O Nascimento do Homem e do Meme. Rev. Kalagatos, Fortaleza, V.11, N.21, P. 269-288, Inverno 2014

Share Embed


Descrição do Produto

O ASCIMENTO

DO

HOMEM E

DO

USTAVO

MEME * LEAL TOLEDO

RESUMO A chamada teoria da co-evolução gene/cultura poderia facilmente ter uma interpretação memética e com isso indicar um fundamento empírico para as tradicionais análises meméticas, como as de Daniel Dennett e Susan Blackmore, que sugerem que o cérebro humano seja largamente a criação dos memes. O presente trabalho visa analisar uma possível relação entre aumento da capacidade craniana e o desenvolvimento do sistema espelho, tendo em vista indicar que a evolução do homem pode ter se originado pela necessidade de desenvolver nossa habilidade de imitar, característica esta que é essencial para a evolução memética. PALAVRAS-CHAVE Memética. Teoria da co-evolução. Neurônios-espelho. Filosofia da Biologia. H  . * Agradeço o apoio do CNPQ e demais entidades através do projeto aprovado pelo edital MCTI /CNPq /MEC/CAPES 43\2013. * * Formado em Filosofia pela UERJ e tem mestrado e doutorado, também em Filosofia, pela PUC-Rio. Atua nas áreas de Filosofia da Mente e Filosofia da Biologia. É professor da UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI - UFSJ.

269

Kalagatos - REVISTA DE FILOSOFIA. FORTALEZA, CE, V. 11 N. 21, INVERNO 2014

Recebido em mai. 2014 Aprovado em ago. 2014

KEYWORDS Memetics. Co-evolution Theory. Mirror Neuron. Philosophy of Biology. Homo Sapiens.

MEME. P.

T











269-288.

USTAVO

LEAL. O NASCIMENTO

DO

HOMEM

E DO

ABSTRACT The so-called gene/culture co-evolution theory could easily have a memetic interpretation and thus indicate an empirical ground for traditional memetic analysis, such as the analysis of Daniel Dennett and Susan Blackmore, suggesting that the human brain is largely the creation of memes. This paper aims to examine a possible relationship between increased cranial capacity and the development of the mirror system in order to indicate that human evolution may have originated by the need to develop our ability to imitate, a characteristic that is essential for memetic evolution .

270

1 LEAL-TOLEDO, 2009. 271

Kalagatos - REVISTA DE FILOSOFIA. FORTALEZA, CE, V. 11 N. 21, INVERNO 2014

presente trabalho visa apresentar algumas correlações entre a evolução do homem e da cultura, tal estudo nos indica que a capacidade de transmissão cultural pode ter tido um papel fundamental nesta evolução. Com isso estamos nos baseando na análise Dennettiana, também feita pro Susan Blackmore, de que é possível que o cérebro tenha se desenvolvido cada vez mais justamente para dar conta de imitar comportamentos mais complexos que dão origem a instrumentos muito mais eficientes. Ou seja, a evolução da cultura teria ocasionado a pressão seletiva para o aumento do cérebro o que fez com que nos tornássemos o que somos hoje. É por isso que Dennett diz “que as mentes humanas são, em grau notável, as criações de memes” (DENNETT 1991, p. 207) e defende que “ser” humano é uma criação dos memes. Em um processo semelhante à construção de nicho, os memes podem ter construído o cérebro para si, se beneficiando do valor biologicamente adaptativo que a cultura pode ter. Embora seja um tema controverso, o presente artigo não pretende ser uma introdução à teoria memética ou uma defesa desta em relação aos seus críticos. Tal empreendimento implicaria em um desvio de centenas de páginas apenas para isso e já foi feito em outro lugar 1. Infelizmente sempre que se escreve sobre memética somos obrigados o ouvir em retorno uma série de argumentos e críticas já tradicionais que os leitores consideram que devem ser respondidos antes de qualquer argumento. Algumas destas críticas de fato são pertinentes e graves, no entanto, isso faz com que

MEME. E DO

HOMEM DO

LEAL. O NASCIMENTO USTAVO

269-288. P.













todos os artigos sobre este tema tenham sempre que dar um passo atrás para responder as mesmas críticas e não possa se desenvolver em outras direções, sobre outros assuntos. Mas no que diz respeito ao tema tratado aqui, basta entender, por hora, que a Memética pretende ser uma ciência baseada em modelos matemáticos da Genética das Populações e da Epidemiologia com o intuito de estudar os memes, conceito criado por Richard Dawkins no último capítulo do seu livro “O Gene Egoísta”, em 1976. Estes seriam unidades de cultura 2 transmitidas de pessoa a pessoa através da imitação ou de outras formas de aprendizagem cultural. Deste modo, a transmissão dos memes seria semelhante o suficiente à transmissão de genes para utilizar os mesmos modelos. Basicamente o que se procura é fundamentar o estudo da cultura dentro do Pensamento Populacional já utilizado pela Biologia. Chamar a Memética de uma ciência é ainda, no momento, um exagero. Ela é apenas um panorama de pesquisa que pode se desenvolver ou não. Parte do seu não desenvolvimento se dá justamente pelo fato dela ter que sempre responder um conjunto de questões conceituais antes que possa apresentar qualquer coisa 2 O problema da “unidade de cultura” é um dos referidos problemas importantes que não serão tratados aqui, pois foram tratados em outro lugar. No que diz respeito ao que será tratado aqui basta entender que só é necessário que os memes tenham “unidade” no sentido de que podemos classificar um grupo de memes como sendo “do mesmo meme”, ou seja, como tendo um conjunto relevante de características semelhantes para classificá-los em um grupo. Para os mais críticos que acreditam ser necessário à Memética tanta clareza em relação a sua unidade quanto a que existe na Genética, ver Nota 3.

272

3 Não só a biologia evolutiva teve que ficar quase 100 anos sem saber qual era exatamente a instanciação física de um gene, como com o surgimento da genética molecular a própria noção de gene está se esvaecendo (EL-HANI, 2007).

273

Kalagatos - REVISTA DE FILOSOFIA. FORTALEZA, CE, V. 11 N. 21, INVERNO 2014

pp !"# $% &'  (!) * +!',-!. p! exemplo, também teve, mas em muito menor escala, e que assim pôde se desenvolver livremente antes de responder todas as questões epistemológicas levantadas. Cabe lembrar que Darwin publica “A Origem das Espécies” em 1859, mas só em 1953, quase 100 anos depois, que Watson e Crick desvendam o modelo da dupla-hélice de DNA, que dá a instanciação física do gene, e que até aproximadamente 1920 sequer havia clareza sobre as relações entre a evolução darwinista e a genética mendeliana (cf. STERELNY & GRIFFITHS 1999, p. 31). Se só pudéssemos discutir evolução das espécies depois de apresentar a instanciação física da unidade de hereditariedade nunca teríamos tido a Teoria da Evolução, pois foi esta própria teoria que incentivou a busca por esta unidade 3. Deste modo, o presente artigo estará fundamentado na concepção, defendida em outro lugar, de que para uma nova ciência se desenvolver é preciso que ela tenha espaço epistemológico de manobra para trabalhar sem ter que responder inicialmente toda e qualquer questão que lhe é colocada. Nas palavras sucintas de David Hull “A memética deveria ser avaliada apenas quando um número razoável de pessoas começasse a desenvolvêla” (HULL 2000, p. 50. Minha tradução). Tendo isso em vista, pretende-se explorar a possibilidade de que a relação entre evolução do homem e surgimento da

MEME. LEAL. O NASCIMENTO

DO

HOMEM

E DO

cultura seja mais do que uma evolução simultânea entre cultura e a biologia, pois teríamos a cultura, e principalmente a linguagem, não só como caractere fundamental do ser humano, mas mais importante ainda: a necessidade de cultura e da linguagem pode ter criado a pressão evolutiva que impulsionou o desenvolvimento do cérebro humano e o transformou no que é hoje: uma criação dos memes.

P.

/

0

4

65

0

87

269-288.

USTAVO

I Infelizmente estudos paleontológicos e antropológicos não podem ainda resolver definitivamente esta questão, só podem nos dar indícios de que houve uma forte evolução cultural e o surgimento da linguagem ao mesmo tempo em que ocorria um rápido crescimento da capacidade craniana. É possível conjecturar que parte deste aumento provavelmente se deve ao crescimento do sistema espelho, responsável por nossa habilidade de imitar podendo, assim, estar diretamente ligado á transmissão de memes, pois é na imitação, em oposição a outras formas de aprendizagem, que o meme parece ser mais claramente transmitido 4. Deste modo, serão apresentadas dentro da literatura atual algumas recentes indicações empíricas não só sobre a relação entre surtos culturais e aumento da capacidade craniana, mas também sobre o surgimento do sistema espelho. Se isto estiver correto, implicará que o aumento da capacidade craniana, que 9 Tal fato levou Blackmore e ver a imitação como única forma de transmissão memética. Algo que é bastante discutível, mas não será discutido aqui (BLACKMORE 1999, p. 50).

274

G Cabe notar que Richerson e Boyd são críticos da Memética, mas suas criticas não serão tratadas aqui.

275

Kalagatos - REVISTA DE FILOSOFIA. FORTALEZA, CE, V. 11 N. 21, INVERNO 2014

e: ;e ?@A BCA>C?DEe B@A @E>=@A
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.