O mar e a transformação do imaginário na praia de Tambaú em João Pessoa-PB.

July 26, 2017 | Autor: Thaise Gambarra | Categoria: Media and Cultural Studies, Urban Studies
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O MAR E A TRANSFORMAÇÃO DO IMAGINÁRIO DA PRAIA DE TAMBAÚ EM JOÃO PESSOA-PB. Thaise Gambarra-Soares1, Francisco de Assis da Costa1 1 Programa

de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal da Bahia. [email protected]; [email protected]

Resumo O objetivo da pesquisa é entender a ocupação da praia de Tambaú em João Pessoa – PB , as práticas sociais ali desenvolvidas e o imaginário criado sob a ótica da cultura do mar, a partir das representações, memórias e narrativas produzidas e divulgadas nos jornais e revistas locais e em consonância com os discursos realizados a nível nacional e internacional na primeira metade do século XX. Para tanto, será realizada uma discussão sobre a transformação do imaginário relacionado ao mar e a relação entre a cidade e a praia utilizando como estudo de caso a Praia de Tambaú. Acredita-se que compreender esse imaginário criado e representado pela mídia ajudaria a refletir sobre a história da cidade através de uma perspectiva do cotiadiano. Abstract The goals of this research is to elucidate the occupation of Tambaú beach in João Pessoa – PB, the social practices developed there and the imagery created under the sea culture perspective. This analyses was based on the representations, memories and stories created and published in local newspapers and magazines, in line with the speeches made in national and international media in the first half of twenty century. For that, we will discuss the transformation of the sea imagery and the relation between the city and the beach as a case study using the Tambaú beach. It is believed that understanding this imagery created and represented by the media would help to reflect on the history of the city through the perspective of quotidian. Palavras-chave Imaginário; Praia; Tambaú; Jornais; Revistas. Keywords Imaginary; Beach; Tambaú; Journal; Magazines.

1 A Cultura do mar: O mar e a transformação do imaginário O que vem a ser, realmente, Cultura? Essa é uma discussão recente. Foi a partir do século XIX que surgiram as preocupações sistemáticas em estudar sobre as Culturas humanas, a discutir de fato sobre Cultura. A definição mais comum é associar Cultura a educação, formação escolar ou manifestações artísticas. Entretanto, Cultura não se limita somente a isso. Cultura é tudo aquilo que caracteriza a existência social de um povo ou nação, as maneiras de conceber e organizar a vida social, seus aspectos materiais, ou ainda, de maneira mais específica, o conhecimento, as idéias e crenças, ou seja, um domínio da vida social (SANTOS, 1987, p.20). Entretanto, tal definição pode fazer com que se pense que a Cultura é uma realidade estanque, imóvel. Muito pelo contrário. As Culturas humanas são dinâmicas, elas estão sempre se modificando, e a principal vantagem de estudá-las é por contribuir para o

entendimento dos processos de transformação porque passam as sociedades contemporâneas. Dessa maneira, quando nos referimos a Cultura do Mar, estamos tratando do modo de pensar a vida, organizar a sociedade e suas crenças em relação ao mar e o uso da praia. Ou seja, como as sociedades enxergam o Mar, como elas se apropriam dele. É fato de que tais pensamentos e crenças se transformam ao longo dos anos e é sobre esses aspectos que iremos nos aprofundar adiante. Não foi sempre que o encanto das praias, a emoção dos banhistas que enfrentava as ondas, os prazeres da vida junto ao mar eram objetos de desejo da sociedade. Segundo Corbin (1989), a época clássica, com raras exceções, ignorava o desejo a beira-mar. Até o século XVIII, um conjunto de imagens repulsivas constituía as representações relacionadas ao imaginário do mar. Corbin fundamenta essa repulsa através das representações e interpretações Bíblicas, dominantes na época clássica, sobre o Dilúvio. Afirma que o mar constitui um “grande abismo, lugar de mistérios insondáveis, massa líquida sem pontos de referência, imagem do infinito, do incompreensível” (CORBIN, 1989, p.11). Dessa forma, as praias permanecem repletas de símbolos, com signos a espera de interpretação. Entretanto, será a partir do período entre 1750 a 1840 que o desejo coletivo das praias terá seu despertar. Esse despertar surge como alternativa aos males da civilização. Por volta de 1750, as praias de mar começam a fazer parte de táticas de luta contra a melancolia e os desejos de acalmar as novas ansiedades. Somados a isso, médicos e higienistas passam a exprimir o receio e o desejo das vantagens do contato com as ondas do mar. O discurso médico aos poucos vai consagrando as virtudes da água fria e as vantagens do contato e temporadas junto ao mar, produzindo, assumindo e codificando essas novas práticas. É importante afirmar que não se trata apenas de uma mudança nas práticas relacionadas ao mar, mas de uma transformação ideológica, uma transformação na maneira de enxergar o mar e as praias. Associado ao banho de mar cresce a atenção dirigida a qualidade do ar. “O essencial desde então é respirar bem” e a praia possui tais qualidades. Assim, a moda do banho de mar nasce de um projeto terapêutico e a invenção da praia acompanha essas descobertas. A imagem da praia salubre e a qualidade do ar existente, associada à prática de exercícios, a partir de então se torna freqüente. Surgem os balneários e as temporadas a beira-mar que aos poucos vão adaptando os espaços das praias aos novos usos e as novas práticas junto ao mar. É dessa maneira que a Cultura do Mar se transforma ao longo dos anos e o imaginários das praias vão sendo criados. Tais transformações vão enunciar a maneira como hoje enxergamos o mar e as praias. Mas como é a relação entre a Cidade e o Mar? Como as práticas relacionadas ao mar influenciam o cotidiano das cidades? Um fator bastante significativo que contribui para consolidar as práticas relacionadas ao mar são os efeitos trazidos com a revolução Industrial. A Europa em meados do século XIX vivia um momento de industrialização intensa. Cidades como Londres, Paris e Barcelona, por exemplo, sofreram um aumento populacional significativo depois do processo de industrialização, e apresentavam condições de vida igualmente precárias, especialmente entre a classe mais pobre. As altas taxas de densidade demográfica acrescidas das condições insalubres das residências e ruas das cidades foram fatores determinantes para o alto índice de mortalidade existente na época. (SUTCLIFFE, 1994) Dessa maneira, as cidades não conseguiam suportar o peso de uma cidade em crescimento, as ruas medievais e barrocas não eram suficientes para o trânsito, as casas pareciam inadequadas face às exigências higiênicas da cidade

industrial, fazendo com que iniciassem as buscas por soluções para os problemas das cidades. As reformas, inicialmente de caráter higienista, iniciaram uma verdadeira transformação nas cidades. Essa situação ocorria em toda a Europa e no Brasil, mesmo que não exclusivamente por questões relativas a indústria, não seria diferente: as cidades passaram a adotar esse padrão normativo de higiene e modernidade. O grande crescimento demográfico brasileiro no início do século XX (ver tabela 01) e o desejo de alterar a fisionomia colonial das cidades, atrelados às preocupações higienistas devido às constantes epidemias, tornam o ambiente propício a reformas urbanas. O mesmo discurso médico, citado anteriormente ao falar sobre a Cultura do Mar, afirmava que uma cidade saudável precisava de uma boa circulação dos ventos e a exposição ao sol, pois a grande circulação de pessoas em um espaço insuficiente para a circulação do ar seria a grande causadora das epidemias existentes; dissipando as colônias de fungos e de bactérias, características dos ambientes úmidos e sombrios existentes naquele momento nas cidades. Essa teoria denominada, “Teoria dos Miasmas”, defendia que as doenças eram transmitidas pelos ares de uma atmosfera contaminada por estarem concentrados nos ambientes. Dessa maneira, além das ações reformistas que transformariam suas fisionomias, a Praia aparece como alternativa desse cenário caótico das cidades. Assim, inicialmente vistas como balneário, locais de veraneio, ocupados em determinadas épocas do ano ou finais de semana, lugar de fulga do cotidiano caótico das cidades, as praias gradativamente vão sendo incorporadas ao dia-a-dia das cidades. 2 Da Lagoa ao Mar: João Pessoa e sua relação com a praia Como visto anteriormente, a relação entre a Cidade e o Mar se transforma ao longo dos tempos surgindo a partir de uma necessidade médica e relacionada à melhoria da qualidade de vida. Em João Pessoa, essas transformações não seriam diferentes. O aumento populacional seguido das reformas urbanas foram fatores fundamentais para possibilitar a existência e consolidação dessas novas práticas referentes ao mar. E como isso ocorre em João Pessoa? Para entender melhor sobre como se inicia essa relação da cidade de João Pessoa com o mar é necessário uma breve contextualização urbana, histórica e social a partir do século XX. Com a chegada da República e em consonância com o espírito de modernização urbanística, as reformas urbanas começariam a acontecer não procedendo em uma única fase. A necessária implementação da infraestrutura básica, que inexistia até o início do século XX, pois a cidade se resumia a área próxima ao rio Sanhauá, ocupou todos os esforços do poder público que lentamente ia dotando a capital das condições necessárias à essa expansão. Inicialmente, não havia um planejamento a ser implantado, mas única e exclusivamente vontade política de atuar pontualmente, em especial nos prédios e logradouros públicos. O ambiente urbano, apesar de tudo se modificaria perdendo muito do seu ar colonial. Foi durante o Governo de João Machado, entre 1908 e 1912, que se iniciam as transformações na cidade através de medidas sanitárias, sendo o abastecimento de água sua principal prioridade. Outras ações como prolongamentos e alargamentos de ruas, demolições de casas objetivando a construção de praças fizeram parte desse urbanismo dito cirúrgico, um processo de modernização urbana, que buscava adaptar o antigo tecido às novas tecnologias de transporte e infra-estrutura urbana, utilizando o trinômio presente no discurso político da época: embelezar, sanear e circular.

Paralelo a esse processo, outro se desenvolvia. A cidade se expandia, ocupando áreas cada vez mais distantes do núcleo central, demandando a expansão da malha viária e dos serviços urbanos. A implantação da Companhia Ferro Carril Parahybana, fundada ainda no primeiro governo Álvaro Machado/Walfredo Leal, em 19 de abril de 1895, possibilitou a ampliação do perímetro urbano e os novos vetores que iriam em direção a Rua das Trincheiras (ao Sul), Tambiá (à Leste), Jaguaribe (à sudeste). Nessas áreas de expansão foram construídas, conforme as aspirações de progresso da época, belas moradias para as classes mais abastadas. Implantadas em lotes de dimensões generosos, com jardins a contorná-las, eram símbolos de uma maneira de morar em conformidade com os novos conceitos de higiene e conforto. As novas avenidas e suas belas residências imprimiram à paisagem um aspecto bastante diferente daquele das ruas estreitas e das casas geminadas do centro da cidade. Foram os novos desejos e aspirações da cidade atreladas às reformas urbanas que possibilitaram essa expansão. O poder público ocupou-se da construção de um imaginário urbano moderno, criando “espaços símbolos” como a Parkway da Lagoa, uma avenida com 50 metros de largura, partindo do Parque Sólon de Lucena1 em direção a leste apontando o caminho de desenvolvimento em direção ao mar. Em 1906, Tambaú (leste) abrigava pequeno povoado que sobrevivia da pesca e da plantação de côco. Ali se encontrava ainda uma Capela – Capela de Santo Antônio, uma escola primária para o sexo masculino e poucas residências de veraneio (LEITÃO, 1999). Segundo Coutinho (2002), já na planta de 1855, elaborada por Alfredo de Barros e Vasconcelos, é possível identificar a freguesia de Tambaú, que se desenvolvia ao redor da Capela e era ocupada basicamente por uma modesta aldeia de pescadores. Trilhas em direção à orla marítima deveriam existir desde muito tempo, mas é em 1908 imbuídos dos novos conceitos sanitaristas que valorizavam os espaços abertos, que a praia de Tambaú entra na rota dos bondes criando outro pólo de veraneio fora Cabedelo2. A pequena distância existente entre a praia e a cidade – apenas 6 quilômetros – possibilitava os passeios durante o verão e nos fins de semana, e construía pouco a pouco os hábitos relacionados ao mar, ampliando as opções de lazer existentes numa cidade ainda provinciana. Essa estrada, apesar de precária, conectava a cidade àquele núcleo ainda em formação. Um platô com mais de 40 metros acima do nível do mar, até proximidades do Rio Jaguaribe, seguidos de uma planície costeira representada por praias, terraços, restingas e manguezais recobriam todo o percurso entre a cidade e a Praia de Tambaú. A Floresta Atlântica ali existente assombrava a antiga estrada de Tambaú por onde passavam os primeiros bondes. Será durando o governo de Camilo de Holanda (1916-1920), com a intenção inicial da construção de um porto3, que iniciará a abertura da Avenida Epitácio Pessoa, uma grande avenida planejada que ligava o Centro da Cidade e a praia de Tambaú. Assim, partindo da futura Usina Cruz do Peixe, que mais tarde traria iluminação para a cidade e ficava localizada mais a leste do Tambiá, a avenida seguiria o eixo oeste1

Antiga Lagoa dos Irerês, considerada uma área insalubre por concentrar um grande volume de águas estagnadas, tornando um obstáculo para o crescimento da cidade. Em 1913 é elaborado um projeto de urbanização e saneamento pelo engenheiro sanitarista Saturnino de Brito. 2 Balneário mais a Nordeste da cidade de João Pessoa. Hoje, cidade limítrofe do município. 3 O Porto naquele momento (1920) estava situado às margens do Rio Sanhauá na cidade Baixa. Entretanto, tendo em vista que a pouca profundidade do Rio Sanhauá não permitia a circulação de navios de grande porte, cogitou-se transferir o Porto para a Praia de Tambaú. Essa possibilidade logo foi descartada.

leste cerca de 6 quilômetros e teria 30 metros de largura. Embora precária, estava aberta a ligação entre o Centro da Cidade e a Praia de Tambaú, permitindo o desenvolvimento de diversos bairros na sua extensão e possibilitando a consolidação da ocupação das Praias da Cidade de João Pessoa. Um projeto moderno, que visava a integrar a cidade àqueles hábitos praianos considerados saudáveis, um respiro de modernidade frente ao traçado colonial existente na capital. Em 1930, o Prefeito José de Ávila Lins encarregou o Engenheiro Alfredo Cihar de elaborar uma planta da cidade, onde já ficava delineado o primeiro traçado urbano da povoação com a projeção de suas primeiras ruas. Deusdedit Leitão em seu livro Ruas de Tambaú (1999), afirma que esse desenvolvimento urbano inicial ocupou apenas as ruas mais próximas da orla marítima, com a construção de modestas casas para a temporada de veraneio. Como é possível observar através do mapa elaborado por Coutinho (2002), e baseado no mapa de 1930: uma expansão urbana e seu gradativo avanço em direção ao mar.

Fig. 01 - Mapa com as áreas de expansão da cidade até a década de 1930. Em amarelo (1910): ocupação inicial da região praieira; Em azul (1920): Grande área de crescimento, com a criação de uma trama regular no centro da cidade e primeira iniciativa de abertura da avenida Epitácio Pessoa-PB, que liga o núcleo urbano à praia de Tambaú, e consolidação de um conjunto urbano nessa praia; Em vermelho (1930): Grande área de crescimento, dando continuidade ao partido regular do traçado, consolidando bairros em direção à orla, sobretudo nos primeiros trechos da Avenida Epitácio Pessoa, reformada nesse momento e que leva o centro da cidade à praia de Tambaú. Fonte: COUTINHO, 2004.

2.1 Tambaú e a “descoberta” da praia Como dito anteriormente, a ocupação da praia ocorre de maneira gradativa e se dá, inicialmente, com a construção de casas de veraneio (residências de férias) nos terrenos vazios, ocupando ou substituindo aldeias de pescadores existentes no local. A cultura do mar vai se tornar fator determinante para a ocupação e desenvolvimento desse espaço, modificando inclusive os hábitos e comportamentos da população. Assim, seguindo o exemplo de famosos balneários e a partir de um desejo de ser moderno e de uma modernidade marcada por bens de consumo norte-americanos e

pelo american way of life, o litoral passa a ser visto como área de lazer, um ambiente aprazível e salutar, evidenciado pelas reportagens de capas das revistas norteamericanas como Life, ou nacionais como O Cruzeiro, e que se reproduzem na mídia local através da Revista Manaíra.

Fig. 02, 03 e 04 – Life, O Cruzeiro e Manaíra, revistas de circulação internacional, nacional e local indicam o modo de vida. Fonte: Life Magazine 13 de janeiro de 1941; Revista O Cruzeiro dezembro de 1928; Revista Manaíra Janeiro de 1947.

São revistas de grande importância dentro de seus contextos (internacional, nacional e local) e buscavam atingir interesses diversos do público, tratando dos mais variados temas como cultura, esportes, política, saúde, ciência, culinária, celebridades, etc. Características indicativas das expressões da cultura, mas principalmente dos desejos da sociedade; ser como os cariocas ou como os norte-americanos; modernos. Através do uso e criação destas imagens, essas revistas traduzem desejos e criam necessidades. No âmbito urbanístico estes desejos e necessidades implicam numa requalificação territorial, construída essencialmente a partir da imagem do desejo, embora esta imagem, aparentemente, nada tenha que ver com negócios imobiliários. Efetivamente, ao observarmos as três capas percebe-se que sempre que a praia é trazida como matéria de capa faz-se relação a um modo de vida saudável, ambiente relaxante e agradável, trazendo na maioria das vezes a mulher como protagonista, mas principalmente como símbolo indicativo de uma forma de vida urbana moderna. São imagens sedutoras, promotoras de um consumismo modernizador de espaços e costumes que buscavam ampliar a atuação da mulher e do homem, delimitando e reforçando alguns estereótipos. Como por exemplo, o do homem como chefe de família, ou ainda da mulher como dona de casa correta e sempre impecável. Esses estereótipos, ou representações sociais criadas, surgem como objetivo central para a vida adulta do indivíduo moderno. Mas porque é a mulher o símbolo e protagonista da cena ao tratarmos de praia? Seria uma maneira de mostrar o corpo feminino? Ou seria mais um estereótipo sugerindo a idéia de busca pela beleza e reforçando esse ideal como parâmetro de feminilidade?

Fig. 05 – A Bela e a Praia. A mulher como protagonista da cena na praia de Tambaú. Fonte: Jornal A União, 26 março de 1968, p.01

A maioria das colunas nessas três revistas são dedicadas às mulheres, pois quase não publicam colunas que ajudem os homens a resolverem questões amorosas, sociais, culturais ou financeiras. De fato, segundo Luciana Klanovicz, em seu artigo sobre Os corpos masculinos nas revistas O Cruzeiro (1946-1955), se as colunas dedicadas ao gênero masculino são raras, abundavam imagens publicadas para o homem. Nesse caso, atingindo tanto o público masculino quanto o feminino, as imagens além de mostrar o corpo da mulher e reforçar o ideal de beleza, produziram o estereótipo de que a praia é um ambiente de lazer e ser saudável freqüentado por mulheres bonitas e esculturais de classe social média e alta. A partir do que foi afirmado, vale a pena ressaltar dois pontos: o primeiro relacionado à preocupação com a aparência, questão muito discutida na contemporaneidade e próprio do indivíduo moderno. Sobre essa questão, Simmel (1950, apud KLANOVICZ, 2010) afirma que a boa aparência, requisito individualista, não valida apenas o indivíduo dentro da sociedade, mas impulsiona sua própria autossatisfação em benefício da sociedade como um todo. Assim, essas imagens sobre a mulher constituem uma espécie de esfera representativa de ideal de beleza e feminilidade; o segundo relacionado a intenção de segregação social imposta através de um discurso elitista. Assimilando tais discursos e posturas, a sociedade pessoense incorpora ao seu dia a dia a cultura da praia, sob forte influência americana e carioca, segundo se observa a partir dos exemplares pesquisados da Revista Manaíra. É a incorporação, na Revista Manaíra, da mesma linguagem e dos mesmos discursos das revistas Life e O Cruzeiro, que permite supor a existência de um desejo de inclusão, em João Pessoa, da mesma idéia urbanística que as revistas apresentam, através destas imagens, do Rio de Janeiro ou da Califórnia. Suspeita lógica se consideramos a crescente valorização das praias, distante 7 quilômetros do centro da cidade de João Pessoa e que nesse momento (1950) tem melhorada e pavimentada sua principal artéria de ligação entre o centro da cidade e a

praia. Tal realização proporciona então, o aumento do número de pessoas que freqüentam o local, seja de turistas vindos da cidade ou mesmo de outros Estados.

Fig. 06 – Pavimentação da Avenida Epitácio Pessoa. Melhorias na artéria de ligação entre o centro da cidade e a praia. Fonte: A União, 15 Outubro 1952, p.05.

Com isso, maiores são os investimentos realizados na intenção de adequar a sua infra-estrutura aos novos tempos. Ruas, praças e a própria calçadinha (como até hoje é conhecido o passeio que percorre toda a orla) recebem melhorias; esta última seguindo o modelo utilizado em Copacabana, ideal de modernidade. Equipamentos de serviços começam a ser implantados em maior número e os que já existiam, como é o caso do Elite bar, tradicional restaurante localizado na praia de Tambaú, entram no processo de reformas para assumir um caráter moderno. O desejo de ser moderno está presente em todo discurso observado nos jornais e revistas locais, discurso esse também inflamado a nível nacional. Embora não apareça associada à invenção da praia, Brasília é o exemplo melhor do promotor. Nesse momento, é comum ver-se associado o fato urbanístico ou arquitetônico com a imagem de seus promotores, como um atestado de certificação de qualidade, como se observa em todo o período da construção e inauguração de Brasília. Quando se fala em Brasília, lembramos de Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, os grandes promotores desse novo ideário moderno. Essa formula, é amplamente utilizada em revistas e jornais para se vender a idéia de modernidade. É o que de fato acontece ao analisarmos as imagens seguintes.

Fig. 07 e 08 – Lançamento da Pedra Fundamental do Hotel Hilton no Rio de Janeiro; Reinauguração do Elite Bar, restaurante emblemático localizado na praia de Tambaú. Fonte: Fato em Foco. O Cruzeiro, maio de 1960, p.13; O Elite. O Norte, João Pessoa, 29 Out.1967.

Nesses casos, mais importante do que o fato em si são os promotores dessa modernidade, que aparecem em primeiro plano e em destaque. Lembram-se da observação feita anteriormente sobre a segregação social imposta através de um discurso elitista? Pois bem, tal discurso pode ser verificado também nas imagens acima. No primeiro caso, cujo título da reportagem é “Um fato em foco” vê-se um grupo de empresários desfilando sob o sol do Leblon. O fato referido é a construção do mais novo hotel da rede Hilton de hotéis americanos. Entretanto, muito mais importante que o próprio fato é a presença dessas personalidades da alta sociedade (no caso, O Sr. Corad Hilton, Ziva Roldann, ex-miss Israel, e sua comitiva, além do Industrial Antônio Sanches Galdeano), promotores da modernidade desejada, uma espécie de certificado de qualidade, indicando quem seria a classe social freqüentadora do local. O mesmo se observa na imagem seguinte: a inauguração de um restaurante intitulado Elite Bar (o próprio nome já diz muito sobre o desejo do local), onde nada se vê da nova infra-estrutura do estabelecimento, mas sim as personalidades da sociedade local.

Fig. 09 e 10 - Propaganda da inauguração de edifícios de grande altura construídos na praia de Tambaú, Ed. João Marques de Almeida e Ed. São Marcos, respectivamente. Fonte: O Norte, João Pessoa, 12 Dez. 1965 e O Norte, João Pessoa, 30 Dez. 1967

Acrescidos a esse ideário de local saudável e “bem freqüentado” (lê-se freqüentado por pessoas importantes da sociedade pessoense) surge o discurso qualificando a praia como “local ideal de moradia”, símbolo do desenvolvimento e progresso da cidade - mesmo que ainda não possuísse infra-estrutura adequada para tal. Tal imagem revela muito das intenções desejadas para a praia de Tambaú, área que iniciava seu processo de ocupação e aos poucos iria se consolidar como bairro, um território da elite pessoense, como queriam muitos. Essas representações formam o imaginário coletivo e sedimentam conceitos que irão ser responsáveis pela transformação desse lugar e, dessa maneira, a praia de Tambaú vai se transformando através da representação do seu desejo de ser moderno.

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