O Moderno Sistema Mercantilista Britanico 1803-1914

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O Moderno Sistema Mercantilista Britânico de 1803 a 1914: mudanças nos padrões de comércio, indústria e guerra Thomas Victor Conti* 2016 Abstract O objetivo deste artigo é reconsiderar o papel do sistema mercantilista como uma causa determinante para a ascensão do Império Britânico à hegemonia. Eu defino o sistema mercantilista como um conjunto de capacidades sociotécnicas nos setores de transporte e armamentos. Na primeira parte, mostro como a disputa britânica pela hegemonia foi desde seu início baseada nas suas capacidades de organizar e assegurar um sistema internacional de comércio em grande escala. Na parte dois, esse sistema mercantilista, vemos como a construção ferroviária respondia perfeitamente a interesses britânicos industriais e de serviços. Entretanto, sua difusão também foi o ponto de partida para países como os Estados Unidos e a Alemanha organizarem economias nacionais em escalas maiores do que seria possível em um mundo onde o transporte marítimo era a única tecnologia para o transporte eficiente em grande escala. Na parte três, essas novas escalas organizacionais juntam-se às inovações militares do período, que explicam a retomada da colonização do fim do século. Enquanto o sistema mercantilista britânico nunca perdeu seu caráter hegemônico nos mares, o declínio relativo da hegemonia do Império Britânico resulta de uma mudança na natureza dos espaços onde se dava a concorrência economia e a rivalidade política, das economias marítimas para as terrestres. Palavras-chave: Mercantilismo, Império Britânico, Hegemonia Britânica, Ferrovias, Guerra Introdução O interesse acadêmico pelo estudo do mercantilismo cresceu consideravelmente nos últimos anos. As contribuições de Steve Pincus,1 Lars Magnusson,2 Philip Stern e Carl Wennerlind3 recolocaram as polêmicas da definição, temporalidade e validade do conceito de mercantilismo. Os autores concordam que ele não foi uma doutrina coesa. Segundo eles, o que se convencionou entender como “mercantilismo” foi na verdade um conjunto diverso de discursos e práticas que não conseguimos de fato entender sem analisarmos cada caso à luz do seu contexto histórico. Meu argumento segue as principais contribuições do debate historiográfico contemporâneo sobre o mercantilismo, dando grande ênfase ao contexto das ideias e práticas a ele associadas. Na medida em que os autores mercantilistas eram também homens práticos envolvidos com o objeto sobre o qual escreviam, como líderes de negócios ou oficiais de governo, o pensamento desenvolvido por eles era inevitavelmente atrelado às funções que eles exerciam. 4 Logo, quaisquer argumentos quanto à ascensão ou queda das ideias ou práticas mercantilistas devem também lidar com o problema da ascensão ou queda em importância do tipo de atividade e ambiente que em primeiro lugar habilitaram aqueles discursos.

* Mestre e doutorando em Desenvolvimento Econômico na área de História Econômica pelo Instituto de Economia da Unicamp. Email: [email protected]. Site: http://thomasconti.blog.br. Versão em português de artigo apresentado pelo autor na conferência internacional “Britain and the World”, realizada pela British Scholar Society em Londres no King’s College, dia 24 de junho de 2016. 1 Pincus, 2012. 2 Magnusson, 2002; Magnusson, 2012; Magnusson, 2015. 3 Stern e Wennerlind, 2013. 4 Spiegel, 1991, pp. 95-97.

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Argumento que a visão de mundo que se convencionou chamar de “mercantilista” é uma racionalidade econômica imbricada5 em capacidades sociotécnicas6 nos meios de transporte de grande escala e na violência. Ademais, que a probabilidade de discursos e práticas mercantilistas emergirem é tanto maior quanto mais essas capacidades sociotécnicas estiverem tensionadas por um contexto histórico de incerteza fundamental.7 Ao menos do século XVI até 1914 – embora possivelmente para além desse período –, essa incerteza esteve usualmente associada à possibilidade de conflitos armados, mas podia envolver também crises econômicas severas ou em menor grau a desorganização resultante de inovações tecnológicas radicais. O Moderno Sistema Mercantilista Britânico foi a rede de amplitude global na qual unia-se a fronteira tecnológica dos transportes e das armas juntamente com as mais eficazes habilidades organizacionais para controlar informações sobre longas distâncias, estabelecer relações diplomáticas e comerciais, e garantir fluxos de financiamento. Este artigo tem como objetivo mostrar como o que chamo de Moderno Sistema Mercantilista Britânico foi o principal determinante da hegemonia britânica do início do século XIX até a Primeira Guerra Mundial. A exposição dos argumentos no artigo está dividida em três partes. Primeiro, mostro como desde o começo esse sistema provisionou a infraestrutura distributiva para a emergência das primeiras indústrias e manteve uma frota de vasto poder marítimo com eficiência de custo mesmo em tempos de guerra. Na parte dois, o investimento ferroviário aparece como perfeitamente apto a responder interesses mercantes prévios, mas também como um agente que paulatinamente mudava a natureza do espaço econômico onde a concorrência econômica e as rivalidades políticas se localizavam. Na parte três, a industrialização da produção de armas causa uma mudança radical em como a guerra se desenrolava, levando a um período de incerteza fundamental, interesse renovado na colonização formal e interações conflitivas crescentes pelo mundo, uma evidência decisiva que o mundo acessível tornara-se grande demais para o moderno sistema mercantilista britânico. Concluo com breves comentários sobre como os argumentos do artigo podem fornecer ideias úteis para debates correntes e debates historiográficos clássicos. 1. O Moderno Sistema Mercantilista Britânico e a ascensão do Império à hegemonia Até o início do século XIX, na Grã-Bretanha assim como no resto do mundo, a vasta maioria da população se encontrava no campo e os principais problemas econômicos eram justamente a produtividade, o nível de produto e os ganhos derivados da produção agrícola.8 Essa produção geograficamente dispersa e muito dependente da força animal para ser transportada criava um contexto onde o sentido mais fácil das estratégias privadas e estatais de acumulação apontava para o fortalecimento das cidades e do comércio, pois eram eles os pontos nodais onde esse produto acabava se direcionando e acumulando com maior intensidade.9 Devido às limitações tecnológicas e organizacionais do período, era mais fácil o acesso ao comércio internacional

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Dequech, 2003. O conceito de “capacidades sociotécnicas” visa reforçar o entendimento de que “a busca por ordem e previsibilidade necessária para a operação de qualquer ferramenta logo se estende para os sistemas mais amplos, incluindo o social, do qual ela é apenas parte.” Bousquet, 2009, pp. 11-12. Ver também Creveld, 2010, p. 315. Tal como utilizado aqui, não é diferente de dizer que a operação continuada e eficaz de uma dada tecnologia envolve um conjunto maior de instituições sociais do que a simples existência física de um aparato tecnológico. 7 Utilizo o conceito de incerteza fundamental tal como definido por Dequech, 2011. 8 Hobsbawm, 2010a. Prados de la Escosura também levanta esses pontos, porém os utiliza para criticar a importância dada pelos historiadores e economistas à indústria e a economia urbana na Inglaterra da Revolução Industrial. Quantificar o grande o peso relativo da agricultura, contudo, não é o mesmo que quantificar seu dinamismo, ou menos ainda provar que a formação e desenvolvimento das grandes cidades não teriam sido importantes para a acumulação de capitais e as receitas do Estado. Cf. Prados de la Escosura, 2004, pp. 1-12. 9 Tilly, 1992. Para uma visão atualizada do autor focada na geopolítica econômica, ver Krpec e Hodulak, 2015. 6

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entre grandes cidades portuárias ou às colônias do que com boa parte das áreas rurais internas aos países europeus inacessíveis por via fluvial.10 Essas trocas internacionais eram necessariamente dependentes da capacidade de prover mecanismos de ataque e defesa adequados à garantia de segurança para a expansão mercantil e a manutenção dos vínculos previamente estabelecidos.11 O próprio desejo por metais preciosos origina-se de serem os meios de pagamento aceitos pelos exércitos privados e mercenários, que foram a regra até o último quartil do século XIX.12 Dificilmente conseguiam passar ao largo das capacidades do Estado ou de grandes organizações como as Companhias de Comércio para dar ordem e previsibilidade aos fluxos de pessoas e mercadorias.13 Em outras palavras, por trás do sistema mercantilista há uma relação simbiótica entre as capacidades exigidas para a finalidade da acumulação de riquezas e as capacidades exigidas para a manutenção do controle sobre recursos estratégicos para a finalidade de manutenção ou expansão do poder do Estado. Pelo menos desde a revolução financeira14 do final do século XVII, a institucionalização do mecanismo de financiamento pela dívida pública garantiu o provimento de fundos para as empreitadas imperiais – na época, nada muito além do esforço militar 15 – e para ambas as organizações: 16 o Império podia contar com uma vantagem substantiva sobre os países do continente europeu, que seguiam muito mais dependentes do que Kenneth Morgan chamou de lógica tributarista e demográfica de obtenção de receitas fiscais.17 De um lado, isso significou o aumento substantivo da burocracia governamental inglesa, embora ainda muito pequena para os padrões atuais.18 De outro, durante todo o século XVIII e XIX, os períodos de aumento da dívida pública inglesa acompanharam de perto a ocorrência de conflitos militares mais severos.19 Em 1697, o montante dessa dívida era de £16,7 milhões de libras. Em 1815, essa cifra encontrava-se em £744,9 milhões.20 Isto é, ao longo do século XVIII o Estado Inglês foi capaz de aglutinar um volume tão grande de financiamentos ao ponto de multiplicar por 44 vezes o tamanho do seu endividamento, chegando em 1815 com uma dívida pública nominal que era três vezes maior que a renda nacional estimada.21 Nenhuma outra potência europeia contemporânea ou passada havia sido capaz de fazer um movimento semelhante, muito menos sem rachar a confiança dos interesses credores e o apoio das classes subalternas. Na prática, isso significa que as capacidades características do sistema mercantilista, que envolviam a alta finança e as corporações 22

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Hobsbawm, 2010a. Dados sobre o impacto da insegurança nas trocas internacionais podem ser encontrados em North, 1968. 12 Para uma discussão desses elementos desde a crise do feudalismo, ver Wallerstein, 1974, cap. 3. 13 Horlings, 2005, pp. 94-95. 14 Dickson, 1967; Kindleberger, 1985, pp. 75-95,155-168. 15 Sobre a relação entre a guerra e aumento da eficácia das instituições de tributação e geração de receitas fiscais, ver Dincecco, 2012. 16 Rodriguez, 2002, pp. 30. 17 O’Brien, 2002, pp. 254-258. No entanto, discordo das conclusões do autor sobre os custos e benefícios do império ultramarino. Ao colocar a pergunta dos seus benefícios apenas em termos de ganhos econômicos, ele perde o que ao meu ver é a questão fundamental: quanto um império estaria disposto a gastar para conseguir projetar poder pelo mundo inteiro? Que no caso britânico seja até mesmo considerada a possibilidade dessa projeção global de poder ser lucrativa apenas evidencia o imenso acúmulo de capacidades sociotécnicas na área militar e comercial, na forma do sistema mercantilista. 18 Em 1690, o governo central inglês contava com 3.214 oficiais responsáveis por coletar as receitas do governo federal e apenas 147 oficiais ligados a todas as outras funções. Em contrapartida, em 1815 os coletores de impostos subiram para 21.112 e os demais cargos, para 3.486. Ver Hoppit, 2002, pp. 284. 19 Benjamin e Kochin, 1984, pp. 587-612. 20 Morgan, 2002, pp. 175-179. 21 O’Brien, 2002, pp. 253-254; Arrighi, 1996, pp. 164-165. 22 A própria corporação, com seu sofisticado mecanismo de propriedade acionária e divisão entre proprietários e gerentes, tem sua origem nas empresas associadas ao sistema mercantilista. Ver Ekelund e Tollison, 1980. 11

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comerciais britânicas, eram capazes de fornecer ao império o fôlego adicional que necessitava em períodos onde o contexto pressionava suas restrições orçamentárias correntes. Enquanto isso, as Companhias de Comércio articulavam os fluxos de mercadorias e informações com as colônias e outros países, em uma complexa rede de transportes comerciais capaz de dar a volta no mundo. Os direitos exclusivos de uso dos portos eram reforçados (Navigation Acts); assim, como, em menor escala, os pedágios urbanos (turnpike trusts); a construção, compra e direitos de uso de canais e portos fluviais; as tarifas alfandegárias; as leis do corso e o exercício da violência via canhoneiras; etc. Muito do debate sobre as chamadas práticas mercantilistas focou-se na ideia do primado da balança comercial positiva. Mas, do ponto de vista dos mercadores-banqueiros e demais agentes envolvidos nas trocas internacionais, a direção dos fluxos de mercadorias é menos importante do que a existência destes. Fretes, seguros, amortizações e pagamentos de juros podem ser cobrados mais de uma vez em uma mesma viagem, em uma economia que não se limita pelas fronteiras políticas. Partindo da perspectiva exposta aqui, não é nenhuma surpresa que os números sobre as trocas internacionais britânicas durante todo o século XVIII e XIX revelem justamente um déficit comercial crescente, acompanhado de um superávit na conta de serviços crescente e não raro superior ao déficit comercial, como mostra a Figura 1. O período entre 1800 e 1820, de intensificação da guerra com a França e a tentativa de bloqueio continental de Napoleão é justamente a que mostra os maiores superávits na balança comercial e de serviços britânica em 130 anos.23 A economia baseada nas trocas comerciais entre cidades portuárias, abrangendo grandes redes comerciais no atlântico, é que permitiu esse sucesso.24 Figura 1 - Balança Comercial e de Serviços Britânica de 1710 a 1830, em milhões de libras correntes 25

1 : O saldo da balança comercial agrega as exportações líquidas, os gastos de turistas e perdas por roubo ou contrabando, e os ganhos ou perdas com a venda de barcos. 2 : O saldo da balança de serviços agrega os ganhos com fretes, seguros e outras atividades correlatas, os lucros do setor comercial, e os pagamentos líquidos de juros e amortizações.

Os navios mercantes e da Marinha Real corporificavam a junção simbiótica entre a capacidade de transporte de grande escala para fins mercantis e a capacidade para a violência 23

O'Brien, 2011. Cardoso, 2013, pp. 92-94. É reconhecido que Napoleão não dominava essa arte, ver Black, 2008, p. 74. 25 Elaboração própria a partir dos dados do excelente trabalho de Brezis, 1995, p. 49. 24

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das melhores armas e canhões. O chamado rentismo das elites mercantes do período aparece assim como consequência do monopólio de capacidades de violência direta e estrutural 26 que esses grupos detinham,27 e não pela aderência de qualquer doutrina mercantilista aos debates da época. Um exemplo da aplicação dessa simbiose são as redes britânicas de comércio de escravos, que chegavam a transportar 80.000 escravos por ano e resistiram fortemente às tentativas de aboli-las ao longo do século XIX.28 A Companhia das Índias Orientais britânica é um exemplo extremo desse poder acumulado. Seus funcionários e tropas somavam nada menos que 115.400 pessoas em 1782, e cresceria para um efetivo de 150.000 delas em 1805.29 Nessa época, os mercadores, casas mercantes e bancárias eram em si mesmos uma fonte de poder indispensáveis para a guerra e o equilíbrio de poder, papel que continuaria durante o longo século XIX.30 Os elementos que poderíamos chamar de “concorrenciais” ficavam para as unidades comerciais menores, entre as quais incluem-se as fábricas nascentes.31 O próprio Adam Smith reconhecia a diferença entre o princípio do comércio livre e a prática do processo político que tornaram a sua adoção final difícil ou até impossível de se implementar, posição que foi relembrada conforme a conveniência pelos “neo-mercantilistas” do final do século XVIII32 ou do último quartil do século XIX.33 Na verdade, no início do século XIX, mercadores (ou mercadores-banqueiros34) como os Baring e os Rothschild estavam em altíssima posição de influência sobre a condução da política e dos negócios britânicos no exterior, exemplos do prestígio característico dos “capitalistas fidalgos”.35 Entre 1802 e 1803, os Baring tiveram posição central para auxiliar na venda do território francês da Louisiana aos Estados Unidos, na época foi a maior transação econômica que se tem registro e cujo objetivo final seria prover recursos líquidos para o esforço de guerra de Napoleão, contra os próprios britânicos. O fato de que a França necessitou de mercadoresbanqueiros ingleses e holandeses para financiar a transação era revelador da fraqueza relativa do setor financeiro e comercial do país. Outro exemplo é o fracasso de Gabriel-Julien Ouvrard, importante financista francês, na tentativa de transportar o Tesouro de Vera Cruz do México espanhol até a Espanha e a França entre 1805 e 1808. Os Baring, com apoio de parte da classe mercante britânica, foram capazes de usar das suas informações, meios de transporte e relações diplomáticas favoráveis nos Estados Unidos para redirecionarem a maior parte dos recursos do México para o solo inglês em tempos de guerra.36 Durante a guerra, os Rothschild ascenderam como grande casa bancária e mercante em grande medida pelo papel que tiveram em levar recursos e dinheiro para financiar a resistência contra Napoleão na Prússia, Holanda e Rússia.37 O sistema mercantilista britânico geria todas as relações do país com o exterior ao redor do globo, organizando centenas de milhares de funcionários e soldados, com inovadores 26

Galtung, 1969. Nesse arcabouço, o rentismo é entendido de forma distinta da visão de Ekelund e Tollison, 1981, devidamente criticada por Rashid, 2012, pp. 125-142. Para detalhes sobre a base teórica da interpretação exposta aqui, ver Cox et al, 2015. 28 Lloyd, 2012, pp. 24-27. 29 Black, 2008, p. 89. 30 Kennedy, 1987, p. 113; Rosinski, 1947, p. 103. 31 E ainda assim de forma tensa, com tentativas constantes de controle sobre a saída de maquinário e mão de obra especializada. Ver Jeremy, 1977. 32 Crowley, 1990, pp. 357-360. 33 Koot, 2012, pp. 187-220. 34 Como coloca Roberts, 1993, seus nomes mudaram ao longo do tempo, mas suas funções nem tanto. É importante destacar que afora os determinantes econômicos e políticos, a maior aceitação de diferentes etnias foi determinante para que as classes mercantes escolhessem a Inglaterra como país. Ver Chapman, 2002, p. 287. 35 Chapman, 1984; Cain e Hopkins, 1986; Wechsberg, 2014. 36 Marichal, 2007, pp. 154-183. 37 Ferguson, 1999. 27

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entrepostos de manutenção de navios espalhados pelo mundo, milhões de libras em valores e mais de vinte mil embarcações38 que podiam custar 10 vezes mais que uma fábrica de tecidos completa do período.39 Enquanto as capacidades organizacionais necessárias para esse sistema não tinham concorrente no mundo após a derrota francesa na batalha de Trafalgar de 1805, a indústria nascente apenas produzia mercadorias já existentes a preços mais baixos (como tecidos), não impactava de forma significativa a produção de armas e capacidades de combate, e ademais dependia do sistema mercantilista para transportar parte importante dos seus produtos, que eram direcionados para o mercado de exportação.40 Não alteraram senão o espaço da produção. Já as redes comerciais não eram apenas maiores, mais caras e mais capazes de converterem suas capacidades sociotécnicas em projeção de poder geopolítico. Elas eram também mais complexas do ponto de vista organizacional, requerendo contato com diversas culturas, confiança institucional para gerir locais com 6 meses de distância um do outro, manter a esquadra operante e reverter essa estrutura caríssima em novos fluxos monetários, etc. Em outras palavras, o sistema mercantilista era uma organização moderna, e não um mero sistema arcaico de privilégios e monopólios. Ademais, para efeito da competição entre países e a disputa pela hegemonia, a produção industrial britânica movida a vapor não teve um impacto revolucionário. Ela foi um apêndice do sistema mercantilista britânico, fornecendo mercadorias em grande quantidade para que os navios mercantes e de guerra pudessem permanecer o maior tempo possível nos mares a custos muito menores devido à venda desses produtos. Até mesmo a agricultura britânica, que se mercantilizou antes dos demais países, teve um impacto positivo para esse sistema dado que a parte mais difícil e custosa aos estados era manter uma esquadra em operação constante, equipada com bons marinheiros preservando sua saúde e alimentação.41 As vantagens decisivas que garantiriam a tensa vitória da Grã-Bretanha sobre a França vieram justamente das capacidades sociotécnicas do sistema comercial-militar promovidas pela convergência de interesses entre os grandes mercadores britânicos, a Marinha Real com apoio da aristocracia fundiária que exercia forte influência no parlamento. 2. Ferrovias do comércio industrial para um meio de violência Até meados da década de 1820, a história do empreendimento fabril industrial consistia em produzir mercadorias relativamente simples e que já existiam, porém a preços mais baixos, em escala ampliada de produção e de controle da força de trabalho. Emergindo em um sistema de mercado conectado internacionalmente, as primeiras indústrias competiam via preços com modos de organização da produção distintos, ora de baixa produtividade e comando sobre o trabalho como o sistema de putting out das áreas rurais da Europa, ora de produtividade e controle do trabalho mais elevados, como as manufaturas têxteis da Índia.42 Embora a produção industrial nascente tenha sido responsável por trazer grandes somas de riquezas ao espaço britânico (principalmente o urbano, embora desigualmente entre suas cidades), ela não alterou de imediato a predominância rural e dispersa desse espaço. O espaço econômico seguia articulado pelas vias navegáveis com os meios dos mercadores de grandes cidades portuárias britânicas, não raro os mesmos que interligavam a Grã-Bretanha com a Europa continental, as Américas, ou os entrepostos mercantes na Ásia, África e Oceania. Qualquer que fosse o poder econômico da capacidade produtiva britânica, os mercados estrangeiros do qual a manutenção da sua escala dependia estavam além do alcance de qualquer fábrica e fora da esfera de influência da maior parte dos capitalistas industriais, que inclusive 38

Mitchell, 2007, pp. 419-420. Em 1815, 21.861 navios. Nenhum outro país sequer possuía números sobre. “A new 74-gun ship fully outfitted might typically cost almost £50,000 in the 1780s; the largest factory in Britain in the 1790s cost £5,000.” Baugh, 2003, p. 238. 40 Esteban, 1997, pp. 879-906. 41 Ibid, p. 235. 42 Sobre a estagnação e declínio das manufaturas têxteis da Índia, ver Twomey, 1983. 39

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eram pouco representados no parlamento.43 Por fim, as aplicações militares da produção fabril da máquina a vapor eram até então pouco expressivas, não contribuindo diretamente para a defesa ou expansão do espaço político ou econômico britânico pela via armada. Esse padrão começa a mudar no início da década de 1830, pois nenhuma dessas características é válida para o investimento ferroviário. Tanto a locomotiva quanto seus vagões e trilhos e o serviço que prestavam eram novidades para o mundo das mercadorias. Ao aumentar a velocidade dos deslocamentos e estender o alcance das vias de transporte por terra, aceleraram-se as trocas de informação essenciais para a efervescência cultural e a concentração populacional nas cidades, motivo inclusive de conflitos e protestos.44 Em 1837, o arquiteto e jornalista britânico George Goodwin usou o termo “comunicação universal” para falar sobre o impacto benéfico das ferrovias e defende-las publicamente de seus críticos.45 Os movimentos migratórios passaram a ser ainda mais importantes para o sistema interestatal.46 No plano da cultura, a ferrovia alterou até mesmo a relação da sociedade com o tempo.47 Nas práticas gerenciais, o controle preciso dos minutos para a organização ferroviária, o trabalho de seus oficiais para evitar acidentes e a otimização da estrutura dos trilhos impunha novos desafio. O resultado seria uma nova forma de encarar a gestão de um empreendimento, baseada em grandes hierarquias gerenciais e desvinculada da convencional estrutura familiar, e a pressão também por inovações radicais nas comunicações, que viriam com o telégrafo.48 No caso das ferrovias, a articulação entre investimentos privados industriais e o papel ativo do governo na organização, regulação e administração torna-se muito mais próximo do que no caso das fábricas. Assim como no setor de transporte marítimo, as ferrovias exigiam a interação próxima entre diferentes agentes privados e oficiais públicos quando no território nacional,49 e, no último quartil do século XIX, entre Estados Nacionais quando conectando metrópoles, ou metrópoles e colônias, pois a passagem de uma ferrovia colocava em conflito um conjunto vasto de interesses antagônicos.50 Ao ser o primeiro transporte com capacidade para a distribuição em grande escala por terra, o espaço econômico industrial deixa de ser necessariamente articulado com as grandes cidades portuárias e pode expandir-se para fronteiras terrestres até então inacessíveis. Pouco a pouco, as ferrovias romperiam o quase monopólio que o espaço marítimo detinha como meio de projeção de poder econômico e político. Foi no investimento ferroviário que o setor de serviços britânico encontrou uma nova via de expansão para seu prestígio, capacidades financeiras e comerciais. As ferrovias deram o passo decisivo para unir a nova tecnologia do vapor com as capacidades sociotécnicas acumuladas previamente pelo moderno sistema mercantilista britânico. A comunidade de mercadores britânicos, herdeira do prestígio característico do setor de serviços,51 evoluiu aproveitando as oportunidades abertas pelas novas conexões formais e informais do império e os negócios que a produção industrial e os transportes mais eficientes traziam para o setor. 52 Como consequência, a tendência de déficit comercial e superávit na conta de serviços que observamos

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Cain e Hopkins, 1986. A primeira ferrovia a vapor data de 1825 e a primeira ação pública contra práticas monopolistas nos negócios ferroviários é de 1830. Ver Casson, 2002. Para exemplos de críticas às ferrovias, ver Jones, 2006, pp. 87-90. 45 Godwin, 1837, p. 42. 46 Para uma síntese do debate, ver Pooley e Turnbull, 2005. Para uma visão alternativa, ver Long, 2005. 47 Sobre as mudanças na relação entre espaço e tempo, o livro clássico é de Buckley, 1966. Para abordagens contemporâneas, ver Schivelbusch, 2014 e Ogle, 2015. Para ênfase nos Estados Unidos, ver Smith, 1997. 48 A Grã-Bretanha não conseguiu superar o modelo familiar. Ver Chandler, 1990, pp. 51-54. Isso se manteve mesmo quando elas passavam por processos de fusão e aquisição, Ibid, pp. 286-291. 49 As ferrovias representam mais da metade de todos os grandes projetos que necessitaram de aprovação governamental na década de 1860-1869. Ver Casson, 2009, p. 46. 50 Ibid, p. 285. 51 Para uma densa reconsideração da tese dos “capitalistas fidalgos” de Cain e Hopkins, ver Dummet, 2014. 52 Chapman, 1984; Chapman, 2004. 44

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na Grã-Bretanha do século XVIII e início do XIX apenas cresceu em intensidade até a Primeira Guerra Mundial, como podemos ver na Figura 2. O que não era visível de imediato aos contemporâneos era como a ferrovia alteraria a lógica militar. Em 1830 na Inglaterra, ano em que foi inaugurada a Liverpool & Manchester Railway, ela seria utilizada para deslocar tropas e conter um protesto na Irlanda, fazendo em duas horas um percurso que levaria dois dias marchando a pé, com a vantagem das tropas não estarem cansadas ao chegar. 53 Em 1842, uma nova legislação permitia a utilização imediata das ferrovias a tarifas reduzidas quando para fins militares. Em 1848, o término da linha Chester and Holyhead permitia à London and North Western conectar Londres à Irlanda através de entroncamentos com outras linhas, assim tornando possível também formar um lucrativo contrato com o governo, interessado no transporte aprimorado para conter militarmente movimentos políticos naquela região, que passava por uma grave crise social devido à Grande Fome de 1845-1848. 54 Contudo, são usos para a repressão política para fins da crescente imposição do Estado-Nação moderno. O domínio das ferrovias como capacidade sociotécnica fundamental para a guerra entre grandes exércitos só foi percebido por poucos observadores nos anos 1830 e 1840 e sem grande convencimento. Figura 2 - Balança Comercial e de Serviços Britânica de 1830 a 1900, em milhões de libras correntes 55

A Prússia talvez fora um dos primeiros países onde emergiu com maior clareza a consciência acerca da utilização militar das ferrovias, embora as ideias pioneiras de Friedrich Harkort, eminente capitalista industrial e empreendedor ferroviário do vale do Ruhr, não tenham sido aceitas a seu tempo pelos militares prussianos. Em 1832, Harkort profetizava o poder das ferrovias em alterar a lógica da guerra e propunha trajetos de potencial interesse ao Estado prussiano, tanto para se defender “definitivamente” da França quanto para conectar a região do Ruhr à Prússia, então separadas por diversos Estados menores. O impacto conjunto da formação da Zollverein (união aduaneira) entre os Estados germânicos, a rápida expansão ferroviária pelos territórios germânicos e os exemplos de posicionamento estratégico de ferrovias visando a guerra dado pela Bélgica, faria com que ideias similares às de Harkort encontrassem um ambiente intelectual mais receptivo dez anos depois, quando Karl Eduard Pönitz chamaria a 53

Para mais exemplos, ver Wolmar, 2010. Casson, 2009, pp. 136-137. 55 Brezis, 1995, p. 49. Para as notas 1 e 2, ver Figura 1 na página 5 deste artigo. 54

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atenção dos militares com o seu panfleto Ferrovias e as Suas Utilidades do Ponto de Vista das Linhas de Operação Militares. A maior preocupação militar alemã era a possibilidade de enfrentar uma guerra simultânea nas frentes oriental e ocidental, problema para o qual as ferrovias pareciam oferecer uma solução eficaz. Em 1843, o general prussiano Helmuth von Moltke, futuro chefe do Exército Prussiano, afirmava que “todo desenvolvimento de ferrovias é uma vantagem militar; e para a defesa nacional alguns milhões para completar nossas ferrovias é muito mais lucrativamente empregado do que em nossas fortalezas.”56 Tal como no caso do sistema mercantilista britânico, essa conclusão deriva da importância das capacidades sociotécnicas nos meios de transporte em massa e a sua proximidade de utilização como meio de violência e projeção de poder. Como notou Friedrich List em 1841, “a Inglaterra mostrou ao mundo quão poderosamente os meios de transporte controlam o aumento da riqueza, população e poder político.” 57 Como no sistema naval, a conclusão decorre da mesma ferrovia que assegurava e expandia mercados também permitia a circulação de informações, tropas e armas em escala superior à de qualquer outro meio de locomoção. Controlar uma ferrovia era uma vantagem decisiva para qualquer exército ou grupo econômico sobre aqueles que não tivessem acesso ao mesmo padrão tecnológico. No interior das fronteiras de um país, a ferrovia possibilitava integrar diversos mercados internos em um único mercado nacional. Em territórios distantes ela ensejava a possibilidade de aprofundar o controle econômico comercial-militar antes exclusivo das vias navegáveis para dentro do território. Nos espaços de dominação colonial, isso significava aproximar suas economias da chamada dependência econômica estrutural.58 A velocidade, durabilidade, segurança e eficiência de custo trazidas pela ferrovia tornaram possível que a influência britânica mais forte, até então restrita às cidades portuárias e aos espaços próximos dos oceanos e vias navegáveis, pudesse crescer para além dessas fronteiras. O economista e estatístico Robert Baxter tinha razão ao afirmar em 1866 que “em um vasto número de casos as ferrovias fizeram mais que baratear o comércio, elas o tornaram possível” e ainda que elas devem ser reconhecidas como o agente que “nos últimos trinta anos, mudou a face da civilização.”59 Os ganhos do aumento da velocidade das transações e deslocamentos viam por diversos caminhos. Afinal, como colocou o pensador britânico John Ruskin em 1867, “‘Tempo é dinheiro’ (...) Uma coisa da qual a perda e o ganho constitui a perda absoluta, e o ganho perfeito.”60 Uma ilustração das capacidades aumentadas em escala e velocidade trazida pelas ferrovias é o salto das 180 mil toneladas de gusa de ferro produzida pela técnica metalúrgica na Grã-Bretanha de 1800 para as 6,6 milhões de toneladas desse insumo produzidas em 1873, isto é, toda a produção anual do início do século era produzida e transportada a cada dez dias em 1873. 61 Essa seria uma tarefa impossível sob as mesmas capacidades sociotécnicas do início do século. Contudo, foi ao longo desse processo de mudança sistemática, porém paulatina e gradual,62 que o Império Britânico perdia a capacidade sociotécnica essencial que dispunha no início do século imediatamente após a vitória contra a França: o monopólio dos melhores e mais rápidos meios de transporte em massa, que eram simultaneamente as melhores e mais caras armas disponíveis, e todas as habilidades de gestão, organização e diplomacia oficial e privada necessárias para articulá-los em torno de uma estratégia global de expansão e defesa mercantis 56

Gates, 2001, pp. 60-61. List, 1856, p. 122. 58 Galtung, 1971. 59 Baxter, 1866, p. 588. 60 Ruskin, 1867, p. 61. 61 Mitchell, 2007a, pp. 494-496. Mitchell, 2007b, p. 375. 62 Há ainda a questão tecnológica de fundo, como o desenvolvimento da química e da metalurgia cujas inovações e capacidades técnicas seriam melhor aproveitadas por países como a Alemanha e os Estados Unidos. Ver Chandler, 1990. 57

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– o que chamo de Moderno Sistema Mercantilista Britânico. Enquanto a indústria fabril dependeu fortemente das vias navegáveis para assegurar a escala necessária à produção em massa, a dominância da influência britânica foi assegurada com impressionante êxito, assim como a projeção política formal e informal dos interesses de seus agentes que seguiam os caminhos das conexões ultramarinas Enquanto na Grã-Bretanha a ferrovia nasceu fazendo uso das capacidades prévias do sistema mercantilista britânica, na América e na Europa Continental elas foram indispensáveis para o próprio início da industrialização.63 Nos Estados Unidos e na Alemanha, o desenvolvimento industrial foi simultâneo ao das vias de transporte necessárias para a distribuição da produção de grande escala por terra. Ao não contarem com o suporte e os mercados internacionais assegurados por um sistema naval poderoso e amplo – pelo contrário, tendo que “se esquivar” de tal sistema, que era controlado pelos britânicos – parte significativa das conexões necessárias para unificar o território ao espaço econômico nacional tiveram de ser encaminhadas por terra, ou, no caso dos Estados Unidos, ir além na expansão para o Pacífico. Na Alemanha e nos Estados Unidos, a ferrovia era menos o ápice das suas capacidades prévias do que o pressuposto básico de toda uma nova gama de investimentos industriais de grande escala e de um imenso corpo técnico-gerencial fundamentalmente distinto do modelo familiar de tocar os negócios.64 Por volta de 1875, as redes ferroviárias mundiais eram responsáveis por transportar uma carga de mercadorias nove vezes maior que o valor transportado pelas vias navegáveis 65 – um fator de multiplicação incrível para os 40 anos de existência dessa tecnologia e que mostra quão diferente era o espaço econômico mundial de 1875 comparado com o do início do século XIX. A redução do tempo dos trajetos por terra somada ao aumento da capacidade de carregamento não poderia ter outro impacto que não a multiplicação mais que proporcional do comércio internacional nesse período, pois mesmo no caso das trocas internacionais de longa distância os fluxos eram restringidos mais pelas limitadas condições do transporte por terra do que pelas restrições do sistema naval.66 O impacto do barco a vapor foi muito menos abrupto do que a ferrovia: na primeira metade do século XIX a tecnologia do barco à vela havia sido refinada até o ponto do seu apogeu tecnológico, de forma que a aplicação do motor a vapor às embarcações demorou para ser um investimento justificável em termos de rentabilidade e eficiência econômica. Contudo, rapidamente se destacaram como proeminentes investimentos militares devido a capacidade de subir rios sem depender da força e direção dos ventos. Em 1841, o primeiro barco a vapor de guerra britânico, o Nemesis, de propriedade da Companhia das Índias Orientais, destruiu 15 barcos de guerra chineses em um único combate durante a Guerra do Ópio em um emblemático exemplo da diplomacia das canhoneiras.67 O período conhecido como Pax Britânica, em especial o intervalo entre 1846 e 1870, longe de ser um período excepcional de paz internacional,68 foi moldado por uma nova geopolítica de dominância britânica onde a guerra e a ameaça de guerra continuaram a ser utilizadas.69 As mesmas capacidades sociotécnicas que organizaram o sistema mercantilista britânico são as 63

Dobbin, 1997. Chandler, 1990. 65 Mitchell, 2007. 66 O trajeto completo do processo de importação de matérias primas e exportação de mercadorias envolvia quatro viagens por terra e duas pelo mar, sendo: produção da matéria-prima → viagem por terra (1) → porto exportador → viagem por mar (a) → porto importador metropolitano → viagem por terra (2) → indústria processa a matéria prima para o mercado externo → viagem por terra (3) → porto exportador → viagem por mar (b) → porto importador estrangeiro → viagem por terra (4) → consumidores de manufaturados nos países estrangeiros. 67 Hanes e Sanello, 2002. 68 Permanece atual a lista de conflitos, guerras e invasões feita por Gallagher e Robinson, 1966. 69 A tese de Mike Davis sobre o “holocausto britânico”, desconsiderarmos a polêmica sobre a culpabilidade dos administradores coloniais, evidencia o poder que o controle dos meios de distribuição do produto pela via internacional detinha para redirecionar recursos e provocar danos irreversíveis. Ver Davis, 2002. 64

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que, sob um contexto muito particular de segurança de longo prazo e incapacidade de utilizar a dominância nas trocas internacionais como instrumento de barganha, são as que ás vezes tornaram possível recorrer ao livre comércio.70 Onde a incerteza fosse maior ou a necessidade de força ou ameaça de força era necessária para que as trocas fossem efetuadas, essas capacidades permitiam a aplicação das práticas vistas como “mercantilistas” a despeito de quaisquer debates teóricos que ocorriam na metrópole. Enquanto Gladstone criticava a condução de Parlmerston nos assuntos com a China e o debate parlamentar e civil se desenrolava, reforços militares já estavam a caminho da China para a Primeira Guerra do Ópio, com grande pressão dos mercadores que tiveram seu ópio perdido e pelas preocupação com a entrada de prata suficiente para importar o chá chinês.71 Uma vez iniciada a guerra, o importante mandarim Yuan Wei elencaria como vantagens decisivas dos britânicos as melhores armas e melhores meios de comunicar informações,72 que na abordagem exposta aqui eram capacidades sociotécnicas determinantes do sistema mercantilista britânico. Durante a Guerra da Crimeia, o endividamento forçado, envio de subsídios ao exterior e embargos econômicos foram acionados pelos dispositivos britânicos contra o Império Otomano.73 A maior parte desses conflitos foram vencidos com relativa facilidade, sem gerar grandes mobilizações ou alterações significativas nos níveis médios de gastos militares74 e por vezes sendo iniciados e resolvidos por contingentes privados de soldados – fatores que provavelmente explicam parte da dificuldade de enxergar o período como belicoso.75 Ademais, os expedientes militares ocorreram em locais muito distantes das principais metrópoles onde a disseminação da informação na esfera pública seria dificilmente controlada.76 A desvalorização moral dos outros povos tampouco corroborou para que os conflitos chamassem maior atenção.77 Dois vetores principais resultam das mudanças trazidas pelas ferrovias que descrevemos. Em solo britânico, emerge não o primado das elites ligadas ao capitalismo industrial, mas cresce como poder político dominante no parlamento uma elite de financistas e grandes mercadores ligados ao setor de serviços da City Londrina, fundadas no comércio internacional e nas finanças em torno dos papéis de dívida pública estatais e da bolsa de valores, cujos interesses passam a ser ainda mais ativamente defendidos pelo Estado britânico.78 Porém, em países como os Estados Unidos e a Alemanha, novos sistemas de economias nacionais, com surpreende capacidade expansionista e de integração territorial, fariam com que a história do último quartil do século XIX – o período do imperialismo – seria marcada pela reverberação internacional das tensões levantadas pelo novo padrão de articulação entre a indústria, o comércio e a guerra. 3. A industrialização das armas e o declínio relativo do sistema mercantilista britânico A prova decisiva de mudança estrutural na articulação entre comércio, indústria e guerra no século XIX veio com a Guerra Civil Americana e a Guerra Franco-Prussiana, que revelaram a nova predominância do nexo entre capacidades industriais e bélicas.79 As ferrovias passaram a 70

Por exemplo, Harley, 2004, p. 189, mostra como em 1840, 17 dos 721 artigos de taxação eram responsáveis por gerar 94,5% das receitas públicas na Grã-Bretanha, de forma que a retirada dos impostos via abolição das Corn Laws foi mais uma racionalização de uma estrutura tributária defasada e ineficaz do que uma mudança nos pilares econômicos do governo. A revogação dos Navigation Acts também apenas acompanhava uma realidade da época de parte significativa das trocas com os portos britânicos já estavam sendo feitas por navios estrangeiros. 71 Hane, e Sanello, 2002. 72 Yuan, 1888. 73 Anderson, 1964, 1967. 74 Benjamin e Kochin, 1984. 75 Parrott, 2012. 76 Hanes e Sanello, 2002. 77 McClintock, 2013. 78 Cain e Hopkins, 1987. 79 Wolmar, 2010; Wolmar, 2011.

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ser determinantes para o rápido e volumoso deslocamento de tropas de infantaria e suprimentos, decidindo guerras.80 Justus Scheibert, soldado prussiano que acompanhou o exército sulista nos Estados Unidos, relatou a importância do sistema ferroviário, do telégrafo e dos transportes velozes, destacando as dificuldades adicionais de coordenação deles “conforme ocorrem sob a pressão de balas.” 81 No exército do norte, o engenheiro Herman Haupt é reconhecido pelo papel que desempenhou na United States Military Railroads, órgão do governo criado em 1862 parar gerir o sistema ferroviário conforme as necessidades estratégicas da guerra. Ao fazê-lo, praticamente definiu as bases da logística como ciência.82 Mas a incerteza fundamental trazida pelas guerras entre 1861 e 187183 não se resumiu apenas às novas capacidades sociotécnicas de transporte e gerenciamento. Até o final da década de 1850 foi relativamente lento o ritmo das inovações no setor produtor de meios de violência. No meio do século, os novos rifles de repetição,84 projéteis encapsulados produzidos em série e a introdução do modelo de produção fabril – inaugurado com a fábrica Colt nos Estados Unidos em 1855 – superaram diversas limitações físicas das armas de fogo anteriores. Mais fáceis de serem reparadas, com velocidade de recarga acima das habilidades do melhor soldado e menos susceptíveis a danos por chuva, a tecnologia das armas de fogo aumentaram a assimetria de poder entre as sociedades industrializadas e aquelas que não tinham acesso a esse aparato. Como colocou o Alto Comissário britânico na China, James Bruce, em seu diário em 1858: “Vinte e quatro homens determinados com revólveres, e um número suficiente de cartuchos, podem atravessar a China do começo ao fim”.85 Ou ainda como aparece na fala do Capitão Sangue no poema francês O Viagem Moderno de 1898 sobre a colonização da África, “Aconteça o que acontecer, nós temos / A Metralhadora Maxim, e eles não tem.” 86 A luz de tantas inovações, é curioso como o impacto que as transformações do século XIX trouxeram para as relações internacionais começou a ser mais considerado apenas recentemente.87 As fábricas de armamentos e munições, o aperfeiçoamento da tecnologia dos fuzis e as novas metralhadoras também permitiam armar grandes contingentes da população civil e treiná-los num espaço de tempo relativamente curto pela menor necessidade de habilidades manuais, ampliando a escala da mobilização (e a quantidade de mortos). De posse das condições materiais para essa mobilização, fazê-la acontecer ainda dependia de elementos culturais. A religião secular do nacionalismo88 foi a via a que crescentemente os Estados recorreriam para assegurar a capacidade de mobilização e o apoio popular aos esforços militares. Com novos transportes, comunicações, gerenciamento e armamentos, ademais unidos pelo reforçado ideário nacionalista89 que dominaria o último quartil do século XIX, tanto a Guerra 80

A importância delas no caso da Guerra Russo-Japonesa é muito ilustrativa. Ver Patrikeeff e Harry, 2007. Scheibert, 2001, p. 13. 82 Com ênfase na gestão de cadeias de suprimento (supply chain). Ver Wolmar, 2010, Capítulos 2 e 3. 83 Essa periodização deixa de fora a Guerra da Crimeia. Da perspectiva exposta aqui, guerras pelo controle de cidades portuárias em posições chave com o espaço marítimo eram o modus operandi usual das ambições de mercadores e imperadores, estando completamente inseridas nos marcos históricos em que o sistema mercantilista britânico alçou o Império Britânico à grande potência, não sinalizando, portanto, uma ruptura. Sobre a importância da marinha britânica, ver o excelente trabalho de Lambert, 2011. Para uma visão alternativa que enfatiza o papel crescente da guerra em terra e a crescente defasagem da marinha britânica, ver Kennedy e Keating, 1976. 84 Showalter, 1975. 85 Hanes e Sanello, 2002, p. 212. Os autores acrescentam que a afirmação não estava muito fora da realidade. 86 Citado em Hochschild, 1999, p. 75. 87 Buzan e Lawson, 2013. 88 Anderson, 2006; Hobsbawm, 2010b, pp. 137-160; Hosbawm, 2012, pp. 125-158. É importante lembrar que o problema da unificação cultural de cada nação estava colocado também na Guerra Civil Americana. 89 O livro de Wimmer, 2012 traz diversos números mostrando como o nacionalismo cresceu no período e do ponto de vista da história geral pode ser considerado o maior fautor causal para a ocorrência de guerras. Nos Balcãs, como coloca Clark, 2012, cap. 1, o nacionalismo teve um componente altamente explosivo devido à divisão territorial realizada no Congresso de Berlim (1873) No clássico livro de John Hobson, 1902, o nacionalismo é visto como uma característica fundamental da “filosofia imperialista.” Para uma visão alternativa, ver Crook, 1994. 81

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Civil Americana quanto a unificação da Alemanha mobilizaram todas as capacidades sociotécnicas novas trazidas pelo século XIX. Logo após a Guerra Franco-Prussiana, em seu discurso Our Military Expenditure, John Stuart Mill argumentou como agora as guerras eram feitas por “nações em armas” onde “nenhum país pode arcar com um exército de conscritos grande suficiente para esse propósito [de se defender]”, e condenou a abolição das leis do corso da Declaração de Paris de 1856, que segundo ele significou o “abandono de uma das nossas mais efetivas armas defensivas – o poder de atacar um país mediante o seu comércio.”90 Se o desejo europeu pela conquista na arena internacional antecede esse período por vários séculos, muitos dos desejos escritos eram impossíveis de serem realizados na prática. Com a ferrovia, a profissionalização das hierarquias gerenciais e as novas armas de repetição, qualquer ponto no território podia ser imaginado como efetivamente alcançável e, mais importante que isso, também controlável – embora a capacidade de controle sobre esses territórios tenha sido superestimada, o que teria impactos ao longo do século XX. Não bastasse a radicalidade com que essas mudanças estruturais se tornaram claras em 1871, o contexto de incerteza geral seria aprofundado pela crise financeira iniciada na Áustria dois anos depois, iniciando um período que alguns contemporâneos viam como a “Grande Depressão”. 91 Como resposta, diversos países recorreram ao aumento das práticas de protecionismo alfandegário. 92 Na Alemanha de Bismarck, sua ascensão estava muito relacionada com a pressão das corporações comerciais. 93 Em outras palavras, todas as condições materiais que elencamos como necessárias para o fortalecimento do mercantilismo como prática e discurso estavam colocadas, o que podemos constatar inclusive pela maior ocorrência da palavra a partir dos anos 1880.94 Na disputa entre países e os grupos econômicos nacionais associados, é importante destacarmos que o setor de serviços foi também determinante para os Estados Unidos e a Alemanha ultrapassarem a Grã-Bretanha no período anterior à Primeira Guerra.95 Como vimos, parte do setor de serviços tem uma relação muito próxima com capacidades organizacionais, de transporte, informação e financeiras, todas relacionadas com capacidades fundamentais para esforços de guerra. O imperialismo moderno, ou neo-mercantilismo ou novo sistema colonial, emerge assim no último quartil do século XIX não como um movimento sui generis, mas como a face trágica do entrelace caótico dos vetores de mudanças expostos até aqui. Primeiro, laços institucionais antigos ligavam capacidades comerciais e militares, principalmente as navais, para abrir e assegurar novos e distantes mercados. Segundo, a expansão do território alcançável por terra que podia agora ser imaginado como controlável devido ás novas tecnologias, hierarquias gerenciais, logística científica, etc. Terceiro, novos meios de produzir, organizar e utilizar a violência militar com escalas maiores de eficiência provisionadas pela indústria militar, o uso militar das ferrovias e os grandes exércitos de conscritos. Quarto, pressões competitivas de grupos corporativos que recorreriam ao suporte do Estado como via de escapa para minimizar problemas que encontravam nos espaços econômicos nacionais e internacionais. E finalmente mas não menos importante, a tendência a reforçar identidades nacionalistas antagônicas entre si para manifestar as capacidades estruturais dos Estados-Nações integrados. A Partilha da África96 feita pelo Congresso de Berlim em 1883 aparece assim como resultante desse acúmulo de novas capacidades sociotécnicas nas armas e nos transportes, aliada ao contexto de incerteza fundamental derivado da clareza com que a mudança estrutural dessas novas capacidades e o 90

Robson, 1996, pp. 413-414. Saul, 1969; Kindleberger, 2011. 92 O'Rourke, 2000. 93 Böhme, 1967. 94 Google Ngram Viewer, palavra-chave “mercantilismo” de 1800 a 1914. Link: https://goo.gl/1yxY5x. 95 Broadberry, 1998. 96 Ver Mackenzie, 2002. 91

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intenso ideário nacionalista que vieram à tona. Como colocou o soldado americano John McAuley Palmer em 1902: Quando a ferrovia Cabo-Cairo for completada o “Continente Sombrio” não mais existirá enquanto tal, a África será cortada em duas, e a fragmentação restante tomará pouco tempo. Tribos que forem capazes de receber a civilização prosperarão, e as outras irão desaparecer. (...) A vantagem estratégica do selvagem consiste apenas na sua autonomia de comunicações; com comunicações estabelecidas, a vantagem estratégica passa para o soldado civilizado. O homem não permanece num estado selvagem na proximidade de uma ferrovia; eles são compelidos por influências irresistíveis a aceitar a civilização ou recuar. A ferrovia traz o madeireiro, o garimpeiro e o mercador, e estes são seguidos de perto pelo latifundiário [planter]. Quando o soldado terminou o preparo da estrada do comércio, seu trabalho está de todo terminado. O soldado do comércio logo o libera do trabalho de reconhecimento e exploração [exploitation].97

Tendo em vista a evolução do sistema mercantilista britânico que acompanhamos, o capital financeiro 98 descrito por Hilferding não perde sua importância, mas não é uma novidade histórica do último quartil do século XIX – estava presente de forma significativa na revolução financeira do século XVII e seguiu determinante para todo o setor de serviços associados aos transportes, que era monopolista na arena internacional desde as grandes navegações, passando pelo século XVIII e, no último quartil do século XIX, ser dividido em oligopólios navais e oligopólios ferroviários – ambos com capacidades restritas de serem monopolistas a depender do espaço econômico em que estão inseridos, como nos projetos de ferrovias a cruzarem a África ou a ferrovia Berlim-Bagdhad.99 O maior valor das terras na África continuava a seguir os metais preciosos e as posições geopolíticas mais importantes, não muito diferente do padrão anterior ao século XIX que pontuava o controle sobre nódulos portuários para o maior controle possível sobre a acumulação de recursos. 100 A tese de Lenin do imperialismo como “etapa superior”101 do capitalismo também não parece captar essas nuances do período. As empresas industriais mais monopolistas que emergiram no período em sua maioria pouco necessitavam de matérias primas coloniais. A novidade do último quartil do século XVIII também não está nas elites financeiras como afirmou John Hobson102, seguido de perto por Lenin. As novidades são as capacidades sociotécnicas mais avançadas nos transportes e no poderio militar que tornaram possível a expansão acelerada da conquista colonial sobre os territórios antes inacessíveis, capacidades que foram acionadas diante do contexto de incerteza causado pela Guerra Franco-Prussiana, o nacionalismo crescente e a instabilidade econômica pós-1870. O que ocorreu foi uma enorme reconfiguração do espaço econômico mundial. Embora os mares continuassem de suma importância, a capacidade de grande mobilização por terra e os melhores armamentos da infantaria apontavam para um declínio relativo da capacidade de controle indireto de espaços econômico mediante a influência marítima, diminuindo sua capacidade de coibir ameaças externas ou arbitrar nos assuntos diplomáticos. O mundo rural de produção dispersa de riqueza necessariamente dispersa e necessariamente dependente dos nódulos portuários para ser mais eficazmente acumulada deixou de ser a regra. Agora, a produção podia ser feita em espaços mais concentrados, diversas sociedades eram mais urbanas, as novas capacidades organizacionais permitiam gerir grandes fluxos de mercadorias e pessoas também por terra assim como permitiam ao Estado e o exército imaginarem uma possibilidade muito maior de controlar com eficácia territórios antes inacessíveis. 97

Palmer, 1902. Hilferding, 2006. 99 Ver Morris, 1918. A influência dos megaprojetos ferroviários nas estratégias geopolíticas e conflitos diplomáticos do período também aparece em Wolmar, 2010; Wolmar, 2011; Clark, 2012. 100 White, 1891. 101 Lenin, 1999. 102 Hobson, 1902. 98

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Essa nova repartição dos espaços econômicos e políticos mundiais foi feita em uma escala fundamentalmente nova e, ademais, era sentida como potencialmente permanente. Colocava assim a rivalidade entre as potências no palco central das preocupações, pressionando-as para formar alianças também permanentes. Essas alianças foram grandemente determinadas pelas necessidades de reduzir a incerteza e os custosos esforços militares em áreas coloniais distantes,103 como o conflito entre Grã-Bretanha e Rússia sobre o Afeganistão e a possibilidade de ferrovias conectadas ao norte da Índia. 104 A grande complexidade das densas redes diplomáticas, as tensões entre governantes civis e imperadores aristocráticos, a pressão crescente dos Ministros da Guerra sobre a política externa, os meios econômicos ocultos de obter aliados, todos somaram para tornar o equacionamento da paz uma atividade cada vez menos previsível e cada vez mais difícil de ser mantida. Às vésperas da Primeira Guerra, mesmo com a supremacia naval britânica ainda muito bem assegurada, 105 a capacidade do Império Britânico de exercer sua hegemonia, administrar conflitos militares e intervir no equilíbrio de poder europeu106 sempre se baseou na manutenção de uma assimetria de poder nos mares. O império que na primeira metade do século XIX podia influenciar de forma inconteste a maior parte dos espaços importantes do globo via-se no início do século XIX em posição defensiva, onde seu acúmulo de territórios transformou-se em acúmulo de incertezas fundamentais e imprevisibilidade diplomática para os quais suas capacidades sociotécnicas eram incapazes de fornecer meios adequados de ação. Conclusão A ênfase no mercantilismo apenas como esquema teórico ou discurso deixa escapar pressupostos importantes sobre os agentes, formas de organização, meios tecnológicos e o contexto histórico necessários para que emerjam as defesas convencionalmente associadas como “mercantilistas”. Ao enfatizar as capacidades sociotécnicas subjacentes ao sistema mercantilista envolvia, fica clara a importância central que ele carregou para o desenvolvimento econômico britânico durante o século XVIII, gestou a indústria nascente, foi determinante para a vitória contra a França e a ascensão hegemônica britânica, adaptou-se ao nascimento das ferrovias e se expandiu também por terra conforme os novos vínculos criados por ela. Contudo, essas mesmas capacidades que o expandiram também tornaram possível que o alcance do espaço econômico de outros países também crescesse, por vias que o sistema 103

Clark, 2012. Wolmar, 2010. 105 Os britânicos foram os primeiros a construir o primeiro encouraçado (dreadnought) em 1903 e continuavam a manter a maior frota desses navios, que eram feitos de aço, sem mastros e totalmente dedicados ao combate naval, inovação que se tornaria o grande objeto de desejo e cobiça das demais potências. A Alemanha nunca conseguiu sequer se aproximar dos seus objetivos de ter um barco de guerra para cada 1,5 barcos britânicos. No entanto, o alarme na imprensa britânica era real, motivado pela preocupação de manter uma marinha forte diante não apenas da Alemanha, mas também da França, da Rússia e dos Estados Unidos, e de pressões da Marinha Real por aumentar os recursos destinados à construção naval – a característica peculiar dos militares em instigar a paranoia na esfera pública. Também nos navios menos de ponta e especializados na guerra, a diferença foi marcante durante todo o século XIX. Em 1850, os Estados Germânicos tinham pouco mais de 3.600 navios, enquanto o Reino Unido tinha mais de 25 mil, sendo 1.187 a vapor (a Alemanha tinha 22 destes). Nenhum país conseguiu alcançar os britânicos na construção naval, embora em 1866 a frota tenha atingido seu tamanho máximo de quase 30 mil embarcações, e daí em diante tenha se reduzido sistematicamente, pois o setor passava por um processo de modernização onde a frota de navios a vela era substituída por navios a vapor, aumentando a quantidade de toneladas transportadas pelo sistema mesmo com o número declinante de embarcações. Em 1913, a Alemanha detinha pouco menos de 5.000 mil navios, metade deles a vapor, enquanto o Reino Unido detinha por volta de 21 mil, sendo 60% deles navios a vapor. Estatística do compêndio de Mitchell, 2007. 106 Sobre a complexidade caótica das estruturas decisórias dos impérios antes da Primeira Guerra e a relação destas com a formação das alianças e o embate colonial, ver o magistral trabalho de Clark, 2012. Durante a Primeira Guerra, a importância das ferrovias seria também decisiva. Ver Bishop e Davies, 1972. 104

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mercantilista britânico não necessariamente tinha acesso privilegiado. A disseminação de tecnologias bélicas mais eficientes também causou uma diminuição do poder relativo do quasemonopólio naval britânico que unia as fronteiras tecnológicas militares e dos transportes. Como resultado, o espaço global susceptível ao embate geopolítico entre as potências cresceu mais que proporcionalmente ao crescimento do sistema mercantilista britânico. As tentativas de manter o controle sobre esse novo mundo alcançável – usualmente interpretadas como “imperialistas” ou “neo-mercantilistas” – são vistas como ação de um sistema de controle anterior que agora detinha mecanismos mais fortes para exercer sua vontade: as ferrovias e as metralhadoras, entendidas como inovadoras capacidades sociotécnicas na medida em que pressupunham uma complexa organização social com hierarquias gerenciais bem organizadas para que fossem utilizadas com eficácia. O caos do período pré-Primeira Guerra Mundial aparece assim como resultante desses vetores mais concretos. O declínio da hegemonia britânica não resulta de uma falha em acompanhar a produtividade industrial dos Estados Unidos e da Alemanha, mas como a impossibilidade de manter um quase-monopólio tecnológico e organizacional nos transportes e nas armas em ritmo igual ou superior à difusão tecnológica destas. A perspectiva aqui exposta pode ser interessante para instigar novas hipóteses de trabalho sobre a importância das transformações do século XIX para a história econômica geral, do efeito do setor de serviços, transportes e armas, e quem sabe fornecer um novo olhar para pensarmos o século XX e XXI. Bibliografia Anderson, Benedict. Imagined communities: Reflections on the origin and spread of nationalism. Verso Books, 2006. Anderson, Olive. II. Great Britain and the Beginnings of the Ottoman Public Debt, 1854–55. The Historical Journal, v. 7, n. 01, p. 47-63, 1964. Anderson, Olive. A liberal state at war: English politics and economics during the Crimean War. Macmillan, 1967. Arrighi, Giovanni. The long twentieth century: Money, power, and the origins of our times. Verso, 1994. Baugh, Daniel A. Naval Power: what gave the British navy superiority?. In: Prados de la Escosura, Leandro. (org) Exceptionalism and Industrialization: Britain and its European Rivals, 1688-1815. New York: Cambridge University Press, 2004. Baxter, R. Dudley. Railway extension and its results. Journal of the Statistical Society of London, 1866: 549-595. Benjamin, Daniel K.; Kochin, Levis A. War, prices, and interest rates: A martial solution to Gibson's paradox. In: A retrospective on the classical gold standard, 1821-1931. University of Chicago Press, 1984. pp. 587-612. Bishop, Denis; Davies, William James Keith. Railways and war before 1918. London: Blandford Press, 1972. Black, Jeremy. Great Powers and the Quest for Hegemony. New York: Routledge, 2008. Böhme, Helmut. IV. Big-Business Pressure Groups and Bismarck's Turn to Protectionism, 1873–79. The Historical Journal, v. 10, n. 02, p. 218-236, 1967. Bousquet, Antoine. The scientific way of warfare: Order and chaos on the battlefields of modernity. Columbia University Press, 2009. Brezis, Elise S. Foreign capital flows in the century of Britain’s industrial revolution: new estimates, controlled conjectures. The Economic History Review 48.1, 1995, 46-67. Broadberry, Stephen N. How Did the United States and Germany Overtake Britian? A Sectoral Analysis of Comparative Productivity Levels, 1870–1990. The Journal of Economic History 58, no. 02 (1998): 375-407. 16

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