O MARKETING E AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR Galvão dos Santos Meirinhos UTAD | LABCOM http://www.galvaomeirinhos.com |
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Ao longo do tempo, o marketing tem atraído a atenção de vários órgãos diretivos do setor educativo. Neste caso, a adesão à orientação de Marketing prendeu-‐se diretamente com a captação de novos e melhores alunos e com o aumento da satisfação dos mesmos. Outrora, as universidades americanas eram passivas e acomodadas, devido à abundância de alunos e de recursos para o seu funcionamento. Historicamente, apenas após um estudante procurar uma faculdade e providenciar o preenchimento de formulários é que o processo de matrículas tem início. Mas o processo de matrícula não representa mais a primeira etapa. Agora, as instituições estão pesquisando primeiro, identificando os estudantes que desejam e, depois, comunicando-‐se com eles -‐ frequentemente na base um-‐a-‐um (KOTLER & FOX, 1992: 18). As mudanças económicas, demográficas e sociais são responsáveis em grande medida pela postura “mercantil” dos recursos físicos, humanos e financeiros. As organizações educativas, quando inseridas em mercados abundantes de “matéria-‐prima”, subestimam e depreciam as atividades de marketing. Até à década de 60 do século passado, os organismos educativos americanos evitavam ou ignoravam o marketing educacional. Nesse tempo, desde que as organizações educativas captassem um número suficiente de alunos, todos os problemas da instituição estavam resolvidos. Pois bem, com o aumento exponencial da concorrência entre instituições e com as reduções drásticas das taxas de natalidade, a abordagem de marketing instalou-‐se definitivamente no processo de gestão das instituições de ensino superior. A orientação de Marketing obrigou as organizações educativas a estudar e a compreender ambientes, mercados, concorrentes, mercados-‐alvo e o seu posicionamento institucional no mercado. O movimento de adesão definitiva ao Marketing educacional verificou-‐se na década de 70, quando as matrículas diminuíram e as doações se tornaram voláteis. As causas desta mudança prendem-‐se com o aparecimento de novos concorrentes e com as novas aspirações dos alunos. A volatilidade dos apoios, o declínio das matrículas e a dificuldade de atração de novos alunos exigiram claros investimentos em Marketing. O arrefecimento do mercado consciencializou os líderes educativos americanos para a gestão da satisfação dos alunos e para o reconhecimento externo da instituição. Na altura, verificou-‐se uma tendência decrescente do número de alunos na maior parte das organizações educativas americanas. Enquanto em 1977, terminaram o primeiro grau de ensino 3,2 milhões de alunos, em 1983, o número caiu para 2,8 milhões de alunos, queda que se verificou durante toda a década de 80. Os fatores populacionais e económicos explicam o número declinante de entradas no ensino superior, adjuvado também pela inação das próprias organizações educativas. Não obstante, Philip Kotler e Karen Fox apresentam-‐nos alguns exemplos de organizações educativas americanas que empregaram na altura novos métodos de angariação de alunos: • O Saint Joseph´s College em Rensselaer anunciou em revistas lidas especialmente por jovens (como a Seventeen) e em diversas rádios-‐rock de Chicago e Indianápolis. Estas ações de comunicação tiveram como resultado um incremento de 40% no
número de candidatos. Nessa altura, havia também uma política de descontos progressivos em função do recrutamento de novos alunos. • O Miligan College oferecia um desconto semestral de $50 na propina por cada aluno novo matriculado. O total dos descontos não poderia exceder o valor anual das propinas para os alunos que funcionavam como recrutadores. • O Brown Mackie College oferecia a garantia de devolução das propinas a qualquer aluno que não recebesse uma oferta de emprego 120 dias após a conclusão do ciclo de estudos. (KOTLER & FOX, 1992: 26).
Porém, estas técnicas de recrutamento podem ter um efeito ilusório no incremento do número de alunos, porque a promoção ativa e feroz pode acarretar problemas de vária ordem, como a admissão de alunos sem formação específica, frustração das expectativas dos alunos, declínios da imagem institucional, entre outros. Na nossa opinião, todos os agentes educativos podem e devem ser angariadores e analistas das estruturas e conjunturas institucionais. Da empregada de limpeza ao administrador da organização, todos devem estar conscientes da sua importância individual na vida da instituição, por forma a melhorar a qualidade do serviço e do produto educativo. No recrutamento de novos alunos, todos mantêm uma importância crucial no processo de divulgação e acreditação institucional. Na história do Marketing educacional, existem dois casos de sucesso reconhecidos internacionalmente, protagonizados pelo Boston College, no recrutamento de novos alunos, e pela Universidade de Nova Iorque, na sua recuperação económica. O primeiro caso de sucesso assenta no entrosamento ativo, pensado e consequente dos ex-‐alunos, professores e especialistas em recrutamento de alunos. Philip Kotler e Karen Fox contam-‐nos o seguinte: A Boston College adotou um programa relativamente simples e composto por uma rede em forma de pirâmide organizada em torno de 3000 ex-‐alunos que contatam virtualmente todos os candidatos à admissão, 600 alunos que visitam seus antigos colégios durante as férias e 100 professores que atendem pais e alunos, organizados em 90 grupos espalhados por todo o país-‐ dirigidos por uma preparada equipe de 28 especialistas em recrutamento e admissão de novos alunos. A nova estratégia de Marketing é responsável “em grande parte” por duplicar o número anual de candidatos aos cursos da Boston College nos últimos dez anos (KOTLER & FOX, 1992: 17). Por outro lado, o caso de sucesso da Universidade de Nova Iorque apresenta algumas ideias que ainda hoje podem ser implementadas em muitas instituições de ensino superior portuguesas. Philip Kotler e Karen Fox afirmam o seguinte: A New York University (NYU) tem 35000 alunos matriculados em diversas faculdades de formação universitária básica (undergraduate) e em cursos profissionais, incluindo direito, administração, ciências, artes e educação. Nos anos 70, a NYU enfrentou grande número de problemas, incluindo deficit de vários milhões de dólares anuais; matrículas em declínio; falta de imagem forte na cidade New York e muitos programas educacionais fracos. O deficit cresceu de tal forma que a universidade começou a considerar a desactivação de alguns cursos como sua faculdade de serviço social, que envolvia um alto custo por aluno. Fechou a sua faculdade de engenharia e também vendeu o campus de Heights para a cidade de New York por $62 milhões. Depois, a nova liderança que assumiu a universidade trabalhou muito para transformá-‐la em instituição de alta qualidade, inovadora e de projecção nacional. Aumentar as exigências de admissão em muitas de suas faculdades, resultou menor número de alunos, mas de melhor qualidade. Novas instalações foram acrescentadas, inclusive uma biblioteca de $25 milhões. Realizou uma pesquisa de Marketing que indicou não ter uma imagem forte e era, frequentemente, confundida com a City University of New York. Contratou a empresa de Marketing da Barton-‐Gillete para revisar seus folhetos e melhorar a propaganda e relações públicas. Logo, as pessoas estavam ouvindo mais e melhores comentários sobre a universidade.
Estava tornando-‐se uma universidade a ser considerada na cidade de New York. A NYU começou a inovar os programas, em vez de ficar oferecendo apenas aqueles oferecidos anteriormente. Foram designados directores e administradores que possuíam visão empreendedora de seus mercados (KOTLER & FOX, 1992: 257). Este caso revela que quando existe um pensamento e um planeamento estratégico sério, as Universidades são organizações únicas na prossecução dos objetivos e no alcance de resultados. São organizações que reúnem e detêm, na imensa maioria das vezes, os recursos humanos mais criativos e únicos que existem em qualquer sociedade. As instituições de ensino superior públicas portuguesas estiveram durante décadas sem qualquer exposição concorrencial, a qual sedimentou uma cultura conservadora nos agentes e nas estruturas organizativas. Na nossa opinião, o imobilismo e o conservadorismo no ensino superior português têm os dias contados, porque a realidade de mercado vai impor-‐se com toda a sua força vinculativa e transformadora. Em meados da década de 80, a chamada democratização do ensino superior em Portugal traduziu-‐se, na prática, num aumento exponencial do número de instituições e de alunos a frequentar este nível de ensino. O aumento de capacidade disponível permitiu o enriquecimento cultural coletivo, conseguido mediante o alargamento da rede de ensino superior com o mínimo de custos para o orçamento de Estado. O aparecimento do setor privado em força permitiu saciar a aspiração legítima da classe média à promoção social e económica através da obtenção de um diploma. Apesar de não existir até hoje nenhum caso de sucesso de Marketing educacional em Portugal, sempre podemos registar que as instituições de ensino superior privadas são responsáveis por toda uma nova terminologia, como: ganhos de eficiência; eficácia comunicativa; ensino de qualidade; avaliação dos serviços; índices de desempenho e satisfação de necessidades. O aparecimento do Marketing responsabilizou a organização na produção de bens e serviços, exigindo à empresa a compreensão da clientela, a gestão das relações com o exterior e incutiu alterações na produção e nos respetivos processos produtivos. O Marketing é (…) une véritable révolution copernicienne économique inversant la relation entre la planète entreprise et son satellite client, largement au profit de ce dernier (DUPOUEY, 1991: 19). Existem administradores hospitalares portugueses que encaram o Marketing como sendo um meio propício para responder às necessidades dos utentes, já o mesmo não podemos dizer dos administradores das organizações educativas. De facto, existem inúmeros obstáculos à introdução do espírito de Marketing nas instituições de ensino superior, porque este setor em Portugal esteve durante muito tempo sem a presença de qualquer concorrência séria, dando lugar a organizações centralizadas, hierarquizadas e com uma fraca cultura de gestão de recursos. Por outro lado, o recrutamento de alunos sempre foi feito mais por questões vocacionais que profissionais, o que ajuda ao desfasamento entre a formação e o mercado de trabalho (DUPOUEY, 1991: 25). Paradoxalmente, as famílias e os alunos pretendem um ensino superior de qualidade, moderno e atualizado, enquanto uma boa parte das organizações educativas são geridas com métodos tradicionais, conservadores e retrógrados. É comum ouvir-‐se dizer à classe dirigente nas Universidades que o Marketing é incompatível com a missão educativa, não sendo necessário para que as instituições tenham alunos e professores de qualidade. Infelizmente, a visão medievalista do ensino sebenteiro e livresco ainda é uma realidade das organizações educativas portuguesas. Estamos perante instituições com sinais claros de autismo, que não acompanham os tempos atuais, produzindo seres com ideias estáticas, rígidas e intemporais. Nos tempos que correm, devemos encarar o ensino superior como uma indústria competitiva e próspera, devendo ser o motor científico e cultural de qualquer economia. Tanto os governantes como os administradores educativos terão de combater o espírito universitário de arquivo morto da história, onde espreita o absolutismo na liderança, a arbitrariedade no julgamento, as decisões sem recurso e as sanções injustificadas.