O MACBETH DE SHAKESPEARE, O PRINCIPE DE MAQUIAVEL E O ESTADO MODERNO

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O MACBETH DE SHAKESPEARE, O PRINCIPE DE MAQUIAVEL E O ESTADO MODERNO. Uma livre reflexão sobre política, história e teatro.

É no mesmo momento em que as três bruxas, na úmida charneca, engendram laboriosamente o destino de Macbeth que, podemos dizer, o destino de toda humanidade está sendo decidido. Escrita entre 1605 e 1606, Macbeth tornar-se-ia conhecida como a mais trágica e sanguinária obra de William Shakespeare. Apesar de ter-se tornado famosa por retratar o limite da ganância humana, devassando o íntimo dos desejos de poder e posteriormente o tormento da culpa, acreditamos que essa obra magnífica pode dizer-nos muito sobre um tempo específico e uma importante mudança na forma de se conduzir o mundo da política. Mais de uma vez Shakespeare já foi apontado como um autor da transição. Como poucos em seu tempo, foi capaz de perceber que uma mudança muito importante operava-se num mundo que se regia por um ritmo absolutamente diferente daquele que hoje vivemos. Entre os historiadores dedicados ao estudo da transição do Feudalismo para o Capitalismo, parece haver concordância em que a principal característica do mundo feudal, do ponto de vista de sua

estabilidade, é os inúmeros laços de dependências que mantêm unidos seus integrantes. As três ordens da sociedade feudal apresentam-se não só ligadas entre si por tais laços, como no interior de cada uma delas mais um sem número de laços da mesma natureza mantêm seus membros intimamente ligados. Para ficar só na nobreza, são sobejamente conhecidos os fortes laços de suserania e vassalagem que ligavam os senhores entre si por uma infinidade de obrigações militares. Pois bem, quando os historiadores da transição debruçam-se sobre os documentos tentando identificar os fatores que são diretamente responsáveis pela crise do sistema, embora divirjam em aspectos formais, a maioria parece admitir que seja a mudança no caráter ou na qualidade de determinados laços de dependência que tenha determinado, aliada a outros fatores, a crise que resultou na desagregação do sistema. Num sistema onde os múltiplos laços de interdependência, que sempre mantiveram as várias ordens desempenhando papéis muito definidos, começam a ruir, é possível prever que uma nova ordem delineia-se no interior da antiga. É nesse contexto que retornamos, tentando agora uma conexão, ao nosso ponto de partida. Macbeth, um nobre escocês é um homem que vive plenamente essa realidade dos eternos laços de dependência. Em meio a uma batalha feroz contra os rebeldes do reino, Macbeth põe toda sua bravura e experiência a serviço de Duncan seu rei e seu parente. Cada um dos nobres que lutam ao lado de Macbeth é capaz de dar a vida com imensa alegria na defesa de seu rei. Duncan, por seu turno, apesar de rei, sabe que é, ele também, refém de 2/14

uma infinidade de obrigações. Sabe que tem a obrigação de manter seus súditos felizes e mostrar sua gratidão para com os nobres que lhe dedicam fidelidade. A situação é de perfeito equilíbrio de obrigações e por isso se mantém estável. Nosso pobre Macbeth será o ponto da corrente que se romperá. Ainda que quisesse evitar essa árdua missão, ele não poderia. Seu destino está traçado por forças sobrenaturais. A presença das três bruxas que vaticinam o destino do nobre faz-nos pensar em mitos greco-romanos como o das parcas ou moiras, as três irmãs responsáveis pelo destino de todos os homens. Na mitologia, cada uma delas desempenhava uma parte da missão de decidir a vida dos homens: uma delas, Átropo, era responsável por fiar o fio da vida; a segunda das irmãs, Cloto, era responsável por entrelaçar esse fio com os demais, e finalmente, Láquesis, era responsável por cortar o fio, pondo fim à vida. A nenhum homem era dado fugir às determinações das moiras. Da mesma forma, o pobre Macbeth nada mais poderá fazer uma vez que seu destino é revelado pelas três bruxas na charneca. As bruxas o saúdam como Tane de Cawdor, vaticinando já a morte do verdadeiro Tane de Cawdor que havia sido executado pelo rei Duncan pelo crime hediondo de traição. É assim que, no primeiro momento, o destino de Macbeth já está diretamente ligado à quebra do equilíbrio de uma ordem estável. No entanto, o desequilíbrio causado pelo original Tane de Cawdor nada representa comparado àquele que está reservado a Macbeth. Em seguida as bruxas o

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saúdam como rei que ele será. Este ato inaugural funda o desespero que o personagem central viverá por toda a trama. A comprovação das profecias das bruxas com o anúncio de sua nomeação para Tane de Cawdor apenas sugerem a Macbeth que as demais profecias são passíveis de serem realizadas. A partir de então, o personagem passa a ser refém de forças titânicas muito além de sua compreensão. De um lado, a poderosíssima força das tradições da honra, enfim, da base que mantém o equilíbrio de seu mundo. Do outro, a incontrolável força de sua própria cobiça que, uma vez desencadeada pela previsão das bruxas, não pode mais ser controlada por ele. A vida de Macbeth, daí por diante, será a desesperada tentativa de sobreviver premido por essas forças tirânicas. O mundo que fazia sentido para Macbeth, para o rei Duncan, ou mesmo para o próprio Shakespeare, vê-se agora ameaçado. As eternas tradições de fidelidade e dependência entre os nobres foram ameaçadas pelo desejo irrefreável de Macbeth em tomar o que não lhe pertencia. Em muitos trechos da peça os personagens referem-se ao assassinato do rei como algo absolutamente antinatural. Todos os habitantes desse mundo, inclusive Macbeth, têm consciência do quão desestabilizador tal ato pode vir a ser. Vejamos como se expressa o próprio Macbeth sobre os planos que acaba de conceber assim que se avista com as bruxas pela primeira vez na Cena III do Primeiro Ato: Esta insinuação sobrenatural Não pode ser má, não pode ser boa. Se má, por que certeza de sucesso Me dá neste começo de verdade? Pois sou Tane de Cawdor. E se boa, 4/14

Por que assim cedo à imagem pavorosa Que os cabelos me eriça e faz meu firme Coração palpitar contra as costelas, Fora do que é normal na natureza? (...) (...) Meu pensamento, onde o assassínio é ainda Projeto apenas, move de tal sorte A minha simples condição humana, Que as faculdades me paralisam E nada existe mais senão aquilo Que não existe.

Assim que sabe dos novos acontecimentos e da possibilidade de se tornar a rainha, Lady Macbeth, sabendo o que será preciso fazer, vem confirmar a convicção de que o ato que se está por cometer foge aos limites do humano. Ato I Cena V: (...) Vinde, ó vós, ministros Do mal, que seja onde for que, em invisíveis Substâncias, instigais o que é contrário Aos sentimentos naturais humanos.(...)

No que se refere aos outros personagens, há um ilustrativo diálogo entre Ross, um dos nobres da corte, e um velho, no Ato II Cena IV, na manhã seguinte ao assassinato do rei Duncan: O Velho: Setenta anos vivi e guardo memória De horas terríveis e de estranhas coisas. Mas são todas nonadas se as comparo A esta noite espantosa.

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Ross:

Ah, meu bom velho!

Vês como os céus, turbados pelo humano Feito, ameaçam o palco do sangrento Drama: pelo relógio é dia, e entanto A tenebrosa noite afoga ainda A lâmpada viajora. Será acaso Influição da noite ou remitência Do dia envergonhado esta escureza A sepultar a terra quando a vívida Luz devia beijá-la?

Aqui, a noção vaga de que certo equilíbrio fora rompido toma sua forma definitiva. A mudança desencadeada por ato inesperado na ordem natural dos comportamentos acaba por corromper por completo, todos os nexos do mundo. A própria sucessão da noite e do dia, base absolutamente sólida e constituída, começa a ser abalada. Todos esses detalhes reforçam a convicção de que o equilíbrio foi rompido e que já não há nenhuma segurança do que está por vir. Macbeth, o nobre guerreiro, consegue assim confirmar os desígnios das três bruxas que lhe predisseram o destino. Com a fuga dos dois filhos do rei Duncan, por temor de serem acusados de parricídio, o parente mais próximo do rei, o próprio Macbeth, assume a coroa da Escócia e torna-se o novo rei. A natureza do poder que daí em diante pertencerá a Macbeth é absolutamente diversa. A posse da coroa deu-se não por fatores naturais, já que havia pelo menos dois que lhe antecediam na consangüinidade, mas como resultado de uma ardilosa trama por ele concebida. Destarte, a forma 6/14

de exercício desse poder também terá de ser absolutamente diversa. Por um lado, Macbeth não conseguirá contar com a certeza de que seus nobres estarão a ele obrigados pelos laços da honra e da tradição. Ainda que ninguém desconfie da forma ilícita com que tomou a coroa (o que não ocorre, pois a essa altura o nobre Banquo, que com ele esteve na charneca e ouviu o vaticínio das bruxas, já tem suas suspeitas), o próprio Macbeth sempre saberá que sua chegada ao poder foi fruto da desobediência à tradição e, portanto, nada mais natural que ele imagine que o mesmo ato possa repetir-se agora contra ele próprio. Já que seu acesso ao poder rompeu completamente com a tradição, a forma que adotará para manter esse poder será ainda mais destoante. Na charneca, no momento do vaticínio das bruxas, Macbeth estava acompanhado do nobre Banquo, seu parceiro no combate que, aliás, diante da perplexidade de Macbeth, foi quem exortou-as a dizer aquilo que tinham a dizer. Disseram que Macbeth seria rei, mas que o nobre Banquo, embora não viesse a ser rei, seria tronco de muitos reis. No momento mesmo em que a previsão coloca no coração de Macbeth a esperança de alcançar o trono, coloca também a suspeita e o medo com relação à Banquo. Por sua vez, mesmo estando quase certo de que Macbeth alcançou o trono por meios absolutamente ilícitos, Banquo, ainda profundamente preso pelos laços de honra e fidelidade, resolve servilo com a mesma fidelidade que devia ao antigo rei. Independente disso, Macbeth não consegue deixar de se sentir ameaçado pela presença daquele que com ele conheceu anteriormente o destino de ambos. Seu temor, que

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será responsável por um novo procedimento no poder, se expressa da seguinte forma no III Ato Cena I: Ser o rei Não é nada: há que sê-lo sem perigo. Banquo inspira-nos medos. Nele aponta Algo que é de temer: tem grande audácia; E à tempora indomável de su’alma Alia uma prudência que encaminha O seu valor a agir com segurança. Só nele vejo alguém cuja existência me atemoriza; o gênio que preside A minha vida inclina-se ante o dele;(...) (...) E se for destarte, Pelos filhos de Banquo é que manchado Terei minh’alma, assassinado o nobre Duncan; por eles vertí no cálix De minha paz rancores, só por eles! Para fazê-los reis - reis os rebentos De Banquo! (...)

Podemos perceber aqui todo o arrependimento de que já foi tomado Macbeth com relação a seus atos, mas percebemos também que o caminho por ele escolhido é um caminho só de ida e uma vez que se deu o primeiro passo não é mais possível voltar atrás. O assassinato, que deve aqui ser lido como o desrespeito às antigas tradições de fidelidade, foi o meio escolhido para chegar ao poder e será também o que poderá garantir sua continuidade. O rei Duncan, garantia seu poder como rei pela estrita observância de suas obrigações, recompensando a cada um de seus nobres segundo seu valor. A 8/14

fidelidade recompensada pelas honrarias dela advindas era na verdade o próprio equilíbrio do sistema de poder. Macbeth não pode contar com esse equilíbrio. Para ele novas regras terão de ser adotadas. Quando procuramos entender as novas práticas adotadas por Macbeth, tão infinitamente distantes daquelas adotadas pelo “bondoso” rei Duncan, elas podem parecer absolutamente sem precedentes. No entanto, no contexto da Renascença, existe uma origem para a prática de Macbeth. Sua lógica está expressa numa obra escrita quase um século antes da peça de William Shakespeare, por um escritor florentino que se tornou consagrado por uma obra elaborada especialmente para aconselhar o jovem Duque Lorenzo, filho de Piero de Médici. “O Príncipe”, de Maquiavel, apresenta um conjunto de conselhos que podem ser considerados, sem nenhuma dúvida, uma espécie de “manual de absolutismo” e uma leitura cuidadosa dessa obra demonstra-nos uma infinidade de semelhanças entre os conselhos do autor a um príncipe florentino e a prática desenvolvida por Macbeth para manter-se no poder depois do crime cometido contra o antigo rei. Vejamos, apenas a título de exemplo, o que nos diz Maquiavel sobre as crueldades dos príncipes e como elas devem ser executadas: “Podem ser as crueldades bem ou mal praticadas. Bem usadas se podem chamar aquelas que são feitas de uma só vez, pela necessidade de prover alguém à própria segurança, e depois são postas à margem, transformando-se o mais possível em vantagem para os súditos. Mal usadas são as que, ainda que a princípio sejam poucas, em vez de se extinguir crescem com o tempo. Os que observam a primeira destas linhas de conduta, 9/14

podem, com a ajuda de Deus e dos homens, remediar suas conseqüências(...) Aos outros é impossível manter-se. É de notarse, aqui, que, ao apoderar-se de um Estado, o conquistador deve determinar as injúrias que precisa levar a efeito, e executá-las todas de uma só vez, para não ter que renová-las dia a dia. Deste modo, poderá incutir confiança nos homens e conquistar-lhes o apoio beneficiando-os. Quem age por outra forma, ou por timidez ou por força de maus conselhos, tem sempre necessidade de estar com a faca na mão e não poderá nunca confiar em seus súditos, porque estes, por sua vez, não podem se fiar nele, mercê das recentes e contínuas injúrias. (...).

Ao acompanhar o trágico destino de Macbeth, percebemos que suas escolhas encaminharam-se na direção dos conselhos de Maquiavel. Sua primeira medida é assassinar Banquo e seu filho que, a seu ver, constituíam perigo à consolidação de seu poder. No entanto, para além dessas injúrias, vê-se obrigado a ir praticando outras cada vez mais sangrentas e envolvendo maior número de pessoas. Nesse sentido, parece ter-se encaixado na segunda classe de uso das crueldades definidas por Maquiavel. As contínuas injúrias que continuou cometendo para garantir seu poder passaram a indispor todos os nobres da Escócia contra ele. A maioria dessas crueldades parecem ter sido cometidas em observação a outro conselho de Maquiavel, este referente à seguinte questão: do ponto de vista da manutenção do poder, o melhor é ser amado ou temido pelos súditos? Maquiavel se expressa da seguinte forma: “(...) Responder-se-á que se desejaria ser uma e outra coisa; mas como é difícil reunir ao mesmo tempo as qualidades que dão aqueles resultados, é muito mais seguro ser temido que amado, quando se tenha que falhar numa das duas.(...) E os 10/14

homens hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer, porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual devido a serem os homens pérfidos é rompido sempre que lhes aprouver, ao passo que o temor que se infunde é alimentado pelo receio de castigo, que é um sentimento que não se abandona nunca.(...)”.

Macbeth, mais do que qualquer um, sabia disso. O amor que o mantinha respeitoso ao poder do rei Duncan não fora suficiente para frearlhe os instintos assassinos. Seguramente assim pensava Macbeth que seria com os outros. Por isso dava preferência a ser temido que a ser amado, mas seu trágico destino faz-nos pensar que provavelmente não tenha conseguido nem uma nem outra coisa. Antes de ser temido conseguiu ser odiado e com tal força que uma imensa resistência se lhe impôs, determinando seu fim. Outro fator importante oferece-nos Maquiavel nesse trecho. Retoma o tema dos vínculos de obrigação, mas nos fala de um tempo em que esses vínculos têm-se tornado cada dia mais frágeis, atribuindo o fenômeno à perfídia humana. Parece-nos, no entanto, que esse afrouxamento dos laços de dependência e obrigatoriedade tem origem em aspectos muito mais complexos e menos éticos. Na verdade é possível identificar aí uma característica de lentas e profundas modificações que se vêm processando na Europa Ocidental na chamada transição do Feudalismo para o Capitalismo. Não é apenas nas relações entre os nobres e seu rei que os vínculos de obrigação e dependência vinham gradativamente sendo abandonados ou transformados. Toda a sociedade, pautada por um poder descentralizado e por obrigações de permanência das populações em unidades de produção independentes e auto mantidas, passava a dar lugar a

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um novo mundo, onde o crescimento do comércio e o renascimento das cidades estavam a oferecer aos homens, novas possibilidades de alargamento dos horizontes de suas vidas, fazendo-os por em dúvida as obrigações cristalizadas pela tradição. Essa situação de rompimento dos antigos vínculos, que no contexto da peça se expressa no assassinato do sábio rei Duncan pelo ganancioso Macbeth, e que, do ponto de vista da sociedade como um todo, pode ser representada pelas profundas transformações que têm como resultado a desagregação do modo de produção feudal, está diretamente relacionada a uma nova postura filosófica do homem com relação ao mundo que é expresso de forma muito clara em outro trecho da obra de Maquiavel: “Não me é desconhecido que muitos têm a opinião de que as coisas do mundo são governadas pela fortuna e por Deus, de sorte que a prudência dos homens não pode corrigi-las, e mesmo não lhes traz remédio algum.(...) Não obstante, e porque nosso livre arbítrio não desapareça, penso pode ser verdade

que a

fortuna seja árbitra de metade de nossas ações, mas que, ainda assim, ela nos deixe governar quase metade. Comparo-a a um desses rios impetuosos que, quando se encolerizam, alagam as planícies, destroem as árvores, os edifícios, arrastam montes de terra de um lugar para outro: tudo foge diante dele, tudo cede ao seu ímpeto, sem poder obstar-lhe e, se bem que as coisas passem assim, não é menos verdade que os homens, quando volta a calma, podem fazer reparos e barragens, de modo que, em outra cheia, aqueles rios correrão por um canal e o seu ímpeto não será tão livre nem tão danoso. Do mesmo modo acontece com a fortuna; o seu poder é manifesto onde não existe resistência organizada,

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dirigindo ela sua violência só para onde não se fizeram diques e reparos para contê-la.”(...)

Embora

pareça

pouco,

essa

convicção

é

incrivelmente

desestabilizadora para uma sociedade que sempre acreditou que o destino dos homens era apenas uma peça num jogo, cujas regras são definidas exclusivamente por Deus. No caso de Macbeth, embora sua estória seja um modelo de desestabilização, a verdade é que, sob esse ponto de vista particular, o exemplo de Macbeth não diverge da tradição. Para Maquiavel, essa mudança na mentalidade do poder, essa nova fórmula de condução da política que deu origem aos fundamentos de uma prática política absolutamente secularizada e baseada na avaliação racional de causas e conseqüências, só seria possível no momento em que o ser humano fosse capaz de, na plena utilização de seu livre arbítrio, superar as determinações da fortuna, e consolidar um projeto próprio e autêntico. No caso de Macbeth, suas ações, apesar de em tudo contrárias às tradições e às determinações do meio, tampouco foram resultado da livre escolha e do exame racional da situação, mas antes a triste realização das profecias de forças sobre-humanas que, tanto quanto as forças divinas, impuseram-se ao homem determinando seu destino. A Fortuna, segundo Maquiavel, como um rio bravio arrastou Macbeth para além de qualquer dos seus desejos, para um isolamento completo com relação aos seus companheiros nobres, arrastou igualmente Lady Macbeth à demência, sem que os protagonistas pudessem fazer qualquer coisa para se defenderem, sem que nenhum dique pudesse ter sido construído.

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