O método analítico paramétrico para revelar o modus operandi de Oscar Niemeyer

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SSN 2179-7374 Ano 2012 - V.16 – N0. 02 ISSN 2179-7374 Ano 2016 - V.20 – N0. 03

O MÉTODO ANALÍTICO PARAMÉTRICO PARA REVELAR O MODUS OPERANDI DE OSCAR NIEMEYER THE PARAMETRIC ANALYTICAL METHOD TO EXPOSE OSCAR NIEMEYER’S MODUS OPERANDI Breno Tisi Mendes da Veiga 1 Wilson Florio 2 Resumo Os edifícios concebidos pelo arquiteto de Oscar Niemeyer são constituídos por elementos construtivos de geometria simples, como segmentos de reta e arcos de circunferência. A complexidade de sua arquitetura é observada na interação entre esses elementos e na continuidade dos pontos de tangência entre retas e curvas. Esta pesquisa investigou três edifícios de geometria curvilínea, projetados para o Memorial da América Latina. São poucas as pesquisas que analisam a geometria de projetos deste arquiteto. Neste artigo a modelagem paramétrica (MP) foi empregada como método analítico da geometria subjacente aos projetos selecionados. Atualmente a grande vantagem de se estudar geometrias curvilíneas por meio da MP reside na precisão geométrica e na capacidade de cálculo matemático, que permite explorar a combinação de diferentes parâmetros de modo a gerar diferentes formas. Com este recurso pode-se criar família de formas onde a busca pela melhor solução é pautada por conhecimentos prévios do arquiteto ou por programas de simulação. Nesta pesquisa, a alternância de parâmetros foi empregada para analisar a harmonia entre as partes e o todo na composição proposta por Niemeyer, demonstrando que a forma é resultante de um conjunto de fatores compositivos, sobretudo de princípios geométricos. Palavras-chave: geometria; modelagem paramétrica; Oscar Niemeyer; modus operandi Abstract The buildings designed by the architect Oscar Niemeyer's are constituted by constructive elements of simple geometry, as line segments and circumference arc. The complexity of its architecture is observed within the interaction between these elements and in the continuity of the points of tangency between lines and curves. This research investigated three buildings with curvilinear geometry, designed for the Memorial of Latin America. Researches that analyze the geometry of this architect's projects are very scarce. In this paper, parametric modeling (PM) was used as an analytical method to the underlying geometry of the selected projects. Nowadays the great advantage of studying curvilinear geometries through the use of PM lies in the geometric precision and the mathematical calculation capacity, which allows to explore different combination of parameters in order to generate different forms. With this resource you can create a family of shapes, where the search for the best solution is based on the 1

Mestre, Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Professor Doutor, Universidade Presbiteriana Mackenzie / Universidade Estadual de Campinas

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architect’s previous knowledge or on simulation programs. In this research, the parametric interchange was used to analyze the harmony between the parts and the whole within the composition proposed by Niemeyer, demonstrating that the form is the result of a set of compositional factors, especially of geometric principles. Keywords: geometry; parametric modeling; Oscar Niemeyer; modus operandi. 1. Introdução A arquitetura de Oscar Niemeyer se destacou na arquitetura moderna no século XX em virtude de sua liberdade de criação de formas curvilíneas. Constata-se que a combinação entre os diferentes princípios geométricos, tais como forma trapezoidal, abóbadas, superfícies de revolução e superfícies regradas propiciaram a formação de um amplo e característico repertório formal na obra de Oscar Niemeyer. Esta hibridação entre diferentes princípios geométricos evidencia que, de fato, Niemeyer não se limitava à pureza das formas regulares. A análise de formas curvilíneas, como a de Niemeyer, exige cuidados especiais, pois as definições geométricas, realizadas pelo arquiteto e sua equipe, não são facilmente reveladas à primeira vista. Devido aos recentes avanços de programas gráficos nas últimas décadas, e, particularmente, da modelagem paramétrica (MP) nos últimos 15 anos, é possível gerar e analisar formas complexas com maior precisão. A popularização da parametrização, no âmbito da arquitetura foi possível devido, primeiramente a incorporação de recursos paramétricos embutidos em programas gráficos como Microstation, Revit e VectorWorks. Contudo, foi o desenvolvimento de softwares e plug-ins baseados em scripts visuais, como o Generative Components e o Grasshopper, que permitiram aprofundar o controle sobre formas complexas. A MP tornou possível definir formas com grande precisão, explorando a capacidade de processamento matemático dos computadores e plug-ins. Em decorrência disso surgiram novas possibilidades de criação e de manipulação de famílias de formas e de superfícies curvas. Programas paramétricos permitem programar as dependências entre componentes, por meio do uso de variáveis (parâmetros). Estes permitem construção de regras, restrições, interdependências e a fácil manipulação destas (FRAZER, 1995). No âmbito do projeto paramétrico, isto permite a criação de diferentes definições para uma mesma geometria, intensificando o dinamismo investigativo projetual. A MP pode ser empregada tanto como método generativo, para criar formas, como método analítico, para analisar formas já criadas por outros meios. A ideia central deste artigo é empregar a MP como método analítico: i) revelar a geometria subjacente a três edifícios do Memorial da América Latina, em São Paulo; ii) revelar a harmonia entre as partes e o todo de cada edifício; iii) produzir um conjunto de formas baseadas em parâmetros, de modo a comparar com a forma adotada pelo arquiteto. Portanto o conceito de harmonia e de unidade serão fundamentais para interpretar as escolhas realizadas pelo arquiteto. O artigo contribui para a discussão sobre aquilo que denominados o modus operandi de Oscar Niemeyer, e ao mesmo tempo explorar a MP como método analítico para julgar as escolhas realizadas. O artigo está estrutura em seis partes. Na segunda seção, denominada de 24

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Antecedentes, são destacados estudos anteriores sobre as obras selecionadas, assim como conceitos e definições importantes relativo à MP. Na terceira seção são apresentados os procedimentos metodológicos. Na quarta seção são destacadas características do modus operandi do arquiteto, e sua apropriação dos conceitos de harmonia e de unidade que balizaram as definições das formas adotadas em seus edifícios. Na quinta seção são apresentados os resultados obtidos a partir da MP e combinação de parâmetros para gerar formas variadas. Na última seção é realizada a discussão sobre os resultados. 2. Antecedentes Há importantes pesquisas, realizadas no âmbito acadêmico sobre a consagrada arquitetura de Oscar Niemeyer. Muitas delas enaltecem a plasticidade das obras (Valle, 2000; Queiroz, 2007; Dudeque, 2009), porém não se encontram estudos voltados particularmente aos aspectos compositivos ou formais. Além disso, são poucas as pesquisas específicas sobre os edifícios que constituem o Memorial da América Latina (Underwood, 2010; Segre, 2012), e raras as que exploram aspectos geométricos da obra de Niemeyer (Mayer, 2003). Underwood (2010) afirma, de modo eloquente, que o Memorial da América Latina é a obra prima de Oscar Niemeyer, no decorrer da fase pós-Brasília, comparando a sinuosidade do contorno da marquise com as curvas dos edifícios do Memorial. Este estudo demonstra que este conjunto de edifícios é uma síntese da busca por novas formas e relações espaciais dentro da cidade. O autor enaltece o dinamismo e o contraste das formas e, assim como Lemos (2013), compara o projeto do Memorial com os projetos para a Exposição Internacional de Trípoli (1962). Mas logo se percebe que os adjetivos não são decorrentes de um estudo sobre aquilo que caracteriza sua obra: proporção, harmonia e unidade entre partes e todos. Segre (2012) argumenta que a monumentalidade de Brasília só foi alcançada pelos espaços vazios entre os diferentes edifícios. De fato, no Memorial da América Latina (1988), construído para ser um centro cívico e cultural para o continente latinoamericano se apropria dos amplos espaços “vazios”, ainda que em escalas diferentes, fazendo com que a monumentalidade de cada projeto apareça. Como é possível perceber, diversos autores analisam aspectos importantes no conjunto de edifícios do Memorial, mas não focam na questão da geometria, nem tampouco na unidade de princípios compositivos que dá qualidade ao conjunto. Em decorrência destes fatos foi identificado uma lacuna na interpretação dos projetos de Oscar Niemeyer. A fim de preencher parcialmente esse espaço inexplorado, a presente pesquisa, realizada entre 2014 e 2016, interpreta a geometria das formas a partir da modelagem paramétrica, e da combinação e alternância de parâmetros, de modo a gerar formas que possam servir para embasar as questões relativas à proporção, harmonia e unidade dos edifícios. Esta é a contribuição original do artigo. 2.1. Modelagem Paramétrica como Procedimento Generativo A parametrização é implementada a partir da criação de diversos algoritmos. Esses algoritmos podem definidos como um “conjunto completo de regras que permitem a resolução de um problema determinado” (BRETON, 1991, p. 59). Para além dessa 25

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definição, autores importantes incorporam novos sentidos ao conceito. Frazer (1995) relaciona os algoritmos com os processos evolutivos e adaptativos, comparando-os com cromossomos no DNA humano. Tedeschi (2011) descreve um algoritmo como uma sequência lógica e finita de etapas, a fim de solucionar um problema ou uma equação. É uma série de instruções, um método para a solução de problemas ou equações. Kolarevic (2003) afirma que as mídias digitais são usadas como um método generativo de formas, sob o qual os algoritmos surgem como uma fórmula computacional, dinâmica e não linear, capaz de produzir uma diversidade de resultados e formas. O plug-in Grasshopper tem sido utilizado nos últimos anos como um meio de gerar algoritmos generativos. Em arquitetura, um projeto é definido como paramétrico quando seus elementos construtivos são definidos e manipulados por meio de variáveis definidas na modelagem paramétrica (MP). É entendido por Hudson (2010) que um projeto paramétrico é uma descrição de um problema por meio de variáveis. Pode ser entendido como um processo de desenvolvimento de um modelo computadorizado ou como a descrição matemática de um projeto. A grande vantagem do trabalho com algoritmos baseados no Grasshopper é a possibilidade do manejo com peças visuais (componentes), ao invés de linhas de scripts em linguagens de programação. Esses componentes podem assumir a representação de geometrias como ponto, linha e circunferência, fórmulas matemáticas como adição, multiplicação, subtração, divisão, etc., ou mesmo operações gráficas como extrusões e deformações (TEDESCHI, 2011). Um exemplo concreto dessas vantagens é seu uso em parâmetros de definição geométrica de elementos construtivos, no âmbito da construção civil, o que se tem provado cada vez mais eficaz durante o processo de projeto. Uma modelagem desse tipo exige que essas porções sejam agrupadas em componentes constituídos por parâmetros, de modo a facilitar a manipulação de acordo com a necessidade do operador dos parâmetros. Isso porque a MP proporciona uma visualização imediata das transformações ocorridas após cada alteração do valor das variáveis paramétricas. Essa retroalimentação torna o processo ágil, com respostas que catalisam novas ideias, criando novas oportunidades para a manifestação da criatividade. Ao testar múltiplas alternativas e compará-las, o usuário pode julgar e optar pela alternativa mais eficaz para casos específicos (MONEDERO, 2000). A variação paramétrica (VP) possibilita a manipulação de formas a partir do manuseio de restrições e de dependências entre as formas. A VP é uma poderosa ferramenta, pois permite a exploração sistemática de diferentes combinações e configurações da geometria dos diferentes elementos estruturantes do projeto (SCHODEK et al., 2005). A VP pode ser amplamente explorada na definição das relações entre diferentes elementos dentro de um sistema construtivo. Estruturas, coberturas, fechamentos, painéis, caixilhos, escadas podem ser modificados rapidamente por meio da manipulação de parâmetros, dando origem a diversas opções projetuais. A flexibilidade da VP é ainda mais fundamental em edifícios de grande complexidade, onde a geometria entre os elementos estruturantes varia de acordo com as variações da forma. É esse tipo de flexibilidade que torna o projeto paramétrico em um sistema 26

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dinâmico de relações entre objetos. Característica clara nos modelos complexos formados por múltiplos componentes e parâmetros. A criação de novas formas por meio de técnicas generativas, permite a experimentação, a comparação e a seleção de novas famílias de formas complexas, balizados por parâmetros. Em um projeto paramétrico a noção de família é definida por um conjunto de elementos que se diferenciam somente nas dimensões e nas relações entre as partes e não propriamente na geometria. Um modelo paramétrico amplifica o esforço de construção de uma representação proporcionando uma interpretação de um modelo como um conjunto tipicamente infinito de instâncias, cada uma determinada por uma seleção particular de valores para as variáveis independentes do modelo. (AISH; WOODBURY, 2005) A proliferação da MP, nos últimos anos tornou possível ao arquiteto conceber e investigar espaços por meio de recursos de visualização tridimensional de um modo mais intenso. O advento dessa tecnologia, no âmbito da arquitetura, permite a criação de novas formas e de espaços mais complexos, que demandariam muita habilidade e destreza para serem concebidos por métodos manuais. É possível recombinar geometrias, controlar versões de uma forma (versioning) (SHELDEN; WITT, 2011), permitir influências externar em uma geometria sem perder o controle ou precisão. Como afirmado por Antoine Picon, “a digitalização permite de fato que o arquiteto manipule formas extremamente complexas e visualiza de modo mais livre as modificações feitas no projeto” (PICON, 2004, p. 209). Como o projeto de arquitetura passa por um processo de refinamento, normalmente alcançado por meio de transformações sequenciais, há constantes necessidades de operar com várias formas de representação e de visualização das ideias. Nesse sentido, a MP é um recurso de grande importância para operar constante transformações ocorridas durante o processo de projeto. 2.2. Modelagem Paramétrica como Procedimento Analítico A modelagem paramétrica (MP) provou seu valor como um catalisador do intelecto de arquitetos. Diversos escritórios ao redor do mundo a utilizam como instrumento projetual. A parametria é ainda pouco estudada como método de análise de formas. Na contemporaneidade, o uso convencional de plug-ins, como o Grasshopper, é sua exploração como método generativo, voltado à criação, simulação e definição de novas geometrias. A MP como procedimento analítico é entendida por esta pesquisa, como aquela que é utilizada para descrever pormenorizadamente a geometria subjacente de um projeto arquitetônico. Entende-se que a grande capacidade de cálculo dos computadores, auxiliado por programas de modelagem, pode servir como um importante balizador no estudo de geometrias complexas no âmbito da arquitetura. Esta pesquisa demostra, por meio de diversos exemplos e análises geométricas, que o uso de programas de modelagem paramétricos pode e deve ser ampliado, não só como método de criação, mas também como método investigativo e exploratório de edifício existentes.

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3. Procedimentos Metodológicos da Pesquisa Realizada Os procedimentos metodológicos incorporados nesta pesquisa se dividem em: i) coleta de dados (CD); ii) o redesenho dos projetos dos edifícios (RE); iii) a modelagem paramétrica (MP) e iv) a alternância de parâmetros (AP). Na etapa de coleta de dados (CD) os projetos executivos dos edifícios estudados foram gentilmente cedidos pela Fundação do Memorial da América Latina. Para esta pesquisa foram utilizadas as plantas, cortes e elevações dos três edifícios analisados. Durante a etapa de redesenho (RE), plantas, cortes e elevações foram redesenhados com o auxílio do programa AutoCad. Esse processo possibilitou padronizar a representação dos desenhos técnicos e facilitar os próximos procedimentos. Na etapa seguinte o processo de MP permitiu elucidar e explicitar a geometria subjacente dos elementos curvilíneos de cada edifício. Com o auxílio de um algoritmo criado no plug-in Grasshopper, foi possível decompor a geometria curvilínea em arcos de circunferência e segmentos de reta. A alternância de parâmetros (AP) possibilitou uma busca por novas relações espaciais, novos desenhos e novas geometrias, por meio de uma sucessiva mudança nos parâmetros que compõem as dimensões dos elementos estruturantes do projeto. Assim, foi possível propor novas relações compositivas e compará-las com a forma escolhida por Niemeyer. Da coleta de dados até a alternância de parâmetros, este artigo produziu alternativas à forma criada por Niemeyer, de modo a verificar a harmonia e a unidade entre os edifícios construídos. 4. O Modus Operandi de Oscar Niemeyer A escolha de um partido arquitetônico, isto é, o ponto de partida de um projeto, é normalmente decorrente de um percurso de tentativas e erros, de experiências acumuladas ao longo da vida profissional do arquiteto. Como bem definiu Bryan Lawson (2011), não existe uma “fórmula” para um processo de projeto, uma vez que cada arquiteto adquire ao longo do tempo uma metodologia própria de trabalho, uma lógica onde atividades são postas cronologicamente. A atenta análise dos projetos concebidos por Niemeyer mostrou que há procedimentos comuns aos seus projetos. A arquitetura de Oscar Niemeyer é, em sua maioria, composta por elementos de geometria simples, como segmentos de reta e arcos de circunferência. A complexidade de sua arquitetura é observada na interação entre esses elementos nos variados pontos de tangência. Em latim, modus operandi significa “modo de operação”. Significa a maneira ou método que determinada pessoa usa ou executa determinada tarefa. A partir do estudo das peculiaridades do “modo de operação” projetual do arquiteto, foi possível identificar os parâmetros que compõem a geometria de seus projetos no Memorial da América Latina e identificar as relações entre eles.

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Figura 1: Geometria dos arcos de Niemeyer observados em sua produção arquitetônica

Fonte: Autores, 2016

A pesquisa realizada entre 2014 e 2016 identificou em diversos edifícios estudados, que Niemeyer utiliza três tipos de curvas, observadas na Figura 1. i) O primeiro tipo de curva é composto por uma sucessão de arcos circulares  tangentes de raios variados. Nota-se que o centro de curva do arco BC se 

encontra sobre o raio do arco AB , proporcionando uma continuidade da forma a partir de sua tangente. Niemeyer utiliza este recurso sobretudo em suas marquises e em escadas curvas. ii) O segundo tipo a curva é composta por arcos interpolados (alternosinternos), onde o ângulo α é concordante a β que por sua vez é concordante a γ. Os centros dos arcos de circunferência são G, I e K. Essa curvatura é uma das mais utilizadas por Niemeyer, surge pela primeira vez no projeto para o Pavilhão Brasileiro para a Feira Mundial de Nova York (1939 – em coautoria com o arquiteto Lucio Costa). iii) Quando por alguma restrição na geometria não é possível unir dois arcos de circunferência dentro da mesma curva, Niemeyer intercala arcos e segmentos de reta. Este tipo foi amplamente utilizado em marquises e coberturas de edifícios. Niemeyer e sua equipe empregaram régua e compasso para desenhar seus projetos. Portanto trata-se de uma arquitetura baseada em curvas de segundo grau, passíveis de serem desenhadas pelos instrumentos de desenho manuais convencionais. A interação entre segmentos de reta e arcos de circunferência podem dar origem às superfícies regradas, que são aquelas criadas a partir de um ou mais segmentos de reta (geratriz) e um segmento de curva (POTTMANN et al., 2007). O tipo de superfícies regradas criadas por Niemeyer no Memorial da América Latina facilitou a construção tradicional das coberturas destes edifícios. Observou-se nos edifícios do Memorial da América Latina um extenso uso do arco do tipo III, formado pela alternância entre arcos de circunferência e segmentos de reta. Identificou-se que essa peculiaridade da geometria se encontra, sobretudo nas cascas de concreto da cobertura dos edifícios. Portanto é nas cascas de concreto armado que se encontram as relações geométricas mais importantes do edifício. É a partir do diálogo entre arcos e retas que o arquiteto gerou espaços que apresentam diversas dilatações e contrações em sua forma. Por essa razão, como será visto adiante, a modelagem e alternância de valores nos parâmetros das cascas de concreto foram 29

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priorizados nas análises subsequentes. 4.1. Harmonia Oscar Niemeyer produziu no Memorial da América Latina um conjunto arquitetônico composto por uma série de edifícios caracterizados por formas distintas e programas diversos. Observa-se que mesmo sem a repetição da mesma solução projetual existe uma preocupação do arquiteto em incorporar elos entre as diferentes partes que compõem os edifícios dentro de um mesmo conjunto arquitetônico. Uma das primeiras pesquisas que analisaram a harmonia entre as partes da arquitetura de Oscar Niemeyer foi Mayer (2003). A autora faz um estudo sistemático da geometria de um grupo de edifícios construídos por Niemeyer. Sua análise foi fundamentada pela busca de retângulos áureos e na busca por diferentes proporções em planta e nas fachadas dos edifícios. Figura 2: Relações de proporção observadas nos edifícios analisados

Fonte: Autores, 2016

A ideia de harmonia consiste em um acordo das partes com o todo, segundo determinações de número, proporcionalidade e de ordem (PANOFSKY, 1998). Tem sua origem na proporção e no equilíbrio. É a disposição bem ordenada dos elementos estruturantes que compõe a arquitetura (CORONA; LEMOS, 1998). São valores estéticos que corroboram para a unidade entre os diversos elementos do mesmo edifício. A presente análise ateve-se na identificação das proporções entre os elementos construtivos. Além disso, com o objetivo de identificar ritmos entre esses elementos, verificou-se que nas fachadas dos edifícios do Memorial da América Latina há ritmos bem demarcados. A Figura 2 demonstra a existência de íntimas relações entre a altura e 30

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o comprimento dos elementos estruturantes de cada projeto, assim como uma relação entre cheios e vazios. No caso do Salão de Atos (Figura 2, acima à esquerda), foi observado que existe uma relação entre a altura dos pilares (1,5 Y + Y). Também foi notado que a proporção entre o apoio da casca de concreto sobre a viga (1,5 Y) com a altura dessa (1,5 Y), assim como o espaçamento entre a casca e o pilar (X) e o comprimento da casca (3X). Na Biblioteca notou-se, sobretudo, uma proporção no comprimento transversal entre as partes. Observou-se uma nítida relação entre a largura do pilar (X) e a largura das duas cascas que compõem o edifício, duas e três vezes maiores (2X e 3X). O mesmo foi observado na composição do Auditório, na mesma dimensão (X) da marquise de entrada e da saída de emergência e no comprimento (Y) das cascas de concreto. 4.2. Unidade A ideia de unidade é extremamente importante na definição da poética de Niemeyer. Há sempre uma preocupação do arquiteto em criar elos entre os edifícios, elementos que se repetem por semelhança, proporção e escala, estabelecendo e fortalecendo a ideia de um conjunto harmônico e unificado. Para atingir a unidade, deve haver um pleno atendimento em relação à proporção entre as partes e o todo que é formado por elas. Do mesmo modo, é fundamental que haja uma passagem de um espaço a outro com o mesmo rigor que há em relação às proporções de cada edifício. A unidade será a decorrente da harmonia, da proporção, da escala e da geometria que compõe os edifícios entre si em relação ao todo (BOUDON, 2003). Pode-se entender a unidade arquitetônica como elemento agregador, que possibilita relacionar e analisar as diferentes relações de similaridade em um conjunto de edifícios. Na obra analisada de Oscar Niemeyer, a unidade arquitetônica se encontra, sobretudo, na maneira com que diferentes regras e elementos geométricos são aplicados nos mais variados elementos do conjunto. Portanto, a unidade arquitetônica é indissociável das relações plásticas de escala, harmonia e composição, observadas na geometria dos edifícios que compreendem o conjunto arquitetônico. A composição em arquitetura é interpretada por Alan Colquhoun (2004) como um processo criativo, onde o arquiteto, trabalhando com regras matemáticas preestabelecidas, desenvolve uma forma. Consiste na disposição das partes exigidas pelo conjunto de necessidades, de tal maneira que sirvam ao fim a que se destinam criando-se, também, espaços e formas belas, agradáveis e harmoniosas (CORONA; LEMOS, 1998). Niemeyer cria no Memorial da América Latina um conjunto de edifícios caracterizados pelo mesmo princípio geométrico norteador, uma família de formas e soluções, empregada de forma distinta em cada edifício. As cascas dos três projetos são geometrizadas a partir de uma alternância entre arcos de circunferências e segmentos de reta, no Salão de Atos um arco e um segmento de reta, na Biblioteca dois arcos e três segmentos e no Auditório, três arcos e três retas, como observado na Figura 3. As cascas no Memorial são formadas por uma sequência e alternância de segmentos de retas e arcos de circunferência. Porém, cada edifício se apropria dessa sequência de maneira particular. A casca do Salão de Atos Tiradentes possui apenas um único arco de circunferência em sua geometria, e é a única cobertura que se apoia perpendicularmente ao solo. Observando-a em planta, possui um formato trapezoidal. A 31

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cobertura da Biblioteca Victor Civita é geometricamente composta por dois arcos de circunferência e é a única, quando se observa suas plantas, que assume uma forma retangular. A cobertura do Auditório Simón Bolívar é composta por três arcos de circunferência e assume em planta uma forma composta por dois trapézios. Consequentemente, percebe-se que há princípios geométricos, que se repetem nos três edifícios, e que proporcionam a denominada unidade. Figura 3: Geometria geradora das cascas dos edifícios analisados

Fonte: Autores, 2016

A noção de unidade no Memorial da América Latina se encontra na persistência de um princípio geométrico articulador. Está presente na proporção entre os diferentes edifícios que formam o conjunto arquitetônico. É a geometria e a proporção entre as partes e o todo que trazem equilíbrio à composição, e une sobre o mesmo teorema as diferentes cascas, vigas e pilares do Memorial. Portanto, como foi possível demonstrar os três edifícios analisados possuem uma harmonia entre os seus elementos estruturantes e o seu conjunto demonstra uma unidade. 5.

Modelagem Paramétrica (MP)

Para que a MP fosse bem-sucedida, foi necessário criar parâmetros baseados no modus operandi do arquiteto. Assim, as dimensões dos edifícios (comprimentos, larguras, espessuras, alturas, raios, etc.) foram utilizadas como parâmetros na modelagem. Contudo, para se obter a plena compreensão da forma, a MP foi dividida em partes, de acordo com a geometria e com o número de partes estruturantes de cada edifício. No caso do Salão de Atos, a MP foi dividida em três partes: casca, viga e pilares. A casca de concreto armado do Salão de Atos Tiradentes foi geometrizada a partir de um grande arco de circunferência que se apoia sobre a viga aporticada, em 32

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uma extremidade, e sobre um segmento de reta vertical no outro extremo. A MP desse elemento no Grasshopper, como observado na Figura 4, contou com o desenho de uma circunferência de 14,9 m de raio e uma reta tangente perpendicular ao piso (a). A partir disto, foi extraído um arco de 162°24’ da circunferência inicial (b). Em seguida foi definida a espessura para a casca, utilizando as dimensões do corte técnico (0,60 m na parte mais espessa, próxima ao solo e 0,22 m no final da curva) (c). No passo seguinte foi criada uma superfície utilizando as curvas criadas no passo um e dois, por meio do comando Edge Surface (d). Com o intuito de tridimensionalizar a forma, os últimos passos para a criação do desenho da casca foram a extrusão (e) e o espelhamento (f) da superfície criada no passo anterior. Figura 4: Modelagem Paramétrica do Salão de Atos Tiradentes no Grasshopper

Fonte: Autores, 2016

Figura 5: Vistas do Modelo Geométrico do Salão de Atos Tiradentes no Rhinoceros

Fonte: Autores, 2016

A modelagem dos pilares foi iniciada com o desenho da seção elíptica de raios iguais a 0,86m e 2,50m (g). Essa seção foi extrudada, seguindo a altura observada nos desenhos técnicos de 35,15m (h). Os últimos dois passos foram a criação do chanfro de 60° no topo do pilar (i), e o espelhamento da forma para a criação do segundo pilar do edifício (j). A modelagem da viga se iniciou com o desenho de sua seção trapezoidal de 4,5m de altura (k). Foi observado nos desenhos técnicos que a largura da viga é variável ao longo de seu comprimento: mais estreita próxima aos pilares e mais espessa na parte que recebe a carga da casca de concreto, por esse motivo foi iniciada uma estratégia de modelagem envolvendo o comando Sweep Rail, ou varredura, que consiste em criar e 33

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traçar dois percursos (Rails) por onde a seção inicial será varrida (l), criando assim um volume que representa metade da viga (m). O último passo consistiu em espelhar o volume para criar a forma final da viga do edifício (n). Após a modelagem paramétrica dos três elementos do projeto, o modelo foi exportado para o Rhinoceros com o comando Bake. A Figura 5 exibe o modelo geométrico resultante da modelagem paramétrica do Salão de Atos. O processo de MP da Biblioteca Victor Civita também foi dividido em três partes: casca, pilar e viga, conforme exibe a Figura 6. A MP da casca foi iniciada com o desenho das duas circunferências que constituem a forma do edifício, e apresentam raios iguais a 8,9m e 5.3m (a). Em seguida, foram extraídos os arcos de circunferência de dimensão igual a 129°25’ e 127°21’ (b). O terceiro passo consistiu na criação da altura estrutural da casca de concreto (c). Na quarta etapa a superfície criada anteriormente foi extrudada três vezes (d;e;f) para criar as três abóbodas que configuram a casca do edifício. Figura 6: Modelagem Paramétrica da Biblioteca Victor Civita

Fonte: Autores, 2016

Figura 7: Vistas do Modelo Geométrico da Biblioteca Victor Civita no Rhinoceros

Fonte: Autores, 2016

A MP dos pilares da Biblioteca se assemelhou com a modelagem dos pilares do Salão de Atos. Primeiramente, foram desenhadas duas circunferências de 1,88 m de diâmetro (g). Em seguida foram desenhadas duas linhas retas que tangenciam o exterior das duas circunferências para gerar a forma da seção oblonga do pilar (h). Foi criada uma superfície (i) e depois extrudada linearmente em Z (j) para gerar a altura do pilar (26,15 m). Na sequência, o topo do pilar foi chanfrado (k) e depois espelhado (l), para gerar o segundo pilar. 34

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A viga da Biblioteca Victor Civita apresenta uma forma mais simples do que a observada no Salão de Atos, apresentando uma largura estrutural contínua. Para a MP da viga, primeiramente foi desenhada a sua seção trapezoidal (m) e, por fim, esse perfil foi extrudado (n) para criar seu comprimento de 90m. Após a modelagem, os elementos estruturantes do projeto foram exportados. As vistas do modelo geométrico podem ser observadas na Figura 7. Diferente, dos outros edifícios, o Auditório apresenta dois volumes destacados de sua forma principal. Uma marquise de acesso em sua fachada frontal e uma saída de emergência em sua vista posterior. Contudo, o pórtico também está presente. A MP da casca do Auditório Simón Bolívar (Figura 8) começou com o desenho das três circunferências geradoras da geometria do edifício (a), de raio igual a 10,5 m, 15,6 m e 17,5 m. A seguir foram desenhadas as retas tangentes e as lajes intermediárias (b), destes passos iniciais foi extraído o perfil (c) composto por três arcos, dois segmentos de reta e duas retas tangente que caracterizam a geometria do edifício. O quarto passo consistiu na modelagem da espessura da casca de concreto que varia entre 1,15 m nos apoios e 0,50 m em seu topo (d), possibilitando a extrusão da curva. Por fim, a tridimensionalidade foi alcançada com a extrusão (e) de uma das metades da casca e o espelhamento da casca (f). Figura 8: Modelagem Paramétrica do Auditório Simón Bolívar no Grasshopper

Fonte: Autores, 2016

Figura 9: Vistas do Modelo Geométrico do Auditório Simón Bolívar no Rhinoceros

Fonte: Autores, 2016

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Neste projeto, tanto a viga quanto os pilares possuem as mesmas dimensões estruturais. A união dos dois elementos cria um pórtico de seção trapezoidal que corta transversalmente o edifício. A MP desse elemento foi feita por meio do desenho da seção da viga (g) e a seção dos apoios (h), da extrusão da seção da viga (i) e da extrusão da seção dos apoios (j). O quinto passo se consistiu da união entre as duas seções por meio de uma extrusão e uma operação booleana de adição (k), que gerou uma das metades do pórtico. Por fim, o volume foi espelhado (l), culminando na forma final desse elemento estruturante do projeto. Para a MP da Marquise de entrada foram desenhadas uma circunferência e uma reta perpendicular ao solo (m), em seguida o arco de circunferência foi encontrado (n) e a altura estrutural foi definida (o). Para a tridimensionalização, o perfil foi extrudado (p), o corredor de acesso ao edifício foi criado a partir de um perfil retangular (q) e o conjunto foi espelhado (r). A seção oblonga irregular da saída de emergência foi adquirida por meio do desenho de duas circunferências (s) e do traço de dois segmentos que as tangenciam (t). A forma gerada (u) foi extrudada linearmente e verticalmente, a fim de produzir um volume (v); para o corredor de acesso foi desenhado uma seção retangular (w) que foi extrudada linearmente, formando o corredor de acesso (x). Esta análise permite pormenorizar os elementos componentes dos edifícios analisados, de modo a compreender as relações entre as partes e os parâmetros que os acercam. 5.1. Alternância de Parâmetros (AP) A grande vantagem da MP é explorar diferentes combinações entre os parâmetros para obter conjuntos de formas. Assim, a alternância de parâmetros (AP) possibilita a geração de diferentes formas e espaços arquitetônicos. Como será visto a seguir, a AP permitiu interferir na relação entre as partes e o todo de cada edifício, acarretando em profundas alterações nas relações de escala, proporção, ritmo e harmonia de cada edifício. Quando se opera com vários parâmetros ao mesmo tempo, como no caso da MP dos edifícios desta pesquisa, é preciso escolher quais parâmetros serão fixos, isto é, que não serão alterados durante a busca por novas formas, e, particularmente, quais parâmetros sofrerão variações. Esse procedimento é necessário devido ao grande número de possíveis combinações entre os diferentes componentes. Após cada AP foi possível obter uma determinada forma e materializá-la no programa Rhinoceros, com o uso do comando Bake, produzindo assim uma família de formas. Os parâmetros utilizados na AP do Salão de Atos Tiradentes foram: A) a altura vertical da tangente; B) o raio da circunferência; C) o comprimento da casca de concreto; D) a altura da viga; E) a altura dos pilares e F) a distância dos pilares.

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Tabela 1: Parâmetros utilizados na alternância paramétrica do Salão de Atos Tiradentes

Fonte: Autores, 2016

Figura 10: Variações paramétricas do Salão de Atos Tiradentes obtidas durante o processo de AP

Fonte: Autores, 2016

A Tabela 1 mostra numericamente as dimensões dos elementos estruturantes do projeto analisado, tanto do projeto construído quanto para as variações. Na coluna “Parâmetros” observa-se os parâmetros que foram alterados. A escolha por estes parâmetros foi baseada em sua interação com a geometria do edifício. Neste caso: A) a altura da reta tangente da casca; B) o raio da circunferência que gera a geometria da casca; C) o comprimento da casca de concreto; D) a altura da viga; E) a altura dos pilares e F) a distância entre os pilares. Na coluna “Projeto Construído”, observa-se as dimensões utilizadas por Niemeyer para cada um dos parâmetros listados. Nas colunas numeradas de 1 a 6 observa-se as novas composições obtidas, fruto da alternância entre parâmetros. Os resultados desta análise são observados na Figura 10, onde se observa uma mudança na harmonia entre os variados componentes. Ao observar as informações exibidas pela Tabela 1 e pela Figura 10 é possível fazer algumas considerações sobre os elementos estruturantes que compõem o projeto. Primeiramente, nota-se que mesmo existindo uma relação entre as partes e o todo, cada elemento dentro da composição se comporta independentemente do outro. Notou-se que a geometria adotada para cada elemento que compõe a forma arquitetônica tem uma íntima relação com a percepção e a sensação desejada que o arquiteto queria transmitir: plasticidade e leveza. A mudança de alguns parâmetros resultou em formas e proporções pouco atraentes. O aumento do comprimento da casca de concreto (C), observado principalmente em 2 e 3, e o abatimento da altura dos pilares (E), observado em 1, 2 e 4, geraram composições visualmente mais “pesadas” que o projeto construído. 37

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Verificou-se que para que a composição apresentasse leveza, a proporção entre as partes deve ser considerada. Neste projeto, a verticalidade do pilar deve ser contrastada com a horizontalidade da casca, ao ponto que a leveza é alcançada quando a altura do pilar (E) for maior que a somatória das alturas da tangente vertical (A) e do raio da circunferência (B), e o comprimento da casca de concreto (C) for menor do que a distância entre os pilares (F). Tabela 2: Parâmetros utilizados na alternância paramétrica da Biblioteca Victor Civita

Fonte: Autores, 2016

Figura 11: Variações paramétricas da Biblioteca Victor Civita obtidas durante o processo de AP

Fonte: Autores, 2016

Diferente do Salão de Atos, de composição predominantemente vertical, o edifício da Biblioteca apresenta uma solução muito mais horizontal. As cascas que geometrizam o projeto apresentam as menores proporções entre os projetos analisados nesta pesquisa. A implantação deste edifício ao lado do Salão de Atos Tiradentes reflete a vontade do arquiteto em criar uma sensação de unidade no conjunto, um diálogo entre as partes de cada edifício e entre cada projeto. A Tabela 2 e a Figura 11 mostram as dimensões de cada parâmetro utilizado na AP e o resultado dessa análise. No caso da Biblioteca Victor Civita, os parâmetros utilizados para a AP foram: A) o raio da circunferência menor; B) a altura do centro da circunferência menor; C) o ponto de apoio da casca de menor altura; D) o raio da circunferência maior; E) a altura do centro da circunferência maior; F) o ponto de apoio da casca de maior altura; G) a distância entre as circunferências; H) a altura da viga; I) a altura dos pilares e J) a distância entre os pilares. 38

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O elemento mais marcante do edifício é a imponente viga protendida, de 6,5 m de altura por 90 m de comprimento, que corta o edifício e separa as duas cascas do projeto. Nesta composição a viga desempenha o papel de eixo de simetria. Nota-se nas imagens reproduzidas na Figura 11 que o exacerbado aumento na dimensão de apenas uma das duas cascas produz formas pouco atraentes, especialmente em 3 e 4. A Biblioteca se desenvolve em um eixo longitudinal, onde se observa que o excessivo aumento dos parâmetros C e F acarreta em um aumento da tangente de apoio, e, consequentemente, na transversalidade do edifício, produzindo rupturas no equilíbrio entre as diversas partes que compõem o edifício (2,3,4, e 6). O papel dos pilares na composição deste edifício é o de se contrapor à horizontalidade da viga, ao tempo em que estabelece uma unidade com os pilares do Salão de Atos. Semelhantemente ao observado no projeto anterior, a diminuição das alturas dos pilares ou das distâncias entre seus eixos (I e J) resultam em composições maciças, conforme observado em 2,3 e 4. Entre os edifícios analisados, o Auditório Simón Bolívar é o único onde os pilares terminam na altura da viga, criando um pórtico. O uso de um sistema estrutural de menor dimensão no Auditório, quando comparado ao tamanho da viga e dos pilares dos outros dois edifícios não foi sem propósito. Na maior parte dos projetos de Niemeyer existe um elemento protagonista, seja a geometria mais complexa, seja a maior proporção. A casca do Auditório Simón Bolívar é a maior do conjunto do Memorial, e é também a de geometria mais complexa, pois estrutura-se com grandes pilares, de modo que uma grande viga comprometeria o protagonismo da casca de concreto do edifício. Ao diminuir a escala do pórtico, Niemeyer claramente enaltece a geometria da cobertura. A redução do tamanho do pórtico valoriza a forma curvilínea do corpo central do auditório, um artifício que produz equilíbrio e proporção entre os diferentes elementos do edifício. Nota-se nos parâmetros exibidos na Tabela 3 e nas decorrentes variações desses na Figura 12, a AP do Auditório, que demonstrou as relações compositivas entre as diferentes partes que compõem o edifício. Diferente dos outros dois projetos analisados, o pórtico do Auditório possui dimensões inferiores às observadas na casca. Verificou-se que o aumento exagerado da altura estrutural do pórtico (G), observado em 2, 3, 4 e 6, cria composições desarmoniosas, nas quais a casca e a estrutura entram em desacordo, tanto em escala quanto em ordem. A mesma discrepância é observada quando o comprimento da marquise de entrada (I) e o da saída de emergência (J) foram incrementados. Tabela 3: Parâmetros utilizados na alternância paramétrica do Auditório Simón Bolívar

Fonte: Autores, 2016

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Figura 12: Variações paramétricas do Auditório obtidas durante o processo de AP

Fonte: Autores, 2016

A mudança nos pontos de apoio da casca (A e E) interferiram no ponto de tangência entre as circunferências e os segmentos de reta. O encurtamento desse parâmetro, observado em (1), produziu curvas acentuadas no topo da casca e o incremento (3 e 5) produziu longas tangentes na geometria, acarretando em um apoio de grande inclinação e de difícil execução. Como foi possível perceber a alternância de parâmetros possibilitou gerar formas dotadas de elementos sem proporção, sem harmonia e que não favorece a unidade entre os edifícios. 6. Discussão e Considerações Finais Este estudo permite evidenciar a geometria, a harmonia e a unidade de três edifícios concebidos por Niemeyer no Memorial da América Latina. A alternância de parâmetros permitiu gerar diferentes formas, que quando comparadas ao projeto construído, não contém os mesmos atributos. A AP interferiu na harmonia entre as partes e o todo na composição proposta por Niemeyer nos edifícios analisados, pois permitiu apresentar variações de escala, proporção e composição a partir de uma mudança de parâmetros que definem a geometria. Mas arquitetura depende de um equilíbrio entre forma, função e técnica, fazendo com que a forma e os espaços arquitetônicos sejam o resultado de um conjunto de fatores. Assim, a AP demonstrou que a forma e os espaços resultantes são decorrentes de fatores intrínsecos ao tema e às necessidades do projeto e, sobretudo, dos princípios geométricos norteadores da unidade arquitetônica pretendida pelo arquiteto. Como é possível notar nas Figuras 13, 14 e 15, a AP permitiu gerar formas constituídas por elementos que não possuem a mesma harmonia. Nota-se claramente a falta de proporção e a ausência de ritmos. Portanto, estas alternativas não contém os mesmos atributos de escala, proporção, ritmo e harmonia observado nos três edifícios construídos por Niemeyer.

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Figura 13: Geometria da alternância paramétrica do Salão de Atos

Fonte: Autores, 2016

Nos três edifícios analisados, Oscar Niemeyer se apropria de um mesmo princípio compositivo, pórtico-casca, que foi explorado de maneira distinta em cada edifício. O arquiteto não repete a solução projetual, mas cria um conjunto harmônico de edifícios a partir da manipulação da geometria de elementos estruturantes do projeto (casca, viga e pilares). Mas nas formas geradas a partir da AP é notório a ausência de unidade deste novo conjunto de formas. É importante salientar que no conjunto de edifícios construídos para o Memorial há claros princípios compositivos de organização na quadra irregular. O primeiro é que os edifícios devem ser observados a partir de pontos de vista não situados no eixo de simetria. O segundo é que o eixo de simetria, é local e independente. O terceiro é que os pontos de vista localizados no trajeto de aproximação, se apresentam de modo descontínuo, capacitando o observador a apanhá-los individualmente, e de pontos de vista angular. Disso resulta que as coberturas curvilíneas são apreciadas com maior dinamismo, cuja plasticidade por ser enaltecida de vários pontos de vista. Figura 14: Geometria das alternâncias paramétricas da Biblioteca

Fonte: Autores, 2016

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Figura 15: Geometria da alternância paramétrica do Auditório

Fonte: Autores, 2016

Ao desenvolver sua ideia, o arquiteto investiga diferentes alternativas e possíveis soluções para a definição da forma e para a composição dos edifícios, baseando-se em diferentes princípios compositivos preestabelecidos, que permitem harmonizar diferentes elementos dentro do conjunto arquitetônico. A forma final do edifício é estabelecida sob diferentes elementos, sob o mesmo ponto de vista: a proporção e harmonia entre parte e todo, e a unidade entre os edifícios. Pode-se concluir que o duplo papel da MP, como método generativo e como método analítico de projetos, na atualidade pode contribuir para estudos geométricos, formais e espaciais mais consistentes. Também é importante pensar como conceitos como proporção, ritmo, harmonia e unidade podem contribuir para as “escolhas” que os arquitetos fazem durante a concepção de seus edifícios. Agradecimentos Os autores agradecem o apoio financeiro do CNPq e do Fundo Mackpesquisa e a Fundação do Memorial da América Latina. Referências AISH, Robert; WOODBURRY, Robert. Multi-Level Interaction in Parametric Design. Lecture Notes in Computer Science, v. 3638, p. 151-162, 2005. BOUDON, Philippe. Sur l’espace architectural. Marseille: Éditions Parenthèses, 2003. 156 p. BRETON, Philippe. História da Informática. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991. 260 p. COLQUHOUN, Alan. Modernidade e tradição clássica: ensaios sobre arquitetura. São Paulo: Cosac & Naify, 2012. 253 p. CORONA, Eduardo; LEMOS, Carlos A. C. Dicionário da Arquitetura Brasileira. São Paulo: Companhia das Artes, 1998. 472 p.

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