O Mal-Estar e a Cegueira na Gran Costumbre: Uma leitura de Historia de Cronopios y de Famas

July 7, 2017 | Autor: Wal Oliveira Junior | Categoria: Sigmund Freud, Julio Cortázar, Literatura Hispanoamericana, Ensaio Sobre a Cegueira
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O Mal-Estar e a Cegueira na Gran Costumbre:

Uma leitura de Historia de Cronopios y de Famas

Mas pra quem sabe olhar A flor também é ferida aberta E não se vê chorar Chico Buarque, Dura na queda

Introdução O objetivo deste texto é realizar uma leitura de Historia de Cronopios y de Famas, do escritor Julio Cortázar, a partir do que proponho chamar aqui de Mal Estar e Cegueira na Gran Costumbre. Tentarei demonstrar, após a explanação dos termos citados, de que modo a obra em questão tenta subvertê-los e destruí-los pela linguagem. Defino como Mal Estar e Cegueira na Gran Costumbre a conjunção de dois elementos: o Mal Estar, criado por Freud em O Mal Estar na Civilização; e a Cegueira, metaforizada por Saramago, na alegoria de seu romance Ensaio sobre a Cegueira. Três aproximações, uma convergência? Freud apresenta, na obra acima citada, a Cultura como produtora de mal-estar nos seres humanos, face ao antagonismo não suplantável entre o exigido pela pulsão e civilização. Desta forma, o indivíduo é anulado em prol da civilização: para que esta se desenvolva, o sujeito precisa arcar com a renúncia à satisfação da pulsão, com prejuízo para o desejo e agressividade. Por isso, o sujeito está contra a civilização, já que em toda a coletividade há tendências destrutivas, antissociais e anti-culturais. A civilização estabelece, assim, batalha constante contra o sujeito e sua liberdade, e o poder do indivíduo é substituído pelo poder da comunidade, e a cautela é posta antes do gozo, gerando o mal estar no sujeito. A Gran Costumbre é para Cortázar um "mundo regido más o menos armoniosamente por un sistema de leyes, de principios, de relaciones de causa a efecto, de psicologías definidas, de geografías bien cartografiadas”. É esse o mundo das formas rígidas e de ideologia burguesa, e não outro marco temporal que não modernidade e pós modernidade, e a organização de uma realidade que expressará nas artes, mas também será criticada por esta. É um modus operandi de se relacionar com o real que não admite fins que não sejam os “úteis”, onde não são toleradas alteridades, e “mesmo” é a palavra de ordem. Já a Cegueira é tomada da metáfora do romance Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. Neste livro, o autor apresenta uma crítica à civilização ocidental, que foi deixando de perceber o horror de seus atos e da própria forma de organização políticoeconômica e social em suas sociedades, nas quais a coletividade perdeu a capacidade de reparar na exploração e manipulação às quais é submetida, e o horror que disso advém.

Da convergência dos três elementos anteriores, proponho o Mal Estar e Cegueira na Gran Costumbre, os quais História de Cronopios e de Famas explicita para, em seguida desestabilizar. Se a civilização ocidental desde a modernidade vive sob a égide da Gran Costumbre, que opacifica e cega o olhar para o mundo, e induz o olhar para o real, nem toda coletividade se acostuma e haverá os que, recusando o Mal Estar de viver num mundo assim organizado, ressignificam seus olhares através do plano estético, como o Gran Cronopio, Julio Cortázar. Assim, em uma realidade estruturada temporal, espacial e idealmente para produção, consumo, padronização e domesticação, seja de coisas ou indivíduos, e na qual o espetáculo perpassa todas essas esferas, a luta contra a Gran Costumbre e o que ela implica, não se dá senão pela sua destruição, ainda que o sujeito que se atreva esteja apático, como veremos agora. Desse modo, uma batalha se estabelecerá no plano discursivo, como entre tantos outros contos e romaces cortazarianos. O Gran Cronópio abalará esteticamente as bases da opacidade do que se considera ordenado, estabelecido e estruturado, um mundo conformado até os últimos detalhes, e do qual faz emergir, através da descontrução, a sua poética, como o mal estar expressado pelo protagonista em Carta a una señorita en París:

Ah, querida Andrée, qué difícil oponerse, aun aceptándolo con entera sumisión del propio ser, al orden minucioso que una mujer instaura en su liviana residencia. Cuán culpable tomar una tacita de metal y ponerla al otro extremo de la mesa, ponerla allí simplemente porque uno ha traído sus diccionarios ingleses y es de este lado, al alcance de la mano, donde habrán de estar. Mover esa tacita vale por un horrible rojo inesperado en medio de una modulación de Ozenfant, como si de golpe las cuerdas de todos los contrabajos se rompieran al mismo tiempo con el mismo espantoso chicotazo en el instante más callado de una sinfonía de Mozart. Mover esa tacita altera el juego de relaciones de toda la casa, de cada objeto con otro, de cada momento de su alma con el alma entera de la casa y su habitante lejana. Y yo no puedo acercar los dedos a un libro, ceñir apenas el cono de luz de una lámpara, destapar la caja de música, sin que un sentimiento de ultraje y desafío me pase por los ojos como un bando de gorriones.

Instruções para não morrer (cada dia) em vida

História de Cronopios y de Famas é um livro publicado em 1962 pelo escritos argentino Julio Cortazar, e no qual se destacam os personagens homônimos da obra. Estes são apresentados ao leitor sem descrições prévias, sem contextualização, como se fossem já conhecidos por quem lê as histórias onde figuram. Há apenas vagas menções como “seres verdes y húmedos” (cronópios) ou criaturas “asistidas de peces de flauta” (esperanzas) ou ”buenos” (famas), que ao invés de aclara frustram (ou instigam?) ou leitor. Entretanto, é possível ver nos Famas os indivíduos que vivem sob o modo de olhar da Gran Costumbre, as esperanças como sujeitos inertes, sem posição definida, e os Cronópios como os que não suportam o Mal Estar, e, pelo lúdico, contestam o status quo do estado de Cegueira.

Organizado em pequenos relatos distribuídos em quatro partes

- Manual de

Instruccines, Ocupaciones Raras, Materia Plástica e Historia de Cronopios y de Famas – o livro trabalha a linguagem, espaço e tempo dos personagens e da própria narrativa de modo a escapar às formas preestabelecida. E o faz, no plano estético, pelo humor, a paródia, a ingenuidade e até o no sense, por formas não previsíveis, tanto que é difícil enquadrar a obra em algum gênero, em exemplos como um relógio feito de alcachofra e que é comido ao final, instuções para subir uma escada, uma tia que tem medo de cair de costas, um camelo que é declarado “persona non grata” e uma família que constrói um patíbulo, entre outras histórias, cheias de pequenos incidentes dramáticos. Há, na estrutura da obra, uma progressão clara e lógica, seguindo o texto da primeira parte, uma espécie prólogo, e levando finalmente à exemplificação das discussões iniciais nos Famas, Cronopios e Esperanzas. Este primeiro texto explicita a brutalidade do cotidiano, e só a partir dele e com ele é possível ler criticamente o livro. Ao final, por exemplo, percebemos que o prólogo é materializado nas histórias dos últimos personagens, e a sensação de absurdo não é mais a de seres inclassificáveis ou linguagens novas, mas o pensamento da Cegueira e a Gran Costumbre, causando seu mal estar, no qual o hábito transveste as coisas mas com as quais a estranheza faz o leitor justamente ver que o absurdo é uma civilização que tem a barbárie e uma forma de organização como costume. Portanto, em torno do núcleo que desencadeia todo o texto, haverá uma tensão constante contra o modo aprendido de olhar para o real, olhar opacificado da cegueira e do mal

estar, no qual o mundo se torna uma massa pegajosa, amálgama de sujeitos em função de um espaço-tempo que não é senão o tempo de organizado em função do trabalho, tempo que portanto deve ser produtivo, cronometrado, e todo ato deve supor uma tarefa. Assim, um fim é instituído para todo o meio, não prevendo outra relação com o tempoespaço que não seja a de mercantilização de espaço-tempo-sentimentos, e sujeito que não se adapte poderá estar fadado à exclusão, como os próprios personagens cronopios. Passemos à análise mais detida dos quatro parágrafos do prólogo:

La tarea de ablandar el ladrillo todos los días, la tarea de abrirse paso en la masa pegajosa que se proclama mundo, cada mañana topar con el paralelepípedo de nombre repugnante, con la satisfacción perruna de que todo esté en su sitio, la misma mujer al lado, los mismos zapatos, el mismo sabor de la misma pasta dentífrica, la misma tristeza de las casas de enfrente, del sucio tablero de ventanas de tiempo con su letrero «Hotel de Belgique».

Há aqui os elementos que conformam a relação com o cotidiano, que se mostra em si mesma como tarefa, algo a ser cumprido, todos os dias, a tarefa do mesmo, e na qual a relação com pessoas, objetos, experiências sensoriais e sentimentos situa-se em igual plano: mulher, sapato, sabor de pasta de dentes, tristeza. Esse imutável modus operandi, mal estar no cotidiano, que conforma o ser humano para a satisfação canina do mesmo e para qual toda ação deve ter um fim útil Esse mal estar exige do sujeito face à sua relação com o mundo um esforço, no qual a realidade é vista como massa pegajosa conformada pela Gran Costumbre. Dessa forma, o movimento do sujeito não se dá de forma natural, mas abrindo caminho, tarefa exaustiva, como amolecer um tijolo [de vidro]. Essa relação se dá a partir da dos elementos domésticos da casa e do espaço da cidade, no qual está inserida, com as casas em frente e estabelecimentos, cuja poeira do cotidiano se deposita sobre as coisas, como o letreiro estanque, tristes pela visão do sujeito que as olha, porque este está cansado, é o sujeito do mal estar, com sua visão opacificada. E essa relação, no modo de narrar se dá através da repetição –mismo/misma - e de verbos no infinitivo, que dão a ideia de continuidade interminável, verdadeiras instruções para morrer em vida.

Meter la cabeza como un toro desganado contra la masa transparente en cuyo centro tomamos café con leche y abrimos el diario para saber lo que ocurrió en cualquiera de los rincones del ladrillo de cristal. Negarse a que el acto delicado de girar el picaporte, ese acto por el cual todo podría transformarse, se cumpla con la fría eficacia de un reflejo cotidiano. Hasta luego, querida. Que te vaya bien.

É a partir deste parágrafo que a luta explícita entre a Gran Costumbre e sua não aceitação se instala. Não há outro meio de sair do Mal Estar senão pela tomada de posição que implica o passo, à força, feita pelo sujeito apático, mas é esse o sujeito inconformado, incomodado com o estado de coisas, pois o conformado tem uma satisfação canina. Um mundo que se conforma ideologicamente a partir do sujeito e espacialmente a partir da casa, em seus ritos pequenp-burgueses expressados pelo café com leite e a leitura midiática do mundo – um discurso que cega, mas que repara muito bem, se tal paradoxo é possível. A cena matutina cotidiana desenhada neste parágrafo converge para a negação, pois o sujeito no momento em que se desloca de um espaço a outro, quais sejam a casa e o núcleo familiar, para o fora, a cidade, e os muitos outros que a habitam, tem uma possibilidade de abrir os olhos, ao girar a maçaneta, representação simbólica deste deslocamento, mas o nega: é um ato que fica no vazio, e o espaço-mundo que se lhe apresentará diante de si é o mesmo, segue sendo tão somente um reflexo do indivíduo tornado autômato, cego, o sujeito do mal estar da Gran Costumbre da cidade pos moderna O reflexo cotidiano que não reflete sobre si é forma eficaz de domesticação e esvazia as palavras e relações de sentido “Hasta luego, querida. Que te vaya bien..”

Apretar una cucharita entre los dedos y sentir su latido de metal, su advertencia sospechosa. Cómo duele negar una cucharita, negar una puerta, negar todo lo que el hábito lame hasta darle suavidad satisfactoria. Tanto más simple aceptar la fácil solicitud de la cuchara, emplearla para revolver el café.

Há uma relação com os objetos que também se torna cotidiana, mas o touro, que está apático, porque o mesmo é morrer em vida, pelo menos quer outra possibilidade que não a Cegueira e o Mal Estar. Essa latência que emana dos objetos é uma advertência para o homem da Gran Costumbre e negá-la é negar outra possibilidade de ver, que não admita outro fim que não o útil, e o hábito vai lambendo, e a realidade vai se tornando suavizando, já que em sua forma bruta é insuportável. Forma bruta do hábito que conforma o ciclo das horas de trabalho convergidas para as poucas horas de consumo, hábito intermediário, de algo surdo, uma latência que nos faz suspeitar lá no fundo e gera o Mal Estar, embora o mais fácil seja aceitar o pragmatismo. A satisfação não supõe questionamento.

Y no que esté mal si las cosas nos encuentran otra vez cada día y son las mismas. Que a nuestro lado haya la misma mujer, el mismo reloj, y que la novela abierta sobre la mesa eche a andar otra vez en la bicicleta de nuestros anteojos, ¿por qué estaría mal? Pero como un toro triste hay que agachar la cabeza, del centro del ladrillo de cristal empujar hacia afuera, hacia lo otro tan cerca de nosotros, inasible como el picador tan cerca del toro. Castigarse los ojos mirando eso que anda por el cielo y acepta taimadamente su nombre de nube, su réplica catalogada en la memoria. No creas que el teléfono va a darte los números que buscas. ¿Por qué te los daría? Solamente vendrá lo que tienes preparado y resuelto, el triste reflejo de tu esperanza, ese mono que se rasca sobre una mesa y tiembla de frío. Rómpele la cabeza a ese mono, corre desde el centro de la pared y ábrete paso. ¡Oh, como cantan en el piso de arriba! Hay un piso de arriba en esta casa, con otras gentes. Hay un piso de arriba donde vive gente que no sospecha su piso de abajo, y estamos todos en el ladrillo de cristal. Y si de pronto una polilla se para al borde de un lápiz y late como un fuego ceniciento, mírala, yo la estoy mirando, estoy palpando su corazón pequeñísimo, y la oigo, esa polilla resuena en la pasta de cristal congelado, no todo está perdido. Cuando abra la puerta y me asome a la escalera, sabré que abajo empieza la calle; no el molde ya aceptado, no las casas ya sabidas, no el hotel de enfrente; la calle, la viva floresta donde cada instante puede arrojarse sobre mí como una magnolia, donde las caras van a nacer cuando las mire, cuando avance un poco más, cuando con los codos y las pestañas y las uñas me rompa minuciosamente contra

la pasta del ladrillo de cristal, y juegue mi vida mientras avanzo paso a paso para ir a comprar el diario a la esquina.

Esse último parágrafo culmina a luta do sujeito contra a Cegueira e Mal Estar na Gran Costumbre. Não é possível sair da opacidade senão destruindo-a, para fora do espaço do mesmo, e em numa busca pela alteridade, pelo outro. Tal passo ocorrerá não de outra forma que não pela vontade do sujeito, em tanto que as coisas não se darão por si mesmas, há que ir e buscá-las, e não ter a posição de alguém que treme de frio e se coça, posição cômoda, a posição do esperar. É, finalmente, através da poética que essa relação se dá, e o indivíduo consegue romper a massa opaca de vidro. Assim, tudo está em nossa percepção e ela depende o que estejamos dispostos a ver. Ou somos macaco que treme e espera ou touro, que mesmo apático, busca modos de não morrer (cada dia) em vida.

Cinco histórias que são uma

PREÁMBULO A LAS INSTRUCCIONES PARA DAR CUERDA AL RELOJ Piensa en esto: cuando te regalan un reloj te regalan un pequeño infierno florido, una cadena de rosas, un calabozo de aire. No te dan solamente el reloj, que los cumplas muy felices y esperamos que te dure

porque es de buena marca, suizo con áncora de rubíes; no te regalan solamente ese menudo picapedrero que te atarás a la muñeca y pasearás contigo. Te regalan —no lo saben, lo terrible es que no lo saben—, te regalan un nuevo pedazo frágil y precario de ti mismo, algo que es tuyo pero no es tu cuerpo, que hay que atar a tu cuerpo con su correa como un bracito desesperado colgándose de tu muñeca. Te regalan la necesidad de darle cuerda todos los días, la obligación de darle cuerda para que siga siendo un reloj; te regalan la obsesión de atender a la hora exacta en las vitrinas de las joyerías, en el anuncio por la radio, en el servicio telefónico. Te regalan el miedo de perderlo, de que te lo roben, de que se te caiga al suelo y se rompa. Te regalan su marca, y la seguridad de que es una marca mejor que las otras, te regalan la tendencia a comparar tu reloj con los demás relojes. No te regalan un reloj, tú eres el regalado, a ti te ofrecen para el cumpleaños del reloj.

Aqui há uma relação entre objeto de consumo de massa, o relógio de pulso, desvelando o fim a que se destina, escondido por trás da aparente beleza e grife. O relógio é em si mesmo um sintoma da ideologia capitalista, pois o tempo de vida é regido pelo tempo de produção, da fábrica, escritórios e o tempo de consumo. E é justamente a mercadoria sob a luza (ou escuridão?) do feitiche que faz valer as horas intermináveis de um dia de trabalho autômato. Esse relógio, mercadoria que é, foi sacralizado, pois é de tem marca e atributos estéticos específicos, e precisa ser tratado cuidadosamente: possuir a mercadoria é também estar sob o medo constante de perdê-la, em outras palavras, é ser possuído por ela. Portanto, o sujeito é que está em função da mercadoria, e não vice-versa. A relação com outros sujeitos e suas alteridades não é cogitada, aliás sempre haverá um padrão, e a mercadoria é comparada com outras mercadorias, como o próprio indivíduo coisificado, na Gran costumbre que também é a sociedade do espetáculo. Aqui é possível ler o primeiro parágrafo do prólogo.

CORREOS Y TELECOMUNICACIONES Una vez que un pariente de lo más lejano llegó a ministro, nos arreglamos para que nombrase a buena parte de la familia en la sucursal de Correos de la calle Serrano. Duró poco, eso sí. De los tres días que estuvimos, dos

los pasamos atendiendo al público con una celeridad extraordinaria que nos valió la sorprendida visita de un inspector del Correo Central y un suelto laudatorio en La Razón. Al tercer día estábamos seguros de nuestra popularidad, pues la gente ya venía de otros barrios a despachar su correspondencia y a hacer giros a Purmamarca y a otros lugares igualmente absurdos. Entonces mi tío el mayor dio piedra libre, y la familia empezó a atender con arreglo a sus principios y predilecciones. En la ventanilla de franqueo, mi hermana la segunda obsequiaba un globo de colores a cada comprador de estampillas. La primera en recibir su globo fue una señora gorda que se quedó como clavada, con el globo en la mano y la estampilla de un peso ya humedecida que se le iba enroscando poco a poco en el dedo. Un joven melenudo se negó de plano a recibir su globo, y mi hermana lo amonestó severamente mientras en la cola de la ventanilla empezaban a suscitarse opiniones encontradas. Al lado, varios provincianos empeñados en girar insensatamente parte de sus salarios a los familiares lejanos, recibían con algún asombro vasitos de grapa y de cuando en cuando una empanada de carne, todo esto a cargo de mi padre que además les recitaba a gritos los mejores consejos del viejo Vizcacha. Entre tanto mis hermanos, a cargo de la ventanilla de encomiendas, las untaban con alquitrán y las metían en un balde lleno de plumas. Luego las presentaban al estupefacto expedidor y le hacían notar con cuánta alegría serían recibidos los paquetes así mejorados. «Sin piolín a la vista», decían. «Sin el lacre tan vulgar, y con el nombre del destinatario que parece que va metido debajo del ala de un cisne, fíjese.» No todos se mostraban encantados, hay que ser sincero. Cuando los mirones y la policía invadieron el local, mi madre cerró el acto de la manera más hermosa, haciendo volar sobre el público una multitud de flechitas de colores fabricadas con los formularios de los telegramas, giros y cartas certificadas. Cantamos, el himno nacional y nos retiramos en buen orden; vi llorar a una nena que había quedado tercera en la cola de franqueo y sabía que ya era tarde para que le dieran un globo.

A familia de Ocupações Raras ressignifica a realidade imposta pelo Mal Estar e Cegueira na Gran Costumbre. Ainda que sejam a mesma mãe, pai irmão, não é uma relação de igual plano para pessoas e objetos, como em “La misma mujer, los mismos sapatos”. É distinto o modo de olhar para as coisas, na luta contra a miséria do cotidiano,

luta lúdica, sim, mas luta, imagem não tão explícita como a do touro apático. Pela via lúdica, a família transforma um lugar no qual a burocracia é palavra de ordem em um locus da relação com o outro, embora seja possível conciliar a tarefa. É não com pouco assombro que as pessoas recebem balões e ouvem de sujeitos que não toleram o comum. Ainda quando parece não haver mais possibilidade do lúdico, após a invasão da polícia ao estabelecimento, pois a Gran Costumbre é institucionalizada e a Cegueira é conformada a partir e pelo do Estado, que esse não só vê, mas repara muito bem, a família encontra uma saída e joga flechas sobre o público.

MARAVILLOSAS OCUPACIONES Qué maravillosa ocupación cortarle una pata a una araña, ponerla en un sobre, escribir Señor Ministro de Relaciones Exteriores, agregar la dirección, bajar a saltos la escalera, despachar la carta en el correo de la esquina. Qué maravillosa ocupación ir andando por el bulevar Arago contando los árboles, y cada cinco castaños detenerse un momento sobre un solo pie y esperar que alguien mire, y entonces soltar un grito seco y breve, y girar como una peonza, con los brazos bien abiertos, idéntico al ave cakuy que se duele en los árboles del norte argentino. Qué maravillosa ocupación entrar en un café y pedir azúcar, otra vez azúcar, tres o cuatro veces azúcar, e ir formando un montón en el centro de la mesa, mientras crece la ira en los mostradores y debajo de los delantales blancos, y exactamente en medio del montón de azúcar escupir suavemente, y seguir el descenso del pequeño glaciar de saliva, oír el ruido de piedras rotas que lo acompaña y que nace en las gargantas contraídas de cinco parroquianos y del patrón, hombre honesto a sus horas. Qué maravillosa ocupación tomar el ómnibus, bajarse delante del Ministerio, abrirse paso a golpes de sobres con sellos, dejar atrás al último secretario y entrar, firme y serio, en el gran despacho de espejos, exactamente en el momento en que un ujier vestido de azul entrega al Ministro una carta, y verlo abrir el sobre con una plegadera de origen histórico, meter dos dedos delicados y retirar la pata de araña, quedarse mirándola, y entonces imitar el zumbido de una mosca y ver cómo el Ministro palidece, quiere tirar la pata pero no puede, está atrapado por la pata, y darle la espalda y salir, silbando, anunciar en los pasillos la renuncia del

Ministro, y saber que al día siguiente entrarán las tropas enemigas y todo se irá al diablo y será un jueves de un mes impar de un año bisiesto.

Esse texto joga contra a consecução de fins úteis, através do sujeito que vai atuando de maneira lúdica a todo o momento em ações cotidianas como andar pela rua e entrar em uma lanchonete. Esse indivíduo se sabe observado pela coletividade e o assombro que nela causa por romper com as normas implícitas da Gran Costumbre, e causa Mal Estar, pois em algum momento os que o observam podem chegar a se questionar de seu próprio estado. E é da rua para o espaço físico do poder que o sujeito vai questionar a Gran Costumbre pela subversão, e também os ritos artificiais, as cerimônias burocráticas, e a seriedade do espaço físico, para ao final dar as costas, ou seja,buma total subversão à ritualização e previsibilidade.

COSTUMBRES DE LOS FAMAS Sucedió que un fama bailaba tregua y bailaba cátala delante de un almacén lleno de cronopios y esperanzas. Las más irritadas eran las esperanzas porque buscan siempre que los famas no bailen tregua ni cátala sino espera, que es el baile que conocen los cronopios y las esperanzas. Los famas se sitúan a propósito delante de los almacenes, y esta vez el fama bailaba tregua y bailaba cátala para molestar a las esperanzas. Una de las esperanzas dejó en el suelo su pez de flauta —pues las esperanzas, como el Rey del Mar, están siempre asistidas de peces de flauta— y salió a imprecar al fama, diciéndole así: —Fama, no bailes tregua ni cátala delante de este almacén. El fama seguía bailando y se reía. La esperanza llamó a otras esperanzas, y los cronopios formaron corro para ver lo que pasaría. —Fama —dijeron las esperanzas—. No bailes tregua ni cátala delante de este almacén. Pero el fama bailaba y se reía, para menoscabar a las esperanzas.

Entonces las esperanzas se arrojaron sobre el fama y lo lastimaron. Lo dejaron caído al lado de un palenque, y el fama se quejaba, envuelto en su sangre y su tristeza. Los cronopios vinieron furtivamente, esos objetos verdes y húmedos. Rodeaban al fama y lo compadecían, diciéndole así: —Cronopio cronopio cronopio. Y el fama comprendía, y su soledad era menos amarga.

Aqui o narrador apresenta os personagens Crónópios Famas e Esperanzas como se já fossem conhecidos do leitor, não há nenhuma descrição prévia, ainda que dê as características desses personagens, como os gostos. Os Cronópios representam aqueles que lutam de forma lúdica contra a Gran Costumbre e o que ela implica, e enquanto os Famas são indivíduo da Gran Costumbre, as esperanças são a figura do macaco que treme de frio sobre a mesa, não a esperança positiva, mas a mórbida. As Esperanças esperam que os Famas dancem os a ritmo que elas conhecem, apenas, não tolerando a diferença. Há, também, uma alusão ao espaço, pois não querem que dancem diante daquele armazém, ou seja, a diferença só é tolerada se não estiver ao alcance da vista e do julgamento. Embora esteja presente o elemento lúdico, fundamental no livro, a aqui luta se dá também no campo da violência física, uma tentativa de advertir, inibir e em último caso eliminar o outro.

LO PARTICULAR Y LO UNIVERSAL Un cronopio iba a lavarse los dientes junto a su balcón, y poseído de una grandísima alegría al ver el sol de la mañana y las hermosas nubes que corrían por el cielo, apretó enormemente el tubo de pasta dentífrica y la pasta empezó a salir en una larga cinta rosa. Después de cubrir su cepillo con una verdadera montaña de pasta, el cronopio se encontró con que le sobraba todavía una cantidad, entonces empezó a sacudir el tubo en la

ventana y los pedazos de pasta rosa caían por el balcón a la calle donde varios famas se habían reunido a comentar las novedades municipales. Los pedazos de pasta rosa caían sobre los sombreros de los famas, mientras arriba el cronopio cantaba y se frotaba los dientes lleno de contento. Los famas se indignaron ante esta increíble inconsciencia del cronopio, y decidieron nombrar una delegación para que lo imprecara inmediatamente, con lo cual la delegación formada por tres famas subió a la casa del cronopio y lo increpó, diciéndole así: —Cronopio, has estropeado nuestros sombreros, por lo cual tendrás que pagar. Y después, con mucha más fuerza: —¡Cronopio, no deberías derrochar así la pasta dentífrica!

A Cegueira e Mal Estar na Gran Costumbre não nos deixa prestar atenção nos detalhes e natureza. A metáfora de desfazer de um objeto/produto de uso cotidiano, massificado, em prol da poesia ou de outras formas de olhar, não é tolerada pelos sérios e burocáticos famas, e como burgueses, são “práticos” e comentam as novidade municipais. Os famas estão irritados porque há desperdício de um produto, já que sociedade de massificação tem a pretensa / suposta preocupação com o conjunto, e porque seus chapéus foram danificados, além do que não toleram aquilo que fuja à consecução de fins úteis.

Conclusão A partir dos elementos apresentados – Mal Estar, Cegueira e Gran Costumbre – e a relação feita entre eles com o prólogo de Manual de Instrucciones e outros cinco relatos de História de Cronopios y de Famas, pretendi demosntrar, ou pelo menos esboçar, a luta no campo estético contra a miséria do comum, feita por Cortázar através da paródia, do humor, da descontrução, na obra aqui apresentada. A depender da avaliação da pertinência do tema, este trabalho poderá se desenvolver ou tomar outros caminhos, abrirse em outros temas em, quem sabe, uma futura pós-graduação. As Histórias de Cronopios y de Famas e suas lúdicas visões são, por que não, são a minha história, a história de todos nós. Declaro-me, portanto, desde já e sempre, um autêntico cronopio, e eis que desperto

amanhã e sou úmido e verde, cuidado, cuidado cronopio, pois os Famas as Esperanças te irão varre porta a fora. Não sem que antes apático eu lute, e então alcanço na estante Rayuela, e outra batalha começa.

Bibliografia ARRIGUCCI, Davi. O escorpião encalacrado (a poética da destruição em Julio Cortázar). São Paulo: Pespectiva, 1973. BOERGESON, Paul W. Jr. Historia de Cronopios y de famas: un guía para leer a Cortázar. Simposio presentado en Universidad de Latinoamérica. Caracas, 1984. CORTÁZAR, Julio. Historias de Cronopios y de Famas. In: Cuentos Completos. Buenos Aires: Punto de Lectura, 2004. -

Carta a una señorita en París. Bestiario. Cuentos Completos. Buenos Aires: Punto de Lectura, 2004.

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Algunos aspectos del cuento. Cuadernos Hispanoamericanos. Alicante : Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2009.

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Del cuento breve y sus alrededores. Cuadernos Hispanoamericanos. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2009.

FREUD, Sigmund. El mal estar en la civilización. Buenos Aires: Cuadernos Universitarios, 1990. SARAMAGO, José. Ensaio sobre a Cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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