O MATO GROSSO CONTADO NO GERÚNDIO: HISTÓRIAS DAS MULHERES E DE SUAS AÇÕES NA REGIÃO DO RIO CUIABÁ SETECENTISTA

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O MATO GROSSO CONTADO NO GERÚNDIO: HISTÓRIAS DAS MULHERES E DE SUAS AÇÕES NA REGIÃO DO RIO CUIABÁ SETECENTISTA BRUNO C. BIO AUGUSTO1 RESUMO Tentar contar uma história das mulheres é, segundo Perrot (2005), escutar os murmúrios das fontes. Analisar os documentos em que aparecem personagens femininas é ir, às vezes, ao reverso de uma história falocêntrica. A partir da busca dos documentos acerca da Capitânia de Mato Grosso poderemos encontrar histórias de agentes femininas participantes do cotidiano colonial, especificamente no dia-a-dia da Vila Real do Cuiabá e seus arredores setecentistas. Por isso, falar da vida no campo é também falar da vida no urbano, seja na vivência de mulheres abastadas, que recorriam aos serviços de outras mulheres em busca de simpatias, cuidados com o parto e aquisição de produtos alimentícios, como hortaliças; como também narrar as lutas das próprias personagens pobres, livres ou escravizadas, que labutavam para sobreviver nas ações corriqueiras de vendas de frutas, verduras, frangos e outros produtos secos e molhados. Este trabalho buscou analisar as mulheres pobres e livres, em vista de sua religiosidade, das práticas de cura das doenças e do seu envolvimento com o comércio. Este estudo se torna importante para pensarmos outros horizontes além de uma sociedade padronizada na virilidade masculina, mostrando-nos a vivência que perpassa os muros domésticos e os rituais da vida privada no gerúndio, pois, de acordo com Mary del Priore (2016), é nessa forma de verbo que está a história da gente brasileira. Palavras-Chave: Vila do Cuiabá; Colônia; Saúde; Comércio; Mulheres

INTRODUÇÃO Interessante estudarmos a sociedade colonial pelo viés da vida domiciliar, pois há, de acordo com os autores e fontes utilizados em nosso trabalho, diferentes tipos de relacionamentos entre seus sujeitos, ligando-os ao convívio dentro dos muros residenciais, nas ruas e praças. Assim, analisar as mulheres no cotidiano setecentista é se debruçar para possíveis exames da vida privada e pública da América portuguesa. Quando se analisa a correlação de casamentos e solteirice; de damas e de mulheres “de vida fácil”; da religião católica atrelada – ou distanciada – aos ritos da religiosidade de benzedeiras e mandingueiras na resolução de

Graduando do curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – CPTL. Bolsista do Programa de Iniciação Científica do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sob orientação da Profª Maria Celma Borges. 1

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problemas amorosos, de saúde e também de aspectos financeiros, tais questões permitem interpretar parte da sociedade do século XVIII. Analisar o cotidiano2 das mulheres é encarar o soslaio domiciliar de escravos, agregados e parentes na sua composição particular, ou seja, nos ritos da alimentação, das vestimentas, da educação dos filhos, do trabalho nas cozinhas e demais dependências das casas, nos quintais; mas também olhar para o público em ambientes de vendas dos feirantes, na ação da esmola, da caridade, da religiosidade e do trabalho nas encostas das minas, entre outros. Estudar a vida na colônia é também uma tentativa de compreender a religiosidade de seus habitantes. Devido ao distanciamento territorial com a Metrópole, a América portuguesa se torna, quando analisada pelo viés das práticas de cura, um ambiente propício para apreendermos os saberes de indígenas e africanos. Como no caso dos índios Paiaguás que enxergavam os males da saúde como origem natural, ou seja, mau provocado por espinhos, flechas, venenos e espíritos malignos. Também os africanos, que, quando pegos com materiais de origem natural (ervas e raízes) eram atrelados às feitiçarias (JESUS, 2001). Para estudarmos o cenário cuiabano do século XVIII envolto de suas mulheres foi necessário, também, estabelecer uma leitura dos aspectos da vida administrativa e econômica da história social da ocupação do Extremo-Oeste colonial. Portanto, no ano de 17173, temos o conde de Assumar mandando uma carta ao rei em que relata o encontro de ouro nas encostas do rio Paraguai, depois, na década posterior, há relatos de ouro no rio Cuiabá (CANAVARROS, 2004). Assim, nas décadas de 1720 e 1730, tivemos um período auspicioso de riqueza para a Coroa portuguesa, oriundo do extrativismo aurífero de Cuiabá, e também um período marcado por movimentações internas de pessoas, como nos relata o cronista Barbosa de Sá que: “ao ser divulgada a notícia da descoberta do ouro nos sertões do Cuiabá, as esperanças da América Portuguesa e de sua metrópole foram realimentadas” (JESUS, 2001 p.23). E, assim, criar “Justiça” no sertão oeste da colônia, como na frase de um Ouvidor Geral das minas cuiabanas,

Podemos entender por “cotidiano” a vivência (ou a vida) do “homem ordinário”. Em Certeau (2007), o cotidiano é possível ser estudado pelo viés da apreensão do “corpo sabido”, ou seja, das análises tácitas das ações femininas. 3 Instituto Histórico e Geográfico, Rio de Janeiro, Seção Conselho Ultramarino, códice de Arq. 1125, ff.276/278 v.1. 2

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no ano de 1731, “resolva se me pertence exercitar o meu cargo tambem naquellas minas, q.do se comoniquem por descobrimentos, e se hei de criar villa, e elleger Just.as q. ainda naõ tem”4. Neste contexto da América portuguesa, no Cuiabá, marcado pela presença dos tentáculos reais e dos seus cabedais representativos, do qual seus pares se distinguem e se encontram, que centramos a abordagem no interior dessas minas, especialmente da Vila.

As mulheres... Ao buscarmos contar uma história de pessoas comuns5 que viviam no cotidiano da região do rio Cuiabá, procuramos a presença de mulheres que causavam estranheza no olhar da Coroa, ou seja, personagens que lutavam pela sobrevivência em uma sociedade onde a riqueza versava com a pobreza, e a “moral” – ditada pela elite - dubiamente convivia com o “imoral” imerso na cultura popular, e em outros espaços. Desse modo, a Vila do Cuiabá localizava-se entre a margem oriental do rio Paraguai e o Araguaia. Ao longo do século XVIII, a localidade não atingiu trinta mil habitantes de população, do qual o percentual de mulheres era menor que o de homens, por exemplo, no ano de 1768 temos o contingente de 7.447 homens frente à 3.459 mulheres (SILVA, 2011) na Capitania de Mato Grosso. De acordo com Dias (1995), a compreensão da construção dos papéis femininos na história é interessante para quebrar o estereótipo de narrativas centradas apenas em personagens masculinos. Ainda de acordo com a autora, os papéis sociais de sujeitos marginalizados vão se perdendo ao longo dos anos por um esquecimento ideológico e, consequentemente, vai se efetivando a ausência dos documentos. Para nós, encontrar o gerúndio das mulheres é lidar com dados lacunares. Utilizarmos do “talvez” também é o ofício do historiador, pois, como contadores de história, as personagens vão entrando em cena e aos poucos criando seu enredo, do qual não temos verdades, mas possibilidades de interpretação. Pois, de acordo com Certeau (1982), quando contamos uma história, não conseguimos reconstruir o passado por excelência.

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MORGADO, Eliane Maria Oliveira. Et al. (orgs) Coletânea de Documentos Raros do Período Colonial (1727 – 1746). V.I. Cuiabá: Entrelinhas, 2007 p.72.MF. 05, Doc. 62, AHU.1731, fevereiro, 26, Cbá. 5 “Pessoas comuns” significa os agentes da história que fogem da composição privilegiada da sociedade. Analisamos, na medida do possível, mulheres pretas, escravizadas e/ou forras e mulheres abastadas. Priorizamos também abordar a história das mulheres ricas, pois entendemos que compunham à margem quando defronte dos “homens ilustres”.

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Assim sendo, o passado se torna releitura a partir do presente e se fundamenta em algumas práticas, dentre elas, o uso de fontes. No século XVIII, as mulheres eram deixadas, muitas vezes, por seus maridos, devido a vários motivos, como o trabalho de itinerância de viagens e também as muitas guerras que acentuavam a constituição de fogos de “mulheres só”. Dona Francisca dos Santos é um exemplo disso e constitui-se numa figura interessante encontrada num documento de 1732. Viúva do Contratador Agostinho Pinheiro, herda a dívida dos dízimos de seu marido. Desse modo, vemos nesta documentação6 que os Conselheiros do Conselho Ultramarino, Dr. Manoel Frz. Varges, e Gonçalo Manoel Galvão de Lacerda, cobram o contrato em forma de dízimo de algum arrendamento que Dona Francisca possuía. Arrolando o documento podemos ver um descortinamento da ideia de que os negócios de Vila do Cuiabá estavam apenas nas mãos de homens. Podemos ir além, pois na mesma documentação vemos que os Conselheiros queriam a quantia paga tanto por Dona Francisca dos Santos como pelo seu sócio, o Procurador João de Payva Dias. Podemos entender, entre os caminhos trilháveis dessa história, que, provavelmente, esta senhora buscou estabelecer uma sociedade com o Procurador. A busca de um sócio talvez tenha sido necessária devido a crise – seca – que se alargou em Vila do Cuiabá nos anos de 1723/1724, destruindo roças e demais plantações. A necessidade de um sócio pode também ter acontecido na esperança de Dona Francisca aumentar os seus lucros. Talvez a Coroa, na representação do Conselho Ultramarino, se respalde em um documento7 de decisão elaborado quatro anos antes do ocorrido para reivindicar as dívidas de Dona Francisca e de seu sócio, João. Neste documento assinado pelo Juiz Ordinário Matheus da Silva Rois, pelo vereador Amaro Rois, também o vereador Bartolomeu Bueno da Silva e o Procurador Joam Ferreyra de Sá, podemos ler que: seja servido fazer m.ce de mandar, que no juizo dos defuntos, e abzentes se entregue as heranças que deverem os credores que ligitimam.te mostrarem se lhes deve, e os tiverem asistentes na mesma e juntam.te os escravos e mais fazendas que estiverem em ser e não satisfeitas aos legitimos donos se lhes entregue no mesmo estado em que forem achados; por a m.ta distancia e pobreza destes abitantes lhe faz impossivel aos herdeiros a cobrança das heranças, e aos credores [ilegível] das dividas nessa corte, e MF. 23, Doc.959, AHU. 1732, Maio, 27 LX. 1A fila – 3º Documento. Anexo 01. CANAVARROS, OTÁVIO et al. (orgs). Coleção de documentos raros: notoriado e legislação de Mato Grosso no período colonial 1728-1744. Cuiabá: EdUFMT, 2009. 7 MF. 09, Doc. 635, AHU. 1728, Março, 27. Cbá. 1ª fila – 4º doc. (AHU). Idem. 6

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5 tribunal, a que [ilegível] e por que costuma a mulher testam.tar sem p.te que requeira. (p.65)

Era comum mulheres brancas assumirem os negócios de seus maridos após a viuvez e aos poucos foram crescendo a presença de mulheres no comércio. Em 1809, na vila do Cuiabá existiu um número expressivo de domicílio chefiado por mulheres, deste, para ilustrarmos a quantia, 21,83% eram encabeçados por mulheres brancas, 54,4% de pardas e 13% de negras (SILVA, 2011). Há nessa Capitânia mulheres requerendo sesmarias e que possuíam escravos. Em vista disso, percebemos indícios de que a relação da Coroa portuguesa com a região de Vila do Cuiabá foi às vezes estreita – pelas leis e decretos, estatutos e posturas que atravessavam o Atlântico, chegando até essa localidade, buscando controlar ao máximo os semblantes da monarquia lusitana no cotidiano, resultando na implantação do Senado da Câmara, da Igreja e do Pelourinho –, mas também apresentando características alargadas de relacionamento com a metrópole, ou seja, as peculiaridades da imensidão colonial acabavam por propiciar a emergência de núcleos com certa autonomia, como o ato de priorizar os cargos administrativos pela elite local e não com a nobreza oriunda de Portugal. Algumas mulheres que herdaram porções de terras de seus pais ou maridos conseguiram das autoridades concessões para acomodar o gado vacum nos campos e ampliar suas terras. Há também autorização da Justiça que possibilitava às mulheres sustentarem suas famílias e legalizar as suas posses (SILVA, 2011). Dona Francisca foi uma mulher que possibilitou preencher algumas lacunas dessa história aqui contada. A mulher, que provavelmente seria branca, faz-nos entender que as abastadas também sofriam, quando encabeçadas nos negócios, diretamente a pressão do fisco real nas cobranças de impostos e taxações. A relação, pelo arrolamento, entre a dita senhora e o Conselho Ultramarino, nos mostra uma faceta dúbia, ou seja, Dona Francisca poderia manter sociedade com um terceiro sujeito, mas desde que continuasse honrando as dívidas, nesse caso, dívidas adquiridas pelo seu finado esposo.

Mulheres e saúde... O assunto acerca da saúde colonial nos faz pensar a dialética de relação entre Colônia e Metrópole. Pela aproximação destes dois polos, é possível percebermos que houve na América portuguesa uma tentativa de implantação dos mesmos modelos de acesso aos cuidados com a 5

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saúde. De acordo com Jesus (2001), temos institutos responsáveis pelas artes médicas, como no caso da Fisicatura-Mor e Junta do Protomedicato, e também de locais que possibilitavam à saúde do bem comum, como as Câmaras Municipais e os hospitais. Talvez pela falta de médicos, cirurgiões e farmacêuticos neste cenário colonial, a presença de mulheres e homens que possuíam os segredos das curas, principalmente ligadas às diferentes raízes culturais da população, esteve tão arraigada ao campo cósmico de equilíbrio entre alma e carne. Para os ameríndios e africanos, as doenças eram acometidas pela relação com o universo, principalmente as patologias ligadas à feitiçaria, transgressões de tabus alimentares, regras ecológicas e resguardo do pós-parto (JESUS, 2001). No século XVIII, as práticas da saúde acreditavam nos “humores” do corpo humano. Quando há seu excesso, o risco de entupir vias importantes do organismo era grande. A solução seria utilizar as sangrias, purga, vomitórios para drenarem a demasia maléfica (ANZAI, 2011). No cenário cuiabano, graças ao trabalho bibliográfico, encontramos indícios das doenças mais comuns acometidas aos seus habitantes no ano de 1724 – 1817. Doenças como bexigas, impinge, maus humores, sarampo, diarréia, estupor, mal gálico e lepra eram os males mais frequentes que assolavam a Vila do Cuiabá (JESUS, 2001). Vemos a tentativa de conter essas doenças numa carta de 1740 do Intendente e Provedor da Fazenda Real, Manoel Roiz Torres, escrevendo ao governador da Capitânia de S. Paulo, Dom Luis Mascarenhas, acerca da necessidade de não deixar faltar remédios aos habitantes da vila: p.a q. V. Ex.a náo deixe por falta de informaçáo de mizeria, consternaçáo e aperto em q. se acháo de lhe accodir com os remedios de q. V. Ex.a, como quem he, entender deve uzar p.a as preservar da peste q. as infecciona, e as a segurar dos riscos q. correm, e as livrar da ruina q. as ameaça (p.85)8.

Assim, devido à falta de remédio que rodeava a localidade, utilizava-se para amenizar as dores das enfermidades dos produtos naturais encontrados na fauna e flora da região. Neste universo de patologias e posologias, o corpo da mulher era concebido, tanto pela Igreja, como pela medicina oficial, espaço nebuloso e obscuro. Quando a doença as afligia, eram entendidas como pecados cometidos e que o corpo adoentado estava pagando as suas dívidas com Deus (JESUS, 2001). 8

Copia da carta q. escrevi ao Govern.or desta Capitania Dom Luis Mascarenha. 1740, agosto, 20. Cuiabá. MF..32, Doc.271, AHU. In: MORGADO, Maria Oliveira et al. (orgs). Documentos raros do Período Colonial (17271746). Cuiabá: Entrelinhas, 2007, v.III.

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As práticas de curas do período colonial se distinguiam das ocorridas na metrópole. Devido à imensidão territorial e as longas jornadas de viagens, a quantidade de representantes oficiais da saúde não supria o contingente de pessoas, permitindo que rei e Igreja alargassem um pouco as vias de uso de remédios naturais na América portuguesa. Os negros e indígenas dificilmente adentravam neste alargamento das práticas médicas. Quando encontrados produtos de ordem vegetal e animal na posse desses sujeitos, eram, em muitos casos, acusados de feitiçarias e bruxarias. O Governador General Rodrigo Cezar de Menezes, em 1732, dizia que nas regiões de Cuiabá a presença de “sirurgião” e “botica” é desnecessária, pois “naquele Certaõ, e ainda nas mesmas Minnas se coraõ infermidades graves com o remedio de ervas, e balcemos de arvores”9. O próprio de Menezes foi curado de uma possível lepra durante sua estadia na Vila do Cuiabá em 1727, como nos conta: “Cujas infermidades destroiraõ [?] os remedios daquelles certões, o q. naõ fariaõ, os exquezitos das boticas”10. A posição feminina neste cenário da Colônia foi ainda mais frágil no meio social, principalmente para a mulher preta e pobre. Devido ao seu corpo ser “naturalmente” correlacionado com o universo obscuro, mulheres negras e pobres viviam constantemente tentando encontrar espaços na sociedade, ora pelo cunho religioso, ora pelo econômico. As práticas mágicas na colônia, principalmente as que relacionam práticas indígenas, estão ligadas a espíritos ancestrais. Para Symanski (2011), em Cuiabá houve três grupos de praticantes de feitiçarias, os benzedores, adivinhos e feiticeiros. Os benzedores seriam grupos constituídos por homens. Quando brancos, usavam práticas de tradições portuguesas, principalmente em palavras na oratória, e ferramentas como peneira, tesoura e espadas. Para benzedores negros, os utensílios eram bonecos, panelas de barros e palavras de origem africana. O grupo de “feiticeiros” era exclusivamente composto por negras e indígenas. Como em um caso da mulher forra Maria Eugênia, presa por suas feitiçarias e pelo emprego de “bonecos, cabelos, raízes, búzios, cordinhas, além de sementes e ciscarias” (SYMANSKI, 2011, p.130)

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MORGADO, Eliane Maria Oliveira. Et al. (orgs) Coletânea de Documentos Raros do Período Colonial (1727 – 1746). V.I. Cuiabá: Entrelinhas, 2007 p.77. MF. 10. Doc. 692, AHU. 5ª fila- 3º doc. – anexo 5, 1732, fevereiro, 02, Lxa. 10 Idem.

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Desse modo, podemos ver a falta de boticas e cirurgiões oficialmente ordenados na região de Vila do Cuiabá, o que propiciava a manutenção de algumas práticas de cura baseadas nos saberes de negras e indígenas. As ações de mulheres nas artes da lida com ervas eram vistas, pelas autoridades, como algo perigoso, pois o corpo da mulher nessa época se ligava à obscuridade da religiosidade. Podemos pensar que a posição de pretas pobres foi mais fragilizada do que a branca pobre ao atuarem como curadoras. Provavelmente devido ao estigma da cor negra, mulheres como Maria Eugênia sofriam ainda mais com as medidas repressivas da administração colonial.

CONSIDERAÇÕES As pretas e brancas se entrecruzavam em um ambiente propício a primazia masculina, mas que nas lacunas do cotidiano podiam viver como donas de terras e herdeiras de gados – para as abastadas; curandeiras e parteiras – para as mais pobres, e também possíveis chefes comerciais. Não podemos negar que a força da religião católica foi aguda na Vila do Cuiabá, assim como em outras partes da Colônia americana lusitana e do além-mar português, mas por outro lado, não há como afirmar que práticas tidas como “sobrenaturais” para a época não fossem praticadas e procuradas pelos habitantes pobres e ricos. Podemos perceber que até o representante do cabedal, Rodrigo Cezar de Menezes, então Governador General da Capitânia de S. Paulo, reconheceu na prática de lidar com ervas naturais para amenizar as dores (e também curar as doenças) um exercício corriqueiro do oeste colonial. Portanto, a Vila do Cuiabá Setecentista, além de integrar um contexto de ouro e de comércio, possibilita entendermos uma história “gerundiada” pelas mulheres, seja no seu envolvimento com o mercado formal e informal, ou mesmo como curandeiras instruídas empiricamente nos aprendizados de ervas, rezas e outras infinidades possíveis de ações humanas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANZAI. Leny Caselli. Práticas de Cura. In: JESUS, Nauk Maria de (org.). Dicionários de História de Mato Grosso: Período Colonial. Cuiabá, MT: Carlini & Caniato, 2011. CANAVARROS, Otávio. O poder metropolitano em Cuiabá (1722 – 1752). Cuiabá, MT: Ed. UFMT, 2004. 8

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CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. CERTEAU, Michel. Um lugar comum: a linguagem ordinária. In: CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2007 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder: São Paulo no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1995. JESUS, Nauk Maria de. Saúde e doença: práticas de cura no centro da América do Sul (1271808). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2001. PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: Edusc, 2005. PRIORE, Mary del. História da gente brasileira: Colônia. São Paulo: LeYa, 2016. SILVA, Vanda da. Mulher. In: JESUS, Nauk Maria de (org.). Dicionários de História de Mato Grosso: Período Colonial. Cuiabá, MT: Carlini & Caniato, 2011. SYMANSKI, Luis Claudio Pereira. Feitiçaria e Práticas Mágicas. In: JESUS, Nauk Maria de (org.). Dicionários de História de Mato Grosso: Período Colonial. Cuiabá, MT: Carlini & Caniato, 2011.

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