O novo e o velho desenvolvimentismo: democracia e desenvolvimento no Brasil Contemporâneo.

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Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Centro de Educação e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Ciência Política







Trabalho de conclusão da disciplina Democracia e Desenvolvimento





Profª. Vera Cêpeda
Aluno: Cesar Branco Borges



São Carlos, Fevereiro
2012
Apresentação:

O presente trabalho procura refletir sobre a questão da democracia no Brasil e sua relação com os modelos de desenvolvimento adotados nos últimos tempos.

Introdução
Desde os anos 30 é notória a centralidade do Poder executivo na engenharia institucional brasileira. Já no início do século XX era muito forte a concepção de que um governo liberal e democrático no Brasil não faria sentido dadas as características sociais e culturais da população, que era avessa aos valores do igualitarismo e da cidadania. A crise de 1929 e a profunda depressão a se estender ao longo da década de 1930 marcaram um ponto de inflexão importante no tocante à relação Estado/economia. A partir de então, a ideologia do laissez-faire perde influência em todo o mundo e no Brasil se estabelece um modelo de desenvolvimento econômico centrado no eixo urbano-industrial e marcado por forte intervencionismo estatal. Neste período, se desenvolveu todo um conjunto novo de instituições e aparatos jurídicos para intervir na economia e uma estrutura corporativa de agregação de interesses e estratificação social diretamente tutelada pelo executivo nacional. Esse modelo permaneceu vigente em sua estrutura fundamental dos anos 30 até a promulgação da constituição de 1988 quando há uma reorganização da natureza do Estado.
No período que se inicia na segunda metade dos anos 1970 haveria surgido no seio da sociedade brasileira um potencial associativo antes inexistente que passaria a tencionar o debate político em favor da democracia. Com o esgotamento do modelo desenvolvimentista pautado pelo mecanismo de substituição de importações e o avanço da ideologia neoliberal no mundo, o Estado brasileiro, já em regime democrático, passa por transformações estruturais em um período que ficou conhecido como desmonte da era Vargas (Diniz, 2006). Entretanto, no início do século XXI, a cartilha neoliberal já dava sinais de completa ineficácia frente ao aumento da pobreza e das desigualdades sociais nos países em desenvolvimento que foram obrigados pelas instituições internacionais de crédito a segui-la. Em 2002, a entrada no governo federal do Partido dos Trabalhadores devolve ao Estado papel central na organização da sociedade inaugurando um novo período desenvolvimentista que tem suas raízes no antigo, mas se diferencia por seu forte componente social e democrático.

O pensamento autoritário e o desenvolvimentismo.

A defesa da modernização da sociedade pela via do Estado ganha força entre nós com as influentes idéias de Oliveira Vianna. Este autor desde os anos 20 já vinha apontando para características da sociedade brasileira que faziam necessária a intervenção maciça do Estado para a construção de uma sociedade moderna. Em termos weberianos, pode se dizer que tratava da passagem da dominação tradicional e do patrimonialismo, para a dominação racional-legal e a burocracia. Conceitos como "anarquia branca", "clã rural" ou "idealismo da constituição" foram concebidos por Oliveira Vianna para caracterizar uma sociedade onde o Estado agia de acordo com os interesses das oligarquias detentoras do poder. Com uma população ainda predominantemente rural e pobre, os grandes proprietários não tinham muitas dificuldades em angariar os votos nos municípios interioranos, em que eles ou algum aliado controlavam o poder político, social e econômico. Muitos trabalhadores pobres eram obrigados a votar nos coronéis de sua localidade e outros trocavam seus votos por favores dos poderosos ou promessas de melhores condições de vida.
A "anarquia branca" significava para Vianna a ausência ou a completa cooptação do Estado pelos senhores de terras que por meio do controle das eleições ou pela simples ausência do estado de direito, exerciam poderes ilimitados em suas localidades.
O "clã rural" era sinônimo da parca existência de laços de solidariedade entre os grupos de indivíduos dentro do país, já que os domínios rurais eram quase auto-suficientes e sua produção era majoritariamente destinada à exportação. A ausência de classes organizadas, de um mercado interno e o peso da dominação tradicional, ofuscavam o papel de um estado garantidor de direitos e acabavam por anular a separação entre público e privado. Assim, na interpretação de Alexander Englander os elos de solidariedade que são dispostos pela estrutura social são criados compulsoriamente pela patronagem política, formando a solidariedade de clã fazendeiro, que depois da solidariedade parental é "a única forma militante da solidariedade social em nosso povo" (Vianna, Oliveira, 1987, p.145).
Em seu trabalho publicado em 1927 intitulado "O Idealismo da Constituição" o autor denunciava o que considerava a utopia do pensamento liberal da época, ou seja, o governo representativo e a ordem liberal democrática, sob a qual prevaleciam nas localidades o particularismo das oligarquias sacrificando assim o projeto de construção do estado nacional, de uma estrutura de classes e de uma cultura impessoal de direitos. O reconhecimento do atraso e a impossibilidade de resolução dos problemas nacionais pela via liberal demonstrada pelo fracasso da política do café com leite eram para o autor razões para defender a instauração de um estado centralizado e racional para combater a tirania e o privatismo das oligarquias locais e guiar país rumo a modernização.
De acordo com André Botelho, Oliveira Vianna pode ser considerado um precursor do pensamento social brasileiro. A qualidade teórica de seus trabalhos permite que alguns intelectuais contemporâneos considerem seu livro "Populações Meridionais do Brasil" o marco de uma tradição de interpretação sociológica, que teve continuidade na sociologia política, com Victor Nunes Leal, Maria Isaura Pereira de Queiroz e Maria Sylvia de Carvalho Franco (Botelho, 2007)
A influência dos trabalhos de Oliveira Vianna fora notória nos campos social e político de sua época. Seus argumentos culminavam na idéia de que uma democracia no Brasil era impossível porque aqui não havia um povo portador de direitos, nesse sentido a cidadania deveria ser construída de cima para baixo pela mão do Estado. Assim, como afirma Englander:
"a razão da centralização do Estado era desenvolver as solidariedades nacional e de classe: o Estado corporativista deveria funcionar como uma instituição pedagógica e disciplinar, que ensinasse tanto à massa popular quanto às elites intelectuais a priorizar a moderna solidariedade nacional em detrimento da tradicional solidariedade do "espírito de clã" " (p.14; 2009)

Em 1930 uma revolução toma lugar no Brasil afastando parte das antigas oligarquias do poder e instaurando um estado centralizado sob o comando de Getúlio Vargas com forte componente intervencionista. Com a crise da economia internacional deflagrada em 1929 e o declínio do liberalismo econômico enquanto ideologia dominante, as teses produzidas por Oliveira Vianna e o ambiente político pós 1930 abriram caminho para a defesa do intervencionismo estatal também no campo da economia.
Nos anos 30 as idéias de Keynes já eram difundidas em diversos países e não tardaram a chegar ao Brasil. O ideário keynesiano pregava a inexistência da mão invisível do mercado e o forte intervencionismo do estado na economia para, com o investimento estatal garantir, infra-estrutura, emprego e consumo ás populações. Segundo Vera Cepêda (2010), em 1934 a tese de Roberto Simonsen sobre a necessidade de o Estado participar de maneira mais ativa na promoção do desenvolvimento econômico já aparece na Assembléia Constituinte. Simonsen apontou que o problema do país era fruto da pobreza material e da nossa incapacidade produtiva, não apenas das instituições ou das características culturais. Para Cepêda, a primeira versão do pensamento nacional-desenvolvimentista é de Roberto Simonsen ao propor que a indústria, e não o café deveria ser o carro chefe da economia nacional.
Após a crise de 1929, a política de substituição de importações foi implementada no Brasil com o objetivo de desenvolver o setor manufatureiro e resolver os problemas de dependência de capitais externos. Desde os anos 30, o Estado brasileiro age como mecanismo de proteção das várias atividades econômicas existentes no país, frente às incertezas dos mercados internacional e nacional, atuando também como promotor da ampliação e diferenciação do aparelho produtivo nacional (Sallum e Kugelmas, 1991).
Como apontam Brasilio Sallum Jr. e Eduardo Kugelmas (1991) o Estado nacional procedeu a uma acomodação entre as oligarquias tradicionais e os setores urbanos e industriais em expansão. O Estado passa a articular diretamente no interior do Executivo os interesses econômicos das classes produtivas. Assim, os interesses ligados ao principal setor de exportação, o cafeeiro, e também os demais ramos da agricultura tradicional como os do açúcar, do cacau, do mate e outros passaram a ter uma presença pública nas autarquias e institutos como o Departamento Nacional do Café, o Instituto do Açúcar e do Álcool, a Comissão Econômica da Lavoura Cacaueira, o Instituto Nacional do Mate, etc. Além disso, trabalhadores e empresários passaram a vincular-se ao Estado por meio de uma rede de organizações formada pelos sindicatos oficiais, federações e confederações de categoria profissional ou de setor empresarial, e através da Justiça do Trabalho.
Ao mesmo tempo em que se suprimiam as liberdades políticas com a revolução de 1930, já na Constituição de 1934, observamos o avanço de uma série de direitos sociais assim como; a jornada de trabalho de oito horas diárias, as férias remuneradas, a licença para gestantes e a proibição do trabalho para menores de 14 anos. Estas vitórias eram concedidas pelo governo em troca da autonomia organizacional e ideológica dos trabalhadores que eram subordinados a uma forte disciplina corporativa ligada ao Estado.
No campo social e político vemos que o diagnóstico anti-liberal de Oliveira Vianna dá a tônica da organização do novo aparato burocrático do Estado Brasileiro que se constrói sob a égide do corporativismo altamente disciplinado, onde o Poder Executivo organiza as classes de maneira a mitigar os potenciais conflitos. No campo econômico, em conformidade com o clima teórico proporcionado pelo ideário keynesiano, a estratégia estatal aposta na industrialização e na proteção do mercado interno como forma de superação do atraso e desenvolvimento do capitalismo nacional.
Assim, vemos que no período que se segue à revolução de 1930 até 1988 predomina um modelo que sobrepõe o avanço econômico e a formação de um estado nacional ao desenvolvimento da democracia. Apesar de havermos passado por um curto período democrático entre 1946 até 1964 esta estrutura não se modificou. Para Sallum e Kugelmas (1991) houve uma forte continuidade do estilo de atuação do Estado Desenvolvimentista, através de distintos regimes, o Estado Novo, a Constituição de 1946 e o autoritarismo inaugurado em 1964. Um exemplo deste parentesco pode ser verificado entre a implantação da siderurgia pesada em Volta Redonda durante o Estado Novo, a execução do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e a do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) de Ernesto Geisel (1974-1979).
Nos anos 1970 a economia brasileira, que passara anos antes pelo milagre econômico (1968 – 1973), dava sinais de enfraquecimento. As sucessivas crises do petróleo, as altas taxas de inflação e endividamento do Estado brasileiro que limitavam seu potencial para fazer investimentos; aliados ás crescentes taxas de pobreza e desigualdade social, eram as causas de movimentações na sociedade que havia se complexificado nos anos precedentes e começara a reclamar maior participação nas questões políticas.
Desse modo, o estado desenvolvimentista e autoritário construído no Brasil ao longo do século XX passa a ser abalado ao final da década de setenta de duas formas. De um lado por mostrar crescente incapacidade de absorver em suas estruturas os processos de agregação e representação de interesses econômico-sociais emergentes, pois, mantivera a estrutura corporativa intocada desde o início dos anos 1930. E de outro, por ter perdido progressivamente sua capacidade de impulsionar o processo de desenvolvimento capitalista nacional ( Sallum e Kugelmas, 1991).
Redemocratização, Neoliberalismo e Novo Desenvolvimentismo.
Segundo Leonardo Avritzer a partir dos anos 1970 começou a ocorrer no Brasil o surgimento de uma sociedade civil autônoma e democrática. Para este autor tal fato se deveu as seguintes razões: um crescimento significativo das associações civis em especial das associações comunitárias, uma reavaliação da idéia de direitos, pois, é com o início do processo de democratização que o discurso dos direitos humanos e da cidadania adquire centralidade na organização da sociedade civil brasileira; a defesa da autonomia organizacional frente ao controle do Estado e a defesa de formas públicas de apresentação de demandas e negociação com o Estado.
No decorrer da década de 1980, a despeito da tradição acostumada a apensar o clientelismo como única forma de relação na política nacional, alguns autores começam a levantar dados sobre o associativismo nas grandes cidades brasileiras. Renato Boschi, em seu trabalho "A Arte da Associação" (1987), demonstrou que o numero de associações civis que surgiram durante os anos de 1979 e 1980 no Rio de Janeiro, foi superior ao número de associações formadas durante o período democrático anterior (1946-1964). Contribuições como esta serviam para constatar a mudança da realidade brasileira no que se refere ao seu potencial associativo e ao mesmo tempo para combater no campo das idéias uma linha de raciocínio que encontra raízes no pensamento de Oliveira Vianna. As razões apontadas por Avritzer para explicar o surgimento da sociedade civil no Brasil se chocam diretamente com os postulados de Oliveira Vianna sobre a "solidariedade de clã" predominante em nossa cultura, ou seja, as formas verticais e particularistas de manifestação política que impediriam o surgimento de uma sociedade civil autônoma.
Ao defender o surgimento da sociedade civil, autores como Avritzer e Boschi não pretendem negar a validade de teorias como as de Oliveira Vianna e outras que se fundam nesta tradição, como o rigoroso estudo de Vitor Nunes Leal "Coronelismo Enxada e Voto" (1975). Eles passaram a apontar desde o fim da década de 1980 que o país havia mudado, e apesar de permanecerem traços clientelistas, um novo potencial associativo teria surgido no seio da sociedade, fato que acabaria por trazer a democracia para o centro do debate político.
Em meio a um conturbado período de negociações e ampla participação da sociedade civil, a constituição de 1988, implantou um modelo de democracia com ampla liberdade de organização, de expressão e de oposição, expandiu os direitos políticos de cidadania, universalizou o direito de voto e introduziu um alto grau de liberdade de criação e de funcionamento dos partidos políticos. Como afirma Eli Diniz (2006), três pontos principais constituem o processo de formação de uma democracia sustentada que segundo ela se encerrou no Brasil com a vitória de Lula para a presidência em 2002. São eles: a ruptura com a tradição golpista da política brasileira, a garantia da governabilidade pela gestão negociada dos conflitos e o respeito ao princípio da alternância de poder. Para esta autora no período de democratização a prioridade foi a reforma política em torno da qual se articulou um grande consenso nacional.
Se no campo político houve um consenso, ainda que superficial, com relação a desejabilidade do regime democrático, no campo econômico observou-se um profundo desacordo com respeito aos rumos do capitalismo brasileiro. Apesar das incertezas com relação ao esgotamento do antigo modelo de desenvolvimento um novo modelo que já estava em gestação desde a segunda guerra encontraria respaldo dos políticos brasileiros já em 1990 no mandato de Fernando Collor.
O neoliberalismo, teoria que se funda na crença da ineficiência do Estado, toma caráter hegemônico a partir dos anos 70 e adquire contornos práticos já nos anos 80 principalmente na Inglaterra com Margareth Thatcher e nos Estados Unidos com Ronald Reagan. Segundo Perry Anderson (1995) este corpo teórico nasce logo após a segunda guerra mundial na região da Europa e América do Norte, onde imperava o capitalismo e foi uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem estar. Seu texto de origem é "O Caminho da servidão" de Friedrich Hayek escrito em 1944. O argumento principal era que o novo igualitarismo produzido pelas políticas de bem-estar destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual segundo o autor, dependia a prosperidade de todos. O alvo de Hayek neste momento são os sindicatos ingleses, pois em sua concepção as crises do capitalismo estavam ligadas ao poder pernicioso e excessivo dos sindicatos que haviam desequilibrado as bases de acumulação capitalista. Desse modo, o Estado neoliberal concebido por Hayek deve ser "forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e na intervenção econômica" (Anderson, p.11, 1995). Partindo daí, a meta dos governos deveria ser a estabilidade monetária, a se alcançar através das seguintes medidas: disciplina orçamentária, contenção de gastos sociais e manutenção da taxa natural de desemprego.
Desde o início dos anos 90 pode-se dizer que o Brasil passa a adotar políticas de corte neoliberal. Começando pela abertura comercial, passando pelas privatizações e o corte de gastos sociais, as políticas neoliberais tiveram seu ápice no governo FHC. Apoiado pelo sucesso do plano de estabilização monetária (plano real) defendido por ele no cargo de ministro da fazenda do então presidente Itamar Franco, Fernando Henrique Cardozo chega a presidência da república em 1994 e promove um conjunto deliberado de políticas voltadas para o que designou por desmonte da Era Vargas. Nas palavras de Eli Diniz:
"A execução desta agenda abalou os fundamentos do padrão anterior de desenvolvimento, desestruturando o modelo do tripé, baseado num relativo equilíbrio entre empresas estatais, nacionais e estrangeiras. De forma similar, aprofundou-se a erosão do pacto corporativo entre o Estado e a chamada burguesia nacional, que, durante as décadas anteriores, deu suporte à industrialização por substituição de importações" (Diniz, 2006).
Na visão de Diniz durante o processo de reestruturação produtiva se verificou que uma parte considerável do empresariado fora atingida, o que se manifestou pelo alto numero de falências e concordatas, "levando inclusive ao desaparecimento de empresas emblemáticas do período desenvolvimentista" (p.05, 2006). Ao mesmo tempo, o enfraquecimento dos sindicatos minou os principais focos de resistência ao poder empresarial promovendo uma espécie de paz social forçada pela perda de fogo do sindicalismo.
No campo da participação política os anos 1990 foram marcados por poucos avanços se compararmos com o período seguinte no governo Lula. Além do enfraquecimento dos sindicatos, houve forte repressão aos movimentos sociais, principalmente a aqueles ligados a luta pela terra. As decisões sobre as diretrizes das políticas públicas ainda era reservada a um pequeno numero de técnicos e políticos profissionais. Os representantes do neoliberalismo no Brasil pareciam coadunar com a tese schumpeteriana da democracia de elites que prega que o cidadão comum não tem capacidade para tomar decisões que fogem ao seu cotidiano.
Ainda no final dos anos 1990 já é difundida a percepção de que as políticas neoliberais tiveram altos custos sociais, e impacto significativo na estrutura da sociedade que contabilizou a perda de cerca de dois milhões de empregos formais na indústria, a recessão econômica e a destruição do já precário sistema de proteção social ligado ao modelo anterior (Diniz 2006).
Nesse momento de contração do ideário neoliberal que fracassara em grande parte dos países em que fora implementado. Retorna-se a discussão sobre o papel do Estado na promoção do desenvolvimento econômico, mas agora amparada pela noção de democracia.
Em 2002 com a chegada ao poder executivo nacional do Partido dos Trabalhadores, o Estado volta a ter preponderância na promoção do desenvolvimento econômico e na organização da sociedade. Este movimento apresenta algumas continuidades com o período desenvolvimentista anterior mas com algumas distinções importantes.
No campo da política econômica, persiste, como resultado das reformas estruturais da década de 90, uma política firme de estabilização, mas como motor de um programa de desenvolvimento mais eqüitativo, abrindo espaço para políticas de combate à desigualdade e à exclusão social (Diniz, 2006). A preocupação com a dívida pública e o controle monetário são característica que distanciam o novo modelo desenvolvimentista do antigo. Por outro lado, políticas de investimento em infra-estrutura como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Programa Minha Casa Minha Vida são traços de continuidade entre o novo e o antigo desenvolvimentismo. O investimento do Estado em setores estratégicos como o financeiro e energético, também demonstram como o Estado retoma as rédeas da economia em prol do desenvolvimento nacional.
A grande inovação, portanto, no campo da economia é a preocupação com a melhora nas condições de vida dos cidadãos. Programas como o Bolsa família, a preocupação com o aumento real do salário mínimo e o controle da inflação, além de políticas de microcrédito e investimento em educação e saúde. São políticas que procuram combinar o desenvolvimento econômico com o ideal de justiça social. Assim, a frase emblemática do antigo modelo desenvolvimentista, que dizia que o bolo teria de crescer para depois ser dividido, não pode ser utilizada para caracterizar esse novo período de desenvolvimento impulsionado pelo Estado.
Na interpretação de Marcelo Ridenti (2009), o que permitiu a volta do desenvolvimentismo foram dois fatores: a crise do neoliberalismo e a crise das esquerdas. Os problemas do mercado de um lado, e de outro, os impasses na viabilização de uma alternativa socialista. As dificuldades de organização dos despossuídos traziam de novo propostas na atuação do Estado para a retomada do desenvolvimento nos marcos do capitalismo. Nessa nova etapa, um ponto distintivo entre o desenvolvimentismo atual e o antigo se destaca. Agora há um eixo social presente na nova concepção, que além daquele responsável pelo desenvolvimento da economia em suas forças produtivas, viria a complementá-lo com o investimento massivo em bens públicos como: educação, saúde, transporte e moradia, além de uma política de empregos e alta da taxa salarial. No passado, o que se viu foi uma tentativa de desenvolvimento a um alto custo que logrou bons resultados em alguns setores, mas acabou por esmagar as classes mais desfavorecidas justamente por não se ater ao âmbito social do desenvolvimento. Vale ressaltar que o estímulo ao investimento motivado pela inflação (emissões) teve um efeito nefasto no corpo social, principalmente porque atingiu os assalariados. De certa maneira, é possível dizer que, através desse mecanismo, transferiram-se, indiretamente, os recursos dos assalariados para o setor empresarial (Ridenti, 2009).
No que tange a estrutura de agregação de interesses, Renato Boschi (2010) afirma que não houve uma ruptura completa com a estrutura corporativa inaugurada nos anos 1930. O novo corporativismo se filia na tradição consultiva do antigo, mas sem o corte autoritário característico do período pré 1988. Subsistem, portanto as instituições tradicionais representativas do patronato e do operariado, mas com algumas inovações no campo da participação. Para este autor diversas modalidades de interlocução entre estado e sociedade foram criadas após o período das reformas neoliberais no sentido de proporcionar uma maior democratização das arenas decisórias com o objetivo de promover pactos sociais entre as classes e o Estado. Exemplos desta nova linhagem de instituições são o CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) e o CNDI (Conselho Nacional de Desenvolvimento da Indústria) que são órgãos consultivos onde a sociedade é chamada a discutir e opinar sobre as políticas governamentais. Além destas instituições consultivas permanentes ainda podemos citar as conferências nacionais de políticas públicas que funcionam como um instrumento de
"articulação do Estado com a sociedade civil, tanto no sentido de se constituir um canal de participação corretivo das limitações da democracia representativa nos interstícios eleitorais produzindo consensos e prioridades substantivas quanto em termos do próprio nexo entre as propostas surgidas desses fóruns e a atividade legislativa" (Boschi, 2010).

Fato que comprova o compromisso da nova corrente política com o ideal de democracia é que segundo Boschi, das conferências realizadas até hoje, a grande parte se deu no mandato de Lula que executou 64% contra apenas 27% realizadas por seu antecessor Fernando Henrique.
Portanto, é importante mencionar que estas iniciativas ao invés de se fundarem em uma tradição autoritária, onde o Estado exerce um papel pedagógico e disciplinador como ocorrera no passado; estariam vinculadas ao modelo desenvolvimentista anterior apenas por seu caráter consultivo, e teriam suas raízes nas experiências de democracia participativa realizadas em prefeituras petistas e no próprio Partido dos Trabalhadores desde a década de 1980 (Boschi, 2010). Tal fato demonstra que, além de terem ocorrido consideráveis mudança nas relações entre estado e sociedade nos últimos anos, houve também uma alteração significativa no pensamento político brasileiro pelo fato de que alguns autores, a partir da década de 1980, começaram a apostar em um potencial associativo presente na sociedade, que pudesse fazer frente às relações clientelistas aqui predominantes e impulsionar um regime democrático.


Referências:
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__________________. Corporativismo societal, a democratização do Estado e as bases social-democratas do capitalismo brasileiro. Insight Inteligência (Rio de Janeiro), v. 48, p. 1-20, 2010.
BOTELHO, André. Seqüências de uma sociologia política brasileira, in Dados, vol. 50
no. 1, 2007.
CEPÊDA, Vera. A Questão do desenvolvimento no pensamento social brasileiro. Disponívelem:http://www.coc.fiocruz.br/comunicacao/index.php?option=com_content&view=article&id=175&Itemid= (Acesso em: 03/02/2012)
DINIZ, Eli . Empresários e Governo Lula: percepções e ação política entre 2002-2006. In: Workshop Empresa, Empresários e Sociedade, O mundo empresarial e a questão social, 2006, Porto Alegre. Empresa, Empresários e Sociedade, O mundo empresarial e a questão social, 2006.
ENGLANDER, Alexander David Anton Couto. O pensamento social de Oliveira Vianna e a cidadania no Brasil – de 1920 ao fim da década de 1940. Revista Habitus: revista eletrônica dos alunos de graduação em Ciências Sociais - IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 5-23, dez. 2009. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2009.

HAYEK, Friedrich. O caminho da servidão. Porto Alegre: Globo, 1977
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975.
RIDENTI, Marcelo. Os rumos do Brasil frente às possibilidades de uma nação desenvolvimentista. Entrevista disponível em:http://www.ecodebate.com.br/2009/02/10/os-rumos-do-brasil-frente-as-possibilidades-de-uma-nacao-desenvolvimentista-entrevista-especial-com-marcelo-ridenti/
SALLUM Jr., Brasilio. ; KUGELMAS, E. . O Leviathan declinante: a crise brasileira dos anos 80. Estudos Avançados , v. 13, n. 13, p. 145-159, 1991.
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