O Mercado de Capitais Brasileiro e seus objetos de tutela jurídica.

Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

O MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO E SEUS OBJETOS DE TUTELA JURÍDICA

FELIPE NUNES DA SILVEIRA

Orientador(a): Prof. MSc. Pedro Elias Neto

Joinville (SC), 23 de abril de 2009.

UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

O MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO E SEUS OBJETOS DE TUTELA JURÍDICA

FELIPE NUNES DA SILVEIRA

Monografia submetida à Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador(a): Prof. MSc. Pedro Elias Neto

Joinville (SC), 23 de abril de 2009.

Meus agradecimentos:

Ao meu orientador, Professor e Mestre Pedro Elias Neto, por todo o auxílio e compreensão na elaboração deste trabalho.

Aos Professores desta instituição, por terem me guiado entre os diversos caminhos do mundo jurídico.

A todos meus amigos, pelo suporte e incentivo.

Aos advogados Jean Daniel Romão, Juliana Cristina Martinelli Raimundi e Leila Fabiane Elias, que além de chefes foram e são exemplos a serem seguidos.

Dedico esta obra:

A minha irmã Juliana Nunes da Silveira, a minha mãe Janete Krüger Nunes da Silveira.

Em especial ao meu pai Tarcizio Nunes da Silveira, o maior exemplo de vida.

“O Andarilho - Quem chegou, ainda que apenas em certa medida, à liberdade da razão, não pode sentirse sobre a Terra senão como andarilho - embora não como viajante em direção a um alvo último: pois este não há. Mas bem que ele quer ver e ter os olhos abertos para tudo o que propriamente se passa no mundo; por isso não pode prender seu coração com demasiada firmeza a nada singular; tem de haver nele próprio algo de errante, que encontra

sua

alegria

na

mudança

e

na

transitoriedade.” Frederich Wilhelm Nietzsche. NIETZSCHE, Frederich Wilhelm. Humano, demasiado humano, São Paulo: Companhia de Bolso, 2008, §638.

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão de Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, elaborada pelo(a) graduando(a) Felipe Nunes da Silveira,

sob

o

título

O

MERCADO

DE

CAPITAIS

BRASILEIRO

E SEUS OBJETOS DE TUTELA JURÍDICA, foi submetida em _____ de __________ de 2009 à Banca Examinadora, obtendo a média final _____ (______________________________________),

tendo

sido

considerada

aprovada.

Joinville, _____ de _________________ de 2009.

_________________ Prof.

__________________ Prof.

___________________ Prof.

DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora, o Orientador e o Co-Orientador (se houver) de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Joinville (SC), _____ de _________________ de 2009.

Felipe Nunes da Silveira Graduando

AUTORIZAÇÃO DE PUBLICAÇÃO PARA FINS CIENTÍFICOS

Autorizo a publicação do presente trabalho, para fins unicamente científicos, na rede mundial de computadores, sítio da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, sem quaisquer ônus a esta.

Declaro, ainda, ter sido informado(a) de que a presente autorização não me foi colocada de forma obrigatória e que a aprovação do presente conteúdo perante a Banca Examinadora não depende daquela.

Joinville (SC), _____ de _____________ de 2009.

Felipe Nunes da Silveira Graduando

SUMÁRIO

RESUMO ....................................................................................... INTRODUÇÃO ..............................................................................

xi 1

Capítulo 1 DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO 1.1.

O CONCEITO E O PAPEL DO MERCADO DE CAPITAIS .................

5

1.2.

HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO .......................................................................................

15

Capítulo 2 ESTRUTURAS E AGENTES DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO 2.1.

DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL ...........................................

28

2.2.

O CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL ..........................................

30

2.3.

O BANCO CENTRAL DO BRASIL .....................................................

34

2.4.

A COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS ....................................

35

2.5.

OS VALORES MOBILIÁRIOS ............................................................

38

2.6.

AGENTE EMISSOR DE VALORES MOBILIARIOS ..........................

40

2.7.

O INVESTIDOR .................................................................................

41

2.8.

O MERCADO PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO .....................................

42

2.8.1. O Mercado Primário .........................................................................

42

2.8.2. O Mercado Secundário ....................................................................

44

Capítulo 3 ESTRUTURAS E AGENTES DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO 3.1.

O OBJETO DE TUTELA JURÍDICA ...................................................

48

3.2.

A EFICIÊNCIA INSTITUCIONAL

50

3.3.

A EFICIÊNCIA OPERACIONAL

54

3.4.

A PROTEÇÃO AO INVESTIDOR

56

3.5.

SÍNTESE DOS OBJETOS DE TUTELA JURÍDICA DO MERCADO

DE CAPITAIS 3.6.

58

DOS OBJETOS DE TUTELA JURÍDICA E OS OBJETIVOS DA

CVM

59

CONSIDERAÇÕES FINAIS

61

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

64

RESUMO

O presente trabalho está direcionado a uma análise dos objetos de tutela jurídica que se encontram presentes no fenômeno econômico do mercado de capitais, bem como analisar a regulamentação vigente do ordenamento jurídico brasileiro que busca suprir à carência de tais objeto de tutela. Para tanto, busca-se abordar os conceitos, espécies, características, princípios e efeitos dos institutos mais relevantes do mercado de capitais, indentificando a partir dessa análise os seus objetos da tutela jurídica, para então comparar e analisar as estruturas legais e normas que constituem a regulamentação do mercado de capitais brasileiro. Utilizado-se de metologia qualitativa, resumida à pesquisa bibliográfica nas áreas de direito e econômia que se voltam ao estudo do mercado de capitais, bem como áreas correlatas, logra-se êxito em identificar de forma estruturada os objetos de tutela jurídica do mercado de capitais e sua correspondência na regulamentação vigente, favorecendo seu desenvolvimento sobremaneira, e ainda, alcançando pontos relevantes que carecem de maior atenção legislativa.

INTRODUÇÃO

O objeto deste Trabalho de Conclusão de Curso é a analise acerca do Mercado de Capitais brasileiro, delimitada à identificação dos principais objetos de tutela jurídica que se manifestam neste fenômeno economico. O seu objetivo institucional é a produção de Monografia para

a

obtenção de título de Bacharel em Direito pela Universidade da Região de Joinville UNIVILLE. O objetivo geral do trabalho é mostrar aos leitores os principais aspectos presentes no mercado de capitais que necessitam tutela jurídica, seja pelo incentivo, estruturação e proteção. Os objetivos específicos são: (i) abordar o conceito, espécies, características, princípios e efeitos dos institutos mais relevantes do mercado de capitais; (ii) identificar os principais aspectos presentes no mercado de capitais que necessitam tutela jurídica. Desta forma, os objetivos específicos deste trabalho estão diretamente relacionados a promoção do bem estar social, eis que “não se alcança bem-estar social sem desenvolvimento econômico; não é concebível o desenvolvimento econômico sem o crescimento das empresas; e não é viável o crescimento das empresas sem o financiamento da produção”.1 Trantando-se do mercado capitais como uma forma eficaz de deslocamento de capital entre agentes poupadores e agentes investidores, favorecendo o financiamento da produtação, estende-se seus efeitos à produção de renda, trabalho e aumento na qualidade de vida, corolários do bem estar social. Ademais, valendo-se das palavras do Professor Roberto Quiroga Mosquera2: “Muito se sabe dos negócios realizados no mercado financeiro e de capitais, porém, pouco se sabe dos princícios jurídicos que os norteiam. A identificação desse corpo normativo é tarefa prioritária dos operadores de Direito,

1

ARAUJO PENNA, Estella de. Desenvolvimento Econômico e Mercado de Capitais – A Nova Lei das S.A. Em: Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo: Revista do Tribunais, ano 4, n°11, 2001, pág.267. 2 Roberto Quiroga Mosquera é Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professor na Universidade de São Paulo, advogado atuante no mercado de capitais.

uma vez que os referidos mercados cumprem função primordial na economia: mobilizar a poupança nacional”.3 O mercado de capitais surge como uma forma de circulação da riqueza em uma sociedade e, ainda, uma forma de atração de capitais estrangeiros, favorecendo os agentes econômicos nacionais que necessitam de capital elevado para o alcance de seus objetivos. É patente na atual ciência econômica4 de que uma sociedade para desenvolver-se necessita de um mercado de capitais desenvolvido, capaz de fomentar a economia nacional através da circulação de riquezas internas e atração de capitais externos, equilibrando a relação de demanda e oferta de capital. Esta atividade de fomento e atração de capitais era, outrora, realizada, sobretudo, pelas instituições bancárias, através da captação de recursos internos e externos e repasse mediante concessão de crédito (empréstimos). Em que pese estas instituições ainda exercerem papel relevante neste âmbito, o mercado de capitais vem tomando seu lugar, paulatinamente, mormente pelo fato da elevada onerosidade no endividamento direito (contratação de empréstimos), seja pela elevada taxa de juros, seja pela unilateralidade na fixação de preços. Igualmente, a capacidade de circulação de riquezas promovida pelo mercado de capitais não pode ser comparada aos meios de repasse de créditos realizados pelos bancos, estes extremamente limitados. Aspectos aparentemente não correlatos à economia são diretamente favorecidos quando esta encontra um forte grau de desenvolvimento e, portanto, um mercado de capitais desenvolvido, são exemplos o emprego, a saúde, a educação e o bem estar social.

3

Esta citação foi extraída da contra-capa do livro de Otávio Yazbek, Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, o qual será obra prima ao desenvolvimento deste trabalho. 4 John Hicks, ganhador do prêmio Nobel de Economia, argumentou que a revolução industrial teve de aguardar a revolução financeira. Segundo seu estudo, o surgimento do mercado de capitais permitiu financiar projetos de longa maturação, sem prejuízo da liquidez oferecida aos poupadores, que podiam manter seus recursos em ações, debêntures e depósitos bancários. Apesar de a maioria das inovações que constituíram a revolução industrial estarem disponíveis muito antes de sua deflagração, somente após a consolidação do mercado de capitais sua difusão tornou-se possível. Apud Rocca, Antonio Carlos; Silva, Marcos Eugênio da; Carvalho, Antonio Gledson. Sistema Financeiro e a retomada do crescimento econômico. Relatório de Pesquisa elaborado para a Bovespa, disponível em .

Os agentes econômicos utilizam-se da mão de obra humana, em maior ou menor quantidade, dependente do ramo de atuação, porém, sempre proporcionaram a criação de empregos salariados, favorecendo a geração de renda. Esta, por sua vez, proporciona melhoria no bem estar social, de forma direta, mediante a aquisição de bens e serviços que favorecem este fim, e de forma indireta, mediante o maior recolhimento tributos sobre a renda, revertendo-se em melhoria no sistema educacional, sanitário e de saúde. Longe do que possa parecer, a qualidade do mercado de capitais de uma sociedade não reside apenas nos interesses privados, muito pelo contrário, é de elevado interesse público, razão pela qual o Estado atua fortemente na sua promoção. O Estado, como pessoa de direito publico representativa de uma sociedade, é também produtor de riquezas e, principalmente, carente de recursos financeiros para promoção de suas inúmeras incumbências sociais. O mercado de capitais desenvolvido torna-se, portanto, fonte de recursos ao Estado para o cumprimento de seus inúmeros objetivos, sobretudo voltados ao bem estar social. Para a consecução deste trabalho, adotou-se o método qualitativo, operacionalizado pelas técnicas da pesquisa bibliográfica e fichamentos nas áreas de direito e econômia que se voltam ao estudo do mercado de capitais, bem como áreas correlatas, dividindo-se o trabalho em três capítulos. O primeiro capítulo tratará do Mercado de Capitais brasileiro sob ponto de vista introdutório, onde se analisará seu conceito, papel no cenário nacional e seu desenvolvimento histórico. para então passarmos entender as principais estruturas e agentes presentes neste mercado, compreendendo desde o Sistema Financeiro Nacional, seus orgãos, os valores mobiliários, as Sociedades Anônimas, os Mercados Primário e Secundário e seus agentes intermediários, cheganto até os investidores. No segundo capítulo será abordada as principais estruturas e agentes presentes neste mercado, compreendendo desde o Sistema Financeiro Nacional, seus orgãos, os valores mobiliários, as Sociedades Anônimas, os Mercados Primário e Secundário e seus agentes intermediários, cheganto até os investidores.

Já no Capítulo 3 discutir-se-á os objetos de tutela jurídica que se manifestam no mercado de capitais, do ponto de vista do entendimento doutrinário atual e da atual legislação vigente. Findando o conteúdo investigatório, nas considerações finais será apurado o que se concluiu da presente pesquisa.

5

Capítulo 1 DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO

1.1.

O CONCEITO E O PAPEL DO MERCADO DE CAPITAIS Antes de buscar-se compreender quais os objetos de tutela jurídica

que se encontram presentes no mercado de capitais, para melhor compreensão do tema, inicia-se este estudo analisando o conceito do mercado de capitais, bem como o papel que este visa cumprir no cenário econômico, político e social brasileiro. Segundo Valdir de Jesus Lameira5, o mercado de capitais é um subsistema que o compõe um fenômeno econômico maior, qual seja, o mercado financeiro (ou sistema financeiro). Este mercado financeiro abrange, ainda, outros 3 (três) subsistemas, o mercado de crédito, mercado monetário e mercado cambial6. O mercado financeiro, segundo Eduardo Fortuna7, é uma estrutura que se dedica a propiciar condições satisfatórias para a manutenção do fluxo de recursos entre poupadores (agentes superavitários) e investidores (agentes deficitários), cumprindo assim seu papel de intermediação financeira8. Para chegarmos a um conceito de mercado de capitais e entendermos seu papel, é necessário, portanto, compreender antes a noção de

5

Valdir de Jesus Lameira é Mestre em Engenharia de Produção na Universidade Federal Fluminense (UFF) e desde 1995 é analista de mercado de capitais da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 6 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais, p. 07. No mesmo sentido, toda a bibliografia utilizada neste trabalho se posiciona, sendo que para Nelson Eizirik essa divisão decorre dos seus marcos institucionais e legais básicos, a Lei 4.595/64, Lei 4.728/76, e Lei 6.385/76, em EIZIRIK, Nelson. Reforma das S.A. & do Mercado de Capitais, p. 161. 7 Eduardo Fortuna é Doutor em Finanças pela Coppead (UFRJ), professor, palestrante e consultor na área do Mercado Financeiro. 8 FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços, p.16.

6

intermediação financeira, mencionada por Fortuna, como bem orienta Nelson Eizirik9. Segundo

explica

José

Paschoal

Rossetti10,

a

intermediação

financeira é uma categoria diferenciada de serviço, integrada às atividades terciárias de produção, prestada por um grupo também diferenciado de agentes econômicos – os intermediários financeiros.11 O economista faz distinção entre o mercado financeiro e o mercado real, sendo que neste são realizadas as “operações de geração de bens (produtos tangíveis) e serviços não financeiros (produtos intangíveis, como comunicações, transporte, comércio)”, já na seara do mercado financeiro, “realizam-se operações de custódia, intermediação, compensação e liquidação de ativos financeiros”, ou seja, de determinados tipos de ativos (bens) considerados “não reais” como a moeda, títulos de crédito e valores mobiliários (como as ações de Sociedades Anônimas) e outros papéis. Eizirik explica que os poupadores (agentes superavitários) são aqueles agentes econômicos (governo, empresas, famílias, indivíduos) cuja capacidade de poupança (retenção de riqueza) é superior a suas necessidades de investimento (aplicação de riqueza); e os investidores (agentes deficitários), do contrário, são aqueles cujas necessidades de investimento são superiores a sua capacidade de geração de poupança12. A intermediação financeira é, portanto, a interligação entre os agentes econômicos, para que os recursos dos poupadores (superavitários) possam ser aplicados pelos investidores (deficitários) em seus projetos diversos13. Assim, por exemplo, uma indústria que necessita de capital para a criação de uma nova fábrica, porém não é capaz de utilizar de seus próprios recursos (agente deficitário), capta-os no mercado financeiro daqueles poupadores (agentes

9

Nelson Eizirik é advogado especializado em Mercado de Capitais, Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ – 1976, foi Diretor da Comissão de Valores Mobiliários – CVM – 1986/1988, Membro efetivo do Conselho de Administração da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – 1990/1996. Em, EIZIRIK, Nelson, e et.al. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p.2 10 José Paschoal Rossetti é Economista, pós-graduado em Administração de Empresas pela FEA (USP). Consultor de empresas há 30 anos, professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral nas áreas de economia, macroambiente e cenários e governança corporativa. 11 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia, p. 626 12 EIZIRIK, Nelson, e et.al. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p.2 13 EIZIRIK, Nelson, e et.al. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p.3

7

superavitários), seja através de empréstimos bancários diretos ou na emissão de valores mobiliários no mercado de capitais. Nas palavras do economista Rossetti: O mercado real está operacionalmente ligado ao financeiro não só pela liquidação por movimentação de saldos bancários, mas também por operações de intermediação de recursos. Empresas, famílias e governo, do país ou do exterior, em posições superavitárias, fornecem recursos captados pelo mercado financeiro, sob a forma de depósitos de disponibilidades monetárias (depósitos a vista nos bancos comerciais) e de reservas financeiras não monetárias (aplicações em títulos de emissão dos intermediários financeiros ou dos agentes deficitários, que os intermediários colocam no mercado). Em contrapartida, estabelecem-se condições para as operações ativas dos intermediários. Eles canalizarão os recursos captados, no financiamento de necessidades de giro, na concessão de créditos para dispêndio de consumo e no financiamento de investimentos14.

A intermediação financeira, porém, pressupõe existir agentes superavitários de um lado, e agentes deficitários, de outro lado, bem como entre estes, uma estrutura especializada na realização do fluxo de ativos financeiros entre eles15. Esta estrutura especializada na realização do fluxo de ativos é o chamado mercado financeiro, que, divide-se em 4 (quatro) subsistemas, conforme já explicitado por Lameira16. Estes subsistemas têm como objetivo comum a intermediação financeira, sendo distintos quanto ao tipo das operações realizadas, prazos praticados, tipos de ativos transacionados e fins específicos a que se destinam17. Segundo explica Lameira: O mercado de crédito é onde se operam, a curto ou médio prazos, os recursos que se destinam ao financiamento de consumo e capital de giro para empresas e indivíduos, através, principalmente, de bancos comerciais; o mercado monetário18 é onde o governo do Estado controla,

14

ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia, p. 632. ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia, p. 645. 16 Vide Nota 6. 17 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia. p. 634. 18 Otavio Yazbek ressalta que a definição apresentada por Lameira mostra-se demais restritiva, sendo importante agregar as operações do “mercado de dinheiro” como as CDI`s e as operações 15

8

através de operações com vencimento no mesmo dia (curtíssimo prazo), os meios de pagamento (depósitos a vista em bancos comerciais e moeda corrente em poder do público) através, basicamente, do lançamento de títulos de dívida pública, “este mercado visa garantir a liquidez (adimplência) adequada do mercado real”19, acrescenta Rossetti; o mercado de câmbio é onde se realizam operações que necessitam da conversão de moedas estrangeiras para sua liquidação, está intimamente relacionada a financiamentos do setor de importação e exportação do mercado real, sendo operada, sobretudo, pelos bancos comercias e as corretoras de câmbio20. O mercado de capitais, objeto de estudo do presente capítulo, por sua vez, apesar de atuar conjuntamente na intermediação financeira com os demais mercados acima descritos, apresenta características ainda mais distintas, razão pela qual é comumente tratado de forma individual. Eizirik esclarece que enquanto nas operações bancárias típicas são realizadas operações de financiamento, de empréstimo, no mercado de capitais ocorrem principalmente negócios de “participação” (valores mobiliários), uma vez que o retorno do investimento por parte do acionista está em regra relacionado à lucratividade da empresa da qual participa. O jurista acrescenta que, diferentemente do que ocorre no mercado de crédito e demais mercados financeiros, no mercado de capitais o fluxo dos recursos são realizados diretamente entre os agentes deficitários e os agentes superavitários21. Dessa forma, intermediação financeira realizada de forma direta pelas instituições financeiras, como ocorre nos demais mercados financeiros, fica

compromissadas. Em YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 132. 19 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia, p. 634. 20 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais, p. 07; Este enquadramento é referido pela grande parte da doutrina, por exemplo: EIZIRIK, Nelson, e et.al. Mercado de Capitais - Regime Jurídico; ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia; FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços; YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais; KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, dentre outros. 21 No mesmo sentido, Andrezzo e Lima afirmam que a relação de financiamento se estabelece diretamente entre o prestador de recursos e o seu beneficiário. ANDREZZO, Andrea Fernandes e LIMA, Iran Siqueira, Mercado Financeiro: aspectos históricos e conceituais, São Paulo: Editora Pioneira, 1999, p. 350.

9

restrita no mercado de capitais à participação destas na distribuição dos valores mobiliários ao público superavitário22. Otavio Yazbek23 corrobora com este entendimento, agregando que as instituições financeiras, no mercado de capitais, são meros intervenientes, prestando serviços de aproximação, representação ou de liquidação das operações realizadas por seus clientes. Indo mais além, o jurista destaca que no mercado de capitais são criadas estruturas de negociação especializadas à realização de operações exclusivas com valores mobiliários24, como as Bolsas de Valores e as Câmaras de Custódia e Liquidação (Clearings)25. Lameira, por sua vez, resume o mercado de capitais como sendo o lugar onde se concentram as operações de longo prazo, ou de prazo indeterminado, “com o objetivo de financiamento de um complexo industrial, da compra de máquinas e equipamentos, ou obtenção de sócios e parcerias”, para capitalização de empresas já existentes no mercado ou que estejam se constituindo26. Siegfried Kümpel27 complementa este conceito, agregando que dentro do mercado de capitais há, de um lado, as empresas que precisam de recursos financeiros para cobrir suas necessidades, porém, existem ainda os investidores que muitas vezes estão interessados na especulação e nas diferentes formas de previdência privada, não se confundindo estes com os agentes superavitários da relação28. No entendimento do economista Rossetti, no mercado de capitais negocia-se “pedaços” das empresas, representadas por ações de participação no capital. “As ações que se negociam em bolsas de valores são os títulos de referência desses pedaços”. Os ganhos decorrem, de um lado, das variações 22

EIZIRIK, Nelson, e et.al. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p.8. Otávio Yazbek é Doutor em Direito Econômico pela USP e o atual Diretor de Regulação Bolsa de Mercadorias & Futuros – BM&F. 24 O conceito de valores mobiliários, Bolsas de Valores e Clearings serão analisadas no capítulo 2 deste trabalho. 25 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 132. 26 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais, p. 08. 27 Siegfried Kümpel é Coordenador do Curso de Direito Bancário e Mercado de Capitais da JustusLiebig-Universität Giesessen na Alemanha e Professor convidado da Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 28 KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 09. 23

10

positivas no valor das empresas, julgadas pelo mercado; de outro, lado, no recebimento de dividendos. Tanto na colocação primária de ações (mercado primário29), quanto nas subseqüentes transferências de detentores (mercado secundário)30. De acordo com as conceituações ora apresentadas, pode-se concluir que o mercado de capitais é um subsistema de intermediação financeira diferenciado no mercado financeiro, no qual o fluxo de recursos, representados por valores mobiliários, são realizados de forma direta entre os agentes deficitários (sobretudo empresas), que buscam aplicar estes recursos em suas atividades, e agentes superavitários (investidores em geral), que buscam da rentabilidade à riqueza poupada, utilizando-se de uma estrutura de negociação especializada como as Bolsas de Valores, bem como dos serviços das instituições financeiras como forma de suporte. Importa, todavia, analisar-se o papel e relevância econômico, político e social do mercado de capitais, sendo que, por ser uma forma de intermediação financeira, como visto acima, pode-se extrair desta alguns aspectos que caracterizam seu papel e relevância. Rossetti destaca que o papel do mercado de capitais, geralmente aceito pela doutrina econômica, está relacionado a cinco aspectos: Canais Permanentes, pois os agentes econômicos podem encontrar a qualquer momento um mercado aberto para a obtenção de recursos ou o investimento, reduzindo os custos de transação decorrentes da negociação direta entre agentes. Especialização, pois, diante das incertezas da realidade econômica exigir-se-ia conhecimento excessivo por parte dos agentes na atuação financeira, prejudicando o volume de negociações, os mercados financeiras, sendo especializados no seu ramo, tornam-se viáveis as operações, reduzindo as exigências sobre os agentes beneficiários. Diluição de Risco, as operações financeiras devem cobrir inúmeros riscos a serem considerados, porém, em virtude da abrangência das formas de operações do mercado financeiro e sua especialização, os riscos diluem-se. 29

Tanto o conceito de mercado primário e mercado secundário serão estudos no item 2.7 do Capítulo seguinte. 30 ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia, p. 638.

11

Ganhos de Eficácia Alocativa, isto pois, em geral, os recursos dos agentes superavitários captados pelo mercado financeiro, tendem a ser canalizados para atividades produtivas que demandam maior capital para investimento. Sustentação e expansão de fluxos reais, a atividade do mercado financeira fomenta a transferência de recursos entre os agentes econômicos, favorecendo e sustentando a expansão das atividades da economia real, ou seja, as atividades produtivas da empresas. Os excedentes deixam de ficar estagnados diluindo os recursos entre os agentes econômicos31. Lameira, por sua vez, afirma que a idéia central do mercado de capitais está na circulação de recursos, a fim de proporcionar melhorias de produção (fabricação e concepção de novos produtos), de distribuição, de tecnologia, em suma, “uma maior geração de riqueza”. O mercado de capitais serve, portanto, como canal que possibilita de forma adequada a alocação dos recursos, “suprimindo as necessidades dos agentes econômicos”.32 Eizirik esclarece que o papel e relevância essencial do mercado de capitais é a de permitir às empresas a captação de recursos não exigíveis para o financiamento ou mesmo alongar o prazo de suas dívidas. O autor ainda explica que, tendo em vista que não se tratam de empréstimos diretos, a empresa não está obrigada a devolver os recursos aos investidores33, mas “remunerá-los sob forma

de

dividendos,

caso

apresente

lucros

em

suas

demonstrações

financeiras”.34 Pedro de Carvalho Neto, corroborando com o entendimento, acrescenta que as principais funções do mercado de capitais por ser assim resumidas: Conciliação do interesse do poupador de oferecer recursos a curto prazo (quando os valores mobiliários são dotados de liquidez) com a necessidade da empresa emissora de obter recursos de médio e longo prazos; Transformação dos montantes de capital, de sorte que pequenos e médios montantes de recursos, aportados por 31

ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia, p. 632. LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais, p. 4-5. 33 O autor ressalta as exceções como as debêntures e commercial papers, em EIZIRIK, Nelson, e et.al. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p.8. 34 EIZIRIK, Nelson, e et.al. Mercado de Capitais - Regime Jurídico, p.8. 32

12

diferentes poupadores, convertem-se, por ocasião da subscrição de valores mobiliários, em grandes e consolidados montantes de capital; Transformação da natureza dos riscos e permitir que se transforme uma série de investimentos de alto risco individual, de longo prazo e sem liquidez, em investimentos com maior segurança e prazos mais curtos; Maior agilidade do processo de transferência dos recursos, uma vez que os valores mobiliários (ações, debêntures, etc.) são padronizados e aptos a circularem em massa; e, Obtenção de um maior volume de informações homogêneas sobre a oferta e demanda de recursos.35

Como visto, o papel do mercado de capitais está relacionado à sua capacidade de mobilizar os recursos dos diversos agentes econômicos, alocandoos aos projetos que demandam maior financiamento, proporcionando uma estrutura facilitada e de custos reduzidos para este fluxo e seus beneficiários, daí decorrendo a relevância do mesmo no cenário econômico, político e social. Segundo estudo elaborado pela BOVESPA, esta capacidade de mobilizar recursos para investimentos na realização de empreendimentos através do mercado de capitais é de grande importância para o desenvolvimento econômico dos países, pois aproxima os dois agentes opostos no mercado: o poupador, que tem excesso de recursos, mas não tem oportunidade de investi-los em atividades produtivas, e o tomador, que está em situação inversa.36 Ao permitir o fluxo de capital de quem poupa para quem necessita de recursos para investimento produtivo, o mercado de capitais cria condições que incentivam a formação de poupança, haja vista que oferece uma alternativa consistente de financiamento da atividade produtiva e de investimento atrativo para os agentes econômicos da sociedade.37 Segundo a ex-diretora do Departamento de Estatísticas e Estudos Econômicos da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) Clarice Messer, “as indústrias sabem mais do que ninguém a importância que tem o mercado de capitais e a grande valia para o seu crescimento”. Muitos empresários não têm outra saída a não ser recorrer para os empréstimos 35

MELLO, Pedro Carvalho de. Mercado de Capitais e Desenvolvimento Econômico. In CASTRO, Hélio O.P. (coord.) Introdução ao Mercado de Capitais, pp. 28 e 29. 36 NÓBREGA, M.; LOYOLA, G.; GUEDES FILHO, E. M.; PASQUAL, D. O mercado de capitais: sua importância para o desenvolvimento e os entraves com que se defronta no Brasil, p. 24. 37 Miranda, Rogério; Rodrigues Jr., Waldery; Silva; Marly Matias. Intermediação da poupança para investimento no setor produtivo, p. 14.

13

bancários, principalmente pelas pequenas e médias empresas, “submetendo-se a sangria dos juros que são dos mais elevados do mundo”.38 No mesmo sentido, Kumpel afirma que as grandes empresas, nacionais e estrangeiras, satisfazem sua carência de financiamento cada vez menos pela aquisição de crédito garantido pelos bancos (empréstimo direto). Suas necessidades financeiras são cobertas com cada vez mais freqüência pela emissão de valores mobiliários no mercado de capitais. Segundo o jurista, até mesmo os bancos obtêm os meios de refinanciamento para seus negócios pela emissão de valores mobiliários39. Estella de Araújo Penna (ex-diretora do BNDES – Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ressalta que é inquestionável o papel que desempenha e sempre desempenhou o Sistema BNDES no apoio os empreendimentos que favoreçam o desenvolvimento do país, através de financiamentos à grandes empreendimentos industriais e de infra-estrutura, “principalmente na área de agricultura, comércio, serviços, bem como as micro, pequenas e médias empresas”. Com isso, através de financiamentos à longo prazo com baixo custo, o BNDES conseguiu sempre promover o desenvolvimento da indústria, comércio, entre outros, proporcionando assim o aumento das exportações.40 Porém, segundo ela, este modelo de financiamento, apoiando-se prioritariamente no BNDES, na retenção de lucros das empresas, ou no crédito bancário diretamente com as instituições financeiras através de juros muitas vezes altos

que

prejudicam qualquer crescimento,

“são

completamente

incompatíveis para uma economia que se encontra muito diversificada”, pois, no que diz respeito ao papel do BNDES, “é insustentável atender à demanda de tantas empresas que surgem a cada dia necessitando de novos investimentos”.41 Neste sentido, Guido Mantega, ao assumir a presidência do BNDES em março de 2005, afirmou que “o mercado de capitais é a chave do crescimento

38

CASAGRANDE NETO, Humberto. Mercado de capitais: a saída para o crescimento, p. 23. KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais - do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 10. 40 CASAGRANDE NETO, Humberto. Mercado de capitais: a saída para o crescimento, p. 32. 41 Estella de Araújo Penna faz análise demonstrando a dificuldade de apenas o BNDES ser o principal financiador dos investimentos privados, diante de uma economia com empresas tão diversificadas. 39

14

do país”42, apostando todas as suas fichas no mercado de capitais para financiar o novo ciclo de desenvolvimento do país, segundo afirma, o mercado de capitais vive um momento de expansão, porém a economia precisa mais, mobilizando a poupança interna para financiar a produção e, conseqüentemente, melhor o nível econômico e social brasileiro43. Segundo Carlos A. Rocca44, existe ampla evidência baseada em inúmeros estudos nacionais e internacionais, que as taxas de crescimento econômico e bem estar social estão relacionados a sistemas financeiros e principalmente ao mercado de capitais desenvolvidos. Finalizando, ROCCA afirma que “a retomada e sustentação do crescimento da economia brasileira somente poderá ser assegurado com a utilização dos instrumentos e mecanismos do mercado de capitais”.45 Eizirik complementa que há indicações empíricas de um impacto positivo do mercado de capitais sobre a criação de empresas, o que pode ser interpretado como “um estímulo ao empreendedorismo”.46 Pode se resumir o papel e relevância do mercado de capitais aos benefícios diretos que traz à atividade econômica, como faz João Ricardo Santos Torres da Motta47, segundo ele, primeiro aumenta-se as alternativas de financiamento do investimento, bem como reduz seu custo, o que, de forma combinada, significa mais crescimento efetivo e reflexo no bem estar social. Em segundo lugar, elevasse a competitividade da economia como um todo. De outra

42

Estella de Araújo Penna mostra que há uma ação institucional conjunta, entre o BNDES, o Banco Central, e a BOVESPA, junto com organismos internacionais “na tentativa de melhorar a qualidade do produto ação”, como ela mesma diz. “Na minha opinião, isto é a ponta do iceberg, pois primeiro a empresa precisa se desenvolver, ter qualidade de seus produtos e serviços, confiança, competitividade para enfim abrir seu capital”, em CASAGRANDE NETO, Humberto. Mercado de capitais: a saída para o crescimento, p. 23. 43 Mercado de Capitais é a Chave do Crescimento do Brasil, entrevista com Guido Mantega, Jornal Valor Econômico, 04/04/2005, p.12. 44 Carlos Antônio Rocca é economista, professor e pesquisador no campo de economia e mercado financeiro da USP e IBMEC. 45 ROCCA, Carlos A. Mercado de Capitais Eficiente: Condição para o Crescimento Sustentado, p. 14. 46 EIZIRIK, Nelson, e et.al. Mercado de Capitais - Regime Jurídico, p.10. 47 João Ricardo Santos Torres da Motta é consultor Legislativo de Política e Planejamento Econômicos, Desenvolvimento Econômico, Economia Internacional, Finanças em Geral da Câmara dos Deputados.

15

parte, um sistema financeiro sólido garante, ainda, menor vulnerabilidade da economia às crises financeiras.48 Diante do que foi analisado, pode-se concluir que o mercado de capitais, ao permitir a alocação da poupança de forma eficiente entre as várias oportunidades de investimento, facilita a transferência de recursos para alternativas de investimentos mais adequadas ao processo de desenvolvimento econômico, promovendo o aumento da produtividade, da eficiência econômica e do bem estar da sociedade, residindo aí sua função primordial, econômica, política ou social.

1.2.

HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO Compreendido o papel e a importância do Mercado de Capitais,

tanto para a economia como ao próprio bem estar social, importa tecermos breves comentários acerca da sua evolução histórica no Brasil a fim de uma melhor contextualização temporal. Segundo Casagrande Neto49, o primeiro lançamento de ações à oferta pública no Brasil, está relacionada à criação do Banco do Brasil, o que nos remete a 12 de outubro de 1808 e aparentemente não experimentou grande sucesso. Parecia que àquela época não existia uma cultura de mercado que proporciona-se o crescimento dos negócios societários de uma forma consistente. Todavia, foi apenas em meados da década de 60 que o mercado de capitais brasileiro teve seu surgimento de forma expressiva, calcado na produção legislativa sob o incentivo do governo Castelo Branco, advindo da Revolução de 31 de Março de 1964, no chamado período do regime militar. Conforme lembra Luiz Rafael de Vargas Maluf50, o governo Castelo Branco foi considerado o governo que aplicou reformas econômicas de grande importância para reverter a situação que se encontrava o país naquela época. 48

MOTTA, João R. S. Torres da. Uma análise da relação entre mercado de capitais e desenvolvimento, p.4. 49 CASAGRANDE NETO, Humberto. Abertura do capital de empresas no Brasil: um enfoque prático, p. 141. 50 MALUF, Luiz Rafael de Vargas. O Mercado de Capitais e o Desenvolvimento Econômico Social, p. 06.

16

Assim, em seu governo, a intenção foi reverter o processo inflacionário e anular o déficit público, através de uma política fiscal e monetária que restabelecia a confiança interna e externa no país, criando condições propícias para o crescimento da poupança interna. O jurista afirma ainda: Nesta época, o Brasil ocupava a posição de 50ª nação em relação à Produto Nacional Bruto (PNB), com uma inflação beirando os 100%, sendo ainda considerado um país subdesenvolvido, com inexpressiva poupança financeira decorrente de haveres não monetários, e sem nenhuma forma de proteção contra a depreciação da moeda. Não havia poupança de médio e longo prazo, e as operações financeiras limitavam-se à operações de curto prazo.

Ary Oswaldo Mattos Filho51, reforçando a idéia apresentada, lembrou que o mercado de ações brasileiro nasceu de um modo curioso, ou seja, da vontade do governo em 1964. Foi um período de enorme envolvimento do Estado nas atividades econômicas, sobretudo pela atuação como empresário. Foi também o período em que se deu posteriormente o chamado “Milagre Econômico” brasileiro, de intenso crescimento econômico em curto prazo, porém tendo por conseqüência aumentar ainda mais o abismo social entre ricos e pobres no país, contrapõe Fernando Herren Aguillar52. Naquele ano foi promulgada a Lei n.º 4.59553, em 31 de dezembro, também conhecida como Lei da Reforma Bancária, criando o atual Sistema Financeiro Nacional (SFN), sendo criado como órgão máximo deste sistema o Conselho Monetário Nacional (CMN) e como órgão responsável pela execução das políticas traçadas pelo CMN, o Banco Central do Brasil (BC ou BACEN). Destaca Lameira que o SFN foi constituído “visando coordenar a política e os serviços bancários, monetários e creditícios do País, que, segundo o

51

MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. Palestra “Inovar, Aproveitando a Cultura de Investimentos.” AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico – Do direito Nacional ao Direito Supranacional, p. 145. 53 BRASIL, Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. 52

17

autor ressalta, anteriormente eram exercidos por vários órgãos com o Ministério da Fazenda, Banco do Brasil, etc., de forma dispersa e, por vezes, conflitante”.54 Fortuna, na mesma linha, justifica a reforma, pois os órgãos de aconselhamento e gestão da política monetária, crédito e finanças estavam dispersos, e essa estrutura “não correspondia aos crescentes encargos e responsabilidades na condução da política econômica”.55 Logo no ano seguinte a criação do Sistema Financeiro Nacional, o legislador nacional promulgou aquela que foi a primeira lei a tratar diretamente do mercado de capitais no Brasil, a Lei 4.72856, de 14 de julho de 1965, ficando claro publicamente as intenções que tinha o governo da época em criar um mercado de capitais forte e eficiente, para valer-se dele em sua política de controle da inflação e desenvolvimento econômico. Na referida lei, foi outorgada competência ao Conselho Monetário Nacional a disciplina do mercado de capitais no Brasil, tendo o Banco Central como órgão executor, agregando-se competência ao Sistema Financeiro Nacional. Segundo Aguillar, “os objetivos fundamentais dessa lei eram o de assegurar transparência na emissão e na circulação de títulos e valores mobiliários, combater as fraudes e proteger os investidores de manipulações de mercado”.57 No entendimento de Fortuna, interessa ao governo da época, a “evolução dos níveis de poupança internos e seu direcionamento para investidores produtivos”, pois estariam contidos em investimentos em imóveis e reservas de valor58. Seguindo

na

revisão

histórica

de

Lameira59,

estas

leis

proporcionaram o “arcabouço legal que permitiu às empresas e instituições financeiras participantes da conjuntura econômica e financeira dessas épocas,

54

LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais, p. 09. FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços, p.15. 56 BRASIL, Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965. Disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. 57 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: Do direito Nacional ao Direito Supranacional, p. 147. 58 FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços, p.15. 59 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Proteção ao investidor e fortalecimento do mercado de capitais, pág. 2. 55

18

ampliar seu desenvolvimento técnico” e, por conseguinte, complementa, “aumentar a eficiência de alocação de recursos em todo o sistema financeiro”. Fortuna complementa que estas leis buscaram estabelecer uma política no intuito de “acabar com a controvérsia relativa às instituições financeiras”, seguindo o modelo europeu no qual os bancos eram as principais peças do sistema financeiro, “operando em todas as modalidades de intermediação financeira”, e o modelo americano, “no qual predominava a especialização”.60 Para Kumpel, o rápido desenvolvimento do mercado de capitais “foi fortemente incentivado pela atividade regulatória do legislador e das entidades de fiscalização do mercado”. Esse desenvolvimento, segundo afirma, “está em harmonia com a prática financeira das grandes empresas e com a expansão mundial dos negócios”.61 Como efeito das reformas ocorridas, destaca Valdir de Jesus Lameira: Uma grande massa de investidores começou a investir em ações, após as reformas promovidas no sistema financeiro pela Lei de Mercado de Capitais de 1965. Entre outros benefícios, a referida Lei possibilitou aos investidores, o acesso a novos instrumentos para a aplicação do capital, visando o desenvolvimento global do mercado e o estímulo à poupança e suas aplicações no mercado nacional62.

Igualmente, neste período a Bolsa de Valores de São Paulo se consolidou, tomando as primeiras feições da atual BOVESPA, sendo nessa época, precisamente em 1968, quando foi criado o índice IBOVESPA63, principal índice de medição da “temperatura”64 do mercado de valores mobiliários a vista. 60

FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços, p.3/4. KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais - do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 17. 62 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Proteção ao Investidor e Fortalecimento do Mercado De Capitais, pág. 3. 63 O Índice Bovespa é o mais importante indicador do desempenho médio das cotações do mercado de ações brasileiro. Sua relevância advém do fato de o Ibovespa retratar o comportamento dos principais papéis negociados na BOVESPA e também de sua tradição, pois o índice manteve a integridade de sua série histórica e não sofreu modificações metodológicas desde sua implementação, em 1968. Conforme publicação da Bolsa de Valores de São Paulo, Índice Bovespa IBOVESPA: Definição e Metodologia. Jan/2008. Disponível em 16/09/2008 no site . 64 A expressão faz analogia ao slogan “O termômetro do mercado de ações” criado em comemoração aos 40 anos do índice neste ano de 2008, disponível em 16/09/08: . 61

19

“O mercado de capitais passou por um momento de euforia, que persistiu até o início da década seguinte, com o aumento do volume de negociações nas bolsas de valores e a inversão de quantidade significativa de recursos”65, como bem ressalta Otávio Yazbek. O “Milagre Econômico” nesta época fez com que o IBOVESPA saltasse de meros 5.000 pontos (no final de 1970) para 16.000 pontos em janeiro de 1972, mantendo-se esta incrível alta por pouco mais de 1 ano, quando o IBOVESPA voltou a registrar níveis mais baixos, por volta de 6.000 pontos, e decaindo consideravelmente até 198466. Todavia, a política iniciada em 1964 sustentou um desenvolvimento econômico artificial, sobre os ombros de um Estado empresário, e entrou em crise quando os resultados concretos nesse setor começaram a revelar-se em sua realidade. Neste sentido, Aguillar ressalta que, “passado o milagre econômico, era necessário pagar a conta do crescimento acelerado às custas de déficits públicos internos e externos e emissão descontrolada de moeda”.67 Corroborando desta idéia, Andrezo e Lima, ressaltam que “com o encerramento deste ciclo, fugaz até por lhe faltar infra-estrutura adequada, começou a se fazer presente aquela proverbial desconfiança generalizada, tornando-se mais premente a promulgação de uma nova legislação”.68 Somando à crise que tomava início, o Brasil experimentou a crise internacional do petróleo entre os anos de 1973 e 74 (e, posteriormente, em 1979), bem com a rápida aceleração das pressões inflacionários, frutos da política econômica superficial retro mencionada. Yazbek esclarece que como decorrência, iniciou-se a aversão ao mercado de capitais nacional, sendo que os agentes superavitários foram levados

65

YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 263. Dados obtidos do sítio na internet do IBOVESPA, acessível em 16/09/08 . 67 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico – Do direito Nacional ao Direito Supranacional, p. 159. 68 ANDREZZO, Andrea Fernandes e LIMA, Iran Siqueira, Mercado Financeiro: aspectos históricos e conceituais, p. 350. 66

20

a “buscar modalidades69 de investimento que lhes permitissem lidar com a inflação”.70 Diante da realidade que se apresentava e aliada à deturpação do liberalismo declarado pelo regimento militar71, o ambiente político tornou-se favorável à mudança da competência do mercado de capitais que fora outorgada ao Banco Central (Lei 4.728/65, conforme anteriormente destacado) para o então criado Conselho de Valores Mobiliários (CVM), mediante a promulgação da Lei 6.38572 de 07 de setembro de 1976. A partir de então, até hoje, a CVM assume a função de fiscalizar o mercado de capitais, acrescendo-se a prerrogativa de regulamentá-lo73, observando as políticas do Conselho Monetário Nacional. Para Fortuna, à época “faltava uma entidade que obsorvesse a regulação e fiscalização do mercado de capitais, especialmente no que se referia às sociedades de capital aberto”.74 Neste mesmo ano, seguindo na linha de transformações decorrentes das pressões contra a política econômica superficial, foi promulgada a atual lei das Sociedades por Ações75 - Lei 6.40476 de 15 de dezembro de 1976 - que estabeleceu novos paradigmas para a atuação das sociedades anônimas, dando novo animo ao crescimento do número de empresas que se utilizaram do mercado de capitais para captar recursos, da mesma forma que, também, aumentou o número de investidores77. Conforme Andrezzo e Lima e segundo a exposição de motivos que acompanhou a Lei, esta visava basicamente:

69

Como se verá a seguir, os valores mobiliários são títulos de renda variável, ou seja, oscilam conforme a variação do mercado e da inflação, dessa forma, o investimento em títulos de renda fixa (pré-fixados) passam a apresentar mais segurança aos investidores. 70 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 269. 71 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 269. 72 o BRASIL, Lei n 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. 73 Conforme seu Art. 8º: Compete à Comissão de Valores Mobiliários: I - regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias expressamente previstas nesta Lei e na lei de sociedades por ações; 74 FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços, p.16. 75 Como se verá, as Sociedades por Ações são as principais emissoras de títulos negociados no mercado de capitais. 76 o BRASIL, Lei n 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. 77 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Proteção ao Investidor e Fortalecimento do Mercado De Capitais, pág. 3.

21

Criar a estrutura jurídica necessária ao fortalecimento do mercado de capitais de risco no País, imprescindível à sobrevivência da empresa privada na fase atual da economia brasileira. A mobilização da poupança popular e o seu encaminhamento voluntário para o setor empresarial exigem, contudo, o estabelecimento de uma sistemática que assegure ao acionista minoritário o respeito a regras definidas e eqüitativas, as quais, sem imobilizar o empresário em suas iniciativas, ofereçam 78 atrativos suficientes de rentabilidade e segurança.

Da mesma forma, Fortuna destaca que a Lei 6.404/7679 veio suprir a necessidade de atualizar os aspectos relativos, principalmente, a negociação de valores mobiliários e a modernização do fluxo de informação80. Ainda assim, Yazbek ressalta que os avanços mais significativos observados nas décadas de 60 e 70 dizem respeito, sobretudo, à adequação do regime estatal ao novo ambiente político econômico nacional e internacional que se apresentavam, não tendo a produção legislativa verdadeira parcela de inovação81. De qualquer forma, Maluf destaca que até meados da década de 80 prevaleceu o programa de incentivo à poupança interna, “com condições para que fluísse

a

poupança

externa

para

interna,

e

não

havendo

excessiva

regulamentação do governo, permitindo que prevalecessem os princípios da livre empresa e economia de mercado”.82 Já na década de 80, caracterizada por muitos como a “a década perdida”, o Brasil sentiu as crises advindas da dívida pública interna e externa, sendo marcada por “inúmeros planos malfadados para conter a espiral inflacionária”, como explica Antonio Dias Leite.83 78

ANDREZZO, Andrea Fernandes e LIMA, Iran Siqueira, Mercado Financeiro: aspectos históricos e conceituais, p. 338. Neste mesmo sentido, Nelson Eizirik afirma que a lei apresentava feição pedagógica, centrando-se na institucionalização de um modelo de proteção ao investidor individual. Em EIZIRIK, Nelson. Reforma das S.A. & do Mercado de Capitais, p. 136. 79 Apesar da referida lei disciplinar as sociedades por ações até hoje, está já figurava no ordenamento jurídico brasileiro desde 1849, com o Decreto nº 575, posteriormente substituída pelo art. 295 do Código Comercial de 1850, e, após vários dispositivos legais que a sucederam, compôs-se no Decreto-Lei 2.627, de 26 de setembro de 1940, que foi base para a atual legislação. Conforme LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais, p. 29. 80 FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços, p.16. 81 O autor complementa ainda, que as leis criadas em 1976 foram mera reação aos problemas ocorridos no início da década de 70. YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 269. 82 MALUF, Luiz Rafael de Vargas. O Mercado de Capitais e o Desenvolvimento Econômico Social p. 06. 83 LEITE, Antonio Dias. A economia brasileira: de Onde viemos, onde Estamos e o que Esperamos do Futuro, p. 194 e ss.

22

Aguillar explica que a década de 80 foi o período dos chamados “planos econômicos”, que trouxeram a novidade do congelamento de preços. Segundo o autor: Os pacotes econômicos foram remédios imediatistas e voltados para conter, apelas pela via legislativa, o avanço de uma doença crônica. As equipes econômicas que os adotaram sucessivamente, nos Planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor I e II, sempre enfatizaram que se tratava de remédio infalível.84

De qualquer sorte, o Plano Cruzado, aplicado em 1986, “teve um efeito impressionante sobre a economia. Num primeiro momento, os preços chegaram a recuar, registrando, pouco após sua vigência, uma deflação”, complementa Aguillar. De fato, o volume de negócios registrado naquele período, medido pelo índice IBOVESPA, chegou ao seu recorde até então, superando 30.000 pontos. Marca esta, que não perdurou meses, caído até a casa de 5.000 pontos no início do ano seguinte85. Aguillar explica que o “artificialismo” da solução jurídica se manifestou na escassez de produtos básicos à população e no desequilíbrio progressivo da economia nacional86. Finalizando a década perdida, YASBEK destaca, ainda, as grandes perdas no mercado de valores mobiliários em virtude da concorrência instalada entre as Bolsas de Valores de São Paulo e Rio de Janeiro, bem como o caso Nahas87, em parte responsável pela decadência da Bolsa carioca88. Para Andrezo

84

AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico – Do direito Nacional ao Direito Supranacional, p. 161. 85 Dados obtidos do sítio na internet do IBOVESPA, acessível em 16/09/08 . 86 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico – Do direito Nacional ao Direito Supranacional, p. 162. 87 Trata-se do caso em que Naji Nahas utilizou-se de cheque sem fundo que usou para pagar em 1989, ações compradas na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Na época, a operação quebrou a bolsa e abalou o mercado financeiro em todo o país. Conforme relato dos fatos no julgamento Apelação Cível nº 263.646-4/1, da Comarca de São Paulo/SP, Desembargador J.G.Jacobina Rabello, em novembro de 2005, quando foi condenado a indenização de R$ 4 milhões à corretora de valores mobiliários. 88 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 269.

23

e Lima, estes fatos deram causa à emissão de novas normas pelos reguladores competentes89. O fim da década de 80 marca, outrossim, o fim do período de regulação concentrada realizada pelo Estado sobre a economia nacional, que teve início década de 30. Segundo Aguillar, o país deixou a economia puramente agrária e rural, de baixo valor agregado, para um estado de industrialização e urbanização. Seguindo no traço delineado pelo autor, a crise financeira sofrida pelo Brasil na década de 80 fez com que o sistema financeiro busca-se auxílio aos órgãos internacionais de crédito, em especial o Fundo Monetário Nacional e Banco Mundial, o que apenas tornou-se possível através do cumprimento de medidas impostas por estes agentes, “fortemente impregnadas de uma mentalidade privatizante”. Desde então, já na era Collor, é a iniciativa privada que passa a liderar os investimentos econômicos, atuando até mesmo no setor público, deixando ao Estado a tarefa de normatizar a nova realidade90. É nesse período propício de transformações que a atual Constituição Federal91 é promulgada, refletindo a época vivida e as pretensões futuras. O início da década de 90 pode ser marcada como a efetiva chegada ao Brasil o tendência irrefreável de globalização, fruto dessa tendência é a desenvolvimento, na maioria dos países, do chamado banco universal, no Brasil denominado Banco Múltiplo, nos finais de 1989, conforme ressalta Arnoldo Wald92. Segundo o jurista, a globalização, no ambiente do mercado de capitais, pode ser conceituada como a “significativa criação de interconexões estreitas entre os sistemas financeiros e monetários de diversos países, decorrentes da liberalização do câmbio e da relativa desregulamentação das atividades financeiras”.93 89

ANDREZZO, Andrea Fernandes e LIMA, Iran Siqueira, Mercado Financeiro: aspectos históricos e conceituais, p. 273. 90 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico – Do direito Nacional ao Direito Supranacional, p. 167 a 170. 91 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 92 Arnoldo Wald é Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito, 1953; Doutor Honoris Causa da Universidade de Paris II, Paris, 1998; bem como foi Presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM e Membro do Conselho Monetário Nacional 1988-1989. 93 WALD, Arnoldo. Alguns Aspectos Jurídicos da Globalização Financeira, in Aspectos Atuais do Direito do Mercado de Capitais, p.11s.

24

Estrito ao mercado de capitais, Lameira exalta que em janeiro de 1991, “em consonância com o desenvolvimento dos mercados de capitais em diversas economias”, foi divulgado, em conjunto, pela Secretaria do Planejamento e a CVM, o primeiro Plano Diretor do Mercado de Capitais, com o objetivo de fomentar e desregulamentar o mercado, plano este que vem sendo atualizado desde então.94 Sobre a transcorrer da década de 90, Yazbek ela inicia-se em um contexto de abertura internacional aliada as dívidas inflacionárias da década anterior, e que, após as tentativas frustradas dos Plano Collor I e II e a crise política que marcou seu mandato, o ambiente econômico e financeiro iniciou sua entrada num novo rumo, guiado pelo Plano Real, em 1994, e pela política de estabilidade financeira que fez o país ingressar no rol das economias emergente. Aguillar complementa que o Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estatal implantado pelo então presidente Fernando Henrique Cardozo (19952001), projetava uma progressiva desconcentração regulatória operacional, sinalizando seu diagnóstico de que a concorrência é a melhor forma de gestão econômica, inclusive quanto aos serviços públicos95. A troca da moeda, bem como a política econômica que se implantava provocou um impacto imenso sobre o mercado financeiro e de capitais, Claúdio Gradilone relembra que, de uma para outra as instituições bancárias viram-se sem uma fonte generosa de riqueza – a inflação96. Yazbek acresce que, a partir de então, inicia-se um ciclo de reformulação das práticas e estruturas de regulação, “tanto pela atualização daquilo que já havia se tornado obsoleto, quanto pela criação de algumas medidas de saneamento especiais”, que tornaram-se necessárias em razão de algumas fragilidades do sistema financeiro nacional que foram evidenciadas pelo novo quadro.97

94

LAMEIRA, Valdir de Jesus. Proteção ao Investidor e Fortalecimento do Mercado De Capitais, pág. 6. 95 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico – Do direito Nacional ao Direito Supranacional, p. 170. 96 GRADILONE, Cláudio. Fincando as Bases – 1994/2007; Revista Capital Aberto – Edição Especial: Fundos de Investimento – 50 anos de história. Ano 4; Junho de 2007. 97 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 272.

25

O plano de desenvolvimento implantado era financiado em sua quase totalidade por investidores estrangeiros, segundo GRADILONE, os economistas da época, em especial o presidente do Banco Central Gustavo Franco, comemoravam o elevado défict balança comercial98, justificando que fazia-se necessário uma injeção de investimentos para modernizar uma economia que permanecera fechada por décadas. De qualquer forma, continua Gradilone, “a situação do Brasil era invejável”, a economia crescia e as bolsas de valores batiam recorde tudo em um ambiente sem inflação, até o primeiro semestre de 1997. As privatizações foram, juntamente, grandes propulsoras do mercado de capitais nesta fase, que, com o advento da Lei 9.457/9799 permitiu uma grande flexibilidade na atuação do governo brasileiro com vistas a vender suas posições acionárias de diversas companhias. É o que destaca Lameira, acentuando que nem tudo foi um mar de rosas, pelo contrário, em razão dos grandes investimentos externos e a privatizações direcionadas, gerou-se uma grande concentração de negócios em um número cada vez menor de instituições, bem como a falta de dispersão dos valores mobiliários observada nas emissões primárias, e ao desbalanceamento da relação entre custo e benefício de se tornar, e permanecer como companhia aberta, o que acarretou no decréscimo do número de empresas com ações negociadas em bolsa.100 Não obstante, como já foi ressaltado, o mercado de capitais entrou nos trilhos, evoluindo desde então, crescendo o volume de negócios a cada dia, sofrendo, entretanto, significativas quedas relacionadas ao seu vínculo estreito com o cenário internacional. Foram, em ordem cronológica, as principais crises que atingiram o mercado de capitas nessa época: a Crise do México (1994), Crise da Ásia (1997), Crise da Rússia (1998), a desvalorização do real frente ao Dólar 98

A balança comercial representa a quantidade de exportações x importações nacionais, quando em déficit, significa estar com o valor de importações superior ao de importações. ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia, p. 478. 99 Esta Lei alterou a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76) sendo chamada de 1ª Reforma. Trata-se, contudo, do chamado “Projeto Kandir” que se fundava exatamente na intenção de reduzir o “custo” das privatizações e o processo de concentração empresarial; como maior exemplo foi a revogação integral do art. 254 que tratava da obrigatoriedade de oferta pública de aquisição, conforme melhor explicado no Capítulo III. Neste sentido: EIZIRIK, Nelson. Reforma das S.A. & do Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 24. BRASIL. Lei nº 9.457, de 5 de maio de 1997. Altera dispositivos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. 100 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Proteção ao Investidor e Fortalecimento do Mercado De Capitais, pág. 7.

26

(1999) e, já no fim da era Fernando Henrique Cardozo, o ataque terrorista ao World Trade Center em Nova York (11.09.2001). Estas “crises” ficam bem retratadas na leitura do gráfico abaixo, comparando a oscilação do índice IBOVESPA e eventos históricos:101

Para compreensão dos efeitos externos sobre o mercado de capitais, vale explicação de WALD de que em mercados abertos e liberais, os recursos financeiros a melhor rentabilidade a curto prazo e seguros, em prejuízo dos investimentos produtivos a longo prazo, fazendo com que a mera desconfiança de que crises externas pudessem afetar a economia brasileira, gerava a retirada de investimentos para portos-seguros nos seus países de origem.102 Finalizando este retrospecto histórico, ainda nos deparamos com o episódio da sucessão presidencial para o então conhecido defensor socialista Luiz Inácio Lula da Silva, gerando graves desconfianças internas e externas elevando a taxas altíssimas o grau de risco estipulado para o Brasil pelas famosas agências de Rating103.

101

Dados obtidos do site da BOVESPA, fazendo adaptação livre à apresentação de 40 anos do índice, disponível em: . 102 WALD, Arnoldo. Alguns Aspectos Jurídicos da Globalização Financeira, in Aspectos Atuais do Direito do Mercado de Capitais, coordenador Roberto Quiroga Mosquera, p.12. 103 Agências de Rating, como será melhor explica no item 1.3 deste capítulo, são instituições especializadas em estabelecer o nível de risco de determinado negócio ou país para investimentos.

27

Em matéria publicada na Folha de São Paulo Online, no dia 03/12/2002104, nas vésperas do anúncio sobre o plano econômico do mandato, o mercado recebeu a notícia de que havia sido rebaixado de "neutro" para "abaixo da performance do mercado" a recomendação de compra para os papéis da dívida brasileira, sendo que a “decisão afetou principalmente o risco-país, que sobe 1,3% para 1.547 pontos105, mas teve pouco impacto sobre o mercado cambial”. Porém, quando este demonstrou que exerceria uma política estável e conservadora, houve uma retomada do mercado de capitais, acompanhado de um crescimento mundial, que gerou os maiores índices de crescimento para a Bolsa de Valores desde então. Com efeito, a dívida externa foi equilibrada e o câmbio foi estabilizado, como bem demonstra os reflexos no risco-país e no índice IBOVESPA que, em 23/06/2008, a taxa de risco-país atinge 198 pontos e o Ibovespa 64.511 pontos106. Neste mesmo ano, o Brasil foi classificado como o grau de investimento A-, pela renomada agência internacional Standard & Poor's, que é forte indicador para os investidores globais da qualidade de risco e retorno de uma economia. A nota A- indica um ambiente de política econômica estável, rentável ao investimento e de risco adequado107. Segundo artigo de Marcelo Loureiro, o Brasil atualmente prevê um crescimento médio do PIB (Produto Interno Bruto) de 5%, tamanho progresso demandará investimentos maiores e os bancos não serão capazes de arcar sozinhos com essa demanda, o caminho estará nas mãos do mercado de capitais108. Desse resumido histórico do desenvolvimento do mercado de capitais, pode-se notar a sua paulatina evolução diretamente relacionada à

104

COELHO, Luciana. Dólar amplia alta e já chega a R$ 3,677 com pressão de endividadas. Folha Online, 03/12/2002; disponível em 19/09/2008 no site . 105 Segundo a mesma notícia, o risco-país é visto como um "termômetro" informal da confiança dos investidores globais em país de economia emergente. 106 NETO, Epaminondas. Standard & Poor's eleva rating do Brasil para grau de investimento. Folha Online, 30/04/2008. Disponível em 19/09/2008 no site 107 NETO, Epaminondas. Standard & Poor's eleva rating do Brasil para grau de investimento. 108 LOUREIRO, Marcelo. Janelas para expandir, Megatendências, Revista Capital Aberto, p. 37.

28

políticas econômicas e o imprescindível papel das estruturas e agentes atuante neste mercado.

29

Capítulo 2 ESTRUTURAS E AGENTES DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO

2.1.

DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL Conforme já explicitado no item 1.1 deste trabalho, o Sistema

Financeiro é um conjunto de instituições que se dedicam de alguma forma a intermediação financeira109. Feitas as devidas apresentações sobre o mercado de capitais e seu histórico no cenário brasileiro, passamos a analisar as principais estruturas constituídas para propiciar a realização das suas operações, sempre visando à aproximação entre os agentes econômicos, os quais serão analisados na seqüência. Segundo Lameira, o Sistema Financeiro Nacional (SFN) foi a denominação dada à nova organização que se instituiu, visando centralizar e coordenar a política e os serviços de intermediação financeira110. Por Sistema Financeiro Nacional (SFN) subentende-se, portanto, o conjunto de instituições dedicadas à intermediação financeira no Brasil. Como visto no item 1.2, o SFN foi criado pela chamada Lei da Reforma Bancária – Lei nº 4.595/65, que assim dispõe em seu artigo primeiro: Art. 1º O sistema Financeiro Nacional, estruturado e regulado pela presente Lei, será constituído: I - do Conselho Monetário Nacional; II - do Banco Central do Brasil; III - do Banco do Brasil S. A.; IV - do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico; V - das demais instituições financeiras públicas e privadas.

109 110

FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços, p. 16. LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais, p.09.

30

A Comissão de Valores Mobiliários foi incluída neste sistema a partir da Lei da CVM – Lei 6.385/76, com a competência especifica sobre as operações do mercado de capitais, conforme já analisado. As instituições que compõe o SFN apresentam características distintas, conforme sua forma de atuação, podendo apresentar competência normativa, como é o caso do Conselho Monetário Nacional (CMN), competência mista, como é o caso do Banco Central do Brasil (BACEN) e a Comissão de Valores Mobiliários, que apresentam poderes normativos e executivos, e os apenas executivos, como o Banco do Brasil e o BNDES. Fortuna, calcado em razões econômicas bem aceitas pela doutrina jurídica111, distingue estas últimas, dotadas de exclusivo poder executivo, em instituições intermediárias financeiras e instituições auxiliares. Segundo o autor, elas distinguem-se, basicamente, pela capacidade de captar recursos diretos do público e, posteriormente, aplicar estes recursos, sob sua discricionariedade, mediante empréstimos e financiamentos, que são realizadas apenas pelos intermediários financeiros. De outro lado, as instituições auxiliares propõem-se a colocar os agentes econômicos (investidores e poupadores) em contato, facilitando o acesso de um ao outro, tendo como exemplo as Bolsas de Valores112. O mercado financeiro brasileiro é regulado pelo CMN e disciplinado pela CVM e pelo BACEN. O BACEN jurisdiciona todas as instituições financeiras e a CVM regula as instituições específicas do mercado de valores mobiliários113. Conforme complementa Eizirik, o legislador nacional optou por distribuir a competência normativa e fiscalizadora do mercado financeiro em duas entidades, cabendo ao BACEN a disciplina do sistema financeiro bancário, monetário e de crédito, e à CVM o mercado de capitais114.

111

Neste sentido, YAZBEK após demonstrar os estudos já feitos no intuito de distinguir o conceito legal de instituições financeiras, acaba por corroborar com a classificação de FORTUNA, dada a dinamicidade da realidade econômica em contraponto a cristalização da norma jurídica. YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, pp. 157-158. 112 FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços, p. 17. 113 Conforme explica a própria Comissão de Valores Mobiliários em: CVM, Mercado de Capitais e a Comissão de Valores Mobiliários, Rio de Janeiro, 2005, p. 40. 114 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 243.

31

Pode-se, portanto, dentro do tema deste trabalho, apresentar o seguinte organograma115 para fins de visualização das instituições que compõe o SFN, que com ele se confundem: Sistema Financeiro Nacional

Feita esta introdução, passe-se a analisar as principais estruturas que compõe o SFN e dão base estrutural ao mercado de capitais.

2.2.

O CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL O Conselho Monetário Nacional (CMN) é o órgão máximo do SFN,

criado pela Lei 4.595/64, com a finalidade de formular a política da moeda e do crédito objetivando o progresso econômico e social do País116. O CMN é um órgão colegiado pertencente à estrutura organizacional do Ministério da Fazenda, ao qual está vinculado, de acordo com o art. 2º e 26º do ANEXO I do Decreto 6.764117 de 10 de fevereiro de 2009, in verbis: o

Art. 2 O Ministério da Fazenda tem a seguinte Estrutura Organizacional: 115

Foram omitidas deste organograma as instituições de seguros e previdência, bem como o Conselho de Recursos do SFN. 116 Conforme art. 2º da Lei 4.459/64 e art. 1º do Regimento Interno do CMN – BRASIL. Decreto 1.307 de 09 de novembro de 1994. Aprova o regimento interno do Conselho Monetário Nacional. 117 BRASIL. Decreto 6.764 de 10 de fevereiro de 2009. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Fazenda, e dá outras providências.

32

I – (...) II – (...) III - órgãos colegiados: a) Conselho Monetário Nacional; Art. 26. Ao Conselho Monetário Nacional compete exercer as atribuições de que trata a 1, e legislação especial superveniente.

Extrai-se da Lei o caráter normativo do CMN ao receber a incumbência de formular a política financeira nacional. Segundo Fortuna, ao CNM, por tratar-se de órgão normativo por excelência, não lhe cabem funções executivas, “sendo o responsável pela fixação das diretrizes políticas monetárias, creditícias e cambiais, razão pela qual acaba por transformar-se num conselho de política econômica”.118 Lameira acrescenta ainda a competência normativa do CMN sobre o mercado de capitais, com o advento da Lei 4.728/65 e a Lei 6.385/76, a qual se resume a fixação de políticas e normas a serem observadas pela Comissão de Valores

Mobiliários,

sobretudo

quanto

à

constituição,

organização

e

funcionamento das instituições presentes no mercado de capitais119. Conforme explica a CVM: O CMN é a autoridade máxima do sistema financeiro, composto pelos Ministros da Fazenda, Planejamento e pelo Presidente do Banco Central. Dele emanam as principais diretrizes de política econômica aos organismos reguladores do sistema financeiro. Sua função é deliberativa, isto é, cabe a ele traçar as diretrizes gerais de política econômica tais como: equilíbrio do balanço de pagamentos, estruturação do sistema financeiro, coordenação das políticas monetária e fiscal e emissão de moeda120.

No intuito de fixar a política econômica a ser seguida pelos demais órgãos do SFN, o Conselho Monetário Nacional realiza reuniões uma vez por mês para deliberarem sobre assuntos relacionados com suas competências, porém, em casos extraordinários pode acontecer mais de uma reunião por mês121. As 118

FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: Produtos e Serviços, p. 19. LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais, p.11. 120 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Mercado de Capitais e a Comissão de Valores Mobiliários, p. 38. 121 Conforme explicativo do Banco Central, acessado em 02/10/2008. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Entenda o Conselho Monetário Nacional, São Paulo, 2008, disponível em . 119

33

reuniões são realizadas através dos seus membros, que hoje são o Ministro da Fazenda, Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão e o Presidente do Banco Central, de acordo com a Lei 9.069/95122. As principais atribuições e competências do CMN podem ser assim resumidas123: 1 – Formular a política de moeda e crédito; 2 – Formular políticas de promoção do equilíbrio dos meios de pagamento, de regulação do valor interno e externo da moeda, e de adaptação do volume dos meios de pagamento às necessidades econômicas; 3 – Formular a política de promoção do equilíbrio do balanço de pagamentos; 4 – Formular a política de proteção da situação financeira das instituições (liquidez e solvência) e propiciar o aperfeiçoamento dessas mesas instituições; 5 – Coordenar as políticas de crédito, monetária, orçamentária, fiscal e da dívida publica interna e externa; 6 – Estabelecer metas de inflação; e, 7 – Formular a política a ser observada na organização e no funcionamento do mercado de valores mobiliários. Lameira e Fortuna explicam, que em decorrência desta gama de atribuições o CMN ficou responsável pela autorização de emissões de papelmoeda, regular a constituição, funcionamento e fiscalização das instituições financeiras, bem como aplicar as penalidades previstas. Cabendo ainda, quando

122

BRASIL. Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995. Dispõe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional, estabelece as regras e condições de emissão do REAL e os critérios para conversão das obrigações para o REAL, e dá outras providências. 123 Este resumo foi feito tomando-se por base as Leis 4.595/64 e 6.385/76, bem como o posicionamento doutrinário em FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços, p. 19. LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de capitais, p.11, o qual destaca que tais atribuições são muitas vezes realizadas pelo próprio Mistério da Fazenda.

34

necessário, estabelecer as taxas e formas de remuneração das operações e serviços bancários e financeiros em geral124. Para o assessoramento técnico do CMN, junto a ela funciona a Comissão Técnica da Moeda e do Crédito (COMOC), a qual manifesta-se previamente sobre os assuntos de competência do CMN. Além da COMOC, a legislação125 prevê o funcionamento de mais sete comissões consultivas, quais sejam126: I – Comissão Consultiva de Normas e Organização do Sistema Financeiro; II - Comissão Consultiva de Mercado de Valores Mobiliários e de Futuros; III - Comissão Consultiva de Crédito Rural; IV - Comissão Consultiva de Crédito Industrial; V - Comissão Consultiva de Endividamento Público; VI - Comissão Consultiva de Política Monetária e Cambial; e VII - Comissão Consultiva de Processos Administrativos. A doutrina destaca, por fim, que ao longo dos anos, desde a criação da CMN, os seus membros componentes sofreram varias alterações, sobretudo em decorrência das exigências políticas e econômicas de cada época127. Lameira, destaca que as reuniões do CMN vêm se tornando cada vez menos freqüentes em virtude da tendência de estabilização das políticas econômicas, porém, podem ganhar grande repercussão em momentos de abalo econômico128. Diante do exposto, podemos concluir que a função primordial do Conselho Monetário Nacional é estabelecer a política a ser observada pelos 124

FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: Produtos e Serviços, p. 20. E LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais, p.11. 125 Trata-se do Regimento Interno da CMN - Decreto 1.307/94. 126 Conforme explicativo do Banco Central, acessado em 02/10/2008. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Entenda o Conselho Monetário Nacional, São Paulo, 2008, disponível em . 127 Neste sentido: FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços, p. 19. E LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de capitais, p.11. 128 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de capitais, p.12.

35

demais órgãos a ele subordinados, quanto ao funcionamento do mercado financeiro e de capitais.

2.3.

O BANCO CENTRAL DO BRASIL O Banco Central do Brasil (BC ou BACEN) foi criado para assumir a

função de órgão executivo central do SFN, cabendo-lhe, como explica Fortuna, “cumprir e fazer cumprir as disposições que regulam o funcionamento do mercado e as normas expedidas pelo CMN”129, tendo personalidade jurídica e patrimônio próprios constituído dos bens, direitos e valores que lhe são transferidos na forma desta Lei e ainda da apropriação dos juros e rendas resultantes de suas atividades130. Criado pela Lei da Reforma do SFN (Lei 4.595/64) o BACEN é uma autarquia131 vinculada ao Ministério da Fazenda, de acordo com o de acordo com o art. 2º do ANEXO I do Decreto 6.764 de 10 de fevereiro de 2009, in verbis: o

Art. 2 O Ministério da Fazenda tem a seguinte Estrutura Organizacional: I – (...) II – (...) IV – entidades vinculadas: a) Autarquias: 1. Banco Central do Brasil; 2. (...)

Conforme explica a CVM, o BACEN é a principal autoridade monetária nacional, “a quem compete às atividades de controle da moeda e do crédito, bem como a de normatização e fiscalização do sistema financeiro, sendo

129

FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: Produtos e Serviços, p. 20. Nos termos da Lei 4.595/64: Art. 8º A atual Superintendência da Moeda e do Crédito é transformada em autarquia federal, tendo sede e foro na Capital da República, sob a denominação de Banco Central da República do Brasil, com personalidade jurídica e patrimônio próprios este constituído dos bens, direitos e valores que lhe são transferidos na forma desta Lei e ainda da apropriação dos juros e rendas resultantes, na data da vigência desta lei, do disposto no art. 9º do Decreto-Lei número 8495, de 28/12/1945, dispositivo que ora é expressamente revogado. 131 Autarquia: A autarquia é uma entidade que presta serviço não subordinado hierarquicamente, criado por lei, por personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, dotado de mais liberdade de atuação que os órgãos da Administração direta. Conforme explica Odete Medauar, aliada ao inc. I do art. 5º do Decreto-Lei 200/67, em MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, p. 70. 130

36

que a condução da política monetária e as atividades cambiais e de controle das reservas brasileiras” são igualmente de sua competência132. Dentre as principais atribuições, de competência privada, do BACEN, segundo concordam Lameira e Fortuna133, destacam-se: 1 – Emissão de papeis monetários (papel-moeda e metálica); 2 – Executar o controle de crédito; 3 – Realizar operações de redesconto e empréstimo para as instituições financeiras, como forma de socorre diante de problemas econômicos; 4 – Efetuar operações de compra e venda de títulos públicos federais; 5 – Realizar, como agente regulador de câmbio, operações de compra e venda de moeda estrangeira e administrar as faixas de oscilação cambial; 6 – Autorizar, fiscalizar e sancionar as instituições financeiras e seu funcionamento; 7 – Controlar o fluxo de capitais estrangeiros; 8 – Determinar a taxa de juros de referência para operações de um dia – taxa Selic. Portanto, o BACEN pode ser considerado como o meio pelo qual o Estado intervém diretamente no sistema financeiro e indiretamente na economia, como ressalta Fortuna134.

2.4.

A COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS Como visto acima, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi

criada pela Lei 6.385/76, tendo em vista que até aquela data inexistia uma 132

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Mercado de Capitais e a Comissão de Valores Mobiliários, p. 38. 133 FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços, p. 20/21, e, LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de capitais, p.12. 134 FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços, p. 21.

37

entidade que absorvesse a regulação e a fiscalização do mercado de capitais, especialmente acerca das Sociedades Anônimas de Capital Aberto135, que até então eram atribuições do BACEN136. Segundo Fortuna137, a CVM é o órgão normativo do sistema financeiro, especificamente voltado para o desenvolvimento, a disciplinação e a fiscalização do mercado de valores mobiliários não emitidos pelos demais subsistemas do sistema financeiro e pelo Tesouro Nacional. Com

efeito,

reforçando

o

poder

autônomo,

fiscalizador

e

disciplinador da CVM, está é, hoje, conforme dispõe o art. 5º da Lei 6.385/76, depois da edição das Leis 10.303/01138 e 10.411/02139 uma “entidade autárquica em regime especial140, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprio, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária”.141 Seguindo no entendimento de Fortuna, com o passar do tempo, os poderes fiscalizatório e disciplinador da CVM foram ampliados para incluir as Bolsas de Valores, Mercadorias e Futuros, as entidades do balcão organizado e as entidades de compensação e liquidação de operações no mercado de capitais, as quais funcionam com órgãos auxiliares da CVM142. A Comissão de Valores Mobiliários, com sede na cidade do Rio de Janeiro, é administrada por um Presidente e quatro Diretores nomeados pelo Presidente da República. O Presidente e a Diretoria constituem o Colegiado, que 135

Sobre Sociedades Anônimas de Capital Aberto ver item 2.6. Conforme explicam, EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 243, e, FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços, p. 22 137 FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços, p. 22. 138 o BRASIL. Lei n 10.303, de 31 de outubro de 2001. Altera e acrescenta dispositivos na Lei o n 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as Sociedades por Ações, e na Lei o n 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. 139 o o BRASIL. Lei n 10.411, de 26 de fevereiro de 2002. Altera e acresce dispositivos à Lei n 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. 140 Segundo EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 243, e, FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços, p. 22, este caráter especial dá a CVM natureza de agência reguladora. 141 Art. 5º da Lei 6.385/76: É instituída a Comissão de Valores Mobiliários, entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária. 142 Os órgãos citados serão explicitados nos item seguintes. 136

38

define políticas e estabelece práticas a serem implantadas e desenvolvidas pelo corpo de Superintendentes, a instância executiva da CVM, conforme artigo 5º da sua lei de criação. O Superintendente Geral acompanha e coordena as atividades executivas da comissão, auxiliado pelos demais Superintendentes, pelos Gerentes a eles subordinados e pelo Corpo Funcional. Esses trabalhos são orientados, segundo explica a própria CVM143, especificamente, para atividades relacionadas às empresas, aos intermediários financeiros, aos investidores, à fiscalização externa, à normatização contábil e de auditoria, aos assuntos jurídicos, ao desenvolvimento de mercado, à internacionalização, à informática e à administração. Com essa estrutura, a CVM torna-se responsável ao funcionamento do mercado de capitais brasileiro, tornando-se o órgão de maior importância ao presente estudo. Como visto acima, competente a CVM a função normativa e fiscalizadora do mercado de valores mobiliários. A função normativa da CVM, segundo explica Eizirik, vai além de demais autarquias cuja liberdade de atuação é restrita, incapazes de inovar a lei, disciplinar o acesso de agentes privados ao mercado e regular sua conduta. Isto decorre das inquestionáveis particularidades do mercado que a CVM disciplina, o que impõe a entidade uma atuação pautada na eficiência de seus atos, procurando sempre que possível agir com rapidez, enfrentando conceitos indeterminados como “condições artificiais de demanda, manipulação de preço, operações fraudulentas, práticas não equitativas”, revelando-se, assim a necessidade da disciplina eficaz do mercado144; de outro lado, a função fiscalizadora da CVM, visa coibir e punir condutas que sejam danosas ao mercado de valores mobiliários, dessa forma, a CVM age imbuída de seu poder de polícia, ou seja, limitando a liberdade individual em prol de um interesse público ou coletivo145.

143

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Organização e Competências, Rio de Janeiro, 2008, disponível em: . 144 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 255. 145 Conforme DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001, p. 110.

39

A CVM é, portanto, o órgão máximo responsável pelo funcionamento do mercado de valores mobiliários no Brasil, atuando de forma normativa, preventiva, fiscalizadora e punitiva. Dessa forma, é a CVM a quem incumbe em primeira instância, a tutela jurídica do mercado de valores mobiliários e seus usuários, ou agentes, fazendo-se mister a compreensão do que são os valores mobiliários e quais os principais agentes presentes neste mercado, conforme ressalta Yazbek146.

2.5.

OS VALORES MOBILIÁRIOS Valores mobiliários são ativos, ou seja, bens negociados no mercado

de capitais, ou mercado de valores mobiliários, portanto, conforme ressalta Eizirik, a noção de valores mobiliários tem como finalidade demarcar a o âmbito de competência da Lei 6.385/76, que, como vimos, cria a CMV e delega a estas os poderes necessários ao bom funcionamento deste mercado147. Com efeito, o conceito de valores mobiliários utilizado pelo legislador nacional decorre do conceito Frances e Americano. Segundo a doutrina francesa, valor mobiliário (valeurs mobilières) corresponde a títulos negociáveis emitidos por pessoas jurídicas, transmissíveis por registro ou por tradição e que conferem direitos de participação ou de remuneração a seus titulares148. De outro lado, na doutrina americana, o valor mobiliário (securities) é considerado com qualquer contrato de investimento coletivo, ofertado publicamente, que gere lucros advindos do esforço do empreendedor ou de terceiros149. Desta junção de conceitos, o legislador brasileiro apresentou no art.2º da Lei 6.385/76 o atual conceito e abrangência de valor mobiliário no direito brasileiro, in verbis: Art. 2o - São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: I - as ações, debêntures e bônus de subscrição; 146

YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 130. EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 25. 148 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 91, fazendo remissão bibliográfica a Vasseur, 1970, p. 221, e Cause, 1993, p. 18). 149 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 54. 147

40

II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II; III - os certificados de depósito de valores mobiliários; IV - as cédulas de debêntures; V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; VI - as notas comerciais; VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos

de

investimento

coletivo,

que

gerem

direito

de

participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. Como se observa, o dispositivo legal apresenta rol de valores mobiliários comumente negócios, porém, estendendo o conceito de valor mobiliário a um sentido amplo no inciso IX, que reflete o posicionamento americano150. A principal espécie de valor mobiliário é a ação, que, segundo Eizirik, constitui um título de participação no capital social da sociedade anônima emissora, ou seja, o direito de acionista. Este direito de acionista pode resultar em participação nos resultados econômicos da sociedade e no direito de voto nas decisões dela, ou apenas um destes direitos151, conforme a classe da ação, matéria que, porém, não é objeto deste trabalho. Relacionando o conceito ora analisado, como a descrição de mercado de capitais apresentada no item 1 do Capítulo 1 desde trabalho, pode-se dizer que os valores mobiliários são aqueles instrumentos de captação de 150

EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 25. e YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 92. 151 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 57.

41

recursos emitidos por agentes deficitários e ofertados publicamente, os quais garantem direito de participação ou remuneração aos agentes superavitários, adquirentes destes títulos.

2.6.

AGENTE EMISSOR DE VALORES MOBILIARIOS A emissão de valores mobiliários para negociação no mercado de

capitais, ou mercado de valores mobiliários, é restrita as companhias152 de capital aberto, que são as pessoas jurídicas constituídas sob a forma de sociedade anônima, nos termos da Lei das Sociedades Anônimas - Lei 6.404/76, e registradas perante a CVM, nos termos dispõe o caput do artigo 4º e parágrafo 1º da referida lei, in verbis: Art. 4o Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários. § 1o Somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada

na Comissão

de Valores Mobiliários podem

ser

negociados no mercado de valores mobiliários. No mesmo sentido prescreve a lei que regula o mercado de capitais (Lei 6.385/76), ao dispor em seu artigo 22 que “considera-se aberta a companhia cujos valores mobiliários estejam admitidos à negociação na bolsa ou no mercado de balcão”. Lameira

esclarece

que,

são

abertas,

aquelas

companhias

registradas na CVM e que, conseqüentemente, podem ter seus valores mobiliários colocados junto ao público investidor153.

152

O termo companhia é utilizado para designar as sociedades anônimas, por força do art. 1º da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), conforme explica LAMEIRA, em LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado De Capitais, pág. 29. 153 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado De Capitais, pág. 53.

42

A obtenção do registro de companhia aberta deve seguir as normas prescritas pela CVM, em sua Instrução n.º 202/1993154, que assim dispõe em seu artigo primeiro: Art. 1º A negociação de valores mobiliários, emitidos por sociedades por ações, em Bolsas de Valores ou no mercado de balcão, depende de prévio registro da companhia na Comissão de Valores Mobiliários - CVM, de acordo com as normas previstas na presente Instrução. Seguindo no ensinamento de Lameira, o registro na CVM objetiva garantir a disponibilidade de informações a respeito da companhia para investidores e acionistas, bem como sujeita a companhia as regras da CVM155. Esta obrigatoriedade de disponibilidade de informações ao mercado já decorre da observância dos objetos de tutela jurídica do mercado de capitais, como se verá no Capítulo seguinte. Conforme explica a própria CVM, a finalidade do registro de uma subscrição é garantir ao público investidor o acesso às informações que permitam uma avaliação consciente do investimento, razão pela qual é “condição sine qua non para que a companhia, brasileira ou estrangeira, proceda à oferta de valores mobiliários no Brasil156. Dessa forma, o agente deficitário que vise captar recursos no mercado de capitais, deve estar constituído sob a forma de sociedade anônima e registrada perante a CVM.

2.7.

154

O INVESTIDOR

CVM. Instrução CVM nº 202, de 06 de dezembro de 1993. Dispõe sobre o registro de companhia para negociação de seus valores mobiliários em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão, consolidando as Instruções CVM nºs. 60, de 14 de janeiro, 73, de 22 de dezembro, ambas de 1987, 118, de 7 de maio, e 127, de 26 de julho, ambas de 1990. 155 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado De Capitais, pág. 53. 156 CVM. Parecer CVM/PJU n.004/2002; CVM. Parecer CVM/SJU n. 081/1982; conforme citado por LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sérgio. Lei das sociedades por ações anotada. 2ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2008, p.11/12.

43

O investidor (agente superavitário) é a pessoa que adquire os valores mobiliários emitidos pelas companhias abertas, pagando por esses valores mobiliários, gera recursos a companhia emissora e em contrapartida tem o direito a participação na companhia, através de voto e remuneração do valor pago (investido) no valor mobiliário. O investidor pode ser toda pessoa natural capaz, ou jurídica, devendo ser intermediado por uma sociedade corretora de valores mobiliários, a qual é delegado o exercício exclusivo de operar no mercado de capitais através da compra e venda de valores mobiliários. A sociedade corretora poderá ser independente ou tomar a forma de uma instituição financeira, que engloba os poderes conferidos às corretoras, conforme ensina Lameira.157

2.8.

O MERCADO PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO O mercado de capitais é dividido em dois segmentos principais: o

mercado primário e o mercado secundário158.

2.8.1. Mercado Primário Segundo Eizirik, o mercado primário caracteriza-se pela negociação de valores mobiliários de novas emissões diretamente entre a companhia emissora e os subscritores (adquirentes), ou seja, fazem parte do mercado primário as negociações ocorridas no momento em que a companhia (agente deficitário) está ofertando novos valores mobiliários aos investidores (agentes superavitários), com o objetivo de obter recursos para seus projetos159.

157

LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado De Capitais, pág. 21. Esta divisão é meramente prática, não havendo efeito jurídico determinado, conforme KUMPEL, EIZIRIK e LAMEIRA, em, respectivamente: KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 67; EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 193; e LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado De Capitais, pág. 84. 159 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 193 158

44

Segundo Kumpel, o mercado primário é também denominado mercado de emissão, dada a característica de ser o mercado onde ocorrem as ofertas públicas de valores mobiliários pelas companhias. As ofertas públicas são as operações pela qual as companhias promovem, mediante apelo público, a colocação de ações e outros valores mobiliários no mercado de capitais. Os investidores interessados em se tornar titulares dos valores mobiliários ofertados devem adquiri-los e preço por eles pago é revertido à companhia, conforme explica Kumpel160 e Eizirik161, tais ofertas são usualmente denominadas IPO (initial public offer, podendo ser traduzido livremente para oferta pública inicial), quando se trata da emissão que corresponde ao ingresso da companhia ao mercado de capitais. Eizirik destaca que é o mercado primário que viabiliza o atendimento a uma das funções básicas do mercado de capitais, qual seja, oferecer às companhias uma fonte de acesso a recursos mais baratos do que poderiam ser obtidos por meio de empréstimos e outras operações bancárias162. Conforme o caput do artigo 19 da Lei do Mercado de Capitais (Lei 6.385/67), nenhuma oferta pública de valores mobiliários poderá ser feita sem o prévio registro na CVM. Esta oferta pública, porém, deve ser feita através da intermediação de instituições financeiras especializadas, como bancos de investimento, corretoras ou distribuidoras de valores mobiliários, chamando-se esse processo de underwriting, conforme esclarece Lameira.163 Segundo explica Eizirik, a função fundamental do underwriter, ou seja, a instituição intermediadora da colocação dos valores mobiliários emitidos ao público, é de servir de elo de aproximação entre a companhia que emitente e o público investidor, prestando assessoria à companhia emissora em todas as etapas do lançamento ao público de seus valores mobiliários. Como se observa, é no mercado primário onde ocorre a distribuição de valores mobiliários pelas companhias aos investidores (agentes superavitários) do mercado de capitais, causando a efetiva captação de recursos pela companhia dos investidores. 160

KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 71. 161 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 135. 162 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 193. 163 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado De Capitais, pág. 85.

45

2.8.2. Mercado Secundário Todavia, conforme destaca Eizirik, a existência do mercado primário seria extremamente prejudicada se, após adquiridos os novos valores mobiliários, os investidores não tivessem condições de negociá-los com terceiros.164 Daí decorre a razão da existência do mercado secundário, qual seja o mercado onde se realização as negociações de valores mobiliários entre os investidores, visando conferir liquidez a estes valores mobiliários, ou seja, rápida transformação do investimento em moeda. Lameira destaca que, no mercado secundário, a companhia que emitiu os valores mobiliários que estão sendo negociados, não tem qualquer participação nas operações que ocorrem, tendo em vista que já captou os recursos que necessitava no mercado primário.165 Kumpel esclarece que é o mercado secundário cria as condições para a circulação dos títulos por meio de vendas e compras repetidas, por conseguinte, o mercado secundário é denominado também mercado de circulação.166 No mercado secundário, os valores mobiliários poderiam ser negociados diretamente entre os investidores ou por intermédio de instituições financeiras que os representem, no entanto, a negociação direta normalmente acarreta inúmeras dificuldades, tais como a de se encontrar outros investidores interessados em negociar, de se estabelecer um valor para a operação e de se assegurar formas eficientes e seguras de garantir a efetiva transação e liquidação (pagamento), conforme esclarece Eizirik.167 Desta realidade surgem as entidades que visam facilitar as negociações no mercado secundário, tendo como função primordial de organizar, manter e fiscalizar um local ou sistema adequado e seguro para a realização de operações de compra e venda de valores mobiliários. Tratam-se das bolsas de valores, balcão organizado e balcão não-organizado. 164

EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 193. LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado De Capitais, pág. 87. 166 KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 69. 167 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 194. 165

46

A bolsa de valores, dentro de um conceito tradicional, conforme ensina Kumpel, é “um evento para comerciantes, realizado regularmente e no mesmo local, por meio da qual podem ser celebrados negócios sobretudo atacadistas sobre objetos autorizados”.168 Yazbek, por sua vez, apresenta a definição de bolsa como “o lugar em que se encontram os possíveis compradores e vendedores de certos bens, para a realização das correspondentes negociações, conforme regras e procedimentos específicos”.169 Todavia, este conceito tradicional não se aplica a atual realidade, tendo em vista a atual complexidade destas entidades, os atuais mecanismos eletrônicos de integração e auto-regulação promovida pelas bolsas de valores aos negócios nela praticados.170 Eizirik esclarece que as bolsas de valores cumprem, de modo geral, duas funções básicas: fornecer um local ou sistema adequado à realização de operações com valores mobiliários, dotada de todos os meios necessários à pronta realização e visibilidade dos negócios e que assegure continuidade de preços e liquidez aos referidos valores mobiliários; e, a de preservar elevados padrões éticos de negociação, estabelecendo normas de comportamento para seus membros e fiscalizando a sua observância.171 A primeira função citada remete-se a definição tradicional das bolsas, todavia, a segunda função diz respeito à atuação da bolsa como entidade auto-reguladora172, na medida que exerce sobre seus membros (agentes de negociam dentro da bolsa) e sobre as operações realizadas em seu recinto poderes de regulamentação e fiscalização, sempre com vistas à manutenção de elevados padrões éticos de negociação. 168

KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 83/84. 169 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 137. 170 Este posicionamento é unânime entre os doutrinadores, sobretudo entre KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 84; EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 194 e YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 139. 171 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 194 172 Por auto-regulação entende-se o fato dos próprios participantes do mercado serem responsáveis pela edição de normas destinadas a regular o exercício de suas atividades. Assim, ao invés de haver uma intervenção direta do Estado nos negócios praticados, os participantes se autopoliciam no cumprimento de padrões éticos consensualmente aceitos. EIZIRIK, Nelson. Regulação e auto-regulação no mercado de valores mobiliários, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, RT, n.48, out/dez 1982, p. 48.

47

Ressalta-se que as bolsas de valores são entidades de natureza privada, porém, é amplamente reconhecimento o interesse público na manutenção das bolsas de valores. Kumpel explica que “existe um interesse eminente do Estado na existência de Bolsas de Valores com grande capacidade funcional, pois a boa organização de um mercado bursátil assegura em primeiro lugar a fixação de preços, que é de extremo interesso do público investidor”.173 Eizirik complementa este interesse do Estado em função de que a elas é assegurado o exercício de autêntico poder de polícia, não apenas no recinto do pregão, mas também fora dele, fiscalizando as atividades das sociedades auxiliares. Dessa forma, as bolsas constituem entidades privadas, que atuam em colaboração com o Poder Público, e para as quais são delegados poderes para o exercício de atividades de natureza regulamentar e disciplinar no âmbito do mercado de valores mobiliários.174 Com efeito, a legislação pátria garante autonomia legal as bolsas de valores, conforme prescreve o artigo 17 da Lei do Mercado de Capitais (Lei 6.385/76): Art. 17. As Bolsas de Valores, as Bolsas de Mercadorias e Futuros, as entidades do mercado de balcão organizado e as entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários terão autonomia administrativa, financeira e patrimonial, operando sob a supervisão da Comissão de Valores Mobiliários. § 1o Às Bolsas de Valores, às Bolsas de Mercadorias e Futuros, às entidades do mercado de balcão organizado e às entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários incumbe, como órgãos auxiliares da Comissão de Valores Mobiliários, fiscalizar os respectivos membros e as operações com valores mobiliários nelas realizadas.

173

KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 102. 174 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 195. No mesmo sentido, WALD, Arnoldo, EIZIRIK, Nelson. O regime jurídico das bolsas de valores e sua autonomia frente ao Estado. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, RT, n.61, jan/mar 1986, p. 8

48

Como se observa, o funcionamento das bolsas de valores é autônomo, operando apenas sob a supervisão da CVM, sendo de sua atribuição a fiscalização dos membros e das operações com valores mobiliários nela admitidos. Eizirik esclarece, ainda, que a supervisão da CVM sobre as bolsas é semelhante àquela praticada pelo Poder Executivo sobre entidades da administração indireta, posto que deve abranger apenas a orientação e a verificação do cumprimento dos objetivos e finalidade do órgão supervisionado.175 Conforme mencionado no item 1.2. do primeiro capítulo deste trabalho, no Brasil existe apenas uma bolsa de valores, que congrega as atividades bolsa de valores, bolsa de mercadorias e futuros e balcão organizado, qual seja, a BMF&BOVESPA. O mercado de balcão, por sua vez, divide-se em organizado e nãoorganizado, e difere da bolsa de valores, pois nele as negociações são feitas diretamente entre instituições financeiras e entidades autorizadas, diretamente entre si, ou diretamente com seus clientes, sem um mecanismo centralizado e compulsório de formação de preços, conforme ensina Yazbek.176 Lameira esclarece, por fim, de que é do livre arbítrio da companhia emissora de valores mobiliários admitir seus títulos a bolsa de valores ou as entidades do mercado de balcão.177

175

EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 197. YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 143. 177 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais, p.88. 176

49

Capítulo 3 DOS OBJETOS DE TUTELA JURÍDICA NO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO

3.1.

DO OBJETO DE TUTELA JURÍDICA Feita a introdução ao mercado de capitais como fenômeno

econômico e analisada as estruturas e agentes que formam o mercado de capitais brasileiro, passa-se a discussão do objeto imediato do presente trabalho, qual seja, os objetos de tutela jurídica que se manifestam no mercado de capitais brasileiro. Objetos de tutela jurídica são chamados de bens jurídicos, os quais, por sua vez, são conceituados como os objetos da realidade, que constituem um interesse da sociedade para a manutenção do seu sistema social, protegidos pelo Direito, que estabelece uma relação de disponibilidade, por meio da tipificação das condutas, conforme ensina Miguel Reale178. Extrai-se deste conceito o interesse público que recai sobre o objeto de tutela jurídica. Viu-se no primeiro capítulo deste trabalho, que o mercado de capitais é um fenômeno econômico de elevada relevância social, tendo em vista que constitui uma forma eficaz de transferir recursos entre agentes poupadores e agentes investidores179, que aplicam os recursos captados em empreendimentos que por sua vez geram benefícios sociais e econômicos, tais como a geração de emprego, a rentabilidade de capital e desenvolvimento econômico de forma geral. Em virtude dessa relevância social, que constitui o interesse público por trás do mercado de capitais, encontram-se as razões para identificação dos objetos de tutela jurídica a serem regulados. Conforme Eizirik, a premissa principal de regulação do mercado de capitais decorre do fato de que “os 178

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 5.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 507-511 Neste contexto, agente investidor é o agente deficitário, que necessita de recursos para aplicar em sua atividade econômica, não o investidor que adquire os valores mobiliários emitidos por esses agentes, conforme denominação usada no contexto do mercado de capitais. 179

50

mercados são frágeis, operando ineficientemente ou de forma pouco equitativa caso não exista regulação estatal”.180 Segundo explica a própria CVM, é encarado como sendo de interesse público a prosperidade econômica da nação. Portanto, a existência de mecanismos que venham a promovê-la, são assim considerados. No caso específico do mercado de valores mobiliários, entende-se que sua existência atua de forma complementar ao restante do sistema financeiro no processo de alocação da poupança financeira ao investimento.181 Com efeito, Kumpel conclui que a capacidade funcional ou eficiência do mercado de capitais é o bem jurídico primordial a ser protegido pela legislação especifica, eis que carrega forte interesse público na formação de um mercado eficiente, que, em grande medida, “a economia de uma nação depende dessa capacidade funcional do mercado de capitais”.182 Seguindo no entendimento de Kumpel, um objetivo prioritário do Estado é o bem-estar da população, a ser compreendida como o interesse comum derivado de diversos interesses privados e públicos específicos. O detentor desse interesse comum é o Estado na condição de completo conjunto de pessoas. Tal interesse do Estado também se manifesta na existência de mercado de capitais tão eficientes quanto possível. Dessa maneira, a capacidade funcional do mercado de capitais é um bem jurídico que serve ao interesse público e estatal na existência de mercados eficientes. Portanto, a eficiência ou capacidade funcional do mercado de capitais é o bem jurídico primordial a ser tutelado no mercado de capitais, conforme converge a doutrina183. E é a partir deste corolário que decorrem os demais objetos de tutela jurídica que se dividem na (i) eficiência institucional, na (ii) eficiência operacional e (iii) proteção dos investidores do mercado de capitais,

180

EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 17. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Mercado de Capitais e a Comissão de Valores Mobiliários. 182 KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 09. 183 Neste sentido converge a doutrina consultada para elaboração do presente trabalho, com destaque especial a KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 21; EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 18 e YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 217. 181

51

conforme divisão apresentada por Eizirik e Kumpel184, que serão discutidos nos itens seguintes.

3.2.

DA EFICIÊNCIA INSTITUCIONAL A eficiência institucional, como objeto de tutela jurídica do mercado

de capitais, abrange as condições básicas para formação estrutural do mercado. Segundo Kumpel, a eficiência institucional visa o acesso mais livre possível de emitentes de valores mobiliários e dos investidores ao mercado, que resulta na maior oferta e demanda e que, por conseguinte, aumenta a capacidade de captação de recursos e liquidez de um mercado.185 A CVM explica que no processo de desenvolvimento do mercado de valores mobiliários devem estar permanentemente presentes o respeito à livre atuação das forças de mercado e o livre acesso ao mercado e ao exercício das atividades que nele se desenvolvem. Para isso, mecanismos que promovam a liberdade de atuação de todos os agentes em todas as etapas do processo de negociação são considerados de interesse público.186 Essa eficiência institucional está ligada a formação de estruturas capazes de regularem e fiscalizarem as operações no mercado de capitais, de forma rápida e adequada, atendendo as inovações do mercado e garantindo a confiança dos investidores, conforme esclarece Eizirik.187 Dentre os pontos específicos relacionados à eficiência institucional do mercado de capitais está a definição e orientação dos agentes emissores de valores mobiliários e sua forma de ingresso, manutenção e saída do mercado. No Brasil, conforme visto acima, a incumbência da tutela da eficiência institucional do mercado de capitais é dividida entre a CVM, sendo o 184

Os autores divergem quanto à denominação dos objetos de tutela jurídica, sendo que EIZIRIK utiliza a expressão eficiência, enquanto KUMPEL utiliza o termo capacidade funcional. Porém, tendo em vista o conceito de capacidade funcional trazido por KUMPEL corresponde ao mesmo conceito de eficiência, utiliza-se neste trabalho este último termo. KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 09; EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 17. 185 KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 25. 186 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Mercado de Capitais e a Comissão de Valores Mobiliários. 187 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 21.

52

órgão responsável pela registro das companhias abertas, das ofertas públicas de valores mobiliários e pela fiscalização e punição de atividades prejudiciais ao mercado de capitais praticada por seus membros, bem como pelas entidades do mercado secundário, pela auto-regulação. Kumpel acrescenta que, inclui-se nas condições estruturais básicas para eficiência institucional do mercado de capitais, a possibilidade dos valores mobiliários terem uma forma jurídica que permita a transferência descomplicada entre os investidores188. Conforme exposto no capítulo anterior, os valores mobiliários têm sua forma jurídica regulada pela própria CVM, conforme disciplina a Lei do Mercado de Capitais (Lei 6.385/76), como bem ressalta Yazbek189. Incluí-se na eficiência institucional do mercado de capitais a “confiança dos investidores na transparência, estabilidade, justiça e integridade do mercado de capitais”.190 Segundo a CVM, para que o mercado cumpra sua função a contento é necessário um conjunto de circunstâncias que levem seus participantes a acreditar que seu funcionamento é impessoal e justo. Assim, a garantia da correta execução de cada passo do processo de intermediação e guarda de títulos e o fiel cumprimento de cada contrato são fatores de atração do público investidor, levando grande profundidade ao mercado.191 Eizirik esclarece que a confiança do investidor reside nas entidades que emitem publicamente seus valores mobiliários, assim como naquelas que os intermedeiam o propiciam os locais ou mecanismos de negociação, custódia e liquidação das operações. Ou seja, os investidores devem poder acreditar que seus retornos em aplicações no mercado estarão razoavelmente relacionados aos riscos dos investimentos; que as instituições atuantes apresentem integridade financeira; e que as informações providas pelas emissoras de valores mobiliários sejam verazes e fidedignas.192 188

KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 25. 189 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 221. 190 KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 25 191 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Mercado de Capitais e a Comissão de Valores Mobiliários. 192 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 19.

53

Kumpel, no mesmo sentido, esclarece que “a confiança dos investidores assenta especialmente na sua expectativa de serem tratados igualmente”, o que pressupõe que os investidores sejam protegidos com a má utilização da informação e a assimetria da informação. Conforme esclarece Eizirik, estes objetos são tutelados pela transparência de mercado (disclosure) e pela repressão ao chamado insider trading.193 A transparência de mercado (disclosure) trata da prestação de informações ao mercado pelas entidades intermediárias, administradores, controladores e emissores de valores mobiliários, o que visa diretamente reduzir a chamada assimetria de informação entre os agentes emissores e investidores, bem como entre as entidades intermediárias.194 Yazbek explica que a assimetria de informações decorre da diferente grau de acesso a informação e compreensão de informações entre investidores, intermediários e emissores de valores mobiliários, o que pode abrir espaço que o agente mais informado se beneficie da hipossuficiência dos demais, ou apenas que o investidor seja erroneamente levado a alto risco de investimento pela baixa capacidade de compreensão das informações de mercado195. A outra forma de tutela à confiança do investidor, conforme dito acima, é a repressão ao chamado insider trading, que são, conforme explica Kumpel, o acesso de informações privilegiadas por pessoas antes que estas sejam divulgadas, podendo utilizar-se para realizar operações com base nessa operação privilegiada. Apenas a divulgação libera a condição de informação privilegiada, razão pela qual a repressão ao insider trading direciona à transparência do mercado de forma dinâmica (“divulgação imediata de fatos relevantes que tenham ocorrido na esfera de atuação do emitente”), e a punição daqueles que realizam operações com essas operações privilegiadas.196 Esta transparência de informações incluí a divulgação pelas companhias emissoras de valores mobiliários da sua estrutura acionária e das operações relevantes praticadas com seus valores mobiliários, tendo em vista que 193

EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 21. YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 219. 195 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 188-189. 196 KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 26-27. 194

54

a presença de maior ou menor concentração de investidores, bem como a origem destes investidores, nacionais ou estrangeiros, influem consideravelmente na evolução da cotação dos valores mobiliários e no caminho traçado pela companhia, conforme aponta Kumpel.197 Portanto, a divulgação de informações atualizadas e o mais detalhadas possíveis por parte do participante na negociação e do investidor cria uma transparência de mercado, que reprime o abuso com informações privilegiadas. Ainda dentro do conceito de proteção à confiança dos investidores como forma de eficiência institucional do mercado de capitais, deve-se acrescentar a proteção as relações entre os investidores e intermediários financeiros, sendo estes últimos, responsáveis pela efetivação dos negócios de interesses do investidor. São exemplos desta proteção os mecanismos formais como regras de qualificação, técnica ou mesmo moral, aplicáveis aos intermediários

e

seus

representantes,

bem

como

a

uniformização

de

procedimentos e modelos negociais, conforme destaca Yazbek.198 Kumpel complementa que, no intuito de proteger a confiança dos investidores, os investidores (clientes de instituições intermediárias) devem confiar na execução de suas ordens, pois não estão a par das reais condições e efetivação da execução correta das suas ordens no mercado de valores mobiliários. Seguindo na explicação de Kumpel, as instituições financeiras devem oferecer serviços relativos a valores mobiliários com o necessário conhecimento técnico, zelo e senso de responsabilidade no interesse dos investidores, bem como devem apresentar e utilizar meios e procedimentos necessários para uma execução apropriada e eficiente dos serviços, isto significa que devem considerar as varias inovações no mercado de capitais, devendo estar material e administrativamente capacitados para reagir também aos negócios no ritmo frenético do mercado de valores mobiliários.199

197

KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 28-29. 198 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, p. 219. 199 KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 28-29.

55

Decorre

da

proteção

das

relações

entre

investidores

e

intermediários, evitar conflitos de interesses, ou seja, conforme explica Eizirik, evitar que os agentes tenham, em determinadas situações, interesses potencialmente contrários, como em casos em que a instituição intermediária é ao mesmo tempo a entidade emissora, ou que pertencentes a um mesmo conglomerado econômico.200 Diante do que foi analisado, conclui-se que a eficiência institucional do mercado de capitais, como bem jurídico a ser tutela, divide-se na proporção de mercado de livre acesso e de livre atuação das regras de demanda e oferta de mercado, a qual pode só pode ser alcançada observando a proteção a confiança do investidor, que se dá pelo respeito à transparência do mercado, a proteção das relações entre investidores e instituições intermediárias e evitando-se conflitos de interesses entre os agentes de mercado. Esta eficiência funcional deve ser obtida com a atuação de uma estrutura criada para regulação do mercado, que no Brasil, se dá com a CVM e as entidades do mercado secundário.

3.3.

DA EFICIÊNCIA OPERACIONAL Define-se como eficiência operacional a capacidade de um

determinado mercado de possibilitar a execução de transações ao menor custo possível, isto é, com reduzidos custos de transação. Já a eficiência informacional demanda que os preços dos ativos negociados em determinado mercado reflitam correta e instantaneamente todas as informações relevantes sobre os mesmos. A busca de elevados níveis nos dois planos de eficiência é meta primordial no mercado de capitais, pois ambos levam a maior eficiência na movimentação de recursos dos poupadores às alternativas de investimento disponíveis, conforme prescreve a CVM.201 Kumpel complementa que a eficácia operacional do mercado de capitais depende, de um lado, das despesas das companhias emissoras quando da colocação de seus valores mobiliários no mercado, e de outro lado, dos 200

EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 22. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Mercado de Capitais e a Comissão de Valores Mobiliários. 201

56

encargos financeiros que os investidores deverão incorrer para realização satisfatória dos seus negócios.202 No âmbito das despesas das companhias emissoras quando da colocação de seus valores mobiliários no mercado, Kumpel indica que estes custos são decisivos na escolha de uma companhia introduzir ou não seus valores mobiliários no mercado. Estes custos atentem a finalidade de transparência pela companhia emissora das informações ao mercado, exigidas pelos órgãos reguladores. Tais informações prestadas devem ser suficientes à atender a eficiência institucional do mercado (confiança dos investidores), porém não pode tornar-se onerosa a ponto de desestimular a companhia a ofertar valores mobiliários no mercado, ou seja, uma relação de custo X benefício.203 De outro lado, no âmbito dos investidores, os custos decorrem da busca de informações sobre os valores mobiliários, preços e potenciais compradores, os custos da transação propriamente dita e dos contratos com as instituições intermediárias, como as corretoras, segundo explica Eizirik.204 No mesmo sentido, Kumpel esclarece que os custos arcados pelos investidores

são

substancialmente

reduzidos

pelas

obrigatoriedades

de

transparências dos agentes de mercado, facilitando a busca de informações. Quanto aos custos de transação e taxas contratuais com intermediários financeiros, estes constituem verdade competição entre os intermediários e as entidades do mercado secundárias, regendo-se pela oferta e demanda quando aos serviços financeiros.205 Essa competição é ponto chave da eficácia operacional como objeto de tutela jurídica, tendo em vista que promove a maior eficiência do mercado, ao reduzir os custos tanto para emissores e investidores, como também para qualificação institucional das estruturas e práticas do mercado de capitais, conforme explica Eizirik.206

202

KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 22-33. 203 KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 33. 204 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 20. 205 KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 35 206 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 20.

57

Neste mesmo sentido, a CVM ressalta que através da prática da competição é possível alcançar níveis cada vez mais elevados de eficiência. A pulverização do número de investidores e intermediários e a regulação no sentido de impedir práticas desleais são mecanismos perenes para a busca de melhorias nas condições de competitividade.207 Dentro da eficácia operacional, encontra-se ainda a função alocativa do mercado de capitais, como objeto de tutela jurídica. Tendo em vista que, conforme ressalta Kumpel, “essa função alocativa deve assegurar que os escassos

recursos

de

capitais

em

busca

de

investimentos

fluam

preferencialmente para onde a respectiva demanda mais urgente por meios de investimento prenuncie o maior rendimento com suficiente segurança.”208 No mesmo sentido se posiciona Eizirik, ao afirma que “na alocação de recursos, de sorte que os investidores, com base em informações disponíveis, apliquem suas poupanças nas companhias mais produtivas e rentáveis”.209 Como se observa, a eficácia operacional está atrelada a aos custos da escolha do mercado de capitais como forma de investimento e captação de recurso, que não pode ser demasiada onerosa a desencorajar sua escolha em detrimento de outra, como também não pode reduzir custos contra as obrigações de transparência e eficácia institucional dos agentes do mercado de capitais. Esse balanço de custos e benefícios aprimora a competição dentro do mercado de capitais e suas estruturas, o que aprimora sua eficiência na alocação de recursos entre os agentes superavitários e deficitários, função econômico-social primordial do mercado de capitais.

3.4.

DA PROTEÇÃO AOS INVESTIDORES Conforme nota-se dos objetos de tutela jurídica já analisados, o

investidor figura como parte fundamental em todas as relações envolvendo o mercado de capitais. 207

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Mercado de Capitais e a Comissão de Valores Mobiliários. 208 KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 35. 209 EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 20.

58

Com efeito, Eizirik destaca que o objetivo essencial é a tutela dos investidores, sendo eles que aplicam seus recursos poupados nos valores mobiliários emitidos publicamente e negociados no mercado.210 Conforme esclarece a CMV, o investidor é considerado o participante de maior relevância na dispersão de recursos e conseqüente democratização do capital. Assim, com o intuito de atrair um contingente cada vez maior de participantes no mercado de capitais, é preciso que sejam garantidas condições de ética e tratamento eqüitativo a todos, independentemente do montante de seus investimentos. Continuando no esclarecimento da CVM, em face do menor poder econômico e menor capacidade de organização dos investidores, é preciso que o seja garantido um determinado nível de proteção e defesa de seus interesses no relacionamento com intermediários e companhias. Além disso, é necessário que estes investidores sejam corretamente informados dos riscos relativos às diversas modalidades de investimentos disponíveis no mercado. Com esse espírito, é possível concluir que o processo de regulação deve dar destaque especial à proteção ao investidor, pois sem ele nenhum dos quesitos citados anteriormente podem ser alcançados.211 Conforme Medeiros212, os investidores, especialmente os individuais, representam o elo mais fraco. Requerem, dessa forma, certo grau de proteção, tanto no mercado, enquanto investidores, quanto na companhia, enquanto acionistas. Procura-se evitar abusos contra os investidores, mas não os proteger de seus próprios erros. No mercado de capitais, o investidor deve ser soberano. Conforme visto nos itens anteriores, a proteção dos investidores é realizada como efeito direito da eficiência institucional e operacional do mercado de capitais, através da transparência do mercado, a proteção das relações entre investidores e instituições intermediárias e evitando-se conflitos de interesses entre os agentes de mercado; bem como pela competição de custos de transação e qualidades estruturais, favorecendo os investidores e o mercado como um todo. 210

EIZIRK, Nelson. Mercado de Capitais: Regime Jurídico, p. 18. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Mercado de Capitais e a Comissão de Valores Mobiliários. 212 MEDEIROS, Paulo de Tarso; O que é o mercado de ações, Rio de Janeiro, Coleção Bolsa de Valores, 1987, 3ª edição, p.175. 211

59

Segundo Kumpel, para assegurar a eficiência do mercado de capitais devem se levar em conta uma proteção suficiente da totalidade dos investidores atuais e futuros. Porém, ressalta o autor, que a existência de proteções reflexas aos investidores, oriundas da eficiência do mercado, não significam a proteção individual ou coletiva do investidor. Esta proteção decorre da obrigação de indenização pelo causador de dano ao investidor. Assim, o alcance de uma exigência legal ou proibição depende do fato de que a esfera de interesse do investidor individual deve ser protegida não somente pela fiscalização do mercado através das suas estruturas de fiscalização, mas também, em casos sérios, por meio de punições ou pelo menos por multas. Kumpel conclui que uma proteção intensa é desejada para que o investidor possa defender seus interesses também através de meios de direito privado, sendo o caso da possibilidade de fazer valer pretensões de reparação de danos contra o causador do mesmo em caso de violação culposa ou de um obrigação que decorre dos objetos de tutela jurídica do Mercado de Capitais.213

3.5.

SÍNTESE DOS OBJETOS DE TUTELA JURÍDICA DO MERCADO DE

CAPITAIS Diante do que foi analisado, pode-se apresentar, de forma sintética, como os objetos de tutela jurídica do mercado de capitais: a) Eficiência institucional: (i) Transparência; (ii) Relações entre emissores, intermediários e investidores; (iii) Conflitos de interesse; b) Eficiência operacional: (i) Custos de transação; (ii) Competição; (iii) Alocação de recursos; 213

KÜMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro, p. 36.

60

c) Proteção aos Investidores: (i) Proteção reflexa à eficiência de mercado; (ii) Proteção especifica de reparação de danos;

3.6.

DOS OBJETOS DE TUTELA JURÍDICA E OS OBJETIVOS DA CVM Conforme visto no capítulo 2, a CVM é o órgão máximo de regulação

e fiscalização do mercado de capitais, recaindo sobre ele a atribuição de tutelar os objetos ora estudados. Segundo a Lei do Mercado de Capitais e de criação da CVM (Lei 6.385/76), são seus objetivos: 1-

assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados

de bolsa e de balcão; 2-

proteger os titulares de valores mobiliários contra emissões

irregulares

e

atos

ilegais

de

administradores

e

acionistas

controladores de companhias ou de administradores de carteira de valores mobiliários; 3-

evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação

destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários negociados no mercado; 4-

assegurar o acesso do público a informações sobre valores

mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido; 5-

assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no

mercado de valores mobiliários; 6-

estimular a formação de poupança e sua aplicação em

valores mobiliários; 7-

promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular

do mercado de ações e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social das companhias abertas. Conforme decorre da análise dos objetivos da CVM, os objetos de tutela jurídica do mercado de capitais, discutidos nos itens anteriores, encontram-

61

se abarcados pela atividade do órgão, conforme esclarece Lameira, a CVM com seus objetivos e atribuições legais abrange os objetos de tutela jurídica do mercado de capitais como um todo, funcionando ainda, como parte interveniente em processos judiciais de reparação de danos decorrentes do mercado de valores mobiliários214.

214

LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado De Capitais, pág. 122.

62

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho foi identificado o conceito e papel do mercado de capitais, chegando-se a conclusão de que o mercado de capitais, ao permitir a alocação da poupança de forma eficiente entre as várias oportunidades de investimento,

facilita

a

transferência

de

recursos

para

alternativas

de

investimentos mais adequadas ao processo de desenvolvimento econômico, promovendo o aumento da produtividade, da eficiência econômica e do bem estar da sociedade, residindo aí sua função primordial, econômica, política ou social. Ato contínuo, foi analisado o breve histórico do mercado de capitais, desde meados da década de sessenta, com a promulgação de Lei de Reforma Bancária (Lei n.º 4.595/64), passando pela reforma do mercado de capitais em meados da década de 70, com as Leis 6.385/76 e 6.404/76, chegando aos dias atuais. Finalizada a introdução ao mercado de capitais, passou-se a análise das estruturas e agentes do mercado de capitais. Em primeiro lugar o Sistema Financeiro Nacional, formado de forma geral pelo Conselho Monetário Nacional, que é o órgão máximo do SFN, criado pela Lei 4.595/64, com a finalidade de formular a política da moeda e do crédito objetivando o progresso econômico e social do País; o Banco Central do Brasil, a principal autoridade monetária nacional, a quem compete às atividades de controle da moeda e do crédito, bem como a de normatização e fiscalização do sistema financeiro, sendo que a condução da política monetária e as atividades cambiais e de controle das reservas brasileiras são igualmente de sua competência; e a Comissão de Valores

Mobiliários,

sendo

o

órgão

normativo

do

sistema

financeiro,

especificamente voltado para o desenvolvimento, a disciplinação e a fiscalização do mercado de valores mobiliários. Em sequencia passou-se a análise do conceito de valor mobiliário, pela sua importância para definição da abrangência do mercado de capitais, concluindo que o mesmo são aqueles instrumentos de captação de recursos emitidos por agentes deficitários e ofertados publicamente, os quais garantem direito de participação ou remuneração aos agentes superavitários, adquirentes destes títulos. Extraído o conceito de valor mobiliário, foi analisada o agente

63

capaz de emitir valores mobiliários e o agente investidor que o adquire, respectivamente o agente emissor (agente deficitário) que vise captar recursos no mercado de capitais, deve estar constituído sob a forma de sociedade anônima e registrada perante a CVM; já o investidor, por sua vez, pode ser toda pessoa natural capaz, ou jurídica, devendo ser intermediado por uma sociedade corretora de valores mobiliários, a qual é delegado o exercício exclusivo de operar no mercado de capitais através da compra e venda de valores mobiliários. Seguindo na análise da estrutura do mercado de capitais, discutiu-se sobre o mercado primário e secundário, no qual conclui-se que o mercado primário é mercado primário onde ocorre a distribuição de valores mobiliários pelas companhias aos investidores (agentes superavitários) do mercado de capitais, causando a efetiva captação de recursos pela companhia dos investidores; e o mercado secundário como onde se realização as negociações de valores mobiliários entre os investidores, visando conferir liquidez a estes valores mobiliários, ou seja, rápida transformação do investimento em moeda. Dentro do mercado de capitais, analisou-se o conceito de bolsas de valores e mercados de balcão, sendo definidos como o lugar em que se encontram os possíveis compradores e vendedores de certos bens, para a realização das correspondentes negociações, conforme regras e procedimentos específico, no caso de bolsas de valores, e que, no caso de mercado de balcão, este divide-se em organizado e não-organizado, e difere da bolsa de valores, pois nele as negociações são feitas diretamente entre instituições financeiras e entidades autorizadas, diretamente entre si, ou diretamente com seus clientes, sem um mecanismo centralizado e compulsório de formação de preços. No último capítulo analisaram-se os objetos de tutela jurídica que se manifestam no mercado de capitais, para concluir-se que o bem jurídico reside na eficiência do mercado e reflete a proteção do investidor, que reflete a eficiência institucional, operacional e a proteção do investidor propriamente dita, chegandose ao seguinte esquema: a)

Eficiência institucional:

(i)

Transparência;

(ii)

Relações entre emissores, intermediários e investidores;

64

(iii)

Conflitos de interesse;

b)

Eficiência operacional:

(i)

Custos de transação;

(ii)

Competição;

(iii)

Alocação de recursos;

c)

Proteção aos Investidores:

(i)

Proteção reflexa à eficiência de mercado;

(ii)

Proteção especifica de reparação de danos

Por fim, identificou-se que os objetos de tutela jurídica estudados são objetos de trabalha da CVM, constituindo objeto do órgão regulador a tutelas destes bem jurídicos.

65

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico – Do direito Nacional ao Direito Supranacional. São Paulo: 2006. ARAUJO PENNA, Estella de. Desenvolvimento Econômico e Mercado de Capitais – A Nova Lei das S.A. Em: Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 4, n°11, 2001. BARRETO, Zacarias. A Lei das S/A e as Leis do Novo Mercado de Capitais. 1ª Ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. BRASIL, Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. BRASIL, Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965. Disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. BRASIL, Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. BRASIL, Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. BRASIL. Lei nº 9.457, de 5 de maio de 1997. Altera dispositivos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. BRASIL. Decreto 1.307 de 09 de novembro de 1994. Aprova o regimento interno do Conselho Monetário Nacional BRASIL. Decreto 6.764 de 10 de fevereiro de 2009. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Fazenda, e dá outras providências. BRASIL. Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995. Dispõe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional, estabelece as regras e condições de emissão do REAL e os critérios para conversão das obrigações para o REAL, e dá outras providências. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Mercado de Capitais e a Comissão de Valores Mobiliários, em abril de 1997, disponível em acessado em 14/10/2008.

66

CASTRO, Hélio Oliveira Portocarrero de. (coord.) Introdução ao Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: IBMEC, 1979. CASAGRANDE NETO, Humberto. Mercado de capitais: a saída para o crescimento. São Paulo: BOVESPA e LAZULI Editora, 2002. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constituicional Positivo. 26ªEd. São Paulo: Malheiros, 2006. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001, p. 110. EIZIRIK, Nelson. Reforma das S.A. & do Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. EIZIRIK, Nelson, e et.al. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. EIZIRIK, Nelson. Regulação e auto-regulação no mercado de valores mobiliários, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, RT, n.48, out/dez 1982, pp. 48-59. FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços. 16ª Ed. Rio de Janeiro: Qualitumark, 2005. GRINOVER, Ada Pellegrini, e et.al. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ªEd. Rio de Janeiro: Forense, 2004. KUMPEL, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais - do ponto de vista do direito europeu, alemão e brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais, 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. LAZZARECHI NETO, Alfredo Sérgio. Lei das sociedades por ações anotada. 2ª Ed. São Paulo: Saraira, 2008. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ªEd. São Paulo : Revistas dos Tribunais, 2008. MEDEIROS, Paulo de Tarso; O que é o mercado de ações, Rio de Janeiro, Coleção Bolsa de Valores, 1987, 3ª edição, p.175 NÓBREGA, Maílson; LOYOLA, Gustavo; GUEDES FILHO, Ernesto M.; PASQUAL, Denise. O mercado de capitais: Sua importância para o desenvolvimento e os entraves com que se defronta no Brasil. Estudos para o desenvolvimento do mercado de capitais. BOVESPA. Maio, 2000. PAULA, Áureo Natal de. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Mercado de Capitais. 3ª Ed. Curitiba: Juruá, 2008.

67

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução CVM nº 202, de 06 de dezembro de 1993. Dispõe sobre o registro de companhia para negociação de seus valores mobiliários em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão, consolidando as Instruções CVM nºs. 60, de 14 de janeiro, 73, de 22 de dezembro, ambas de 1987, 118, de 7 de maio, e 127, de 26 de julho, ambas de 1990. ROCCA, Carlos A. Mercado de Capitais Eficiente: Condição para o Crescimento Sustentado, XVI Fórum Nacional de Economia do Conhecimento, Crescimento Sustentado e Inclusão Social. Rio de Janeiro, maio de 2004. ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia. 19ªEd. São Paulo: Atlas, 2002. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 5.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 507-511 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. MOSQUETA, Roberto Quiroga (coord.). Aspectos Atuais do Direito do Mercado de Capitais, São Paulo: Dialética, 1999. WALD, Arnoldo, Eizirik, Nelson. O regime jurídico das bolsas de valores e sua autonomia frente ao Estado. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, RT, n.61, jan/mar 1986. ZACLIS, Leonel. Proteção Coletiva dos Investidores no Mercado de Capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.