O Pacífico e o ministro ingênuo

June 20, 2017 | Autor: F. Chagas-Bastos | Categoria: Brazilian Politics, Mercosur/Mercosul, Brazilian Foreign policy, Pacific Alliance
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sexta-feira, 16.10.2015

Fabrício H. CHAGAS BASTOS* O Pacífico e o ministro ingênuo

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ntem, no começo de uma das aulas sobre América Latina, perguntei por qual motivo o Brasil não poderia se juntar ao TPP (Trans-Pacific Partnership). A primeira resposta - meio séria, meio em tom de brincadeira - foi a seguinte: ‘porque o Brasil não tem a costa banhada pelo Pacífico’. Meu aluno compreendeu o componente geográfico da dimensão ‘pacífica’ do acordo, mas, ao que parece, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, adotou postura mais ingênua. Antes, uma pequena introdução ao Acordo Trans-Pacífico, que chacoalhou (ou assim o promete) as estruturas da economia internacional e, seguramente, vai afetar a maneira do país posicionar-se internacionalmente na economia global - permitam-me usar ‘cadeias globais de valor’. Doze países (Austrália, Brunei, Canadá, Cingapura, Chile, Estados Unidos, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã) banhados por aquele oceano de-

cidiram estabelecer negociações para um mega acordo de livre-comércio, derrubando centenas de tarifas para fazer com que mercadorias e insumos circulem livremente entre as cadeias produtivas de cada um dos membros - o que, em teoria, deveria acontecer no Mercosul, por exemplo. Monteiro declarou a jornalistas que o Brasil poderia juntar-se ao acordo. Entretanto, tal movimento dependeria de negociações com os sócios do Mercosul e com o setor privado brasileiro. O ministro sonegou alguns problemas importantes. Fora o componente geopolítico (o deslocamento do eixo econômico internacional à Ásia e a importância que a região adquiriu, sobretudo, para a economia dos Estados Unidos), um problema razoavelmente mais grave e, paradoxalmente sutil, salta aos olhos: o Mercosul. Mesmo depois de seu enésimo relançamento, com a adesão formal da Bolívia, o bloco sul-americano continua num sono profundo. As negociações entre Mercosul e União Europeia, que poderiam de alguma maneira trazer vitalidade ao moribundo mercado do sul, caminham a passos lentíssimos e não há sinais de que, seja por esforço presidencial (o que é nulo no nosso caso), ou por força do setor privado, irão dar em algum lugar que não o estado de inércia em que se encontra (quase chegando ao repouso completo, mais uma vez). Mais, esquece Monteiro que a própria União Europeia e os Estados Unidos negociam seu próprio acordo de livre-comércio, o TTIP (Transatlantic Trade and Invest-

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ment Partnership), e que o peso do Brasil no comércio internacional de uma relevância próxima do ridículo dado o tamanho do País e de sua economia: cerca de 1.25%, segundo a Organização Mundial do Comércio. O TPP incorpora produtores de commodities concorrentes do Brasil (como a Austrália e o Canadá em minérios) e países em que a força de trabalho é muitíssimo mais barata. Os riscos trabalhistas e os outros itens que as negociações regulatórias terão de enfrentar são claros e enormes, mas prometem ganhos de escala na mesma proporção.

Enquanto isso, em meio a uma dura desaceleração da economia, continuamos colocando a culpa nos vizinhos, no setor privado, e padecendo de uma falta crônica de visão do que queremos ser no mundo, de como queremos ser. Não mudou muito.

fabrício h. chagas bastos é Endeavour Research Fellow do Australian National Centre for Latin American Studies da Australian National University. Doutor pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

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