada numa interpretação simplificada do luso tropicalismo. Perante um potencial universo de análise tão abrangente a opção de circunscrever o nosso estudo à utilização do luso tropicalismo como estratégia diplomática e às modalidades de cooperação militar internacional para a defesa de África, resulta da convicção de que estas duas temáticas têm sido pouco exploradas no âmbito da Análise da Política Externa (APE) como subdisciplina das Relações Internacionais. O nosso trabalho está estruturado em duas partes. Na primeira começaremos por apresentar, de forma sintética, as dificuldades que o contexto internacional pós 2ª guerra mundial levantou à prossecução dos objetivos estratégicos portugueses, realçando sobretudo as problemáticas relações com a ONU, à sombra do artigo 73º da carta das Nações Unidas. De seguida caracterizamos o luso-tropicalismo, mostrando as formas da sua receção em Portugal, para provar que, no essencial, esta tese não implica cabalmente com o real histórico da colonização portuguesa e que a sua apropriação foi uma estratégia para justificar ideologicamente, perante a comunidade internacional, as pretensões coloniais de Portugal. Acreditamos que de algum modo nos situamos aqui numa dimensão daquilo a que Joseph Nye,3 desde o final dos anos 80 chama de Soft Power, ou seja a capacidade de um país persuadir os outros a fazerem o que ele deseja sem o recurso à força ou coação. Na segunda parte entramos no domínio do militar. Portugal, membro fundador da NATO, tentou, nos anos cinquenta, fazer vingar a ideia de que a defesa da europa face à ameaça marxista devia começar em África, no sentido de não desproteger o flanco e evitar a penetração do comunismo nas terras africanas de onde ele poderia alastrar para o continente europeu. Deste modo defendia que os recursos NATO poderiam ser utilizados nos espaços africanos. Esta ideia, retomada no período da guerra colonial, nunca foi tida em grande consideração pelos EUA, nem mesmo nessa década em que, por virtude das contingências da guerra fria, foram mais complacentes com as políticas interna e externa salazarista. Aquilo que aqui se pretende mostrar é que a neutralização da NATO, no que aos espaços africanos diz respeito, levou à tentativa de diversificação das alianças militares para a defesa de África, com o intuito de diminuir a dependência tradicional face ao poder britânico o qual se encontra em decadência global e em retirada africana. Estudaremos assim o tratado técnico luso-belga de 1951/52, as conferências de Leopoldville (1955) e de Lagos na Nigéria (1956) e o plano de defesa aérea de Angola e Moçambique com a África do Sul (1957). 3

Introduzido no final dos anos 80 o conceito de Soft Power é hoje constantemente invocado nos domínios da política externa. Nye desenvolve este conceito em vários dos seus livros, nomeadamente em Soft Power: The Means to Success in World Politics de 2004.

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3. Metodologia e Fontes

Metodologicamente o trilho seguido parte da convicção de que os campos de estudo referentes à APE são uma subdisciplina das Relações Internacionais, cujo desiderato primeiro é facilitar a compreensão sobre os motivos que, em determinado contexto, levam os decisores políticos a tomarem determinadas decisões, no relacionamento com outros atores das relações internacionais. Umbilicalmente ligada às Relações Internacionais a APE acompanha o processo evolutivo deste campo do saber e por aí os seus tempos primordiais são muito próximos das teorias realistas. Todavia, logo nos anos 50, apesar de assumirem a prevalência estatocêntrica realista, os estudos de APE souberam reagir contra as ideias de que a política externa é independente da política interna, e da estrita racionalidade dos objetivos estatais. Para nós a primeira assunção é aqui de particular importância, sobretudo porque na análise do lusotropicalismo o jogo interno/externo nos parece um campo de análise relevante. A esta primeira geração de académicos da APE vamos também buscar a convicção da existência de várias fontes de política externa, os indivíduos e as burocracias por exemplo, mas também os princípios teóricos, categoria na qual podemos integrar o luso-tropicalismo. Em simultâneo bebemos aqui a noção de que a política externa é composta por uma pluralidade de decisões, as quais podem ser analisadas separadamente, dando-se particular enfoque às fontes internas da política externa, dando-se como que uma espécie de revolução coperniciana, na medida em que às visões tradicionais se amputa a noção de total independência entre externo e interno. As posteriores evoluções da APE foram acompanhando os grandes debates meta-teóricos nas Relações Internacionais, mas aqui, com todos os riscos inerentes às simplificações, podemos sintetizar estas evoluções insistindo na assunção das explicações multinível e multicausais e relevando os fatores contextuais o que até certo ponto é o que nos propomos a fazer. No que às fontes diz respeito alicerçamos esta pesquisa num acervo documental que inclui fontes de arquivo (Fundo 39 do Arquivo Histórico-Militar), fontes impressas (obras diversas exemplificativas da receção em Portugal das teorias do luso-tropicalismo) legislação e bibliografia variada que inclui teses de mestrado, doutoramento e estudos de História e Relações Internacionais, de autores nacionais e estrangeiros.

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I - O LUSO TROPICALISMO AO SERVIÇO DA POLÍTICA EXTERNA. As mudanças que o pós 2ª guerra mundial traz à política colonial são desde logo bem expressas no artigo 73º do cap. XI da Carta das Nações Unidas onde se refere que “ todos os países membros têm o dever perante os seus territórios não autónomos de desenvolver os respetivos auto governos, tendo em consideração as aspirações políticas dos povos e assisti-los no progressivo desenvolvimento das suas livres instituições políticas”.4 Perante isto, e as consequências práticas que daqui advêm, o poder político em Portugal começa a implementar algumas mudanças na sua estratégia de política externa, revoga-se o “Acto Colonial” integrando-se os seus princípios fundamentais na constituição e retoma-se, não sem polémica interna, a terminologia província ultramarina em detrimento de colónia. Ao mesmo tempo verifica-se uma apropriação simplificada dos princípios do luso tropicalismo que passa a ser utilizado como uma verdadeira arma diplomática. O Luso tropicalismo é um pensamento que resulta das obras do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, que nos seus livros “Casa Grande e Senzala” de 1933 e “O Mundo que o Português Criou” de 1940, apresenta uma série de características que considera tornarem a colonização portuguesa muita característica e diferenciada5. Sintetizando, Freyre fala da especificidade do carácter colonizador português, nomeadamente a sua predisposição para a miscigenação e para a interpenetração de valores e costumes. O autor brasileiro defende mesmo a ideia de que os portugueses herdaram dos mouros o método de conquista pacífica de povos e raças, assimilando culturas pela mistura racial e pela adaptabilidade ecológica, denotando capacidade de confraternizar do mesmo modo com europeus, africanos ou ameríndios. Tudo isto conferia à colonização portuguesa um carácter muito diferente das colonizações dos restantes países europeus, marcadas pela violência, pelo racismo e pela predação económica. O regime apropria-se destes valores insistindo particularmente nas questões da especificidade lusitana que se expressa na tolerância, na boa convivência com os negros e na unidade do espaço nacional. Tudo isto em volta da cristianização que permite solidificar essa mítica sociedade que sendo plurirracial se afirma como unicultural. Salazar em entrevistas e discursos vários, expressa bem estas ideias a partir de 1950:

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Este artigo intitula-se «Declaration regarding non-self-governing territories» e também refere que «os membros das Nações Unidas que têm ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda não atingiram uma forma completa de autogoverno», se obrigam, entre outras coisas, segundo a alínea e) «a transmitir regularmente ao Secretário-Geral para fins de informação, sob reserva das exigências de segurança e de considerações de ordem constitucional, informações de ordem estatística e outras de natureza técnica relativas às condições económicas, sociais e de instrução nos territórios pelos quais são respetivamente responsáveis, além daqueles a que se aplicam os capítulos XII e XIII da Carta» 5 Nestes livros ainda não utiliza a expressão luso tropicalismo que só surgirá em 1950 e 1951, em conferências realizadas em Goa e Coimbra.

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Os povos têm o seu carácter e não reagem todos da mesma forma. O Português revelou-se sempre na tendência para a criação de uma pátria moralmente una, com os territórios e as populações que foram sendo incorporados na Nação; não viu óbice a esse desiderato na diferenciação das raças ou das religiões nem na dispersão das terras. Inclinação de espírito? Afectividade do coração? Fraternidade humana? A verdade é que esses povos têm demonstrado através da história a sua viva solidariedade com Portugal como os ramos de uma árvore com o tronco e as raízes. (Salazar,1956a, p. 343).

O Ideal que inspirou os portugueses e depois a obra que se lhe seguiu foi o de espalhar a fé e comunicar aos povos os princípios da civilização. O móbil de integrar esses povos na unidade da Nação portuguesa foi possível realizá-lo pela não discriminação racial- exigência do nosso carácter e nervo de obra coletiva- pela larga tolerância usada e a criação do mesmo clima moral (……) Quer dizer, em vez de uma política de domínio ou educação, ainda que paternal, mas toda conduzida no sentido de constituir uma sociedade independente e estranha, o Português, por exigência do seu modo de ser (….) experimentou juntar-se, se não fundir-se, com os povos descobertos, e formar com eles elementos integrantes da mesma unidade pátria. Assim nasceu uma nação (…..) complexa e dispersa pelas sete partidas do mundo (….) (Salazar,1956b, p. 374). (…..) a par do fomento do comércio, orientámo-nos sempre, no contacto com as populações locais, pelo ideal da igualdade do homem perante Deus e a lei, qualquer que fosse a sua raça, e pelo estabelecimento de laços de solidariedade humana

que transcendiam o plano dos

interesses materiais. Esta é a base da nossa tradicional política de não discriminação racial, de assimilação espiritual (….) e finalmente de integração económica, social e política de todas as populações numa entidade política unitária. É aí que reside a diferença entre a acção ultramarina de Portugal e dos outros países europeus (…..) e a expressão «província», aliás usada por nós desde o século XVIII, ainda hoje traduz um conceito de integração e igualitarismo político que a palavra «colónia» por si só não contém. (Salazar,1961, pp. 52-53).

Constitui-se assim um discurso fundamentado no luso tropicalismo e que tinha como objetivo primordial as relações externas. Muitos intelectuais em Portugal adotam, desenvolvem e recriam estes princípios. São disto exemplo os casos de Almerindo Lessa, António Alberto de Andrade, Jorge Dias, Orlando Ribeiro, Adriano Moreira e António da Silva Rego, entre outros. Os dois primeiros, desconhecendo a realidade concreta dos espaços africanos utilizam aspetos parciais do luso tropicalismo amalgamados numa visão profundamente nacionalista e por vezes deformada da História, afastando-se por vezes de valores fundamentais do pensamento de Freyre.

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Jorge Dias e Orlando Ribeiro, por seu turno, partem da adesão genérica aos princípios do luso tropicalismo mas vão tentar confrontá-lo com a realidade através de estudos no terreno, realizando várias missões ao ultramar. Adriano Moreira e António da Silva Rego, no âmbito deste trabalho, assumem maior protagonismo na medida em que muitas das suas reflexões se pautam por objetivos claros de justificação externa da colonização portuguesa. Moreira assume um papel central de ligação entre a intelectualidade e os objetivos da política externa. Num conjunto variado de discursos, pequenos ensaios e livros de carácter mais técnico, no âmbito da Ciência Política e do Direito, defende muitos dos princípios básicos do luso-tropicalismo, mas é sempre evidente que a sua preocupação é sobretudo a defesa da política externa portuguesa e a tentativa de desmontagem dos grandes argumentos que então se utilizavam para contestar a presença nacional em África. Assim, e por exemplo, ataca os ideais que a partir do postulado da igualdade das culturas pretendem, segundo ele, impor um sentimento de culpa em relação às práticas colonizadoras. Não concorda, no fundo, com as ideias que derivam do pensamento de Toynbe, que considera que a ação do ocidente sobre os outros povos se pautou sempre pela agressão e consequente destruição social e política dos povos submetidos. A isto contrapõe a sua visão da ação portuguesa, afirmando que a nível político a criação de uma unidade pluricontinental mais não é que o prosseguimento da história das grandes nações europeias que sempre constituíram unidades culturais resultantes da interpenetração e fusão de modos diferentes de estar no mundo. E se esta realidade transposta para fora da europa implica atitudes racistas e segregadoras por parte dos anglo-saxónicos, entre os portugueses predomina a crença na igualdade do género humano e foi sobre ela que se constituiu uma unidade política respeitadora das especificidades culturais dos povos autóctones. Insiste, em vários momentos, na ideia de que a ação portuguesa sempre se caracterizou por uma prática de convívio, de integração e nunca de expansão agressiva do grupo dominante. Nesta linha é dos poucos intelectuais da época, fora dos domínios da antropologia e da geografia, que parece denotar algum respeito pelas culturas indígenas, isto claramente na linha de Gilberto Freyre, embora não chegue ao ponto de defender ou valorizar a reciprocidade das influências culturais. António da Silva Rego, autor de uma extensa obra sobre a História da expansão portuguesa, da colonização e das missões religiosas no Ultramar, escreveu uma série de opúsculos e proferiu várias conferências sobre o luso tropicalismo que no geral se norteavam por dois grandes desideratos, a apologia da ação colonial portuguesa com propósitos pedagógicos, pois muitas das suas obras tinham como alvo a população escolar e a contestação aos ataques diplomáticos que se faziam a Portugal, nomeadamente pelo movimento dos não-alinhados. Este autor acusa Franceses, Ingleses, Holandeses e Belgas de se terem pautado por metodologias profundamente racistas o que nas províncias ultramarinas portuguesas não se verificava. Afirma que os problemas que se começam a verificar nos finais dos anos cinquenta em Angola se devem a 7

influências externas e não à vontade dos povos africanos e que para os portugueses a cor poderia ser uma dificuldade mas nunca uma barreira. Barreira era a diferença cultural, mas isso era facilmente ultrapassável. Esta característica deve-se ao catolicismo, que leva a olhar para o outro como radicalmente igual na sua dimensão espiritual de filho do mesmo pai. Assim, para os portugueses a Bíblia foi sempre um código de moralidade e de conduta o que já não se verificou com os povos protestantes, porque as múltiplas interpretações que se arrogaram a dar aos livros sagrados, permitiram leituras tão díspares que por vezes lá se descobria a justificação para a segregação racial. António da Silva Rego ainda diz que alguns desses povos até podem ter feito mais do que os portugueses em termos de desenvolvimento material e educação dos seus indígenas, mas a verdade é que se permitiam aos indígenas frequentar cursos superiores depois abandonavam-nos a si próprios e obrigavam-nos a não se misturarem com os brancos, ou seja igualizavam-nos pela cultura para de seguida os segregar pela cor. Por tudo isto considerava não ser legítimo equiparar os vários modelos de colonização europeia e por tal não encontrava justificação para que Portugal se enquadrasse no movimento geral das descolonizações. Nos anos cinquenta a diplomacia portuguesa vai-se apropriar deste aparato ideológico para o utilizar na sua estratégia de política externa. Perante a crescente pressão internacional e mesmo depois de entrar na ONU, Portugal considera que o artigo 73º não se aplica à realidade nacional e nega a existência de territórios não autónomos sob soberania portuguesa. Na linha do luso tropicalismo afirma-se que o país é um estado unitário espalhado por quatro continentes, considerando que a separação geográfica não é critério para a definição de colónia e defendendo que em todas as partes do território nacional, do Minho a Timor, vigora o princípio da igualdade de direitos e de oportunidades independentemente da raça. Na XIª sessão da Assembleia Geral realizada em 13 de Novembro de 1956, o ministro dos negócios estrangeiros português Paulo Cunha, na primeira intervenção nacional após a entrada na ONU, afirma que Portugal como nação pacífica, amante da ordem, da paz e da liberdade pretende colaborar na missão da ONU (Portugal Replies in the United Nations, 1970, pp 13-14). O mesmo ministro três dias depois esclarece que para Portugal o respeito pela ordem internacional não pode pôr em causa o estatuto constitucional dos países membros (Portugal Replies in the United Nations, 1970, pp 14-18). Acrescentando, nesse mesmo discurso, que o Portugal pluricontinental é detentor de um papel histórico, civilizacional e missionário de um país apto e talhado para a interpenetração de culturas, raças e credos. Um talento para unificar sem discriminar ou segregar racialmente desenvolvido ao longo de séculos. Na 656ª reunião plenária da Assembleia Geral realizada em 20 de Fevereiro de 1957 o embaixador Vasco Garin afirma que na Carta das Nações Unidas nada existe que permita negar o carácter unitário de um estado independentemente da posição geográfica das variadas componentes do território nacional. Reforçando a ideia de que Portugal não tem colónias insiste na ideia de que em todas as 8

províncias, independentemente do seu grau de desenvolvimento económico, prevaleciam a mensagem católica, instituições vocacionadas para comunidades multirraciais e a ausência de discriminação racial (Portugal Replies in the United Nations, 1970, pp 26-36). A diplomacia portuguesa afirma ainda que a mestiçagem biológica e cultural é uma mais-valia e fonte de progresso e desenvolvimento enaltecendo-se o contributo português para a fraternidade entre os povos. Acrescente-se ainda que, em meados dos anos cinquenta, muitos embaixadores recebem indicações para acompanhar a produção literária de Gilberto Freyre e informar o Ministério dos Negócios Estrangeiros das entrevistas concedidas pelo sociólogo brasileiro à Imprensa Internacional. Em paralelo a obra de Freyre é distribuída pelas embaixadas e legações portuguesas espalhadas pelo mundo com o intuito óbvio de preparar os diplomatas para a defesa dos interesses portugueses com base nestas teorias (Castelo, 1998, p. 99)

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II - COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA A DEFESA DAS PROVÍNCIAS ULTRAMARINAS. A nova realidade bipolar emergente da 2ª guerra mundial leva a que Portugal se integre na arquitetura global de defesa do bloco ocidental através da adesão à NATO, como membro fundador. Esta integração, em termos de política interna é positiva para o regime, que na década de cinquenta inicia um dos períodos mais intensos de repressão e perseguição aos movimentos de oposição, com o apoio do seu novo aliado americano, disponível para esquecer os princípios em nome da contenção. Todavia na dimensão da política externa, respeitante à defesa dos espaços coloniais, tal adesão não é particularmente significativa. Por respeito à sua essência a NATO está naturalmente neutralizada em termos de espaços africanos. O seu objetivo é o atlântico norte e a contenção da ameaça soviética. É certo que a diplomacia portuguesa logo nos anos cinquenta tenta fazer vingar a ideia de que a defesa da europa face à ameaça marxista devia começar em África, no sentido de não desproteger o flanco e evitar a penetração do comunismo nas terras africanas de onde ele poderia alastrar para o continente europeu. Esta ideia retomada no período da guerra colonial nunca foi tida em grande consideração pelos EUA que cedo desenham outra estratégia para as terras negras a qual não passava pela defesa das lógicas de dominação colonial europeia. A impossibilidade de chamar a NATO às terras de África impele Portugal à tentativa de diversificação das suas alianças no terreno, tentando, ao mesmo tempo, diminuir a sua tradicional dependência face ao poder britânico. Em termos de cooperação internacional, até finais da década de quarenta não se vislumbram quaisquer acordos específicos para a defesa de Angola com as restantes potências coloniais europeias, nem com a União Sul-Africana. Durante a década de cinquenta Portugal assina tratados de defesa mútua com a Bélgica e a África do Sul e participa em algumas conferências internacionais dos estados-maiores das potências africanas a sul do Sara. Analisemos com mais pormenor, cada um destes momentos. O tratado com a Bélgica, o Tratado técnico luso-belga, conheceu dois momentos formais de elaboração. O primeiro em 1951 foi assinado em Bruxelas e aí se definiram uma série de princípios gerais para a cooperação militar entre os dois países. Em 1952, em Leopoldville, delegações militares portuguesas e belgas procederam ao exame das medidas previstas em Bruxelas e definiram formas de as executar. No essencial o que se pretendia com este acordo era a criação de um comando conjunto com o objetivo de defender a zona do baixo Zaire. Para facilitar a prossecução desta intenção decidiu-se organizar exercícios conjuntos de quadros, os quais se viriam a realizar em 1954, experimentando a organização da cadeia de comando e o funcionamento das transmissões. 10

O acordo previa igualmente a realização de estágios de oficias de ambos os países em Leopoldville e Luanda. Para Portugal este tratado tinha com principal objetivo garantir com maior facilidade a defesa dos acessos do rio Zaire, das comunicações entre os seus portos e a defesa das instalações comerciais e industriais aí instaladas. Para os belgas o objetivo não era tão localizado, pretendiam constituir um comando regional suficientemente importante para não ser absorvido por qualquer outra forma de comando aliado a que os dois países pudessem vir a pertencer no futuro. Paralelamente e considerando que Cabinda era fundamental para a defesa do Baixo Zaire e que as forças portuguesas aí estacionadas eram manifestamente insuficientes, os belgas previam a atuação das suas tropas nesse enclave em caso de agitação subversiva. Com a África do Sul fez-se em 1957 um plano de defesa aérea de Angola e Moçambique6. Tinha como objetivo prioritário a defesa das cidades de Luanda e Lobito, mas nunca chegou a conhecer qualquer aplicação em termos efetivos. Desde o início dos anos cinquenta que os Estados-Maiores franceses, ingleses e belgas realizavam periodicamente reuniões de trabalho com vista à troca de informações logísticas e de ordens de batalha, possibilitando a facilidade de cooperação em caso de guerra. Portugal foi convidado para participar numa destas reuniões em 1953, em Acra, mas só no ano seguinte em Dacar enviou uma delegação constituída pelos majores Jorge Fonseca do Estado-Maior, em representação do ministro da defesa, e José Nogueira Valente Pires, chefe do Estado Maior do Comando Militar em Angola. Nessa reunião debateu-se a organização das forças militares de cada colónia, definiu-se uma política comum em matéria de carburantes e tentou-se, sem êxito, implantar um sistema de troca de oficiais e de exercícios conjuntos. Neste domínio os oficiais portugueses levavam recomendações expressas do Ministro Santos Costa para adotarem uma posição moderada sem tomarem qualquer tipo de compromisso, porque as nossas forças armadas não estavam preparadas para exercícios em conjunto e sobretudo não tinham condições de assumir as despesas avultadas que daí adviriam. Em 1955 e 1956 reuniram-se mais duas conferências com os mesmos intervenientes e os mesmos objetivos. Na primeira, em Leopoldville, surgiram as primeiras reflexões sobre as consequências da nova realidade bipolar para o continente africano e na segunda, em Lagos na Nigéria, todos os países participantes apresentaram relatórios sobre a situação interna nas suas respetivas colónias, abordando temas como a agitação política, infiltração comunista, movimentos separatistas, racismo e hostilidade entre as raças, influência religiosa, sistema agrário, política de povoamento e fixação. O relatório português (AHM, fundo 39, série 16, caixa 609, peça 571 ), então apresentado, referia a propósito de Angola, que não existia nenhum vestígio de movimentos organizados nem de agitação política e acrescentava que não havia qualquer atividade de organizações clandestinas tendentes à independência. Afirmava-se ainda que as populações nativas e europeia se encontravam perfeitamente

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Para análise mais desenvolvida deste plano ver: AHM, Fundo 39, Série 2, Cx. 564, Peça 13

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integradas dentro dos princípios da unidade nacional e que não existia qualquer partido ou organização comunista. Todavia a este propósito diagnosticavam-se tentativas externas no sentido de desenvolver essas ideias em Angola, mas considerava-se que essas mesmas tentativas estavam destinadas ao fracasso na medida em que, dizia o relatório, a mentalidade indígena e a sua organização tribal seriam um entrave natural a essas ideologias. Concluía-se com a ideia que a ação religiosa era muito intensa, através das inúmeras missões católicas, o que também servia de entrave à expansão das ideologias comunistas.

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CONCLUSÃO Yalta e Potsdam marcam o triunfo efetivo dos EUA e da URSS. Ingleses e Franceses nominalmente vencedores do grande conflito mundial não tardam a ser relegados para segundo plano, levando com eles a memória de três séculos de domínio da Europa sobre o mundo. As novas superpotências são convictamente anticoloniais; para Portugal isso implica a necessidade de criar mecanismos que assegurem a manutenção do Império, entendido como essencial para a sobrevivência da pátria na sua essência mais profunda. Na década de cinquenta as contradições da política externa americana parecem oferecer a Portugal alguma margem de segurança. Com efeito, no imediato pós guerra, a necessidade de reconstrução da Europa e de contenção da ameaça comunista leva a que os EUA, sem nunca porem em causa a sua matriz anticolonialista, assumam posições moderadas, condenando as potências coloniais mas tentando não as hostilizar de forma muito aberta. Entre 1945 e 1948 Washington tenta encontrar modelos de mediação entre a Batávia e a Holanda e só em 48 condena abertamente o governo de Haia, em virtude da forte repressão policial exercida sobre os indígenas. Entre 1951 e 1957, na ONU, os EUA em relação a matérias relativas à Africa do Norte abstiveram-se três vezes, e em dez outras votaram ao lado das potências coloniais. Na Indochina colocaram-se abertamente ao lado dos franceses. Esta realidade geoestratégica imanente às necessidades do bipolararismo levam a que nesta década o Estado Novo sinta o apoio dos EUA em termos de política interna e não sinta uma hostilidade tão marcante quanto a que se verificará nos anos sessenta em matéria de política colonial. Todavia isso não invalida a crescente pressão internacional anticolonialista que emana da ONU e dos novos países que vão emergindo do movimento descolonizador o que leva o regime, apesar do seu discurso autárcico, a tentar encontrar modelos de acomodação ao sistema internacional. Neste contexto não se hesita em provocar uma rutura com a ideologia colonial tradicional e dominante para se apropriar do discurso do luso tropicalismo, que tão mal recebido fora em Portugal nos anos 30. Desta rutura é bom exemplo a revogação do Ato colonial em 1951que é claramente uma resposta para o exterior, no sentido de afirmar uma ideia de não discriminação racial, de assimilação cultural e igualdade, para o qual a recuperação do termo província surgia como muito mais funcional que colónia, ao mesmo tempo que facilita a afirmação da doutrina do estado unitário e por isso também a negação da existência de colonialismo no espaço ultramarino português, dois dos pilares fundamentais da estratégia diplomática portuguesa como se verifica de modo evidente nas intervenções dos diplomatas e ministros dos negócios estrangeiros portugueses na Assembleia Geral da ONU, durante as décadas de cinquenta e sessenta. A apropriação do discurso luso tropical reflete-se igualmente no esforço de doutrinação do corpo diplomático. O objetivo é preparar os altos funcionários portugueses no estrangeiro para defenderem a política colonial lusa com os argumentos que emanam do pensamento de Gilberto Freyre ou seja a 13

especificidade da colonização portuguesa, atreita à miscigenação e ao contacto pacífico com as outras raças. A neutralização da NATO em termos de defesa dos territórios africanos, e o enfraquecimento do posição internacional da Grã-Bretanha, em paralelo com o seu progressivo afastamento da política colonial portuguesa levam o estado-novo a desenvolver tentativas de diversificação de alianças militares para África, com a Bélgica e a África do Sul, no sentido de criar mecanismos de defesa integrada. Todavia as condicionantes internas e externas que envolvem estes parceiros implicam que, na prática, destas tentativas de cooperação poucos tenham sido os resultados significantes. Concluindo podemos afirmar que a utilização destes dois instrumentos, no âmbito da política externa, teve resultados muito escassos. Contudo o luso tropicalismo regista uma particularidade que reputamos de relevância; teoria vinda do exterior é rececionada e simplificada em Portugal com objetivos instrumentais no âmbito da política externa, mas nessa dimensão acaba por ter efeitos pouco relevantes ao contrário do que se verificará na dimensão interna. Externamente o luso-tropicalismo será sempre encarado com muita desconfiança, merecendo pouca credibilidade até mesmo científica, que era igualmente uma dimensão onde se pretendia integrar. Ao invés, internamente e graças à utilização dos instrumentos de cultura de massas7, estes princípios ajudam a criar, ao nível das mentalidades, uma ideia de especificidade da colonização portuguesa, cortando com a tradição do Darwinismo Social que marcara a mística imperial do séc. XIX e inícios do XX. Esta noção de uma especificidade, que se mantém atá aos dias de hoje, contribuirá então, de forma decisiva, para maximizar a coesão e a adesão nacional a um projeto, que conduzirá o país a mais de uma década de guerra em três frentes, com grandes investimentos económicos, humanos e mentais, os quais só se tornaram viáveis em virtude dessa coesão interna que, apesar de tudo, existiu até finais dos anos 60.

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Para desenvolver esta questão ver: Cardão, Marcos, (2012) Fado tropical: luso-tropicalismo na cultura de massas (1960-1974), Tese de Doutoramento em História Moderna e Contemporânea, Lisboa, ISCTE.

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FONTES E BIBLIOGRAFIA Fontes Primárias 1. Manuscritas. Arquivo Histórico Militar (AHM) – Lisboa. Fundo 39 Série 2, caixa 564, peça 12. Série 2, caixa 564, peça 13. Série 16, caixas 607 a 609. 2. Impressas. Anon. (1970), Portugal replies in the United Nations, Lisboa, MNE. Moreira, Adriano, (1957) “Portugal e o Artigo 73 da Carta das Nações Unidas”, Revista do Gabinete de Estudos Ultramarinos, Lisboa, Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações do Ultramar. __ (1960) Ensaios, Lisboa, Coleção ECPS n.º 34. __ (1960) Problemas Sociais do Ultramar, Lisboa, AGU. __ (1962) Política de Integração, Lisboa, Bertrand. __ (1962) Intransigência. Discurso proferido em 31 de Outubro, Lisboa, AGU. Rego, António da Silva, (1961), A Cor, Barreira, Argumento e Arma, Figueira da Foz. __ (1963), Princípios e Métodos da Colonização Portuguesa, Lisboa, AGU. Salazar, António Oliveira, (1956) “Artigo publicado na Revista Foreign Affairs” Discursos e Notas Políticas, Vol. V, Coimbra, Coimbra Editora, Lda. 1959 __ (1956) “Discurso de 30 de Maio” Discursos e Notas Políticas, Vol. V, Coimbra, Coimbra Editora, Lda. 1959 __ (1961) “Entrevista publicada nos jornais Hearst Headline Service e New York Journal American em Junho de 1961”, Entrevistas, Coimbra, Coimbra Editora, Lda. 1967 Bibliografia Alexandre, Valentim, (1995) “A África no Imaginário Político Português”, Penélope 15, Lisboa, Edições Cosmos, pp 39-52. __ (1999) Luso-tropicalismo, Dicionário de História de Portugal, Vol. VIII, António Barreto, Maria Filomena Mónica (Coor.), Figueirinhas, Lisboa. Castelo, Cláudia, (1998) O Modo Português de Estar no Mundo, Lisboa, Edições Afrontamento. Kissinger, Henry, (1996) Diplomacia, Lisboa, Gradiva. Manela, Erez, (2007) The Wilsonian Moment. Self-determination and the International Origins of Anticolonial Nationalism, New York, Oxford University Press. Nye, Joseph, (2004) Soft Power the Means to Success in World Politics, New York, Public Affairs.

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Reis, Bruno Cardoso, (2014) As Primeiras Décadas de Portugal nas Nações Unidas. Um Estado Pária contra a Norma da Descolonização (1956-1974), em Miguel Bandeira Jerónimo e António Costa Pinto (orgs.), Portugal e o Fim do Colonialismo, Lisboa, Edições 70. Ribeiro, Margarida Calafate, (2004) Uma História de Regressos, Lisboa, Edições Afrontamento. __ (2012) “Letras do Império: percursos da literatura colonial portuguesa”, em Miguel Bandeira Jerónimo (org.) O Império Colonial em Questão, Lisboa, Edições 70. Thronveit, Trygvet, (2011) “ The Fable of The Fourteen Points: Woodrow Wilson and National SelfDetermination”, Diplomatic History, pp. 445-481.

Marco Fortunato Arrifes Janeiro, 2015

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