O Paço da Ribeira nas Vésperas do Terramoto. Master dissertation in History of Art, Universidade Nova de Lisboa, 2009.

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O PAÇO DA RIBEIRA NAS VÉSPERAS DO TERRAMOTO

Bruno A Martinho

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Dissertação de Mestrado em História de Arte

SETEMBRO DE 2009

Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História de Arte, realizada sob a orientação científica do Prof. Doutor Nuno Senos

DECLARAÇÕES

Declaro que esta Dissertação é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.

O candidato,

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Lisboa, 22 de Setembro de 2009

Declaro que esta Dissertação se encontra em condições de ser apreciada pelo júri a designar.

O orientador,

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Lisboa, 22 de Setembro de 2009

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à cidade de Lisboa

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, e muito sinceramente, ao Prof. Nuno Senos que imprimiu na sua tarefa de orientação deste trabalho um elevado grau de exigência e rigor, valores que constituíram um estímulo constante para o aperfeiçoamento do conteúdo do texto que agora se apresenta. Agradeço-lhe ainda a sua inteira disponibilidade, a sua dedicação, e a inspiração para o tema desta dissertação. Agradeço à Drª Celina Bastos que me deu a conhecer a mais completa descrição sobre o Paço da Ribeira e sem a qual esta tese se apresentaria significativamente mais pobre. À Drª Alexandra Gago da Câmara, à Drª Helena Murteira, à Drª Giuseppina Raggi e ao Prof. António Filipe Pimentel por toda a disponibilidade demonstrada para debater algumas das minhas questões. Aos técnicos e técnicas do Gabinete de Estudos Olisiponenses pela qualidade do auxílio prestado às minhas pesquisas. À Profª. Raquel Henriques da Silva por me ter sugerido o nome do Prof. Nuno Senos para orientar este trabalho. À Madalena Bizarro, ao Rui Vicente e à Sofia Neto que nunca deixaram de me acompanhar neste percurso, como aliás o têm sempre feito nos demais, e também ao Alex Rodriguez, ao Bruno Carrilho, à Filipa Bonifácio, à Francisca Ribeiro de Carvalho, à Liliana Caetano, ao Miguel Vieira e ao Nuno Lourenço pela presença constante. Aos meus pais, por muito mais do que possa escrever.

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O PAÇO DA RIBEIRA NAS VÉSPERAS DO TERRAMOTO

Bruno A Martinho

RESUMO

O Paço da Ribeira foi ao longo de 250 anos a principal residência régia da monarquia portuguesa, até ser completamente destruído pelos efeitos do terramoto de 1755. No entanto, são exíguos os estudos historiográficos sobre este edifício que, enquanto “casa do rei”, ocupou um lugar central na história da arquitectura áulica portuguesa. Este trabalho procura assim contribuir para os avanços na investigação sobre o Paço da Ribeira, elaborando uma história global dos principais momentos que marcaram a sua construção e propondo uma reconstituição dos seus volumes arquitectónicos e espaços interiores nas vésperas do sismo setecentista. Trata-se de um trabalho focado apenas nos aspectos arquitectónicos do edifício, mas fornece elementos bibliográficos e documentais que poderão suscitar novas interpretações e vias de investigação. Finalmente, alguns elementos do palácio são analisados em confronto com outros exemplos de arquitectura palaciana europeia de modo a compreender algumas opções artísticas que enformaram a construção do paço régio português que só poderão ser explicadas pelo conhecimento de palácios de características semelhantes seus contemporâneos.

PALAVRAS-CHAVE: Paço da Ribeira, Arquitectura palaciana, Lisboa pré-terramoto.

THE RIBEIRA PALACE ON THE EARTHQUAKE’S EVE

Bruno A Martinho

ABSTRACT

The Ribeira Palace was the main royal residence of the Portuguese monarchy for a period of 250 years, after which it was completely destroyed by the 1755 earthquake. As the “king’s house”, it played a central role in the history of Portuguese royal architecture. Nevertheless, historical studies on most of the building’s existence are scarce and limited. This thesis aims at giving a contribution for the development of the research about the Ribeira Palace by presenting a global history of the key moments that defined its construction. Furthermore, I will also propose one possible reconstitution of its architectural volumes and interior spaces at the eve of the earthquake. The text focus only on the architecture of the building, but it provides bibliographic and documental elements that might raise new interpretations and new paths for research. Finally, some parts of the palace are taken for analysis in confrontation with other examples of European royal residences in order to understand some of the artistic options which defined its construction. To achieve this goal, a broad knowledge of contemporaneous palaces with similar features is essential.

KEYWORDS: Ribeira Palace, Palace architecture, Lisbon before the earthquake.

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SUMÁRIO

Introdução .......................................................................................................................................... 1 Parte I I. O Estado da Questão ......................................................................................................... 5 Parte II I. O Paço da Ribeira 1501-1755 ......................................................................................... 15 II. Nas Vésperas do Terramoto 1) Enquadramento urbano e morfologia de volumes ............................................ 43 2) Organização dos espaços interiores ...................................................................... 51 Parte III I. O Paço da Ribeira no Contexto Europeu .................................................................. 101 Conclusão ........................................................................................................................................ 117 Anexos Imagens ...................................................................................................................................... III Esquemas .............................................................................................................................. CVII Documentos ...................................................................................................................... CXXV Fontes e Bibliografia ................................................................................................................. CLIII

INTRODUÇÃO

Logo após o 1º de Novembro de 1755 produziram-se um pouco por toda a Europa um vasto número de gravuras com vistas da cidade de Lisboa como até então ainda não se tinha assistido. Entre estas imagens, apenas uma coisa em comum: a representação do momento exacto em que torreão do Paço da Ribeira colapsava, fosse isso resultado directo dos abalos ou consequência do fogo que entretanto deflagrou. Com efeito, a grade maioria das gravuras procurou retratar esse momento em que o ex-líbris da cidade e do império desaparecia atrás de um mar em fúria (figs. 2-6). Durante quase 250 anos, o Paço da Ribeira fora a imagem da cidade de Lisboa, e a cúpula do seu torreão a marca dos céus da capital. Não é de estranhar, portanto, que a desaparecimento do paço fosse a alegoria perfeita para sintetizar a destruição da cidade. Consumido o recheio e desaparecida a estrutura arquitectónica, o Paço da Ribeira tornou-se num símbolo da cidade desaparecida. A imagem do torreão renasceria na nova Praça do Comércio e a maioria dos historiadores não tem hesitado em evocar o paço ao debruçar-se sobre a Lisboa pré-terramoto. No entanto, e paradoxalmente, são exíguos os contributos que têm permitido reconstituir a principal residência régia portuguesa da Época Moderna. Em boa verdade, o Paço da Ribeira é, ainda hoje, um edifício largamente desconhecido. A dissertação de mestrado que agora se apresenta pretende, por isso, colmatar esta lacuna historiográfica. Depois da obra de Nuno Senos sobre o Paço da Ribeira no século XVI e das descobertas de autores como Rafael Moreira, Marie-Thérèse Mandroux-França ou António Filipe Pimentel, impunha-se um estudo centrado num dos períodos pouco conhecidos sobre a história do paço e, ao mesmo tempo, durante o qual foram mais profundas as alterações. Decidi então levar a cabo um trabalho de investigação centrado no século XVIII, mas com o objectivo de reconstituir o Paço da Ribeira nas vésperas do terramoto de 1755. Para isso, foi necessário recuperar informação desde o século XVI, de

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modo a compreender a evolução de um edifício que acabou por se tornar num enorme complexo arquitectónico onde coexistiam áreas residenciais, zonas de serviços, instituições políticas, administrativas, comerciais e religiosas. Dadas as características desta dissertação, o princípio orientador de todo o processo de investigação e de redacção partiu da problematização da documentação de forma a gerar um amplo leque de hipóteses e vias de interpretação, cuja discussão pudesse sustentar conclusões consistentes. Para levar a cabo esta tarefa iniciei a investigação pela análise da bibliografia disponível em confronto com um vasto número de documentação impressa e inédita. Depois de aprofundada consulta bibliográfica e pesquisa documental na biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian e na Biblioteca Nacional, tentei localizar nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, na Biblioteca da Ajuda e no Gabinete de Estudos Olisiponenses documentos que pudessem trazer novas pistas para a reconstituição do paço. Tive ainda a oportunidade de estabelecer valiosos contactos com investigadores que têm vindo a estudar a cidade de Lisboa. Entre estes, devo salientar a Dra. Celina Bastos do Museu Nacional de Arte Antiga que me deu a conhecer a Chronica do Maximo Doutor E Principe dos Patriarchas São Ieronymo... de Fr. Manoel Bautista de Castro. Este manuscrito, ainda que já citado em alguns trabalhos, é um documento praticamente desconhecido e muito pouco explorado. No entanto, revelou-se essencial para esta tese, pois contém a descrição mais completa dos interiores do Paço da Ribeira no século XVIII. É um testemunho único susceptível de diversas abordagens, designadamente no âmbito da arquitectura e das artes decorativas. Todavia, o objecto de estudo desta tese cinge-se aos aspectos arquitectónicos do palácio. Em muitos dos documentos com que me cruzei durante o período de investigação são múltiplas as referências aos elementos decorativos dos interiores do paço. No entanto, e dadas as limitações impostas por este tipo de dissertação, e de forma a não sacrificar o nível de aprofundamento da investigação à dilatação do tema, houve necessidade de restringir a reconstituição do palácio à sua estrutura arquitectónica. Pretende-se, sobretudo, compreender como se organizavam os volumes arquitectónicos e os espaços interiores do paço. No entanto, especial ênfase será dada às áreas residenciais, procurando reconstituir a organização dos vários espaços de modo a entender como se relacionavam entre si e o lugar que desempenhavam na vivência cortesã da monarquia portuguesa de Setecentos. Apresentada a proposta de reconstituição do paço, assente nos dados recolhidos, procurarei compreender como a organização interior se integrava no contexto da arquitectura palaciana europeia. Uma vez mais as características desta tese condicionam o 2

número de casos abordados pelo que particular atenção será dada a realidades cuja bibliografia disponível é mais abundante – Espanha, França, Itália e Inglaterra. Esta será a última das partes deste trabalho a ser considerada, tendo por objectivo o alargamento das vias de interpretação do Paço da Riberia. No fundo, o principal propósito deste trabalho é chamar a atenção da historiografia contemporânea para a importância do estudo deste edifício, dando continuidade ao trabalho desenvolvido por Nuno Senos. Enquanto casa do rei, o paço lisboeta ocupava um lugar central nas decisões de ordem artística por parte da família real. O seu estudo poderá ajudar a compreender melhor os padrões de gosto que marcaram a corte portuguesa ao longo de três séculos. Este trabalho é uma aposta nesse sentido...

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O ESTADO DA QUESTÃO

Os acontecimentos do 1º de Novembro de 1755 – o sismo, o incêndio e as pilhagens – têm vindo a servir de pretexto para o actual desconhecimento da arquitectura do Paço da Ribeira. A destruição do edifício, das suas obras de arte e dos seus arquivos é, geralmente, considerada como uma forte condicionante para um melhor conhecimento do palácio que se perdeu. Faltando os registos – físicos, visuais ou escritos – não se poderá conhecer aquele que, durante dois séculos e meio, foi a mais importante residência de uma coroa que governava em quatro continentes. A escassez de registos não deve, porém, ser considerada causa indispensável para se elaborar um estudo aprofundado sobre um edifício desaparecido (que seria então da arquitectura pré-clássica!). No entanto, o facto de não nos terem chegado muitas informações acaba por se tornar numa causa do seu esquecimento. Só assim se pode entender que existam actualmente mais estudos sobre arte efémera em Portugal, cujos desenhos e projectos ainda se conservam, do que sobre o principal palácio régio de Lisboa. Este capítulo, de cariz introdutório, tem por objectivo identificar os trabalhos e os autores que, de alguma forma, têm concedido alguma atenção ao Paço da Ribeira. Pese embora o facto da sua grande maioria se limitar a reproduzir passagens de algumas fontes mais conhecidas ou a reconstruir erradamente o palácio a partir de informações lacónicas, existem dois estudos aprofundados sobre o Paço, um dos quais monográfico, que se assumem como os mais consistentes sobre o palácio até hoje realizados. Foram estes contributos que constituíram o ponto de partida para este trabalho que agora se apresenta, o que justifica a elaboração de uma breve síntese dos seus argumentos e conclusões.

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OS ESTUDOS ESPECÍFICOS

Cento e nove anos separam os dois únicos estudos sistemáticos sobre o Paço da Ribeira. Publicada pela primeira vez em 1893, A Ribeira de Lisboa de Júlio de Castilho1 descreve os vários edifícios (e a sua história) da zona ribeirinha da capital, entre a Madredeus e Santos-o-Velho, antes do terramoto de 1755, demorando-se o autor em torno do Paço da Ribeira. O palácio não é, portanto, o objecto central do seu estudo, mas pelos dados que recolheu e organizou e por lhe conceder um largo capítulo da sua obra, Júlio de Castilho foi, até muito recentemente, o principal responsável pelo conhecimento que possuíamos do palácio. Os argumentos e conclusões apresentados por Castilho praticamente não foram postos em causa até que, no princípio deste século, Nuno Senos decidiu dedicar-se a estudar o Paço da Ribeira durante a dinastia de Aviz, processo que culminou na publicação, em 2002, do primeiro trabalho monográfico exclusivamente dedicado ao palácio: O Paço da Ribeira 1501-15812. O mérito da obra de Senos reside, primeiramente, na problematização das conclusões apresentadas por Castilho, o que permitiu corrigir, em particular, um importante erro que vinha sendo perpetrado pela historiografia. A visão de um palácio que se estendia desde a muralha fernandina até ao rio através de um longo corpo arquitectónico que se abria para o Terreiro do Paço foi final e decididamente refutada. Augusto Vieira da Silva havia já chamado a atenção para a existência de alas palatinas a Norte da muralha fernandina3, mas deve-se a Senos a desmistificação de um palácio aberto ao rio e o levantamento de documentação que demonstra que a ala normalmente retratada pela iconografia correspondia simplesmente a uma ponte de comunicação entre o palácio e o baluarte construído à beira-rio4. Senos propõe então uma nova leitura da iconografia, nomeadamente da gravura publicada por Georgius Braunius em 1598, Olissipo quae nunc... (fig. 7), onde o palácio já não corresponde apenas ao edifício a poente do Terreiro do Paço, mas sim a todo o conjunto arquitectónico que se expandia até à Rua da Calcetaria (figs. 7.1; esq. 2), englobando três pátios interiores. Esta nova interpretação revela-se particularmente importante não apenas para o entendimento do palácio quinhentista, mas também para a compreensão da evolução da morfologia do edifício durante as várias campanhas de obras

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CASTILHO, J., 1893. SENOS, N., 2002. 3 SILVA, A. V., 1987: pp. 152-153. 4 SENOS, N., 2002: pp. 69-76. 2

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posteriores, nomeadamente as que se verificaram nos períodos da União Ibérica e de D. João V. O contributo de Senos não se esgota na clarificação da localização do Paço da Ribeira. Do seu estudo resulta também a primeira proposta de organização espacial do interior do palácio, revelando, por um lado, uma separação dos aposentos de acordo com o género dos seus ocupantes – aposentos do rei, aposentos da rainha, aposentos dos infantes e aposentos das infantas –, e, por outro, a existência de aposentos próprios para o príncipe herdeiro. Estas conclusões assumem particular interesse para este trabalho pois, como veremos, existiu uma certa permanência da separação destes espaços e, por vezes, também da sua localização. Para além destes dados, Nuno Senos identifica as principais formas de circulação dentro do Paço. A inexistência de corredores, a presença de escadas em espiral e o papel das varandas eram elementos que marcaram a morfologia do edifício desde a sua fundação e que a investigação para este trabalho revelou serem uma das muitas permanências no Paço da Ribeira setecentista. Graças à obra de Senos, foi agora possível comprovar que a principal sala de aparato do palácio no século XVIII – a célebre Sala dos Tudescos –, não só existia desde o tempo de D. Manuel, como desempenhava já nessa altura um papel particularmente importante na política de exaltação do poder régio. O Paço da Ribeira 1501-1581 é, pelos motivos expostos, o trabalho mais completo até hoje apresentado sobre a principal residência real portuguesa e, por isto mesmo, o ponto de partida da minha investigação.

OUTROS CONTRIBUTOS REFERENTES AO PAÇO

Após a publicação d’A Ribeira de Lisboa de Júlio de Castilho, coube a outro olissipógrafo, Augusto Vieira da Silva, avançar com novos dados sobre o Paço da Ribeira. Em As Muralhas da Ribeira de Lisboa (1ª ed. 1900; 2ª ed. 1940)5 o autor não apenas revela algumas campanhas de obras que marcaram a evolução do palácio, como fornece um elevado número de referências urbanísticas, tais como a localização do Largo da Campainha, do Arco da Tanoaria ou do Arco dos Paços (fig. 8; esq. 2), o que veio dar um novo contributo ao conhecimento que se tinha do seu enquadramento urbano, até então

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SILVA, A. V., 1987.

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fortemente marcado pela obra do visconde de Castilho. Porém, as informações encontram-se dispersas e as referências são lacónicas, pelo que é impossível reconstituir o Paço apenas a partir deste trabalho. Para além disto, o conjunto documental referido pelo autor é muitíssimo limitado, estando o século XVIII representado quase exclusivamente pela História Genealógica da Casa Real Portuguesa de D. António Caetano de Sousa, por um texto anónimo de 1754 publicado por Camilo Castelo Branco – e que tem sido abordado por todos os autores que estudam o Paço da Ribeira –, e pelo Mappa de Portugal antigo, e moderno de João Bautista de Castro de 1762-17636. Não obstante estes factos, esta obra tem o mérito de ser a primeira tentativa historiográfica de reconstituição da morfologia interna do Paço da Ribeira. Para além dos autores já aqui referidos, apenas dois outros tentaram elaborar uma descrição cronológica do palácio régio: John Hampton7 e Angela Delaforce8. A fragilidade dos argumentos apresentados no trabalho de Hampton respeitantes ao Paço quinhentista foi já denunciada na obra de Nuno Senos9, verificando-se a mesma situação relativamente à descrição do edifício nos séculos subsequentes. A título de exemplo, Hampton atribui a D. João IV alterações no paço sem enunciar qualquer prova documental10. Por outro lado, também se verificam interpretações erróneas das fontes, como é o caso da sua afirmação, a partir de Sousa Viterbo, de que o arquitecto italiano Antonio Canevari (1681-1764) terá desenhado um novo corpo paralelo ao rio a par da construção de uma escadaria para os aposentos da rainha11. Como veremos em capítulo apropriado, uma leitura cuidada do documento apresentado por Viterbo não permite atribuir a Canevari mais do que a escadaria. O autor também avança o nome de Carlos Mardel (1696-1763) como responsável pela reparação do edifício após um incêndio que deflagrou nos aposentos dos príncipes do Brasil em 1745, não apresentando qualquer referência documental que sustente essa afirmação. No que se refere a Angela Delaforce, a situação não é muito diferente. Na sua obra monumental Art and patronage in eighteenth-century Portugal a autora concede larga atenção ao Paço da Ribeira, apresentando um vasto conjunto documental, em boa parte ainda inédito, que deve ser levado em conta pelos investigadores. Infelizmente, em muitas circunstâncias são retiradas conclusões sem que as fontes as sustentem declaradamente. Assim se verifica com as afirmações de que Vincenzo 6

Sousa, A. C., 1735-1749; Castelo-BRANCO, C., 1874; CASTRO, 1762-1763. HAMPTON, J. D., 1965. 8 DELAFORCE, A., 2001. 9 SENOS, 2002, pp. 38-39. 10 HAMPTON, J. D., 1965: p. 40. 11 IDEM, ibidem: p. 41. 7

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Baccherelli (1672-1745) e Pierre-Antoine Quillard (1700-1733) terão pintado tectos do palácio12, ou de que o arquitecto João Frederico Ludovice (1673-1752) terá sido o autor de uma série de obras não especificadas13. Todavia, seguramente incorrecta é a afirmação de que “Dom João V’s private apartements were in the Torreão14 overlooking the Terreiro do Paço with a distant view towards the sea in the other direction”15. É difícil compreender esta declaração, sobretudo, porque Delaforce teve acesso a um manuscrito da autoria de Fr. Manoel Bautista de Castro datado da década de 1740 que dá conta da localização exacta dos aposentos de D. João V – documento de grande importância que, aliás, não é explorado suficientemente – e que entra em clara contradição com o que a autora afirmara em capítulo anterior sobre a ocupação do torreão do paço. Este problema voltará a ser discutido em capítulo apropriado. A obra de António Filipe Pimentel sobre o palácio-convento de Mafra, Arquitectura e Poder, O Real Edifício de Mafra (1ª ed., 1992)16, que não se limita de todo à história deste edifício, integra um capítulo dedicado ao Paço da Ribeira que introduz na historiografia sobre o palácio alguns dados que importa analisar. O autor delimita, no tempo e na abrangência das intervenções, duas campanhas de obras na capela real cuja fundamentação será analisada em capítulo apropriado. Pimentel ensaia ainda, directamente a partir de fontes coevas, uma organização cronológica dos acontecimentos que marcaram as obras no paço no tempo de D. João V, demarcando-se assim da tradicional repetição do texto de Júlio de Castilho e procurando o seu enquadramento na política arquitectónica do monarca. Para além dos nomes referidos, a historiografia sobre o Paço da Ribeira tem contado ainda com valiosos contributos de autores que se concentraram em apenas alguns corpos ou elementos arquitectónicos do paço. Um desses autores é Gustavo de Matos Sequeira que em 1925 chamou a atenção para os sinos do Paço da Ribeira17. Desfazendo uma confusão, que contudo parece perdurar na historiografia, o autor não apenas documenta e distingue a existência de duas torres sineiras no complexo palaciano do Paço da Ribeira, como analisa as fontes de que dispõe para elaborar uma cronologia para os momentos que marcaram a construção de ambas. Juntamente com a publicação do texto são apresentados dois desenhos que o autor 12

DELAFORCE, A., 2001: pp. 33-34 e 50. IDEM, ibidem: p. 49. 14 A autora refere-se ao Torreão de Terzi, um corpo arquitectónico semelhante a uma enorme torre construído na extremidade Sul do paço, à beira-rio. 15 DELAFORCE, A., 2001: p. 51. 16 PIMENTEL, A.F., 2002. 17 SEQUEIRA, G. M., 1925. 13

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dá por originais (i.e. elaborados por testemunho directo), mas uma vez que não enuncia a sua fonte, devem ser lidos com as devidas reservas (figs.9-10). Independentemente da fidedignidade dos documentos iconográficos, os detalhes cronológicos avançados pelo olissipógrafo são suficientes para reconstituir dois elementos arquitectónicos geralmente ignorados. Rafael Moreira deu um contributo importante para a história do Paço da Ribeira depois de identificar dois desenhos que se conservam no Arquivo Geral de Simancas representando a planta e dois alçados do piso térreo do grande torreão do palácio (figs. 1112)18. Este conjunto, para além de fornecer medidas exactas do torreão – obtendo-se assim uma escala para conhecer a dimensão de quase todo o complexo palaciano –, dá a conhecer a solução encontrada pelo seu arquitecto para sustentar um enorme corpo arquitectónico cujo interior, como veremos, não se encontrava compartimentado. O autor publica no mesmo artigo um memorial dirigido a Filipe III onde se comenta um Discurso que Leonardo Turriano (15??-1629), engenheiro-mor de Portugal, enviara ao monarca, e que revela ser um documento único para o conhecimento da decoração interior de uma parte do Paço. Em 1989, Marie-Thérèse Mandroux-França publicou um conjunto de duas plantas da capela e dos aposentos patriarcais por ela encontrados cerca de dez anos antes (figs. 13, 56)19. Estes documentos revelam-se de uma enorme importância para conhecer a organização dos espaços interiores do piso nobre em torno do Pátio da Capela – o principal pátio do palácio a partir do século XVII. A par de uma interpretação destas plantas, cruzada com o testemunho mais conhecido do interior da capela – o relato de Barbosa Machado –, a autora foca também alguns elementos decorativos e o processo da sua encomenda por D. João V que ajudam a compreender o fascínio artístico do monarca pela cidade papal. Por fim, importa ainda salientar os contributos de José de Figueiredo20, Sérgio Infante21, Alexandra Gago da Câmara22, Luís Soares Carneiro23, Isabel Mayer Godinho Mendonça24 e Pedro Januário25 no que toca às suas interpretações da Ópera do Tejo. Ao

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MOREIRA, R., 1983. MANDROUX-FRANÇA, M-T, 1989. 20 FIGUEIREDO, J., 1938: pp. 33-35. 21 INFANTE, S., in AAVV, 1987: pp. 39-43. 22 CÂMARA, A. G., 1996. 23 CARNEIRO, L. S., 2002. 24 MENDONÇA, I. M. G., 2003. 25 JANUÁRIO, P., 2008. 19

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assinarem pontos de vista distintos face à autenticidade das fontes iconográficas atribuídas desde a primeira metade do século XX à Casa da Ópera do Paço da Ribeira, estes autores têm sido os participantes de uma discussão que se intensificou ultimamente com as conclusões da investigadora Giuseppina Raggi26 e dos arquitectos Luís Soares Carneiro e Pedro Januário. Dada a complexidade do assunto e impossibilidade de reconstituir a ópera com os dados que actualmente dispomos, dedicarei os últimos parágrafos da Parte II deste trabalho a examinar o actual debate sobre o edifício da Ópera.

OS ESTUDOS JOANINOS

Não obstante a exiguidade de bibliografia específica sobre o Paço da Ribeira, a larga maioria dos autores que vêm centrando as suas atenções na arte do reinado de D. João V não deixa de referir-se, nem que muito brevemente, ao principal palácio régio. Informações adiantadas por muitos destes autores fornecem vias de investigação preciosas para desvendar novos dados. Autores como Ayres de Carvalho, Yves Bottineau ou, mais recentemente, António Filipe de Pimentel são responsáveis por um melhor entendimento da política artística d’o Magnânimo, do percurso de muitos dos arquitectos que trabalharam sob a sua protecção e dos mecanismos de encomenda das obras, fornecendo assim o enquadramento necessário para a correcta interpretação das fontes respeitantes ao Paço da Ribeira. A obra de referência de Ayres de Carvalho, D. João V e a Arte do seu Tempo, foi responsável por dar a conhecer aquela que agora é uma das mais célebres descrições da cidade de Lisboa, a do naturalista suíço Charles Frederic Merveilleux27. Esta descrição faz parte de um restrito conjunto de documentação, no qual se inclui também o texto publicado por Camilo Castelo Branco, constantemente referenciado pelos autores que abordam o Paço da Ribeira. Com efeito, Merveilleux deixou-nos uma das pouquíssimas descrições que actualmente conhecemos do interior do edifício e os comentários que Ayres de Carvalho adicionou à tradução do texto possibilitam o devido enquadramento histórico para o entendimento geral das apreciações do visitante suíço. Outros capítulos da mesma obra servem ao estudo do Paço da Ribeira, nomeadamente aquele em que o autor discorre 26 27

RAGGI, G., 2004. CARVALHO, A., 1960, vol. I: pp. 137-171.

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sobre os trabalhos de alguns arquitectos de D. João V, designadamente João Frederico Ludovice, Filippo Juvarra (1678-1736) e Antonio Canevari28. Contudo a relação destes com o Paço da Ribeira é subalternizada, sobretudo no primeiro e último casos, face às suas participações em Mafra e no Aqueduto das Águas Livres. Não obstante, a obra de Ayres de Carvalho mantém-se como um dos principais pontos de partida para estudar o período joanino, facultando um amplo conjunto documental que não pode ser negligenciado. De entre os vários estudos que desenvolveu sobre arte portuguesa, Yves Bottineau assinou um curto texto onde analisou o gosto de D. João V. Tratando-se de um artigo de síntese sobre a política artística d’o Magnânimo¸ “Le goût de Jean V: Art et Gouvernement”29 não faz qualquer menção ao Paço da Ribeira. No entanto, a análise desenvolvida demonstra que apesar de Roma constituir um centro de grande atracção, existia toda uma rede de influências nas opções artísticas do monarca. A corte de Luís XIV e a ainda pouco estudada influência dos Habsburgo são hipóteses de estudo levantadas pelo autor que se revelam determinantes para o entendimento do Paço da Ribeira no contexto dos seus congéneres europeus. Regresso agora a António Filipe Pimentel, cujo contributo para o estudo do Paço da Ribeira não se resume ao capítulo já aqui mencionado. Reflectindo, muitas vezes a partir de trabalhos cujo foco eram outras realidades europeias, o autor analisa as especificidades da corte portuguesa na primeira metade do século XVIII, nomeadamente aos níveis das persistências do Portugal da Restauração, das tentativas de abertura intelectual, do peso da religião no cerimonial cortesão e da forma como ela moldava a política de exaltação do poder central. A análise política, social e cultural daqui resultante faz de Arquitectura e Poder uma ferramenta essencial a ser utilizada pelo historiador que deseje compreender o legado arquitectónico do período de D. João V.

OUTROS ESTUDOS RELEVANTES

Os artigos que vêm sendo publicados em diversos contextos sobre os projectos dos vários arquitectos que trabalharam para D. João V assumem particular interesse para o conhecimento do Paço da Ribeira. Os textos sobre João Frederico Ludovice, de Robert 28 29

CARVALHO, A., 1960, vol. II: pp. 313-386. BOTTINEAU, Y., 1973.

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Smith e de Ayres de Carvalho30, sobre Filippo Juvarra, de Aurora Scotti31, e finalmente os contributos de Paola Ferraris e de António Filipe Pimentel sobre António Canevari32, cuja actividade no Paço, mas também em Lisboa, é ainda fortemente desconhecida, são alguns dos textos utilizados para reconstituir vários dos elementos arquitectónicos integrados no paço das vésperas do terramoto de Lisboa. E, embora na sua grande maioria não se refiram directamente ao Paço da Ribeira, os estudos das obras destes arquitectos permitem aferir os padrões de gosto que enformavam as decisões programáticas subjacentes às várias campanhas de reabilitação do paço. Tal como no caso dos arquitectos, estudos específicos sobre outras matérias como é o caso do urbanismo da cidade de Lisboa, permitem compreender algumas alterações realizadas no palácio régio e na sua envolvência. Das investigações de Hélder Carita33, para o período manuelino, e de Walter Rossa34, para os dois séculos seguintes, merecem particular destaque as suas visões antagónicas sobre a relação da cidade com o rio no século XVI, pois constituem um motivo de análise para compreender até que ponto esta se manteve ou alterou com as empreitadas patrocinadas pela monarquia no Paço da Ribeira na primeira metade do século XVIII. Naturalmente que este exercício não pode ser levado a cabo sem o contributo de Carlos Caetano, cujo trabalho sobre a ribeira de Lisboa aprofundou o conhecimento que possuíamos sobre os principais edifícios desta área da cidade35. Estes e outros trabalhos, como os de José-Augusto França36 e Walter Rossa37 sobre o urbanismo pombalino, revelam-se também de grande utilidade para determinar até que ponto as obras de ampliação do paço no crepúsculo da sua existência inferiam já uma série de preocupações urbanísticas de integração na malha urbana.

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SMITH, R., 1936; CARVALHO, A., 1960. SCOTTI, A., 1976. 32 FERRARIS, P., in ROCCA, S. V., e BORGHINI, G., 1995: pp. 57-66; PIMENTEL, A. F., 2007. 33 CARITA, H., 1999. 34 ROSSA, W., 2002. IDEM, 1998. 35 CAETANO, C., 2004. 36 FRANÇA, J.-A., 1965. 37 ROSSA, W., 1998. 31

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O PAÇO DA RIBEIRA 1501 – 1755

Ao tornar-se no centro de um comércio à escala global, efeito da abertura do caminho marítimo para a Índia em 1498, a cidade de Lisboa alcançou um lugar de enorme destaque nos planos económico e diplomático perante uma Europa que só então começava a abrir-se ao Atlântico. A preponderância da sua localização geográfica aliada ao seu pioneirismo exploratório colocavam Lisboa entre as cidades mais dinâmicas e cosmopolitas do Velho Continente, algo que D. Manuel não tardou em saber aproveitar. Ao transferir a residência régia dos velhos Paços da Alcáçova para o centro comercial de uma cidade em transformação, o monarca envolveu-se pessoalmente na construção da imagem de um império marítimo formado a partir de Lisboa e em torno da figura do seu rei. O Paço da Ribeira foi, consequentemente, um produto das explorações marítimas e a sua fundação deve ser entendida no âmbito de todo um programa de construção da imagética régia – e de uma reabilitação urbanística que a serve – levada a cabo durante o reinado manuelino. Na verdade, mais do que a simples casa do rei, o Paço da Ribeira era um autêntico complexo de edifícios que integrava, juntamente com a residência régia, um vasto número de serviços sobre os quais assentava o poder da coroa. Aos aposentos da família real iam somando-se, ao longo da história do Paço, a Casa da Índia e os seus armazéns, a Secretaria de Estado, o Desembargo do Paço, o Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens, a Junta dos Três Estados, entre muitos outros. Todos os órgãos ligados ao poder central estavam assim concentrados no palácio real ou junto dele, pelo que o terreiro que se estendia frente ao Paço acabaria por ficar associado directamente com o exercício do poder, memória que se manteve mesmo após o terramoto de 1755.

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O SÍMBOLO DE UM IMPÉRIO

As campanhas manuelinas A negação da existência de uma política de “monumentalização” da capital do império dos reis dos descobrimentos por parte de Walter Rossa deve ser questionada face ao trabalho de outros historiadores, como Hélder Carita ou Nuno Senos, que procuraram explicar as várias campanhas de obras empreendidas na cidade durante o reinado de D. Manuel. Na base da opinião daquele autor está a convicção de que “os dois mais representativos espaços públicos da cidade até hoje – o Terreiro do Paço e o Rossio – acabaram por ser definidos num processo que resultou de uma sucessão de atitudes independentes, ou seja, sem estarem integradas num plano”38. Esta posição revela-se bastante controversa, dado que a dimensão cenográfica destes espaços não escapou a D. Manuel. Com efeito, foi este monarca que definiu os seus limites ao mandar erguer quatro conjuntos arquitectónicos uniformizados a Norte do terreiro39, bem como ao lançar o projecto da construção do edifício da Alfândega Nova40. Para além disto, a abertura da Rua Nova d’El Rey deve ser encarada como uma tentativa de aproximar a principal praça comercial da cidade ao palácio régio (fig. 14.2). Tem portanto razão Hélder Carita que demonstra a existência de um plano integrado de reordenamento da cidade que terá tido início ainda em 1497 e que tomava o Terreiro do Paço como seu princípio-motor41, onde o palácio do rei se assumia como o elemento de maior destaque. Uma abordagem da história deste palácio durante a dinastia de Aviz tem necessariamente que passar pela referência à obra de Nuno Senos, O Paço da Ribeira 15011581, que é, até à data, o mais completo e aprofundado trabalho de investigação levado a cabo sobre esta matéria. O autor teve o cuidado de analisar e problematizar as fontes apresentadas pela historiografia para este período, o que veio a revelar contradições e ausência de prova nos textos produzidos nos séculos XIX e XX. Será portanto a partir desta obra que enumerei os principais momentos na evolução do palácio até ao último quartel do século XVI.

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ROSSA, W., 2002: p. 89. CARITA, H., 1999: p. 63. 40 IDEM, ibidem: p. 95. 41 IDEM, ibidem: pp. 53-66. 39

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Na ausência de documentação que ateste a data de início da construção do novo palácio real, mas perante uma análise comparativa das fontes disponíveis, o autor aponta 1501 como o momento da colocação da primeira pedra e identifica duas etapas de trabalhos durante o reinado de D. Manuel. A primeira decorre entre aquele ano e 1511, contando com a direcção de Diogo de Arruda (14??-1531) e André Pires (14??-15??) em algumas das campanhas42. A segunda desenvolver-se-ia a partir de 1513 sob a direcção exclusiva de André Pires. No final do reinado d’o Venturoso o projecto estaria já praticamente concluído43. As duas etapas identificadas por Nuno Senos não devem ser dissociadas uma da outra na medida em que as obras iniciadas em 1513 têm um objectivo de nítida complementaridade, procurando aperfeiçoar e alargar o projecto lançado uma década antes. A primeira campanha consistiu mormente na construção das várias áreas residenciais sobre a Casa da Índia e de um baluarte junto ao Tejo – uma torre fortificada, terminada em 1511, que constituía o último ponto de defesa da cidade em caso de ataque marítimo – que comunicava com a Sala Grande – a principal sala de aparato do paço – através de uma ponte que seria entretanto reconvertida numa galeria (ou varanda) de dois pisos. Por seu lado, a segunda fase, que beneficiaria de grandes investimentos sobretudo a partir de 1518, foi marcada pela construção de novos pisos sobre as edificações anteriores, estando também documentados trabalhos nos aposentos dos vários membros da família real, bem como na ponte e no baluarte, que receberam por esta altura o seu revestimento interior em azulejaria44. Pela investigação que levou a cabo, o autor demonstra como é falsa a imagem de um palácio virado para o Terreiro do Paço e aberto ao rio. O corpo longitudinal que é representado na iconografia correspondia apenas à ponte ou varanda que ligava o baluarte à Sala Grande. O palácio de D. Manuel consistia, portanto, num “conjunto diversificado de edifícios, confinantes, justapostos, sobrepostos, uns mais antigos e depois ampliados ou anexados, outros de feitura nova”45 que se desenvolvia a Norte dessa varanda junto à muralha fernandina. Pese embora esse emaranhado de edifícios que dificultam a leitura da disposição dos principais volumes que compunham o paço, o autor d’O Paço da Ribeira 1501-1581 propõe uma hipótese de organização dos seus espaços interiores (fig. 15). A Este da Sala 42

SENOS, N., 2002: pp. 54-62. IDEM, ibidem: pp. 92-94 e 111. 44 IDEM, ibidem: pp. 76-89. 45 IDEM, ibidem: p. 70. 43

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Grande, e com vista para o Terreiro do Paço, ficariam os aposentos da rainha e dos infantes, a Oeste da mesma divisão a capela de São Tomé e os aposentos do príncipe, que comunicavam a Noroeste com os aposentos do rei. No topo Nordeste ficariam os aposentos das infantas. O paço compreendia ainda três pátios a Noroeste, o jardim do rei a Oeste da varanda e o jardim da rainha a Norte dos aposentos desta46. Como a maioria dos paços medievais portugueses, as várias divisões do palácio arrumavam-se numa sucessão de salas, câmaras e antecâmaras cujo princípio organizacional havia já sido sistematizado por D. Duarte no Leal Conselheiro47. Assim sendo, o trânsito no palácio fazia-se através das salas ou de varandas exteriores que, no caso do Paço da Ribeira, parecem ter sido a principal via de circulação já que elas circundavam grande parte do edifício. Em termos verticais – e dado que seria necessário aguardar pelo século XVII, e sobretudo pelo século XVIII, para ter no Paço escadas monumentais –, toda a deslocação entre os vários pisos fazia-se por escadas em caracol48. Uma última palavra deve ainda ser concedida ao piso térreo dos paços que era ocupado, não apenas pelas Casas de Ceuta, da Mina e da Índia, pelo Almazem e pela capela (cujo pé-direito duplo permitia acesso tanto pela Casa da Índia como pelo paço), mas também pela Casa do Cível, Desembargo do Paço, Conselho de Estado e vários serviços (cozinhas, oficinas, etc)49. É a coabitação das áreas residenciais com os órgãos político-administrativos do império que definem o Paço da Ribeira como um símbolo do poder do monarca português.

O reinado de D. João III Ao contrário de D. Manuel, que residiu praticamente durante todo o seu reinado em Lisboa, D. João III passou longas temporadas fora da capital, optando frequentemente pelas estadias em Almeirim, Tomar ou Évora50, mas isso não significa que tenha negligenciado totalmente o Paço da Ribeira. Na sequência do sismo de 1531, que danificou gravemente o palácio real, foram empreendidas várias obras de reparação ainda que não haja notícia da amplitude dessa intervenção51. Sabemos também que em 1552 D. João III se acolheu alguns dias em Xabregas quando vinha de Almeirim para Lisboa enquanto

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IDEM, ibidem: p. 136 e seg. Cf. IDEM, ibidem: p. 119. 48 IDEM, ibidem: pp. 122-123. 49 IDEM, ibidem: pp. 70-71 e pp.151-154.. 50 IDEM, ibidem: p. 94. 51 IDEM, ibidem: p. 96. 47

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aguardava que se terminassem as obras no Paço da Ribeira52, mas, uma vez mais, não é possível saber em que consistiam estas. Data ainda deste reinado a construção de uma série de edifícios destinados a ampliar a Casa da Índia. Inversamente às instalações manuelinas, que se encontravam nos pisos térreos do palácio real, a Casa da Índia Nova autonomizouse das zonas residenciais. Carlos Caetano descreve este novo conjunto arquitectónico como “seis grandes armazéns, frente ao Tejo, adossados à extremidade Sul do que fora a varanda manuelina (...) dotados de cais privativo” aos quais se juntavam na extremidade Noroeste “um corpo torreado, de planta sensivelmente quadrangular que parece encerrar um pátio no seu interior”53 (fig. 7.1). Os novos volumes arquitectónicos imprimiam na margem do Tejo uma imagem de grande impacto, chegando Damião de Góis a declarar que, quando concluída esta deveria “ocupar o oitavo lugar nas belezas da cidade”54. Esta é, porventura, a obra mais significativa ocorrida no Paço da Ribeira durante o reinado de D. João III e de todo o período que decorreria até à união das coroas ibéricas em 1581, pois o palácio nunca constituiu uma prioridade para D. Sebastião ou D. Henrique. Porém, ainda nem meio século passara sobre a construção da Casa da Índia Nova55 e já a instituição seria alvo de novas transformações. São desconhecidos os motivos que a isso levaram e a abrangência das alterações56, mas Carlos Caetano problematizou a questão e procurou dar-lhe resposta. Abordaremos este assunto seguidamente a par das outras empreitadas que tiveram lugar no complexo do Paço da Ribeira durante o governo filipino

O PERÍODO FILIPINO

Depois de ter sido informado pelo Duque de Alba, em finais de 1580, de que o Paço da Ribeira era “triste como una prison”, Filipe II delegou nos arquitectos Juan de Herrera (1530-1593) e Filipe Terzi (1520-1597) a decisão sobre qual dos palácios régios lisboetas deveria ocupar quando visitasse a cidade. A discussão daqui resultante acabaria por conduzir a um amplo conjunto de obras no Paço da Ribeira57. Filipe Terzi terá sido, 52

Ferreira de Andrade refere a seguinte fonte: Arquivo Municipal de Lisboa, Livro III de doc. e cons. de D. João III, fl. 133 (cf. ANDRADE, F., 1990: p. 16). 53 CAETANO, C., 2004: pp. 215-216. 54 GÓIS, D., 2001: p. 53. 55 A Casa da Índia Nova estava ainda em construção em 1554 (cf. SENOS, N., 2002: p. 104). 56 CAETANO, C., 2004: p. 218. 57 Cf. SENOS, N., 2002: p. 69.

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segundo Miguel Soromenho, o autor da proposta de reabilitação do paço, mas sempre sob a validação de Herrera e o controlo de Filipe II58. Acabaria por ficar encarregue da remodelação do paço em Junho de 158159. A opção por Terzi não surpreende pois o arquitecto, que já se encontrava em território nacional desde o reinado de D. Sebastião60, conhecia bem a tradição arquitectónica portuguesa e tinha a confiança de Herrera, com quem trabalhara na preparação da visita de Filipe II a Lisboa e nos arranjos do espaço que iria acolher o juramento de lealdade dos portugueses em Tomar61.

O Torreão de Terzi Ainda que durante os anos de 1581-1583, em que esteve em Lisboa, Herrera possa ter exercido forte influência sobre o projecto62, deve-se a Terzi a autoria da obra que iria marcar irreversivelmente a imagem do paço até à sua destruição em 1755. Para o local do antigo baluarte manuelino – arruinado e/ou demolido antes de 156763 – Terzi projectou um enorme torreão, que a documentação sempre designa por forte64, que se impunha na paisagem pela sua traça, marcada por um hibridismo entre a engenharia militar e uma arquitectura áulica inédita em território português. O Torreão de Terzi (figs. 16.1; 17.1), começado logo em 1581 e já parcial ou totalmente pronto em 158465, consistia num edifício de planta quadrada com 25 metros de lado e com três andares, sendo o pé-direito do piso térreo suficientemente elevado para acomodar um mezzanino. Esta diferença na organização espacial interior do andar inferior relativamente aos restantes, que se reflecte naturalmente na fachada do edifício, é explicada pela sua especificidade funcional. Com efeito, como demonstram uma planta e um alçado existentes no Arquivo Geral de Simancas e identificados por Rafael Moreira66 (figs. 11-12), este piso teria uma função essencialmente militar. O investigador estudou estes documentos e não apenas identificou a existência de um canhão ao centro de um espaço tetrapartido, como fez corresponder os vãos que se abrem em cada um dos lados do

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SOROMENHO, M., in PEREIRA, P., 2006, vol. VI: p. 9. KUBLER, G., 1988: p.79. 60 VITERBO, S., 1988, vol. III: p. 93. 61 KUBLER, G., 1988: p. 79. 62 SOROMENHO, M., in PEREIRA, P., 2006, vol. VI: p. 9. 63 SENOS, N., 2002: p. 104. 64 Ao longo desta dissertação utilizar-se-á sobretudo a designação torreão por ser a que melhor identifica este edifício palatino, que nunca desempenhou funções militares. 65 MOREIRA, R., 1983: pp.43-44. 66 IDEM, ibidem: p. 44 e 46. 59

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edifício (excepto a Norte) a portas centrais ladeadas por quatro canhoneiras67. Esta afirmação é também sustentada pela maioria da iconografia existente que mostra, mais ou menos consentaneamente, a presença nas fachadas Sul e Este de uma única porta flanqueada por duas aberturas de cada lado (figs. 1; 17-18.1). A Norte, este piso comunicava com um corredor e uma escadaria que levavam aos outros espaços do complexo palaciano. No mezzanino – espaço destinado a alojar os fidalgos da câmara68 – abriam-se ainda, sobre os vãos sobreditos, janelas quadrangulares em cada uma das faces do torreão. Os dois andares superiores integravam os piani nobili do palácio, estatuto que era claramente manifestado pela erudição do desenho classicista das suas fachadas. Efectivamente, nas paredes exteriores rasgavam-se cinco janelas de sacada encimadas por frontões alternadamente curvos e triangulares, distribuídas por cinco panos separados por pilastras simples, sem capitel no primeiro andar69 e jónicas no andar superior, e fechados nos ângulos por pilastras duplas. O interior do primeiro andar, composto por uma única sala, acolhia a biblioteca real, documentada a partir de 162870. O piso superior seria, ao longo de praticamente toda a história do edifício, ocupado na sua totalidade pela Sala dos Embaixadores. Tratava-se de uma espaçosíssima sala de aparato coberta por uma cúpula de majestosas dimensões que, de acordo com Rafael Moreira, era “forrada interiormente de madeira, (...) revestida, à semelhança da «Sala dos Brasões» do Paço de Sintra, de pinturas heráldicas, executadas durante o governos do Arquiduque Alberto de Áustria (1583-1593)” (fig. 20). As paredes seriam decoradas por pinturas que formavam um programa decorativo “de modelo italiano (...) [de] homenagem à nova dinastia reinante, inserindo diversas empresas (...) atribuídas à Casa de Áustria71”. A partir de um texto encontrado também no arquivo de Simancas, Rafael Moreira atribui a autoria, pelo menos, de parte desse programa ao engenheiro Leonardo Turriano72. A Sala dos Embaixadores permitia ainda acesso à cobertura onde se erguiam quatro pequenas torres nos ângulos da cúpula que cobria o torreão (fig. 21.1). A enorme cúpula quadrada era efectivamente o aspecto mais impressionante do Paço da Ribeira. Totalmente desconhecida no território português e pouco utilizada em

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IDEM, ibidem: p. 44. IDEM, ibidem: p. 44. 69 IDEM, ibidem: p. 43. 70 MONCONYS, B., 1645: p. 32. 71 MOREIRA, R., 1983: p. 45. 72 IDEM, ibidem: p. 45. 68

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solo europeu73, a cúpula viria a dignificar um complexo palaciano marcado pela ausência de outros elementos arquitectónicos que merecessem a atenção de viajantes estrangeiros, tornando-se na imagem de referência da cidade de Lisboa e num símbolo do poder régio.

A Casa da Índia, a Capela e o Pátio Para além do torreão, as obras de beneficiação que tiveram início em 1581 abrangeram também outras áreas do paço. No entanto, não é possível, no ponto em que se encontra a investigação sobre esta matéria, identificar com exactidão quais as empreitadas que foram levadas a cabo durante este período. Pela iconografia podemos perceber que houve uma harmonização do alçado da galeria que unia o torreão à Sala Grande que teve lugar entre o início da intervenção de Terzi e a visita de Filipe III em 1619 (fig. 23), e que lhe conferiu certamente desde logo o aspecto italianizante que a assemelhavam ao torreão. Sabemos também que houve alterações nas instalações da Casa da Índia nos finais do século XVI74, possivelmente no âmbito desta mesma campanha de reabilitação. Numa tentativa de encontrar uma explicação para a ausência da representação dos edifícios joaninos da Casa da Índia na iconografia seiscentista, Carlos Caetano levanta a hipótese dessas estruturas terem sido absorvidas por um novo espaço que ocuparia uma vasta área entre a galeria do paço e a Ribeira das Naus. Tratar-se-ia de uma construção que se organizava de Norte para Sul da seguinte forma: porta da Casa da Índia; pátio de acesso aos armazéns; armazéns; pátio para despacho das mercadorias e queima de produtos falsificados; e ponte com cais de desembarque75. Todos os espaços a céu aberto eram protegidos por vedações, o que, de acordo com este autor, justifica o conjunto de muros representados na gravura de Domingos Vieira Serrão e na Partida de S. Francisco Xavier para a Índia (figs. 19.1; 23.1). Infelizmente, estas considerações, ainda que viáveis, apresentam algumas fragilidades ao nível da sua sustentação documental, pelo que a elas voltarei em capítulo posterior. Para além destas duas empreitadas, temos também notícia da deslocação da capela real. Em 1581 a capela de S. Tomé abandonou o local em que se situava desde o reinado de D. Manuel passando a ocupar temporariamente outros espaços até se estabelecer 73 Kubler admite que possa existir uma influência francesa no torreão de Filipe Terzi, fundamentando a sua opinião unicamente numa casa de campo em Verneuil, Senlis, construída no terceiro quartel do século XVI (vide: KUBLER, G., 1988: pp. 81-82) e divulgada através de uma dezena de gravuras de Jacques Androuet du Cerceau a partir de 1576. Vide fig. 22. 74 CAETANO, C., 2004: p. 218. 75 IDEM, ibidem: pp. 218-221.

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definitivamente na ala Norte do paço a partir de 1619, aquando dos preparativos para a visita de Filipe III76. Na sua Chronica do Maximo Doutor E Principe dos Patriarchas Sao Ieronymo Particular do Reyno de Portugal, Fr. Manoel Bautista de Castro afirma que a capela terá sido transferida para a Sala dos Tudescos77 – anteriormente designada por Sala Grande que entretanto mudou de nome devido à guarda alemã que aí passou a assistir depois de 158178 –, onde se manteria até 161079. Neste ano, a capela foi transferida para o topo Norte do complexo palaciano, mas nova mudança viria a acontecer menos de uma década depois. Escreve Fr. Ignacio Barbosa Machado que “renovou-se esta Real Capella no anno de 1610 (...) porém chegado o de 1619 (...) [o] Marquez de Alenquer80 para evitar discomodo, que experimentavaõ os Principes em descer ao lugar inferior donde estava a Real Capella, na reforma que fez do Palacio, a collocou no andar superior”81, ou seja, no piano nobile do palácio. Depois desta deslocação vertical a capela adquiria finalmente a sua derradeira localização até sucumbir com o terramoto. A transferência da capela parece estar intimamente ligada à reforma de toda a área residencial do paço que passaria, a partir do primeiro quartel do século XVII, a organizar-se em torno de um pátio central, praticamente quadrangular, com cerca de 110 palmos de lado, ou seja 24 metros82. Na verdade, diversas descrições que serão apresentadas em capítulo apropriado confirmam que nos meados deste século a entrada principal do Paço da Ribeira se fazia já pelo Pátio da Capela83. É também pela mesma altura que esta quadra começou a ser descrita como um animado espaço comercial com várias lojas ou tendas de produtos exóticos a ocuparem o piso térreo. Era lá que Antonio Conti tinha na década de 1650 a sua loja antes de entrar no círculo privado de D. Afonso VI84. Ao tornar-se na principal entrada do paço e por ser palco de uma actividade comercial requintada, o Pátio da Capela passaria a assumir-se como um importante espaço de representação social no Paço da Ribeira.

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MACHADO, I. B., 1759: pp. 143-144. CASTRO, M. B., c.1746: fl. 516v. 78 CASTILHO, J., 1893: p. 307. 79 O facto da capela passar a ocupar a Sala dos Tudescos pode ser um indício da fraca utilização desta sala durante o período da União Ibérica, pois tratando-se de uma sala de aparato, revelava-se apenas essencial no caso de existir monarca residente. 80 D. Diego de Silva y Mendoza (1564-1630), 1º Marquês de Alenquer, desempenhou o cargo de vice-rei de Portugal de 1617 a 1621. 81 MACHADO, I. B., 1759: p. 144. 82 IDEM, ibidem: p. 154. 83 Vide infra pp. 52-53. 84 XAVIER, A. B., e CARDIM, P., 2006: p. 100. 77

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Datar a construção, ou melhor dizendo, a reabilitação de um dos pátios manuelinos preexistentes85, surge-nos como um exercício que ainda se encontra por fazer. O testemunho, já citado, de Fr. Ignácio Barbosa Machado é complementado por Fr. Cláudio da Conceição que acrescenta que a capela fora renovada em 1610 e que o mesmo sucedeu ao “seu pateo, por direcção do Marquez de Castello Rodrigo”86. Esta informação é comprovada pela análise arquitectónica do pátio em questão. Ao referir-se ao Pátio da Capela, Fr. Manoel Bautista de Castro descreve-o como “hum Claustro quadrangular (...), o qual consta de columnas de pedra de ordem Iónica, em que descanção arcos de pedraria por todos os quatro lanços, e por todos elles, tem dois andares de galarias”87 (esq. 4). A construção de pátios com arcaria de inspiração clássica em palácios e casas nobres tornara-se comum em Espanha na segunda metade do século XVI, consequência da propagação do gosto pela arquitectura civil italiana do Renascimento. Para além da edificação de pórticos em que o entablamento assenta directamente sobre colunas, como acontece no Palácio de Carlos V em Granada (c.1527) (fig. 24), expandira-se a utilização de pátios de arcaria assente em colunas clássicas. Podemos verificar estes novos valores estéticos na edificação dos pátios do Palácio de El Pardo em Madrid (c. 1543), do Alcázar de Toledo (1550-1554), do Palácio de Vázquez de Molina (1562) e do Hospital de Santiago (1562-1575) em Úbeda, do Palácio de Villena e do Palácio do licenciado Francisco Butrón em Valhadolide (meados do século XVI), e do Colégio do Patriarca em Valência (1598-1610) (figs. 25-31). Os casos de Madrid e Valhadolide suscitam particular interesse. É nestas duas cidades que encontramos, entre os exemplos referidos, os únicos pátios de arcaria jónica e importa lembrar que, se Madrid era a sede do poder desde os meados do século XVI, Valhadolide acolheu a corte de Filipe III entre 1601 e 1606. A existência de arcaria sobre colunas jónicas também não era uma novidade em Portugal, como o demonstram o claustro da Sé de Viseu (1525-1540)88 ou a galeria do “lanço novo” no Colégio das Artes em Coimbra (1548)89. No entanto, esse gosto ainda não fora adoptado pela arquitectura palaciana nacional, pelo que devemos procurar as raízes do Pátio da Capela no outro lado da fronteira. Para além de uma hipotética influência estilística importada de outras partes da Península, devemos também problematizar a presença em Lisboa no início do século XVII 85

A permanência de um dos pátios manuelinos até ao terramoto foi sugerida em SENOS, N., 2002: p. 73. MACHADO, I. B., 1759: p. 144. Cristóvão de Moura (1538-1613), 1º Marquês de Castelo Rodrigo, foi Vice-Rei de Portugal em 1603, e entre 1608 e 1612. 87 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513. 88 Vide: MOREIRA, R., in PEREIRA, P., 2006, vol. V: pp. 166-167. 89 Vide: CRAVEIRO, M. L., 2006: pp. 46-53. 86

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de um dos principais arquitectos herrerianos. Com efeito, Francisco de Mora (1553-1610), o único discípulo reconhecido por Herrera, realizou inspecções no Paço da Ribeira entre 1605 e 1608, tendo elaborado planos que foram seguidos na sua remodelação90, e, embora na maioria dos pátios e claustros herrerianos os arcos assentem em pilares aos quais se podem aplicar colunas adossadas (fig. 32), Francisco de Mora terá dado primazia aos pátios de colunas isentas. Esta preferência é comprovada, por um lado, pelo pátio que desenhou para o Palácio do Duque de Lerma em Burgos, iniciado em 1601, que é completamente rodeado por colunas isentas de ordem toscana (fig. 33). Por outro, pelo facto de aquando da recuperação do Palácio de El Pardo, da qual foi incumbido após o incêndio de 160491, ter mantido a arcaria jónica do século XVI (fig. 25). Para além disto, existe ainda uma notícia publicada por Sousa Viterbo que dá conta de Teodósio de Frias ter desempenhado o cargo de Almoxarife dos Paços da Ribeira entre data incerta, mas após 1610, e “ate que de todo seiam acabadas as obras dos ditos pasos e estrevarias, que (...) se fazem junto a porta de Santa Cnª [i.e. Catarina], pera que em tudo siga as trasas que deixou ordenadas Frco Morera [sic]”92. Assim sendo, é possível avançar a hipótese do Pátio da Capela ter sido construído à imagem das tipologias de pátios palacianos acima referidos e de Francisco Mora poder ter estado envolvido, directa ou indirectamente, na sua construção. Na ausência de testemunhos que o comprovem ou contradigam, resta deixar esta proposta para posterior investigação. A transformação do antigo pátio manuelino na entrada principal do paço obrigou, necessariamente, à criação de uma ligação ao exterior. Embora não mencione qualquer fonte, John Hampton refere que foi construída uma arcaria que permitia aceder ao Pátio da Capela no local da antiga capela de S. Tomé93, cuja entrada original se situava a Sul, no que viria a ser o Largo da Campainha – localizado a Norte da Casa Nova da Índia e a Este do Arco dos Paços (esqs. 2, 3). A ser verdadeira esta informação, foi criada uma passagem, até então inexistente, que ia do Largo da Campainha para o Pátio da Capela. A verdade é que na década de 1740 não só essa passagem era uma realidade como Fr. Manoel Bautista de Castro nos informa que “he o seu frontespicio de obra gótica, devide se a entrada em duas portas, pelas quaes se entra a hum Claustro quadrangular de mayor grandeza [o Pátio da Capela]”94. A existência de uma entrada de obra gótica no século XVIII suscita algumas questões que devem ser equacionadas. Será que poderemos aceitar a hipótese de que para 90

SOROMENHO, M., in PEREIRA, P., 2006, vol. VI: p. 9. CHUECA GOITIA, F., 1953: pp. 163-164. 92 ANTT – Chancelaria de Filipe II, Doações, liv. 21, fl. 228 (cf. VITERBO, S., 1988, vol. I: pp. 391-392). 93 HAMPTON, J. D., 1965: p. 40. 94 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513. 91

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construir a passagem de acesso ao Pátio da Capela foi mantida a fachada gótica da capela de S. Tomé? Ou será que a tese da construção de uma passagem com arcos no século XVII no local da antiga capela não tem fundamento? Uma vez mais, perante a falta de elementos que sustentem qualquer posição, as respostas a estas questões terão que ficar, por agora, em aberto. As obras parecem ter-se prolongado, de forma descontinuada, até à visita de Filipe III em 1619. Nesta fase trabalharam no paço arquitectos como Baltazar Álvares (1560-1630)95 – que continuara também a outra grande obra terciana em Lisboa, a igreja de São Vicente de Fora –, o já referido Francisco de Mora, Nicolau de Frias – mestre-de-obras da cidade de Lisboa que estivera cativo no Norte de África juntamente com Filipe Terzi – e o seu filho, Teodósio de Frias96, que, por morte do pai em 1610, tomou a direcção das obras e que, como ficou dito, desempenhou ainda o cargo de Almoxarife dos Paços da Ribeira.

DA RESTAURAÇÃO A D. JOÃO V

Após a visita de Filipe III de Espanha em 1619 e até ao início do século XVIII as fontes referentes a campanhas de obras no Paço da Ribeira são praticamente inexistentes. A transferência da corte da “aldeia” para Lisboa terá exigido certamente algumas alterações num palácio cuja imagem tanto devera à dinastia que acabara de ser deposta. No entanto, estas não devem ter constituído nunca uma prioridade, uma vez que o clima de guerra constante, a urgência da construção de um sistema defensivo da capital e as dificuldades em encontrar quem apoiasse politica e financeiramente a frágil monarquia terão inviabilizado qualquer tentativa de transformação profunda da residência régia. Ainda assim, é possível identificar algumas campanhas de obras, embora se torne difícil localizá-las temporal e espacialmente com precisão. A alteração mais evidente, que apenas é registada pela iconografia, diz respeito ao derrube da torre central da galeria que ligava o torreão às varandas da Sala dos Tudescos –

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SOROMENHO, M., in PEREIRA, P., 2006, vol. VI: p. 9. DELAFORCE, A., 2001: p. 20.

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a qual passaremos a designar por Galeria do Forte97. Numa pintura onde se representa a aclamação de D. João IV, datada do século XVII, pertencente à Fundação Casa de Bragança ainda é possível distinguir a torre central (fig. 34) ao passo que numa das gravuras de Dirk Stoop sobre a partida de D. Catarina de Bragança, datada de 1662, – e que constitui o primeiro registo visual realizado após a pintura anterior – o palácio surge já sem a dita torre (fig. 35). Contudo, a pintura da aclamação assemelha-se fortemente à gravura aberta por Domingos Vieira Serrão em 1619 incluída na crónica de João Baptista Lavanha (1622) (fig. 23), o que levanta a suspeita daquela se poder ter realizado a partir desta. Assim, o derrube da torre pode mesmo ter acontecido ainda durante o reinado de Filipe III. Por outro lado, existem também fortes possibilidades do derrube da torre ter acontecido muito mais tarde, aquando das reformas levadas a cabo por D. Luísa de Gusmão por volta de 1659 na Galeria do Forte. Com efeito, D Luísa encomendara a criação de aposentos para D. Afonso VI “à borda do Tejo”98, ou seja na galeria, pois era aí que o monarca ficaria encerrado depois da sua abdicação em 166799, podendo ter aproveitado para reformular o exterior do edifício. Assim sendo, apenas se poderá afirmar que a torre foi derrubada em data incerta entre 1619 e 1659, um hiato significativo cuja opacidade a documentação não permite desvendar. Não obstante a ruptura dinástica, o reinado de D. João IV acabaria por ser marcado por várias continuidades. Com efeito, se perscrutarmos os nomes dos arquitectos ligados à Casa Real antes e depois da Restauração verificamos que existe uma flagrante continuidade das mesmas famílias, mantendo-se a prática da hereditariedade. É o caso de Teodósio de Frias, neto daquele que fora Almoxarife do Paço, que é nomeado mestre-de-obras dos Paços da Ribeira em 1641, sucedendo no cargo a seu pai, Luís de Frias100. O mesmo aconteceu com Mateus do Couto, o velho, arquitecto das ordens militares, que depois de ter sido preso logo após a Restauração numa tentativa de eliminar possíveis ligações à corte de

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Na documentação coeva, o longo corpo arquitectónico que ia do torreão até às varandas da Sala dos Tudescos é geralmente designado por “galeria”, ao passo que o torreão é quase sempre apelidado de “forte”. Um exemplo desta afirmação é a descrição da montagem de uma varanda em madeira frente à galeria para a cerimónia de aclamação de D. João V em 1707: “No Terreiro do Paço junto á gallaria delle, que corre do canto do forte, que fica sobre o rio, até ao outro canto da varanda de pedraria, que fica para a banda da terra, se formou huma varanda de madeira.” [sublinhado meu] (RODRIGUES, M., 1750: p. 2.). Dado que o termo “forte” é frequentemente utilizado como referente geográfico –. e.g. “quarto do forte” (BRANCO, C. C., 1874: p. 31),. “o Paço do forte” (SOUSA, A.C., 1946-1955, tomo VII: p. 419) –, optou-se pela designação análoga de “Galeria do Forte”. 98 XAVIER, A. B., e CARDIM, P., 2006: p. 23. 99 Em 1667 D. Pedro II mandava “fechar de pedra e cal a serventia da Sala dos Tudescos para o forte”, prendendo o irmão dentro dos seus próprios aposentos (BARRETO, J. A. G., 1888, vol. I: p. 47). 100 VITERBO, S., 1988, vol. I: p. 398.

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Madrid, acabou por ser nomeado mestre da Aula do Paço em 1643101. Durante o processo de investigação, localizei ainda um rol com o nome dos oficiais das obras do Paço da Ribeira encomendado pelo Secretário de Estado de D. João IV, António Cavide, onde são registados os nomes dos arquitectos Mateus do Couto, o velho, Teodósio de Frias, Baltazar dos Reis e João Nunes [Tinoco?], entre aprendizes do mesmo ofício, mestres-de-obras, pintores, varredores, e até de um ladrilhador102. Como se pode constatar, os arquitectos referidos haviam desempenhado ou descendiam de famílias que desempenharam funções para a Casa de Áustria. Esta opção pelos arquitectos dos monarcas castelhanos só pode ser compreendida tendo em conta que entre 1580 e 1640 o panorama artístico português foi gravemente afectado pela ausência de uma corte fixada em território nacional, factor essencial para o desenvolvimento de um dinamismo mecenático que assegure a presença em Portugal de artistas de grande qualidade.

Ao contrário do seu irmão e do seu pai, D. Pedro II nunca habitou o Paço da Ribeira. Instalara-se no Palácio Corte-Real103 quando este lhe foi doado como parte da Casa do Infantado e, mesmo depois de assumir oficialmente o trono em 1683, não deixaria de aí residir e governar (fig. 36). Este facto é atestado por Tristão da Cunha Ataíde que informa que, aquando da chegada de D. Catarina de Bragança a Lisboa, em 1693, “veio El-Rei nosso Senhor e a Rainha Nossa Senhora para a Corte Real em cujo Palácio vivião”104, e por uma outra notícia que dá conta de que o palácio era utilizado pelo monarca para dar audiência105. D. Pedro II tinha, porém, consciência da importância simbólica do Paço da Ribeira, pelo que muitas das recepções oficiais continuavam a ser aí efectuados, como é o caso da audiência que o monarca deu ao embaixador extraordinário do Duque de Sabóia, o Marquês de Ornaro, em Março de 1681 a propósito da negociação do casamento da princesa D. Isabel106. Pela mesma razão, quando o arquiduque Carlos de Áustria,

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GOMES, P. V., 2001: p. 204. BA, 51-IX-3: f. 217. Este rol não está datado, mas encontra-se acompanhado de outra documentação da década de 1640. 103 Erguido num terreno doado por D. Manuel a Vasco Eanes Corte-Real sobre umas casas construídas no século XVI junto à Porta de Cata-que-farás, o Palácio Corte-Real começou a ser construído em 1585 por Cristóvão de Moura Corte-Real, 1º Marquês de Castelo Rodrigo, e passou para a posse da coroa brigantina em 1642 aquando da confiscação dos bens da família Castelo Rodrigo, partidária dos interesses espanhóis após a Restauração. O Palácio Corte-Real tornou-se na mais importante residência da Casa do Infantado, instituída por D. João IV entre 1654 e 1655 para assegurar rendimentos próprios aos filhos segundos dos reis de Portugal. Em 1668 o palácio seria devolvido à família que nunca o chegou a ocupar, tendo-o vendido à coroa em 1751 (SILVA, A. V., 1987: pp. 97-108). 104 ATAÍDE, T. C., 1990: p. 131. 105 SERRÃO, J. V., 1960: p. 38. 106 SOUSA, A.C., 1946-1955, tomo VII: p. 267. 102

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pretendente ao trono espanhol durante a Guerra da Sucessão Espanhola, visitou Lisboa em 1704, foi no Paço da Ribeira que ficou acomodado107. No entanto, D. Pedro II nunca abandonaria a antiga residência de Cristóvão de Moura. Para evitar os constantes incómodos de deslocação de um palácio ao outro, que implicava obviamente a passagem pelo exterior, D. Pedro II ordenou, em 1668 (já regente portanto), que se construísse um passadiço entre os dois palácios “para que se comunicassem uns com os outros edifícios”108. Na Partida de S. Francisco Xavier para a Índia é representado, imediatamente a Norte da Ribeira das Naus, um longo corpo longitudinal a unir os dois palácios (fig. 19.2), que deverá corresponder ao referido passadiço. O passadiço de D. Pedro II e a campanha de reabilitação patrocinada por D. Luísa de Gusmão em 1659 assumem-se como as únicas obras dignas de registo durante a segunda metade do século XVII. Seria necessário esperar por D. João V e pelo ouro do Brasil para voltar a ter no paço obras de grande envergadura.

O REINADO D’O MAGNÂNIMO

Os remendos no Paço da Ribeira O ano de 1707 marca o início do derradeiro capítulo da história do Paço da Ribeira. A subida ao trono de D. João V trouxe um novo dinamismo às práticas de vivência cortesã da monarquia portuguesa, promovendo o desenvolvimento de um ritual de corte inspirado nas grandes cortes absolutistas da época. No espírito d’o Magnânimo sempre estiveram presentes a Versalhes de Luís XIV e a Roma papal, cujo mecenato artístico tentou igualar. Mas a chegada a Lisboa de D. Maria Ana d’Áustria, bem como de toda a sua comitiva, representa a primeira importação directa de novos modelos cortesãos. Como sugeriu Yves Bottineau, é, porventura, Viena, e não tanto Roma, que podem ter impulsionado D. João V a alterar subitamente os velhos costumes da corte brigantina109. Assim, decalcando o exemplo do absolutismo centro-europeu, D. João V rapidamente deu início a um processo de exaltação da figura régia que procurou reflectir nas grandes obras a imagem do poder e da magnificência real. 107

IDEM, ibidem: p. 301. BARRETO, J. A. G., 1888, vol. I: pp. 77-78. 109 BOTTINEAU, Y., 1973: pp. 342-343. 108

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As primeiras campanhas de obras no Paço deverão ter ido pouco além da já imperiosa reabilitação de um espaço que não era utilizado quotidianamente pelo monarca desde que D. Afonso VI fora exilado nos Açores. Os pesados dispêndios exigidos pelo envolvimento português na Guerra da Sucessão de Espanha terão certamente dificultado estes trabalhos, para não falar da impossibilidade de arriscar projectos mais ambiciosos, mas o matrimónio régio de 1708 tornava absolutamente urgente acolher condignamente a filha do Imperador alemão. Assim, nos meados de 1708 corriam em paralelo obras em diversas zonas do paço. A escassez de fontes torna difícil saber a quem foram incumbidas estas empreitadas e em que consistiram exactamente, mas José da Cunha Brochado menciona alterações nos aposentos do rei e numa divisão que servira de biblioteca110. Também desde o ano anterior vinham decorrendo obras na capela palatina, havendo notícia do envolvimento do ainda desconhecido João Frederico Ludovice111. Todos estes trabalhos foram naturalmente acompanhados por um investimento na redecoração dos interiores, ainda que esta questão esteja largamente por estudar112. Uma notícia revelada por António Filipe Pimentel veio dar conta de que no ano seguinte teve início a construção de um jardim na parte ocidental da Galeria do Forte113, o que demonstra que esta reforma inicial do paço estendeu-se para além dos espaços interiores. Algumas descrições de Lisboa no século XVIII mencionam, efectivamente, a existência de um jardim junto à Ribeira das Naus114, sensivelmente no mesmo local onde no século XVI se encontrava o Jardim d’El Rey. No entanto, desde a construção da Casa da Índia Nova no reinado de D. João III e até ao século XVIII que o jardim surge apenas ocasionalmente referido e representado na iconografia do paço, o que lança algumas dúvidas sobre a sua perdurabilidade durante este período.

Os projectos de um monarca absoluto A década de 1710 iria assistir a um redireccionamento dos planos de D. João V para o seu palácio de Lisboa. Logo em 1710, o monarca conquistou a primeira vitória

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Vide: PIMENTEL, A. F., 2002: p. 101. Cf. PEREIRA, J. F., in PEREIRA, P., 2006, vol. VII: p. 55. 112 A participação de Vicenzo Baccherelli e de Pierre-Antoine Quillard tem sido avançada por alguma historiografia, porém, sem que seja apresentada qualquer prova documental (CASTILHO, J., 1893: p.111; DELAFORCE, A., 2001: pp. 33-34 e 50). 113 PIMENTEL, A. F., 2002: p. 102. 114 BRANCO, C. C., 1874: p. 32. 111

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diplomática no seu intenso e conturbado relacionamento com Roma, obtendo de Clemente XI a elevação da capela real do Paço da Ribeira a Colegiada. Este sucesso permitiu aumentar a pressão sobre o papado e, seis anos mais tarde, a capela era finalmente erigida à dignidade de Patriarcal. Os projectos para obras no paço passaram então a focar-se no engrandecimento da capela e na construção de habitação condigna para o antigo bispo do Porto e novo patriarca, D. Tomás de Almeida. Foi neste contexto que em 1719 foi chamado a Lisboa o arquitecto siciliano Filippo Juvarra a quem D. João V incumbiu de desenhar, não uma nova capela, mas sim um novo palácio real que integrasse uma basílica patriarcal. O enormíssimo complexo palaciano projectado por Juvarra, que é conhecido através de uma série de desenhos conservados no Museu Cívico de Turim115 (figs. 37-38), acabaria por não ser edificado116, mas veio demonstrar que ao monarca português já não lhe bastavam meros remendos no Paço da Ribeira. Não se concretizando a ideia de um palácio-basílica em Lisboa, D. João V concentrou-se no projecto que começava a ganhar forma em Mafra. Ainda antes de se abrirem os alicerces em 1716 já o monarca projectava aumentar o número inicialmente previsto de 13 franciscanos para uma comunidade de 80. Mas foi depois de colocada a primeira pedra que o projecto aumentou vertiginosamente, passando a querer acomodar 300 monges117. A dimensão do projecto, a urgência do seu financiamento, a necessidade constante de verificação de detalhes e a correspondência frenética com os emissários em Itália, para que estes enviassem plantas e desenhos que servissem de base ao desenvolvimento da empreitada, absorviam todas as atenções do monarca. O investimento realizado no palácio-convento de Mafra terá, por isso, desviado o pensamento do Paço da Ribeira, que só voltaria a receber obras significativas uma década depois dos planos delineados por Juvarra.

O contributo de Antonio Canevari No final da década de 1720, goradas as expectativas de edificação de um grande complexo palatino-eclesiástico em Lisboa que rivalizasse com o Palácio Apostólico em 115

Os projectos de Juvarra para D. João V foram estudados por Aurora Scotti (SCOTTI, A., 1976: pp. 51-63). Os argumentos de Francisco Xavier da Sylva para o não seguimento do projecto (a longa duração da obra e os custos envolvidos) têm sido geralmente aceites pela historiografia, mas José Fernandes Pereira contesta esta justificação e defende antes uma inadequação dos planos de Juvarra à tradição arquitectónica portuguesa, pois “a rejeição contemplava o «fundamentalismo» italiano do projecto quando a política joanina era apenas italianizante”. Esta posição poderá ainda explicar o investimento de D. João V no projecto de Mafra durante este mesmo período. (Vide: PEREIRA, J. F., in PEREIRA, P., 2006, vol. VII: p. 56). 117 PIMENTEL, A. F., 2002: pp. 138-139. 116

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Roma e estando praticamente concluída a obra de Mafra, D. João V recentrou a sua atenção na Ribeira. O monarca tirou então partido da presença em Portugal, entre 1727 e 1732, de Antonio Canevari, cuja vinda ao reino esteve provavelmente relacionada com a sua participação nas obras do Aqueduto das Águas Livres. De resto, desde 1721 que o arquitecto trabalhava para o monarca português, nomeadamente na construção do Bosco Parrasio na Academia da Arcádia em Roma, projecto que deixou por concluir ao vir para Lisboa em 1727, onde foi recebido como um dos maiores arquitectos do seu tempo. Da actividade de Antonio Canevari em Portugal apenas chegaram até nós duas obras: o conjunto arquitectónico associado ao palácio patriarcal em Santo Antão do Tojal; e a Torre do Relógio da Universidade de Coimbra. Porém, Canevari foi também incumbido de outros projectos, entre os quais se contam alguns para o Paço da Ribeira118. As fontes referentes à actividade do arquitecto italiano no paço são surpreendentemente escassas, havendo apenas parcas alusões de Francisco Xavier da Sylva à construção de uma escadaria nos aposentos da rainha e à reconstrução da Torre do Relógio (existente no Paço desde o século XVII, mas cuja data de edificação original não é possível determinar). E pese embora o facto do supracitado biógrafo não ser suficientemente claro, é possível que a edificação dos aposentos dos príncipes do Brasil, D. José e D. Mariana Vitória, tenha sido igualmente dirigida por Canevari. O amplo reconhecimento da qualidade do resultado obtido suscitou naturalmente invejas às quais João Frederico Ludovice – o principal arquitecto régio – não foi de todo imune. De acordo com Ayres Carvalho, Ludovice terá mesmo contribuído activamente para tecer uma teia de intrigas que acabaria por levar à expulsão do arquitecto italiano em 1732119. Das várias obras atribuídas a Canevari, a escada principal dos aposentos da rainha120 é aquela de que temos menos informação, não existindo qualquer referência ou descrição pré-terramoto para compreender onde se localizava exactamente e como se dispunha. Em contraste, os trabalhos na Torre do Relógio121 (fig. 19.3) são hoje bem mais conhecidos, sobretudo devido a um capítulo assinado por Gustavo Matos Sequeira em 1925. Este autor chega mesmo a apresentar um desenho que dá por original (entenda-se pré-terramoto; fig. 9) e, embora não o localize, não existe nada que leve a colocar essa afirmação em causa. De acordo com este autor, a recuperação da Torre do Relógio foi 118 VITERBO, S., 1988, vol. I: pp. 160-162; CARVALHO, A., 1960, vol. II: p. 131; p.161; FERRARIS, P., in ROCCA, S. V., e BORGHINI, G., 1995: pp. 56-57; PIMENTEL, A. F., 2007: p. 55; SERRÃO, V., 2003: pp. 190-191. 119 CARVALHO, A., 1960, vol. II: p. 374-375. 120 SYLVA, F. X., 1750: p. 232. 121 SEQUEIRA, G. M., 1925: pp. 181-182.

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dirigida por Antonio Canevari e cingiu-se apenas às sineiras. Sobre a base preexistente – e visível na iconografia dos séculos XVII e XVIII (figs. 21.2, 39) – foi edificado um pedestal quadrangular de cantos chanfrados, para colocação do relógio, sobre o qual se ergueu uma estrutura de arcos de volta perfeita separados nos cantos por pilastras coríntias e coberta por um coruchéu com as armas da coroa portuguesa, terminando todo o conjunto numa esfera de madeira revestida a bronze rematada por uma cruz do mesmo metal. A obra dilatar-se-ia tendo a instalação dos sinos, cuja fundição fora dirigida por Nicolas Lavache no campo de Santa Clara, ocorrido somente a 19 de Dezembro de 1734, mais de dois anos passados sobre a partida de Canevari122. De acordo com Matos Sequeira também a outra torre do paço, a da Patriarcal (fig. 10), devia o seu traço ao arquitecto italiano, “que principiou a obra que durou apenas seis meses, concluindo-se nas antevésperas do Corpo de Deus do ano de 1744”123. Ora, como vimos, Canevari abandonou o país em 1732, pelo que esta afirmação não pode obviamente estar correcta. Além disso, nenhuma das fontes encontradas até esta data corrobora a opinião deste autor no que respeita à Torre da Patriarcal. Na lista de projectos atribuídos a Antonio Canevari surgem também os aposentos dos Príncipes do Brasil124, atribuição que assenta nos escritos de Francisco Xavier da Sylva. Porém, o biógrafo nunca o afirma directamente, limitando-se a dizer que D. João V “(...) augmentou tambem o Palacio de Lisboa com a escada principal do quarto da Augustissima Senhora Rainha, delineada, e executada pelo Architecto Antonio Canavaro; e com casas novas (...). Reedificou outras quando succedeo atearse o fogo em hum dos quartos do mesmo Palacio, e o ennobreceo, e extendeo com outras muitas obras; além dos quartos que fez, hum para Sua Magestade reynante, quando Principe, em 1728 (...). Augmentou pela direcçaõ do sobredito Architecto a Torre, para nella se collocar hum bom Relogio”125. Assim, ainda que seja admissível que Canevari possa ter estado envolvido na construção dos aposentos josefinos, como é convicção de Ayres de Carvalho126, não o podemos dar por verdade absoluta127.

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IDEM, ibidem: p. 181. IDEM, ibidem: pp. 192-194. 124 CARVALHO, A., 1960, vol. II: p. 361; FERRÃO, L., in MOITA, I., 1994: p. 271. 125 SYLVA, F. X., 1750: p. 232. 126 CARVALHO, A., 1960, vol. II: p. 361. 127 No levantamento que fez de documentação relativa a Canevari, Sousa Viterbo não encontrou nenhum outro documento que confirmasse a atribuição dos aposentos dos príncipes do Brasil ao arquitecto romano (Vide: VITERBO, S., 1988, vol. I: pp. 160-162). 123

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Os anos 30 Nos começos da década de 1730 o paço beneficiava novamente de largas campanhas de requalificação. A par das empreitadas projectadas por Antonio Canevari que acabam de se mencionar, empreendiam-se outras que iriam alargar consideravelmente a área residencial, sendo a obra mais notável a edificação, sobre o eirado da Casa da Índia128 – um amplo terraço criado depois das últimas modificações, nos finais do século XVI, nos edifícios daquela instituição comercial –, de aposentos próprios para D. José e D. Mariana Vitória, cujo matrimónio fora contraído em 1729 (esq. 5). As fontes não são concordantes no que respeita à data do início das obras. Na passagem do texto de Francisco Xavier da Sylva que transcrevemos anteriormente, o autor data a construção da nova ala palatina de 1728129. Contudo, se acompanharmos as notícias das Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de Évora ou o Diário de Francisco Xavier de Menezes, constatamos que em Abril de 1731 ainda não haviam principiado as obras e que estas só viriam a estar concluídas em finais de Maio do ano seguinte130. Pela exactidão dos pormenores registados nestas duas últimas referências documentais, a imprecisão do biógrafo de D. João V pode ficar adever-se ao seu distanciamento temporal dos factos. Chegaram até nós outras informações dispersas sobre alguns trabalhos que iam sendo desenvolvidos durante estes anos de 1730. Júlio de Castilho, retomado posteriormente por Angela Delaforce, dá conta, sem referir porém a fonte, que no ano de 1731 terão os tectos dos aposentos da rainha sido pintados por Pierre-Antoine Quillard131. Também sobre a biblioteca são registadas algumas alterações por Francisco Xavier de Menezes, que terão procurado responder ao seu contínuo crescimento. Na verdade, terá sido certamente por esta altura que a colecção da livraria do rei alcançou a dimensão e a qualidade que a colocou a par das mais prestigiadas congéneres europeias da época132.

A Patriarcal De todas as áreas do Paço da Ribeira que foram alvo de beneficiação durante o período joanino, nenhuma concentrou mais a atenção do monarca, bem como da historiografia posterior, do que a capela palatina. Assumindo-se como um verdadeiro work 128

LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. I: 10 Abril 1731, p. 121. SYLVA, F. X., 1750: p. 232. 130 LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. I: 10 Abril 1731, p. 121, e vol. II: 27 Maio 1732, p. 102; BRASÃO, E., 1943: p. 31. 131 CASTILHO, J., 1893: p. 111; DELAFORCE, A., 2001: p. 50. 132 Sobre as aquisições de D. João V para a biblioteca real veja-se: DELAFORCE, A., 2001: pp. 67-116. 129

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in progress, a capela encontrou-se em permanente mutação sendo impossível afirmar que alguma vez tenha sido dada como definitivamente terminada. De acordo com António Filipe Pimentel, as obras na capela tiveram início logo em 1707, durante a primeira campanha de requalificação do paço, dada a existência de uma notícia sobre o alargamento da capela-mor133. Contudo, é possível reforçar a afirmação do autor com uma informação que nos é dada por Angela Delaforce segundo a qual, no mesmo ano, se terá procedido à construção de uma capela dedicada ao Santíssimo Sacramento numa das naves laterais do edifício134. O nome de João Frederico Ludovice é dado, por Pimentel, como quase certo na direcção do projecto, sobretudo a partir de 1712, quando a morte de João Antunes e a partida para Roma de Carlos Gimac terão deixado o caminho aberto ao ourives alemão135. O mesmo autor remete o final desta primeira campanha de obras para pouco depois de 1712, apoiando-se para isso na correspondência diplomática que passa a incidir sobretudo sobre as reformas ao nível da decoração interior, dando a entender que as campanhas arquitectónicas estavam já terminadas. No entanto, no exterior começam a operar-se grandes transformações a nível arquitectónico, com os primeiros trabalhos de abertura de uma nova praça ao lado da capela, construindo-se uma enorme escadaria que permitia aceder-lhe directamente a partir da rua (fig. 13.1:C). É a capela resultante desta campanha que o abade de Sever, Fr. Inácio Barbosa Machado, descreve no seu relato sobre a festa do Corpus Christi de 1719136. Como ficou dito, os projectos para a edificação de raiz de um grande palácio que integrasse uma basílica patriarcal, desenvolvidos logo a partir de 1716, terão relegado a capela palatina para segundo plano. Mas no final da década seguinte, sem ter conseguido levar a cabo a edificação do seu palácio-basílica, o monarca viu-se obrigado a conformar-se com a ideia de transformar a capela do Paço da Ribeira na sede do patriarcado. Assim sendo, a partir dos anos de 1730137 acentuou as campanhas de dignificação que iniciara em 1707 e que nunca dera por terminadas, “accrescentando em algumas partes a fabrica do

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“Determinou ElRey fazer Seê a sua Capella Real, e tem recorrido ao Papa, e de camº vai fazendo nella mtas obras com noua cappª mor e mil mudanças mais” (cf. SILVA, J.S., 1933: p. 98, apud PIMENTEL, A. F., 2002: p. 97). Fr. Inácio Barbosa Machado reafirma que antes de 1719 D. João V “lhe accrescentou [à capela] quasi meya Igreja na grandeza, com que rompendo, e demolindo muitos edificios, lhe adiantou as naves, e fez a Capella mór” (MACHADO, I. B., 1759: pp. 144-145). 134 Cf. Archivio Segreto Vaticano Portogallo, seg. 66, fol. 260-260v apud DELAFORCE,A., 2001: p. 179. 135 PIMENTEL, A. F., 2002: nota 468, pp. 280-281; Vide também: CARVALHO, A., 1960, vol. II: p. 333. 136 MACHADO, I. B., 1759: pp. 144-156. 137 Fr. António do Sacramento afirmava por volta de 1778 que “a Santa Igreja Patriarchal foi fundada pelo senhor Rey D. João V de feliz recordação, pelos annos de 1730, pouco mais ou menos” (SACRAMENTO, A., 1929: p.7 apud PIMENTEL, A. F., 2002: p. 108).

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edificio quanto foi possível”138. Em 1733 o monarca começava então a comprar casas na área a Norte do paço a fim de poder erguer uma ala para residência do patriarca e de toda a sua corte eclesiástica. A 8 de Dezembro desse mesmo ano, Francisco Xavier de Menezes registava no seu diário que “continua-se a compra de mtas cazas na Tanoaria, e dizem comprará El Rey todas as da Rua Nova da pte do Paço, de q se infere se cuida da nova Igreja Patriarchal, em que entrará parte do mesmo Palácio”, e uma semana mais tarde “já se derrubão a Ilha das Cazas da Rua Nova de Almada q El Rey comprou por 12 V cruzados, e não se comprão tantas na Tanoaria, e Rua Nova como se dizia”139. Mas enquanto não se encetavam as obras, a capela ia sendo requalificada, particularmente ao nível da decoração interior, o que deve ter comportado elevadíssimos custos, pois “para o seu culto se tem exaurido todas as minas da terra”140. Com a ligação da dignidade de cardeal à de patriarca em 1738, e com a aglutinação da velha Sé de Lisboa pela igreja patriarcal em 1740, os reparos e enriquecimento de interiores deram finalmente lugar a uma energética campanha de construção e uniformização arquitectónica, de feições monumentais, da capela e dos edifícios anexos141. As transformações no interior devem ter incidido apenas ao nível da decoração, mas foram suficientes para alterar radicalmente a sua aparência uma vez que a descrição da capela realizada pelo Chevalier de Courtils, em 1755, dá uma visão de uma igreja muito diferente da de Fr. Barbosa Machado142. Ao nível arquitectónico as transformações operaram-se então no exterior. Em meados de 1740 falava-se na aquisição de casas particulares junto à capela a fim de serem demolidas para darem espaço ao novo edifício, e em Dezembro do mesmo ano trabalhavam já no estaleiro da Patriarcal duzentos pedreiros com cargo de oficial que dirigiam a abertura dos alicerces e preparação da pedraria143. Marie-Thèrese MandrouxFrança defende que a Patriarcal era a raison d’être dos aposentos construídos nesta década, destinados não apenas ao patriarca, mas a toda a sua corte. Urgia, por isso, nobilitar todo o espaço envolvente, o que implicou, por um lado, a erecção de elementos arquitectónicos de cariz monumental, como eram os arcos, as escadas e os grandes portais, e, por outro, a libertação de uma enorme praça frente à nova igreja de modo a integrá-la na malha urbana

138

CASTRO, J. B., 1762-1763, tomo III: p. 194. BRASÃO, E., 1943: pp. 207-210. 140 RESENDE, M. M., 1730: p. 21. 141 MANDROUX-FRANÇA, M.-T., 1989: pp. 35-37. 142 COURTILS, J. B. C.-C., 1965: pp. 153-154. Vide infra pp. 87-89 143 MATTOZO, L. M., 1934-1940, vol..II: 23 de Julho de 1740, p. 20, e 3 de Dezembro de 1740, p. 141. 139

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com a devida dignidade144, projecto que tivera início ainda durante a primeira campanha de obras quando se ergueu a escadaria monumental descrita pelo abade de Sever. No âmbito de todo este projecto de requalificação, foi aumentada em 1743 a Torre Sineira da Patriarcal (fig. 10). A colocação do sino parece ter constituído um processo verdadeiramente difícil e moroso. Fundido em 1732 para ser colocado na Torre do Relógio, o seu tamanho colossal – “dos de mayor grandeza que se admiraõ no Mundo”145 – impediu que coubesse na torre desenhada por Canevari146, pelo que seria destinado àquela outra que haveria de se reforçar sobre a Patriarcal. Dez anos passados, o sino, entretanto armazenado junto ao Terreiro do Paço, começaria a ser finalmente erguido na Torre da Patriarcal nos finais de Julho, estando o processo concluído a 5 de Agosto147. A 7 do mês seguinte o sino repicava pela primeira vez pela ocasião das festividades do nascimento de D. Maria Ana d’Áustria148. Um dos últimos projectos a desenvolver-se nesta fase de obras foi a reformulação das escadas que ligavam a Patriarcal ao Pátio da Capela (fig. 13.1:A). Ainda que não tenhamos informação sobre o ano em que se iniciou a campanha, sabemos que D. João V “fez as escadas, que daõ subida para a mesma igreja [a capela], de que a principal, he a que começa no pateo, ou Claustro, a que chamão da Capella, e se acabou de todo para o dia da Sagraçaõ”149, ou seja, na semana de 13 a 20 de Novembro de 1746150. Como aventou António Filipe Pimentel, esta escadaria deve ter substituído aquela descrita por Fr. Barbosa Machado um quarto de século antes, pois localizava-se precisamente no mesmo local151. Esta fase construtiva viria a ser dada como oficialmente concluída aquando da consagração da capela em 1746152. Porém, os trabalhos iriam decorrer no novo palácio dos Patriarcas até 1755, não chegando nunca a ser terminados153. À morte de D. João V, depois da conclusão, em 1749, da edificação dos aposentos para as suas netas154, o Paço da Ribeira era a imagem do absolutismo monárquico português, congregando no mesmo complexo espacial os poderes político, comercial,

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MANDROUX-FRANÇA, M.-T., 1989: p. 37. SYLVA, F. X., 1750: p. 97. 146 LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. II: 23 Dezembro 1732, p. 182. 147 SEQUEIRA, G. M., 1925: p. 197 148 SYLVA, F. X., 1750: p. 97. 149 IDEM, ibidem: pp. 96-97. 150 MANDROUX-FRANÇA, M.-T., 1989: p. 37. 151 PIMENTEL, A .F., 2002: p. 109 (vide: MACHADO, I. B., 1759: p. 153). 152 MANDROUX-FRANÇA, M.-T., 1989: p. 37. 153 BRANCO, C. C., 1874: p. 33. 154 SYLVA, F. X., 1750: p. 232. 145

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judicial, e finalmente, o poder eclesiástico. D. José acrescentar-lhe-ia a única infra-estrutura que lhe faltava para poder ser equiparado às residências dos mais poderosos monarcas europeus seus contemporâneos: um teatro. No entanto, fora o Magnânimo o responsável por transformar um paço de raiz tardo-medieval, com isoladas alterações classicistas, num palácio adequado a um rei barroco.

O DERRADEIRO QUINQUÉNIO

A última fase da história do Paço da Ribeira tem sido encarada como um momento de transição do ritual de corte português. A atenção que D. José deu à música profana, nomeadamente à operística italiana, vem sendo interpretada como uma reacção ao ritual de corte joanino, marcado pela música e festas religiosas155. Contudo, esta posição deve ser revista. A ópera não era, na verdade, uma novidade na corte portuguesa: de 20 de Janeiro de 1733, por exemplo, existe notícia de se preparar no paço “hũ grande teatro para tres operas que compos Alexandre Gusmão”156. Além disto, Giuseppina Raggi identificou um conjunto de desenhos, que se conservam em Turim, como se tratando de esboços para um teatro português, atribuindo-lhes a autoria a Filippo Juvarra. A investigadora italiana levanta a hipótese destes desenhos terem sido elaborados pelo arquitecto siciliano depois de ter abandonado Portugal. A confirmar-se esta proposta, este conjunto de desenhos pode vir a mostrar que D. João V chegou a considerar a construção de um teatro de ópera para o Paço da Ribeira, colocando assim de parte a ideia de um exclusivismo da música eclesiástica na vida de corte lisboeta da primeira metade do século XVIII157. No entanto, independentemente dessa possibilidade, a música profana só ganhou casa própria no palácio no reinado josefino. O teatro, primeiro na Sala dos Embaixadores e depois em edifício autónomo, iria assim assumir-se como o principal espaço para os divertimentos cortesãos.

O Teatro do Forte Não obstante ter sido concebido como arquitectura efémera, o Teatro do Forte

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MENDONÇA, I. M. G., 2003: p. 24; JANUÁRIO, P., 2008, vol I: p. 278. LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. II: 20 Janeiro 1733, p. 193. 157 RAGGI, G., 2004: pp.540-550. 156

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ocupa um importante lugar na história da arte em Portugal, não fosse ele o primeiro exemplo de construção de teatros à italiana no país158. O projecto foi encomendado ao arquitecto italiano Giovanni Carlo Sicinio Galli Bibiena (1717-1760) que chegara a Lisboa em Fevereiro de 1752 para servir na corte de D. José. A excelente reputação do seu nome de família atravessava toda a Europa e a experiência na construção de espaços teatrais e na concepção cenográfica faziam dele a escolha indicada para responder aos desejos do filho d’o Magnânimo. Assim que atracou em Lisboa foi imediatamente incumbido de conceber um “teatro grande e stabile”, como nos revela uma carta do Conde de Malvasia de Novembro de 1752159. Porém, rapidamente se lançou também na construção de um pequeno teatro efémero a ser erguido na Sala dos Embaixadores160 (esq. 5), de modo a cobrir as necessidades da corte enquanto não era construída a Casa da Ópera. A proposta de Gustavo Matos de Sequeira segundo a qual a edificação da Ópera do Tejo fora ordenada devido à exiguidade da Sala dos Embaixadores161, foi já refutada por Pedro Januário na sua tese de doutoramento162. Com efeito, aquela carta do Conde de Malvasia demonstra claramente que a primeira incumbência dada a Galli Bibiena foi precisamente a de erguer um teatro de raiz. Construído em madeira e gesso, e seguindo um modelo que vinha já sendo recorrente em Itália163, o Teatro do Forte, assim designado por ter sido instalado na Sala dos Embaixadores, seria inaugurado a 12 de Setembro de 1752, o que revela que a duração dos trabalhos de edificação foi inferior a sete meses164. Concebido como espaço provisório, este teatro veria a sua actividade ser encerrada aquando da inauguração do Teatro Real da Ópera, em Março de 1755.

A Ópera do Tejo ou “Patriarcal Josefina” A construção de um teatro de raiz com dimensões suficientemente grandes para poder ombrear com as principais cortes europeias, deve ter estado nos planos de D. José desde a sua subida ao trono. O enorme prestígio da família Galli Bibiena, as várias ligações

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JANUÁRIO, P., 2008, vol I: p. 278. Cf. MENDONÇA, I. M. G., 2003: pp. 27-29; JANUÁRIO, P., 2008, vol I: p. 278. 160 JANUÁRIO, P., 2008, vol I: p. 277 e seg. 161 Matos Sequeira escreveu, num pequeno texto sobre os Teatros Reais do século XVIII, o seguinte: “A escassês da «Sala das Embaixadas» gerou o projecto grandioso que depois se veio a executar (...)” (SEQUEIRA, G. M., 1933: pp. 284-285). 162 JANUÁRIO, P., 2008, vol I: p. 279. 163 MENDONÇA, I. M. G., 2003: p.30. 164 IDEM, ibidem: p. 29; JANUÁRIO, P., 2008, vol I: p. 281. 159

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familiares de D. Maria Ana de Áustria e de D. Mariana Vitória a cortes que já haviam solicitado os serviços de Ferdinand (1656–1743) ou Francesco Galli Bibiena (1659-1739)165, e a presença de uma forte comunidade italiana em Portugal são possibilidades de explicação para a decisão de chamar a Portugal Giovanni Galli Bibiena166. A opção revela uma clara continuidade da política mecenática de influência italiana de D. João V. Porém o móbil já nada tinha que ver com o desejo de fundar uma nova Roma, mas sim com o ambição de reproduzir as práticas cortesãs que caracterizavam as grandes cortes absolutistas da época. Foi no prolongamento para Ocidente da ala dos aposentos dos infantes – a Sul da Rua do Arco dos Cobertos (esqs. 2, 5) – que se decidiu erguer o Teatro Real da Ópera. A sua proximidade ao rio acabaria por lhe dar o nome pelo qual ficaria conhecido: a Ópera do Tejo. O espaço não estava, contudo, inteiramente desimpedido, pelo que existe notícia de ter havido necessidade de derrubar parte da muralha fernandina da cidade, não só para construir o teatro, mas também para alargar as ruas167. A obra foi adjudicada por João Pedro Ludovice (1701-1760)168, filho do arquitecto de Mafra que após a morte do pai assumiu o cargo de director das obras régias, tendo a escritura pública sido passada a 7 de Julho de 1752169. A construção das partes estruturais do edifício teve início logo de imediato, e por volta de Agosto do ano seguinte já se empreendia a aplicação das madeiras que iriam dar forma ao interior do edifício. Em Junho de 1754 tinha início a fase final de revestimento dos interiores, que incluía os trabalhos de estuque e douramento170. Apesar do tamanho da obra, que levaria um visitante francês a considerá-la excessivamente grande para um teatro particular171, o processo construtivo foi surpreendentemente rápido. Para isto deve ter contribuído o facto de Bibiena contar com uma vasta equipa de artistas a trabalhar consigo. Repartindo-se a sua actividade em Portugal entre as obras dos três teatros em que estava envolvido – do Forte, do Tejo e de Salvaterra de Magos – e a elaboração de cenários172, o arquitecto bolonhês reuniu em seu redor um grupo de artistas italianos, entre os quais Gian Giacomo Azzolini (1723-1791), Marco Riverditi (1713-1763), Paolo Dardani (1726-1788), Filippo Maccari (1725-1800) e

165 Francesco Galli Bibiena desenhara o Hoftheater em 1704 para Leopoldo I, imperador do Sacro-Império Romano-Germânico, avô de D. José I, e trabalhara, tal como o irmão Ferdinand, para os Bourbon de Espanha, família a que pertencia a rainha D. Mariana Vitória (JANUÁRIO, P., 2008, vol I: pp. 461-464). 166 IDEM, ibidem: pp. 461-464. 167 JANUÁRIO, P., 2008, vol I: p. 513. 168 INFANTE, S., in AAVV, 1987: p. 39. 169 JANUÁRIO, P., 2008, vol I: p. 477. 170 IDEM, ibidem: p. 514. 171 COURTILS, J. B. C.-C., 1965: p. 163. 172 MENDONÇA, I. M. G., 2003: p.21.

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Francesco Cignani173. Este enorme investimento na construção de um teatro à italiana, arquitectado e decorado por artistas italianos, é revelador tanto da permanência do legado de D. João V, como dessa incessante necessidade de afirmação nacional perante as cortes europeias. A Ópera do Tejo seria inaugurada a 31 de Março de 1755 com a ópera Alessandro nelle Indie, de David Perez. Sete meses mais tarde, o “teatro grande e stabile” ruiria juntamente com o grosso do Paço da Ribeira. Pela sua curtíssima existência, a Ópera do Tejo acabaria por se tornar no maior dos símbolos da vida efémera do Paço da Ribeira.

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Isabel Godinho Mendonça apresenta breves biografia sobre estes artistas em IDEM, ibidem: pp. 38-41.

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NAS VÉSPERAS DO TERRAMOTO Enquadramento urbano e morfologia dos volumes

A reconstituição do Paço da Ribeira, no seu estado imediatamente anterior ao terramoto de 1755, deve saber responder a três níveis de questões que se revelam determinantes para obter uma visão integrada dos espaços e da sua inter-relação: onde ficava o Paço?; como era exteriormente constituído?; e como se organizava internamente? Neste capítulo irei estruturar os dados colhidos durante o processo de investigação para dissipar algumas dificuldades que têm surgido ao tentar responder a estas interrogações. Assim, primeiramente, exporei o meu ponto de vista relativo ao enquadramento urbano do palácio e à organização dos seus volumes arquitectónicos. No sub-capítulo seguinte, será apresentada, pela primeira vez, uma proposta de reconstituição planimétrica do interior do Paço da Ribeira. Será o entrecruzamento das plantas parciais existentes, da iconografia e das várias descrições ou referências escritas que permitirá apresentar soluções que me parecem coerentes e sólidas para as questões levantadas.

ENQUADRAMENTO URBANO

Conseguir delimitar a ocupação espacial do Paço da Ribeira no tecido urbano da cidade de Lisboa é uma tarefa primordial e da qual depende a capacidade de reconstituir a organização dos vários corpos palatinos. Não obstante, a maioria dos autores que vêm trabalhando sobre o palácio tem evitado comprometer-se com qualquer proposta, pelo que, à excepção de Augusto Vieira da Silva e, mais recentemente, de Nuno Senos, nenhum outro autor procurou estabelecer o perímetro do Paço, optando por insistir na descrição das fachadas conhecidas pela iconografia e pelas descrições setecentistas. Importa, por isso,

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tentar compreender, perante as plantas existentes e as várias descrições escritas, onde começava e acabava o Paço da Ribeira. As plantas topográficas de Lisboa de João Nunes Tinoco de 1647 e de Manuel da Maia de 1716, bem como o projecto de reconstrução da Baixa de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel de 1757 constituem o fundo documental do qual partirei para desvendar a superfície total ocupada pelo palácio. Recorrerei ainda à planta traçada e anotada por Vieira da Silva para levantamento da toponímia relativa às ruas que circundavam o Paço (fig. 8). Na planta do arquitecto seiscentista a inscrição “Paços Reaes” é colocada sobre um vasto bloco edificado imediatamente a Norte da Casa da Índia e da célebre galeria que partia do Torreão de Terzi (fig. 14). Esta informação não é indicativa de que toda essa área fosse ocupada pelo palácio ou por serviços com ele relacionados. Com efeito, o facto de D. João V ter procedido à compra de uma série de casas junto à Tanoaria para construção dos aposentos patriarcais174 demonstra como o paço coabitava com propriedade privada. Por outro lado, o paço também se estendia para além deste corpo ocupando espaços, não apenas sobre a Casa da Índia, mas também a Norte do Terreiro do Paço até ao Arco dos Pregos175 (esq. 2). O mapa de Manuel da Maia, que tem a particularidade de registar os espaços vazios dentro das propriedades, apresenta o Paço da Ribeira durante os inícios do reinado de D. João V (fig. 40). A maior diferença entre os dois mapas diz respeito à ausência, no mapa setecentista, da estreita rua que cortava o Paço em dois a Norte do terreiro. No entanto, não é de crer que tenha desaparecido. Com efeito, o Pe. João Bautista de Castro em 1763 dava conta de ter existido à época da rainha D. Maria Ana d’Áustria uma Porta da Moeda a Norte do Terreiro do Paço entre o paço e o Arco dos Pregos176. Este assunto foi já explorado por Vieira da Silva que demonstrou tratar-se do Arco dos Passarinhos que aí existiu até ao terramoto177. Apesar desta imprecisão, o mapa de Manuel da Maia revela, por outro lado, uma interessante distinção de volumes na área da Casa da Índia que revelam a existência de dois pátios e do eirado. O projecto de Eugénio dos Santos e de Carlos Mardel para a reconstrução da Baixa, traçado sobre a planta da cidade que acabara de desaparecer, é o único documento que oferece um registo fidedigno na área do palácio imediatamente antes do terramoto (fig. 41).

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BRASÃO, E., 1943: pp. 207-210. Vide SENOS, N., 2002: pp. 142-143; CASTRO, M. B., c.1746: fl. 512v. 176 CASTRO, J. B., 1762-1763, tomo III: p. 80. 177 SILVA, A. V., 1987, vol. II: pp. 166-167. 175

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A extensão para os aposentos patriarcais e a ala à qual foi acoplada a Ópera do Tejo são bem visíveis. Mas se, por um lado, esta planta permite estabelecer os limites do paço a Noroeste, por outro, fica ainda a dúvida se toda a área a Nordeste até à Rua do Arco dos Pregos seria efectivamente ocupada pelo palácio e seus serviços ou se poderiam aí existir outro tipo de ocupações, nomeadamente residências privadas. Dado o silêncio das fontes, a Rua do Arco dos Pregos apenas pode ser considerada como limite máximo do paço, e não como o seu limite efectivo. Perante estas plantas, e graças ao contributo de Augusto Vieira da Silva, é possível afirmar que, no Outono de 1755, o Paço da Ribeira era limitado a Norte pela Rua da Calcetaria e Rua Nova dos Ferros, a Nordeste pelo Beco do Jardim e Rua do Arco dos Pregos, a Sudeste e Este pelo Terreiro do Paço, a Sul pelo rio Tejo, a Sudoeste pela Ribeira das Naus, a Oeste pelo Beco da Fundição, e a Noroeste pela Calçada Nova de S. Francisco da Cidade (esqs. 1, 2).

ORGANIZAÇÃO DOS VOLUMES

Durante a sua estadia em Lisboa, em Junho de 1755, o jovem Chevalier de Courtils afirmou que “Il me serait difficile de bien rendre le palais du roy. C’est une multitude de bâtiments placés sans goût, sans ordre et sans architecture”178. Esta dificuldade sentida por Courtils em descrever o Paço da Ribeira é reflexo da complexidade da organização dos diversos corpos que, ao longo da história do palácio, foram sendo anexados, acrescentados e reformulados. Perante a ausência de imagens das várias faces do paço, reconstituir a disposição dos principais volumes assume-se como um exercício que só será possível através do entrecruzamento da iconografia existente, das diversas descrições escritas e das práticas arquitectónicas das várias épocas pelas quais passou o paço. Os corpos do Paço da Ribeira que podemos descrever com maior segurança são, naturalmente, aqueles que se encontram virados para o Terreiro do Paço. Do Torreão de Terzi junto ao Tejo partia a longa Galeria do Forte, de apenas dois pisos179 – um térreo com pé-direito duplo e um piano nobile –, que comunicava com o bloco de três pisos das 178

COURTILS, J. B. C.-C., 1965: p. 147. Junto ao torreão, ocupando os dois primeiros vãos, a Galeria do Forte tem três pisos para poder acomodar a caixa das escadas que dava acesso à Sala dos Embaixadores.

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velhas varandas da Sala dos Tudescos – que doravante será designada por Varanda de Pedraria dado ser esta a designação utilizada numa descrição da aclamação de D. João V assinada por Miguel Rodrigues em 1750180. O encaixe destes dois elementos não é consensualmente representado pela iconografia. Porém, existem quatro vistas de Lisboa – uma em 1662, outra em 1693, e duas na primeira metade de setecentos – que representam o primeiro piso do corpo das varandas ao mesmo nível que as janelas que se abrem no mezzanino da Galeria do Forte (figs. 1; 17.2; 42; 43). A Varanda de Pedraria é também representada como sendo ligeiramente mais baixa do que a Galeria, mas da mesma altura que a fachada a Norte do terreiro, que se compõe também por três pisos. Atravessando o Arco dos Paços, sob o topo norte da Galeria do Forte, entrava-se no Largo da Campainha181 todo ele rodeado “de bellas galerias”182 (esqs. 2, 3). A designação de galeria remete para duas possibilidades construtivas. Por um lado pode tratar-se de “hum lanço de edificio, ao comprido, cuberto, & de ordinario sustido sobre columnas”, tal como se pode observar na Varanda de Pedraria; por outro “tambem há galerias sustidas sobre paredes com muytas janellas”183, o que fundamenta a designação de Galeria do Forte. Este duplo significado permite avançar a hipótese das fachadas dos corpos que dão para este largo serem a continuação daquelas que delimitam o Terreiro do Paço. De facto a pintura com a vista de Lisboa pertencente ao Palácio de Weilburg representa a fachada a Norte do Largo da Campainha organizada em três níveis continuando a arcaria da Varanda de Pedraria até cerca de um terço do largo (fig. 44.1). Foi aliás Nuno Senos quem mostrou como a varanda, enquanto elemento arquitectónico, se assumia como via de comunicação preferencial no paço quinhentista, declarando mesmo que “dir-se-ía que todo o edifício está rodeado por elas”184. Relativamente ao lado Sul do largo, é de crer que se verificasse igualmente uma continuação da fachada da Galeria do Forte. Com efeito, na vista de Lisboa com a partida de S. Francisco Xavier do Museu Nacional de Arte Antiga observa-se que esse corpo – que limitava a Norte a Casa da Índia – era composto apenas por dois andares (fig. 19.1), pelo que é provável que fossem da mesma altura da fachada do Terreiro do Paço. Na extremidade ocidental do corpo a Sul deste largo ficava a Torre do Relógio, abrindo-se imediatamente ao lado uma passagem para a Ribeira das Naus, onde

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RODRIGUES, M., 1750: p. 2. Esta designação é usada, por exemplo, por Barbosa Machado (cf. MACHADO, I. B., 1759: p. 197). 182 BRANCO, C. C., 1874: p. 29. 183 BLUTEAU, R., 1712-1728, vol. IV: p. 14. 184 SENOS, N., 2002: p. 122. 181

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provavelmente se localizavam um conjunto de arcos – referidos numa notícia de 1732185 e por Vieira Lusitano n’o Insigne Pintor (...)186 –, e uma outra a Noroeste deste largo que comunicava com a Rua do Arco dos Cobertos (esq. 2). Em 1719, esta comunicação fazia-se através do arco da Tanoaria, que deve ter sido mantido até ao terramoto187. Na verdade, na planta do complexo patriarcal publicada por Marie-Thérèse Mandroux-França existe uma pequena abertura no lado Sul do edifício que poderá corresponder a uma passagem sobre este arco (fig. 13). No lado Norte do Largo da Campainha existiam outras três passagens sob a área residencial do paço (esq. 2). A primeira dessas passagens, com o seu “frontespicio de obra gótica” e dividida “em duas portas”188, dava acesso ao Pátio da Capela. De acordo com Fr. Barbosa Machado, tratava-se de um “magestoso pateo, fabricado à maneira de claustro sobre arcos de pedra, que descançaõ em capiteis bem lavrados, e estes firmados em grossas, e altas columnas de marmores (...) e por cima dos arcos sobre huma cornija de marmore se levantaõ em quadro duas ordens de galarias” com janelas com “varandas de grades de ferro (...) rematando-se a magnificiencia destas soberbas galarias com huma simalha Real”189. Estamos portanto perante um pátio interior cercado de um peristilo ao nível do piso térreo e de duas galerias com janelas de sacada sobre os arcos (esq. 4). A segunda passagem localizava-se a Ocidente da anterior, junto ao arco da Tanoaria, e dava acesso ao Largo da Patriarcal. De acordo com uma descrição anónima publicada por Camilo Castelo Branco, tratava-se, não de uma abertura, como a passagem para o Pátio da Capela, mas sim de um “saguão”, ou seja, um átrio190. O mesmo se verificava com a terceira passagem, a que o autor chama “vestíbulo”, já na Rua do Arco dos Cobertos, que permitia entrar no pátio dos aposentos do patriarca191 (esq. 2). Os aposentos patriarcais constituíam um dos mais recentes e mais imponentes corpos arquitectónicos do Paço da Ribeira nas vésperas do terramoto. Embora não estivesse totalmente concluída na manhã do 1º de Novembro de 1755, esta parte do paço é, paradoxalmente, a que melhor conhecemos. Devemo-lo a algumas descrições contemporâneas, à planta que Marie-Thérèse Mandroux-França publicou (fig. 13) e à gravura de Jacques Philippe Le Bas (fig. 45), cujo rigor tem sido colocado em causa, mas 185

LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. II: 23 Dezembro 1732, p. 182. LUSITANO, V., 1780: p. 562. 187 MACHADO, I. B., 1759: p. 155. 188 CASTRO, I. B., c.1746: fl. 513. 189 IDEM, ibidem: p. 154. 190 De acordo com Raphael Bluteau, o termo saguão “val o mesmo que lugar cuberto na entrada de hũa casa” (BLUTEAU, R., 1712-1728, vol. VII: p. 432). 191 BRANCO, C. C., 1874: p. 33. 186

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que coincide praticamente na sua totalidade com a referida planta192. Perante estes dados, poder-se-á descrever genericamente este corpo como um bloco de três pisos, cuja fachada principal ficava virada para o Largo da Patriarcal, e que apresentava duas entradas de grande monumentalidade, uma a Sul da praça, que comunicava com a Rua do Arco dos Cobertos, e outra a Ocidente, que dava para um pátio interior a partir do qual se podia aceder novamente àquela rua. A planta em análise revela ainda um destaque do eixo central da fachada no lado Sul da praça, denunciando assim a marca ludoviciana de fazer ladear os vãos centrais em número ímpar por vãos simétricos em número par193. O mesmo se verifica na fachada a Ocidente. Neste caso, para poder alinhar o vão central com o pátio dos aposentos patriarcais sem desrespeitar o principio da tripartição, Ludovice ladeou o portal com dois pares de janelas e implementou uma pilastra à direita do último deste vãos de modo a poder continuar o edifício, mas tornando claro que se tratava de um outro espaço, o que é ainda reforçado por um espaçamento maior entre as duas últimas janelas (fig. 45). A Este do Largo da Patriarcal situava-se a basílica. Comunicando com o exterior através de um portal de grandes dimensões, que sobreviveu ao terramoto e que hoje podemos admirar na fachada da Igreja de S. Domingos ao Rossio194 (fig. 48). Acedia-se-lhe através de uma escadaria monumental (fig. 13.1:C). Este conjunto de degraus adquiria dimensões verdadeiramente impressionantes, quer em termos de área, que praticamente correspondia à do pátio dos aposentos patriarcais, quer em termos de altura, dado que a capela estava localizada no primeiro andar do Paço. A escadaria era por isso o principal elemento de destaque, não apenas desta fachada, mas também de todo o Largo da Patriarcal (esq. 10-11). Contrastando fortemente com a quantidade de informação de que se dispõe para caracterizar os edifícios em torno do Largo da Patriarcal, a ausência total de fontes, iconográficas ou escritas, sobre os corpos volumétricos Norte e Nordeste do paço da Ribeira torna praticamente impossível descrever essa área do palácio. Esta escassez de fontes aponta para duas explicações possíveis. Em primeiro lugar para o facto da residência 192

Em ambos os estudos que realizaram sobre a Ópera do Tejo, Sérgio Infante e Pedro Januário demonstraram que existe uma grande verosimilhança entre a gravura do teatro e as plantas por eles apresentadas. Uma vez que a gravura das ruínas da Patriarcal faz parte do mesmo álbum e tendo em consideração a grande semelhança que existe entre esta gravura e a planta que se conserva na Biblioteca Nacional, considero que não se pode, de forma nenhum, ignorar a gravura de Le Bas (cf: INFANTE, S., in AAVV, 1987: pp. 39-43; JANUÁRIO, P., 2008, vol. I: pp. 702-705 e 712). 193 O palácio-convento de Mafra e o palácio do Bairro Alto são duas obras de Ludovice onde podemos verificar esta prática (figs. 46-47). 194 CARVALHO, A., 1960, vol. II: p. 378. 48

régia poder estar adossada, nesta zona, a habitações particulares às quais se acedia a partir da Rua da Calcetaria e da Rua Nova dos Ferros (esq. 2). Por outro lado, também podia ser uma zona exclusivamente destinada a serviços do paço, designadamente às cozinhas que, por motivos funcionais e de segurança, não deveriam comportar pisos nobres sobre si. Em ambos os casos não parece terem existido quaisquer motivos que justificassem ser estes espaços incluídos nas descrições coevas que chegaram até nós. Todavia, a área mais controversa do Paço da Ribeira diz respeito a todo o espaço a Ocidente da Galeria do Forte e a Sul do Largo da Campainha. Tratava-se de um espaço mais ou menos quadrangular, ocupado pela Casa da Índia no piso térreo, que foi alvo de várias campanhas de obras durante o reinado de D. João V para responder às necessidades crescentes de acomodação dos novos elementos familiares (esq. 5). Assim, entre 1731 e 1732 foi erguido, sobre o eirado que cobria a Casa da Índia e paralelamente ao rio, um conjunto de divisões adossado ao corpo que dava a Norte para o Largo da Campainha195. Em 1749 dava-se por terminada uma outra extensão, esta localizada, muito provavelmente, a Oeste daquele, e disposta perpendicularmente ao rio com comunicação às outras áreas do Paço a Norte196. No centro deste enorme quadrângulo localizava-se o pátio da Casa da Índia e a Sul, separado do rio por um troço de muralha197, ficava um pequeno jardim, que é visível na maioria das vistas de Lisboa desde a partida de D. Catarina de Bragança para Inglaterra (figs. 16.1, 36, 39; esq. 5). Finalmente, a descrição dos corpos que compunham o Paço da Ribeira fica completa com uma referência à grande obra patrocinada por D. José. A Sul da Rua dos Cobertos dispunha-se um edifício de grandes dimensões que, com os seus seis pisos, se elevava muito acima dos aposentos do Patriarca (esq. 5). Tratava-se da celebérrima Ópera do Tejo. Comunicando directamente com o paço, a Casa da Ópera apenas deveria ter destaque arquitectónico na fachada Norte. A gravura de Le Bas permite afirmar que esta era rasgada por várias fileiras de janelas quadrangulares (fig. 49), contudo, não possuímos qualquer registo, visual ou escrito, que nos permita descrever os elementos decorativos exteriores. A escassez de referências a muitos destes volumes pode ser explicada pelo pouco interesse arquitectónico que provavelmente deveriam ter. As fontes concentram-se sobretudo na descrição da fachada que dava para o Terreiro do Paço – por certo a mais 195

LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. II: 22 Maio 1731, p. 128. SYLVA, F. X., 1750: p. 232. 197 Este troço de muralha constituía parte da Linha Fundamental de Fortificação de Lisboa desenhada no reinado de D. João IV para defesa da cidade (ROSSA, W., 2002: p. 91). 196

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monumental e, pelo seu classicismo, a mais apreciada pelos viajantes europeus do século XVIII – e na das decorações interiores, não faltando alusões à decoração azulejar da capela198, aos móveis dos aposentos do rei199 ou aos brocados das várias áreas residenciais200. Serão muitas destas descrições da decoração interior que irão permitir reconstituir a morfologia interna do Paço que se passa a desenvolver no próximo capítulo.

198

MACHADO, I. B., 1759: p. 147; VILLEGAS, D. E., 1670: p. 110. MERVEILLEUX, C. F., 1738, tomo II: p. 156. 200 CASTRO, M. B., c.1746: fls. 514-514v. 199

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NAS VÉSPERAS DO TERRAMOTO Organização dos espaços interiores

Sendo este um trabalho que procura reconstituir o Paço da Ribeira nos momentos imediatamente anteriores ao seu desaparecimento, a abordagem utilizada privilegiará a descrição dos espaços no seu estado em 1755 e o modo como se relacionavam entre si, e não a ordem cronológica das suas datas de construção. Logo, as divisões do paço serão agrupadas de acordo com as suas funções principais: entradas, salas de aparato, aposentos, serviços e instituições, jardins, e espaços destinados às artes ou ciências (biblioteca, ópera, casa dos retratos, etc). Assim, não só teremos finalmente um levantamento de todos os espaços do paço de que temos notícia, como poderemos compreender qual o lugar que ocupavam no ritual cortesão dos Bragança do século XVIII.

ENTRADAS

Pela sua fundação tardo-medieval, e apesar das contínuas transformações de que beneficiou ao longo de quase 250 anos, o Paço da Ribeira nunca possuiu, nos séculos XVII e XVIII, uma entrada monumental destacada de uma das suas múltiplas fachadas. Esta característica distinguia o palácio da monarquia portuguesa da maioria dos seus congéneres europeus e os visitantes estrangeiros que vinham a Lisboa não deixavam de a registar201. A entrada principal do Paço da Ribeira ficava, nesta época, no Pátio da Capela, no centro da

201

O Chevalier de Courtils afirma que “on peut dire exactement que le palais est sans aucunes avenues et sans cour qui l’annoncent” (vide: COURTILS, J. B. C.-C., 1965: p. 147).

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parte mais antiga do palácio, podendo também aceder-se à casa do rei através do pórtico da Varanda de Pedraria202 ou do piso térreo do Torreão de Terzi (esq. 5).

Pátio da Capela Escreve o Chevalier de Courtils que “l’entré le plus noble est celle que donne dans la cour voisine de la patriarchale”203. As razões que levam o visitante francês a esta constatação são de diversa ordem, mas considero que podem destacar-se a erudição da sua arquitectura, o género de actividade comercial que aí tinha lugar e a exclusivismo do acesso. Em capítulos anteriores foi já descrita a arquitectura deste espaço. Estamos perante uma “quadra (...) toda rodeada de galerias de arcos sobre columnas [“de ordem Iónica”204], com janellas ao de cima bem rasgadas”205 dispostas em “duas ordens de galarias”. “Têm todas as janellas varandas de grades de ferro” e é o conjunto rematado com “huma cimalha Real, que serve de ennobrecer a todo o mais edificio”206 (esq. 4). Confrontando estas informações com a obra de Francisco de Mora é possível detectar muitas semelhanças com o pátio do Palácio do Duque de Lerma em Burgos (fig. 33), pelo que reforçamos a necessidade de explorar a hipótese de se dever a este arquitecto a autoria do Pátio da Capela207. De todo o modo, trata-se de um pátio de marcada influência renascentista que, pelo seu planeamento integrado de matriz clássica, se distingue do conjunto mais antigo do palácio, afirmando-se como um elemento de erudição artística. O Pátio da Capela era muito mais do que um simples largo de acesso ao paço. Era um requintado espaço comercial onde podia encontrar-se todo o tipo de produtos exóticos. O texto anónimo publicado por Camilo Castelo Branco informa que “por baxo d’estas arcadas ou galerias, em toda a circumferencia, ha muitas tendas e lojas onde se acha tudo que mais precioso ha no mundo, ouro, diamantes e outras pedras preciosas”208. Esta informação é confirmada por outros autores209, o que demonstra como os produtos aí 202

Este corpo arquitectónico erguia-se no mesmo local onde no reinado de D. Manuel existia uma escada de acesso ao paço (vide SENOS, N., 2002: p. 88). 203 COURTILS, J. B. C.-C., 1965: p. 147. Relembramos que a Patriarcal de D. João V resulta da reformulação da capela palatina, pelo que apesar desta deixar de ser referida como capela, o pátio que lhe dava acesso garantiu a permanência da memória toponímica Pátio da Capela. 204 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513. 205 BRANCO, C. C., 1874: p. 29. 206 MACHADO, I. B., 1759: pp. 153-154. 207 Vide supra pp. 24-25. 208 BRANCO, C. C., 1874: p. 29. 209 “Entrant dans le Palais, on trouve une cour quarrée, environnée de portiques, où divers marchands étalent des ouvrages rares & précieux, qu’on aporte des Indes ou d’autres pays étrangers.” (COLMENAR, J. A., 1715, tomo V: p. 753); “le dessous [des Portiques] est occupé par des Marchands qui y debitent des Manufactures 52

transaccionados tornavam o Pátio da Capela num espaço de elite, frequentado necessariamente por uma camada da população com amplo poder económico. A dignidade do Pátio da Capela era reforçada pela restrição do acesso dos coches, sendo apenas permitida a entrada de viaturas “das pessoas reaes, Embaxadores, Cardeais, e Duques”210. Francisco Xavier da Sylva relata como D. João V concedeu ao patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida, “por Carta do Secretario de Estado Diogo de Mendonça Corte Real, de 25 de Setembro de 1711, [o direito de] poder entrar no pateo da Capella com a sua carruagem, e da sua familia, todas as vezes que fosse ao Paço”211. Este nível de exclusividade tornava o Pátio da Capela no principal acesso a ser utilizado durante muitas das entradas ou saídas públicas dos monarcas e embaixadores estrangeiros212.

Varanda de Pedraria Para além do Pátio da Capela, podia entrar-se no palácio pela Varanda de Pedraria. Tratava-se de um edifício no canto Noroeste do Terreiro do Paço com três pisos, sendo o superior ocupado por “sallas da obra antigua” e tendo “embacho huma varanda, tudo com grades de ferro, [e] sendo o fundamento huns degraos de pedra, por donde se sobe a huma plataforma, em que assiste uma companhia de soldados Infantes”213. Esta plataforma no piso térreo, descrita como sendo “un péristile assé médiocre”214, permitia a comunicação entre o exterior e a Sala dos Tudescos215 (fig. 18.1; esq. 5). A iconografia representa este edifício com dois andares de arcarias encimados por uma fileira de janelas de sacada. O desenho de Zuzarte (fig. 18), apesar de apresentar discrepâncias relativamente ao encaixe da Varanda de Pedraria com a Galeria do Forte quando comparado com outros registos visuais, representa os dois pisos inferiores como duas logge, étrangeres” (MALLET, A. M., 1683, tomo II: p. 312); “on trouve une belle grande Cour quarrée, environnée de beaux Portiques, qui sont remplis de Boutiques où l’on vend toutes sortes de galanteries et de bijouteries” (SAUSSURE, C., 1909: p. 17.); “Cette cour est garnie de colonnes de pierre autour desquelles il y a plusieurs boutiques.” (COURTILS, J. B. C.-C., 1965: p. 147). 210 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513v. 211 SYLVA, F. X., 1750: p. 77. 212 Durante o casamento de D. Pedro II com D. Maria Sofia de Neuburgo em Agosto de 1687 “chegou o bargantim Real a huma ponte, que se havia fabricado na da Casa da India de admiravel architectura, a qual se communicava com o pateo da Capella Real por onde se encaminharaõ as Magestades (...): quando chegaraõ ao pateo acharaõ ahi a Senhora Infanta D. Isabel (...) [e] Sobiraõ a Capella.” (Sousa, op. cit., tomo VII, p. 279). A propósito a estadia do arquiduque Carlos d’Áustria em Lisboa em 1704, escreve também D. António Caetano de Sousa que “(...) querendo ElRey Catholico ir ver o Convento de Belem, baixou do Paço acompanhado da sua Corte, e da sua Guarda ao pateo da Capella, e alli entrou no coche (...)” (SOUSA, A. C., 1735-1749, tomo VII: p. 305). 213 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 512. 214 COURTILS, J. B. C.-C., 1965: p. 147. 215 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 512.

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concordando, assim, com a obra de Dirk Stoop, com a vista de Lisboa de 1693, com o painel de azulejos do Museu da Cidade, e com a gravura de van Merle (figs. 1, 17, 42-43). Pese embora o facto de permitir uma ligação directa entre o Terreiro do Paço e o interior do palácio, a entrada pela Varanda de Pedraria perdeu o carácter áulico que possuíra no tempo de D: Manuel. Com efeito, em cerimónias oficiais que decorreram nos séculos XVII e XVIII esta entrada foi sempre secundarizada face ao Pátio da Capela, pois a restrição do acesso tornavam este último num importante palco para efeitos de representação social. Acrescente-se que o facto da entrada das varandas dar directamente para a rua pode significar que era utilizada quotidianamente pela população para aceder aos vários serviços instalados no piso térreo. A utilização assídua desta entrada por todo o tipo de pessoas não só impossibilitava a devida distância dos elementos da “sociedade de corte” portuguesa, como podia traduzir-se num aumento da insalubridade desse espaço, dando azo à crítica de César de Saussure em 1730 de que “les Escaliers et les dehors de ce beau Palais sont fort malpropres et remplis d’ordures”216. Assim, a Varanda de Pedraria era mesmo preterida face à outra entrada possível: o Torreão de Terzi.

Torreão de Terzi O andar inferior do Torreão, há muito sem função militar, constituía a terceira via de acesso ao paço, servindo de átrio de recepção a embaixadores estrangeiros que chegassem a Lisboa pelo rio (fig. 11; esq. 5). Uma das ocasiões em que isso aconteceu foi pela chegada a Lisboa do embaixador extraordinário de Malta em Outubro de 1728. Permanecendo no seu navio após a entrada no Tejo, o embaixador desceu no dia 22 a um bergantim com o seu cortejo “e desembarcando na ponte da Caza da India sahiraõ ao saguaõ do Forte e [subiram] pellas Escadas athe o Corredor que vem pª a Salla dos Tudescos”217. A entrada pelo forte não só devia provocar um grande impacto visual como permitia aceder a partir do rio à Sala dos Embaixadores ou, pela Galeria do Forte, à Sala dos Tudescos. Existe outro episódio semelhante que permite supor que esta entrada fosse assaz utilizada. Trata-se da entrada oficial de D. Maria Ana d’Áustria em 1708, por ocasião do seu casamento com D. João V. Depois de ser recebido pela rainha na sua câmara dentro do navio que a trouxera a Lisboa, o casal real entrou num bergantim que os levou à ponte que 216 217

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SAUSSURE, C., 1909: p. 17. B.N.P. Reservados – Arquivo Tarouca, n.158, volume VII, ofício de Outubro de 1728 (vide doc. 3).

conduzia ao torreão, por onde subiram a escada do paço para se dirigirem à Capela Real218. Este exemplo demonstra portanto como o piso térreo do torreão, que há muito perdera a sua função defensiva, foi completamente integrado no discurso de exaltação régia da monarquia portuguesa, passando a desempenhar um importante papel enquanto sala de recepção oficial. Na verdade, tratava-se apenas de reforçar uma tradição de cerimonial cujas raízes remontavam ao baluarte e à ponte manuelinos219.

SALAS DE APARATO

As salas de aparato do Paço da Ribeira, pela sua dimensão, pelos seus programas decorativos e pela solenidade dos actos que aí tinham lugar, desempenharam um importante papel enquanto espaço privilegiado para a glorificação da figura régia. Uma vez que não faz parte dos objectivos deste trabalho explorar os aspectos decorativos do paço, este sub-capítulo concentrar-se-á em demonstrar como a localização das salas de aparato e a sua arquitectura ajudavam a veicular a ideia de soberania desejada pelo monarca.

Sala dos Tudescos A egrégia Sala dos Tudescos foi, de longe, a sala de aparato mais importante do Paço da Ribeira ao longo de toda a sua história. Erguida no primeiro andar do edifício da Varanda de Pedraria ainda em tempo de D. Manuel, a Sala Grande, como foi designada até o arquiduque Alberto de Áustria ter aí disposto uma unidade da Guarda Alemã logo após 1580220, era uma das salas mais antigas do palácio que se manteve em utilização, e sem alterações de nota, até ao colapso do edifício (esq. 5). Atravessando, portanto, toda a vida do palácio, a Sala dos Tudescos conservou ao longo dos tempos a sua polivalência que a caracterizava já no tempo de D. Manuel221. Sabemos que foi palco de recepção de representantes diplomáticos e de reunião de Cortes, e que terá certamente sido local privilegiado para a realização de outras cerimónias oficiais

218

SOUSA, A. C., 1735-1749, tomo VIII: p. 33. Sobre a ponte as entradas áulicas a partir do rio no período manuelino veja-se SENOS, N., 2002: pp. 92-94 e 98-102. 220 CASTILHO, J., 1893: p. 307. 221 Sobre a Sala Grande vide: SENOS, N., 2002: pp. 127-134. 219

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ou para organização de banquetes. A sua imponência e significado tornavam-na inconfundível, sendo comum surgir na documentação como ponto de referência para localizar outras áreas do palácio222. Uma das características que mais distinguia a Sala dos Tudescos de todas as outras salas do paço era o seu tamanho. O autor da descrição anónima dada a conhecer por Camilo Castelo Branco refere que a sala media 130 palmos de comprimento por 76 de largura223, o que se traduz em cerca de 28,60m por 16,72m, ou seja, cerca de 479m2. Ainda que a Sala dos Embaixadores pudesse competir em termos de medidas (c. 400m2)224, a Sala dos Tudescos oferecia outras vantagens que aquela não detinha. O facto de se tratar de uma sala interior – isto é, sem janelas directas para a rua – tornava a Sala dos Tudescos ideal para a ostentação da extensa colecção de tapeçarias dos Bragança. Através de D. Diego Enriquez de Villegas sabemos que em 1669, por ocasião das celebrações do baptismo da princesa D. Isabel – filha primogénita de D. Pedro II do seu casamento com D. Maria Francisca Isabel de Sabóia –, a Sala dos Tudescos estava armada com as tapeçarias de Tunis, um conjunto bordado a seda e ouro com a representação da conquista desta cidade pelo imperador Carlos V onde figuravam algumas embarcações da armada portuguesa225. Uma vez que as tapeçarias podiam ser colocadas e retiradas consoante o evento, estas eram penduradas na Sala dos Tudescos com o objectivo de comunicar uma mensagem aos seus visitantes. A preferência por esta sala podia residir, em parte, na importância que as tapeçarias detinham no discurso político. O facto da Sala dos Embaixadores estar, como veremos, rodeada de janelas por todos os lados, tornava a Sala dos Tudescos muito mais adequada para desempenhar actos oficiais onde fosse necessário utilizar as tapeçarias para veicular uma forte imagem propagandística do monarca português. A presença regular de tapeçarias na Sala dos Tudescos aliada ao facto do seu comprimento quase duplicar a sua largura permite colocar a hipótese de ser neste espaço 222 Surgem as designações de “escadas dos Tudescos” (Despacho, provavelmente de Francisco de Lucena, c.1641-1642, B.A.: 51-IX-3: f.203) ou “Varanda da Sala dos Tudescos”. (CONCEIÇÃO, C., 1818, tomo XII: p. 15). 223 BRANCO, C. C., 1874: p. 29. Júlio de Castilho afirma que a Sala dos Tudescos media 103 palmos de comprimento por 55 de largura, mas como não identifica a sua fonte optei pelas medidas da descrição transcrita por Camilo Castelo Branco (vide CASTILHO, J., 1893: p. 313). 224 Embora não existam medições da Sala dos Embaixadores, pode considerar-se que esta devia ter cerca de 20m de lado a partir das informações anexas à planta do torreão no Arquivo Geral de Simancas. Ao descontar-se os 3,8m de espessura das paredes e o seu rebatimento na parte superior do primeiro piso aos 25m de lado que o torreão tinha na base obtém-se um valor aproximado de 20m de lado para a referida sala. (cf.: MOREIRA, R., 1983: p.45). 225 VILLEGAS, D. E., 1670: p. 116 (vide também SEQUEIRA, G. M., 1916: p. 149).

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que decorreu a cerimónia do lava-pés representada numa gravura de Laurent Debrie (activo em Portugal de 1728 a 1755) aberta em 1748 onde D. João V surge ajoelhado a desempenhar o ofício de sacerdote (fig. 50). Com efeito, a sala aí representada é de uma extensão considerável e as aberturas à esquerda da imagem poderiam corresponder à saída para a varanda que dava para o Terreiro do Paço. Acrescente-se ainda que as tapeçarias do lado direito apresentam cenas de um combate naval, podendo portanto reportar-se à referida tapeçaria de Tunis (fig. 50.1). Infelizmente não existem outros elementos que permitam esclarecer esta dúvida, pelo que esta hipótese terá que aguardar confirmação futura. Um dos eventos de maior importância que decorria na Sala dos Tudescos era a reunião de Cortes. Assim aconteceu, por exemplo, em 1668 e 1697226, mas somente as sessões solenes aí tinham lugar. Os trabalhos normais eram desenvolvidos noutros locais, nomeadamente fora do palácio, como sucedeu em 1697 em que depois da abertura oficial na Sala dos Tudescos, os três estados passaram a reunir-se em locais separados227. Como temos vindo a observar, são de diversa ordem os acontecimentos que a Sala dos Tudescos acolhia. A acreditar da possibilidade da gravura do lava-pés de Laurent Debrie representar efectivamente este espaço, vemos que a sala podia ser preparada para receber banquetes (fig. 50.2). Mas podia igualmente acolher embaixadores estrangeiros, pois temos notícia de em 1669 o embaixador de França, depois de ter feito entrada em Lisboa, se ter dirigido à Sala dos Tudescos para ser oficialmente recebido228. E a 8 de Dezembro de 1708 José da Cunha Brochado informava que se preparava “uma caza para jogo de tabolas e de truque, que naõ hé justo que no Paço so os Archeiros joguem o Albergue na salla dos Tudescos”229, o que demonstra que a sala não era somente utilizada para fins políticos ou propagandísticos. Para além de um espaço polivalente que podia receber uma vasta diversidade de eventos, a Sala dos Tudescos era também uma área de passagem. Perante a ausência de corredores na parte antiga do palácio, e fazendo-se toda a circulação através das divisões, não é de estranhar que a maior sala do paço seja muitas vezes referida apenas en passant. Porém, é a partir destas curtas referências que sabemos que a Sala dos Tudescos comunicava com o Pátio da Capela (através de umas escadas)230, com a Varanda de 226

Vide BARRETO, J. A. G., 1888, vol. I: p. 59 e CONGRESSO DA NOBREZA, 1824: p. 1. CONGRESSO DA NOBREZA, 1824: p. 3. 228 BARRETO, J. A. G., 1888, vol. I: p. 121. 229 BROCHADO, J. C., 1816, vol. XVI: pp.20-21 230 MALLET, A. M., 1683, tomo II: p. 312 227

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Pedraria231 e com o último piso do paço232, estabelecendo ainda ligação entre o Pátio da Capela e a Galeria do Forte233. A Sala dos Tudescos era, por isso, um espaço de distribuição, possibilitando a comunicação entre a entrada e as zonas nobres, e entre o corpo mais antigo e a Galeria do Forte.

Sala dos Embaixadores Localizada no terceiro andar do Torreão de Terzi, a enorme Sala dos Embaixadores impressionava pela sua cobertura e pela vista que se obtinha a partir das suas janelas (esq. 5). Era, desde a sua criação, uma das principais salas de aparato do Paço da Ribeira até ver a sua função radicalmente alterada por D. José que aí mandou instalar um pequeno teatro de corte em 1752. Deixemos, todavia, para momento posterior a discussão em torno do teatro aí construído e ocupemo-nos agora da sua função primitiva. Como ficou dito em capítulo anterior, tratava-se de uma ampla sala quadrangular coberta por uma cúpula forrada no seu interior a madeira decorada com pinturas heráldicas de exaltação da dinastia filipina234. Considerando o programa pictórico, a sala deverá ter sofrido alterações após a Restauração, nomeadamente para cobertura das referidas pinturas235. Ao visitar Lisboa em 1680, Alain Manesson Mallet dá conta de ter sido recebido na Sala dos Embaixadores onde “les Places de Guerre du Portugal sont representées”236, o que poderá, hipoteticamente, remeter para a nova decoração. Tal como em Sintra (fig. 20), também esta sala pode ter sido revestida a azulejos ao nível das paredes, no entanto não existe fundamento documental para o provar. As exíguas referências que temos à Sala dos Embaixadores dizem respeito à recepção de alguns representantes diplomáticos. Em 1670, a rainha D. Luísa de Gusmão aí recebeu os embaixadores de Malta e França237. A 10 de Março de 1681, por ocasião do tratado de casamento entre a princesa D. Isabel e o duque de Sabóia – que não se efectivou – o embaixador extraordinário do duque de Sabóia, o Marquês de Ornaro, passou ao Palácio da Corte-Real para audiência com a princesa “depois de ter tido audiencia do

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CONCEIÇÃO, C., 1818, tomo XII: p. 15. SOUSA, A. C., 1735-1749, tomo VII: p. 300, e tomo VIII: p. 5; B.N.P. Reservados – Arquivo Tarouca, n.158, volume VII, ofício de Outubro de 1728 (vide doc. 3). 233 Em 1679 “Entraraõ os coches do Principe, e do Embaixador no pateo do Paço, (...) subiraõ à salla dos Tudescos, e dahi se encaminharaõ à casa do Forte”. (SOUSA, A. C., 1735-1749, tomo VII: p. 268). 234 Vide supra p. 21. 235 MOREIRA, R., 1983: p. 45. 236 MALLET, A. M., 1683, tomo II: p. 312. 237 BARRETO, J. A. G., 1888, vol. II: pp. 112-113. 232

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Principe na Grande salla do Forte no Paço do Terreiro”238. Pela mesma ocasião, em momento posterior, o embaixador foi novamente recebido na Sala dos Embaixadores: “Entraraõ os coches do Principe, e do Embaixador no pateo do Paço, (...) subiraõ à salla dos Tudescos, e dahi se encaminharaõ à casa do Forte, onde no seu throno estava o Principe [D. Pedro II], e a Princeza [D. Maria Francisca Isabel de Sabóia] debaixo de docel com grande magnificiencia”239. Infelizmente não nos chegaram notícias de acontecimentos na Sala dos Embaixadores durante a primeira metade do século XVIII, o que pode ser um sinal de uma certa preterência face à Sala dos Tudescos.

Casa da Galé Parcamente abordada pela bibliografia referente ao palácio, a Casa da Galé parece, contudo, ter desempenhado um papel relativamente importante no cerimonial cortesão do Paço da Ribeira. A descrição de Camilo Castelo Branco permite supor uma sala de proporções consideráveis, uma vez que o seu autor a menciona como uma das maiores do paço, a par da Sala dos Tudescos240. Localizava-se a Casa da Galé no corpo a Sul do Largo da Campainha (esq. 5). Sabemo-lo através de Fr. Manoel Bautista de Castro que a identifica imediatamente antes da primeira sala dos aposentos da rainha, situada precisamente nesse corpo paralelo ao rio241. Pela Gazeta de Lisboa de 28 de Dezembro de 1745 somos informados da existência de comunicação entre esta sala e a patriarcal242, pelo que deve ter existido uma ponte de ligação sobre o Largo da Campainha, na qual se localizava a Sala dos Porteiros da Cana, que dava para a Casa da Galé243. Parece seguro colocar a hipótese da ligação marcada a tracejado na planta de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel corresponder a essa possível ponte entre os dois corpos do palácio (fig. 41.1; esq. 5). A Casa da Galé foi palco de dois acontecimentos de grande significado que levam a colocá-la entre os principais espaços de glorificação do poder da monarquia portuguesa. O primeiro remonta a 1645 e diz respeito à recepção do Marquês de Rouillac, embaixador francês enviado a Lisboa pelo cardeal Mazarino para pressionar D. João IV a intensificar a guerra contra Filipe IV de Espanha. Foi o diplomata recebido pelo monarca na Casa da Galé que se encontrava decorada com as tapeçarias do Condestável, um conjunto têxtil que 238

SOUSA, A. C., 1735-1749, tomo VII: p. 267. IDEM, ibidem: p. 268. 240 BRANCO, C. C., 1874: p. 29. 241 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513. Sobre os aposentos da rainha vide infra pp. 62-66. 242 Vide nota 198 in VITÓRIA, M., 1936: p.253. 243 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513. 239

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retratava a vida e feitos de Nuno Álvares Pereira. Tratava-se, por isso, de um programa iconográfico muito apropriado numa altura em que o reino se animava com a vitória recentemente obtida em Montijo, procurando, uma vez mais, manter a sua independência244. A cerimónia de recepção procurava por isso exaltar a capacidade portuguesa para a persecução da guerra, pelo que o espaço devia ser suficientemente digno. O segundo acontecimento de que temos notícia foi o banquete de casamento de D. João V em 1708245. A solenidade do evento e o elevado número de pessoas envolvidas exigiam necessariamente uma sala de grandes dimensões que reflectisse na decoração todo esplendor que o momento exigia. Estas características tornavam-na apropriada também para outros eventos de menor projecção, como é o caso de um sarau com baile de máscaras que aí teve lugar a 4 de Dezembro de 1712 pela ocasião do primeiro aniversário da infanta D. Maria246. Tratava-se, portanto, de um salão nobre que constituía uma alternativa à Sala dos Tudescos e à Sala dos Embaixadores para realização de importantes eventos na corte.

APOSENTOS

As constantes campanhas de obras no Paço da Ribeira tinham por objectivo, na maioria das vezes, promover melhores condições de habitabilidade e conforto, de acordo com os padrões de cada época. Assim, a cada nova campanha de obras, as áreas destinadas a aposentos dos vários elementos da corte alteraram-se, acolhendo novos residentes ou mudando simplesmente de funções. A mutabilidade dos espaços é uma das características mais comuns na história do paço e as alterações dependem, mais do que do período histórico, da própria vontade dos monarcas. Por esta razão, não existem dados suficientes para afirmar decididamente onde se localizavam os vários aposentos e por quem estavam a ser utilizados nas vésperas do terramoto. Todavia, os dados para o reinado de D. João V são assaz abundantes, pelo que este capítulo incidirá, principalmente, sobre este período, apresentando somente algumas propostas para o período josefino.

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COSTA, L. F., CUNHA, M. S., 2006: p.176. PEREIRA, A. M., 2000: p. 40. 246 ATAÍDE, T. C., 1990: p. 240. 245

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A Sala dos Porteiros da Cana Existia à entrada dos aposentos do rei e da rainha uma sala onde os porteiros da cana recebiam e anunciavam aos monarcas todos os visitantes que iam ao paço. Esta sala localizava-se na transição entre o corpo do Pátio da Capela, onde estava a entrada principal do palácio, e o corpo da Casa da Índia, sobre a qual se localizavam os aposentos do rei e da rainha (esq. 5). Durante a fase de investigação para este trabalho, foram encontradas somente duas curtas referências à Sala dos Porteiros da Cana. Através de Fr. Manoel Bautista de Castro sabemos que se tratava de uma sala de grandes dimensões que “por huma parte se entra para o quarto del Rey, e por outra para o da Rainha”247. Por seu lado, o Pe. João Bautista de Castro informa no seu Mappa de Portugal... que “o antigo portico da (...) capella, que estava à mão esquerda de quem hia para o terreiro do Paço por baixo da Sala dos Porteiros da Cana, se acabou de desmanchar em 2 de Abril de 1751, abrindo-se no lugar do seu pavilhão duas janellas para a nova Secretaria de Estado dos negocios do Reino”248. A partir destas informações poderá então admitir-se que a Sala dos Porteiros da Cana ficava na passagem superior ao Largo da Campainha que ligava o corpo do Pátio da Capela com o corpo da Casa da Índia, no local onde no plano de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel se observa um tracejado (fig. 41.1; esq. 5).

Aposentos do Rei Ao percorrer a bibliografia historiográfica sobre o Paço da Ribeira, a localização dos aposentos do rei é um dos aspectos que mais dúvidas suscita. Em primeiro lugar porque na maioria das vezes não é claro a que rei o autor se refere, partindo-se quase sempre do princípio, aparentemente inquestionável, que D. José ocupou o mesmo aposento de D. João V. Depois, verifica-se uma interpretação incorrecta da terminologia utilizada à época, o que tem contribuído para a propagação de um erro que vem sendo repetido por alguns autores. Para dissipar estas dúvidas, serão apresentados três argumentos que permitirão identificar, definitivamente, a localização dos aposentos do rei nas vésperas do terramoto.

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CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513v. CASTRO, J. B., 1762-1763, tomo III: p. 167. O termo “portico” corresponde, provavelmente, a uma antiga colunata que se encontrava junto à entrada gótica para o Pátio da Capela e que fizera parte da capela da dinastia de Aviz.

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Primeiramente importa esclarecer uma questão semântica que vem sendo uma das principais causas para a confusão que se instalou relativamente à localização dos aposentos do rei. Na descrição anónima de 1754 publicada por Camilo Castelo Branco249, o autor afirma que “Sua Magestade [D. José] costuma residir no quarto do Forte”250. Alguns autores têm utilizado esta afirmação para concluir que o quarto do rei, não só D. José mas também D. João V, se situava no torreão do Paço da Ribeira251 e que, tal como Luís XIV podia ver o nascer e o pôr-do-Sol do seu quarto, também o Magnânimo era banhado pela estrela de Apolo de crepúsculo a crepúsculo. O conceito é, admitamos, pela sua teatralidade, profundamente barroco, não prescindindo de um certo toque de romantismo, no entanto, como veremos, é um conceito que não foi, de todo, aplicado no caso português. O problema é consequência de uma interpretação errónea do termo “quarto”. Na verdade, este não possui o significado que actualmente lhe damos, pois, como elucida o Vocabulario Portuguez & Latino de Raphael Bluteau, o termo quarto designava um conjunto de várias divisões com “serventia separada”, ou seja, um aposento252. Assim, a expressão “quarto do Forte” significa simplesmente que os aposentos reais se localizavam num dos níveis do torreão. Porém, a alusão ao forte pode constituir apenas um ponto de referência para indicar em que parte do palácio se localizava o quarto do rei. O torreão, como elemento de maior destaque em toda a área Sul do paço, acabava por emprestar o seu nome a todo esse conjunto arquitectónico que se expandia sobre a Casa da Índia. Em certos casos, o torreão é mesmo utilizado para denominar todo o Paço da Ribeira. Com efeito, D. António Caetano de Sousa relata que, durante as exéquias da rainha D. Maria Sofia de Neuburgo em 1699, “levaraõ [o caixão] pelo passadisso da Corte-Real ao Paço do Forte”. Pelo exposto, devemos ler a expressão “quarto do Forte” como «aposentos da parte/ala do Forte». Esta questão havia, aliás, já sido esclarecida por Jacques Aman na edição crítica que assinou em 1965 da Description de Lisbonne de 1755 do Chevalier des Courtils253. Em segundo lugar, e de modo a confirmar o que acaba de ser exposto, importa lembrar que o torreão já se encontrava ocupado desde o século XVII pela biblioteca real e

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BRANCO, C. C., 1874: p. 31. BRANCO, C. C., 1874: p. 31. 251 Júlio de Castilho escreve: “Morava o senhor D. João V no chamado quarto do Forte; como quem hoje dissesse: no andar do torreão do Ministério da Guerra” (CASTILHO, J., 1893: p. 130); Angela Delaforce retoma esta tese: “D. João V’s private apartments were in the Torreão overlooking the Terreiro do Paço with a distant view towards the sea in the other direction” (DELAFORCE, A., 2001: p. 51). 252 De acordo com Raphael Bluteau, o “quarto no edifício” corresponde “A parte de hũa casa grande, com serventia separada. (...) Fiz destas casas o meu quarto.” (BLUTEAU, R., 1712-1728, vol. VII: p. 23). 253 COURTILS, J. B. C.-C., 1965: p.168, nota 14. 250

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pela Sala dos Embaixadores254. Os aposentos de ambos os monarcas teriam, por isso, que situar-se noutra área do paço. De acordo com as Memoires... de Merveilleux e com Fr. Bautista de Castro, os aposentos de D. João V ficavam na Galeria do Forte255 (esq. 5). Ao referir-se a uma tourada no Terreiro do Paço em 1726, o naturalista suíço descreve um balcão que fora montado “dans le centre de la Façade du Palais qui donne sur la Place. (...) ce balcon répond aux Apartements de Sa Magesté”. Esta localização é corroborada por Fr. Manoel Bautista de Castro que assinou na década de 1740 a descrição mais completa que possuímos dos aposentos do rei. Escreve o cronista que “este quarto del Rey tem vista para o Terreyro do Paço” e que a ele se acedia a partir da Sala dos Porteiros da Cana. A descrição dos aposentos que se segue permite elaborar um esquema da sucessão de divisões, provando que os aposentos do rei só poderiam situar-se na Galeria do Forte (esq. 6). Eram estes constituídos, de Norte para Sul, por “huma sala, que tem janellas, para o Terreyro da entrada principal [Largo da Campainha] que hé a primeyra sala do Docel”, uma “segunda sala do Docel, que he da galaria, que tem vista, para o Terreyro do Paço, a qual he a da audiência”, seguem-se “outras salas maes, hum oratório particular, cazas onde estão escaparates de vestidos, e joyas, e algumas peças de ouro, e prata de grande valor”. A estes aposentos sucediam-se ainda a “caza dos relógios, e outras cazas de pinturas antiquíssimas de grande preço”256 (esq. 6). Fr. Bautista de Castro continua descrevendo alguns aspectos decorativos dos interiores dos aposentos régios, desde os “pannos de Arras” às inúmeras relíquias que aí se encontravam, sem esquecer o brocado vermelho que forrava os dosséis franjados a ouro257. A decoração interior dos aposentos, da qual fazia parte um vasto conjunto de mobiliário – o que leva Merveilleux a afirmar que “ces Apartemens sont de vrais Magasins”258 – e uma enorme colecção de efígies e relíquias dos santos da veneração do monarca259, devia ser verdadeiramente notável levando o autor da descrição anónima de 1754 a declarar sinteticamente que estas “ante-camaras, salas e gabinetes encerram em si o mais precioso que póde a terra dar”260. Perante estas informações, não é defensável manter a hipótese da localização dos aposentos no torreão para o período de D. João V.

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Vide supra pp. 21e 58-59; vide infra pp. 84-86. CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513v; MERVEILLEUX, C. F., 1738, tomo II: pp. 131-132. 256 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513v. 257 A existência de uma colecção de relíquias na câmara do rei é confirmada por Francisco Xavier da Sylva: “Para se satisfazer à devoçaõ de Sua Magestade, e se empenhar mais a intercessaõ dos Santos, ficaraõ muitas Reliquias, e Imagens na sua Camera, para que a presença fizesse mais efficazes as supplicas.” (SYLVA, F. X., 1750: p. 314). 258 MERVEILLEUX, C. F., 1738, tomo II: p. 156. 259 SYLVA, F. X., 1750: pp. 62. 260 BRANCO, C. C., 1874: p. 31. 255

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Por fim, o último argumento, ainda que não passe de uma proposta, assume-se como mais um elemento para reforçar esta tese. É provável que os aposentos transformados por D. João V no início do seu reinado261, correspondessem aos de D. Afonso VI. Importa lembrar que em 1659 D. Luísa de Gusmão encetou alterações no paço para acomodar o jovem monarca. Embora não seja possível localizar com exactidão esta campanha de obras, sabe-se que os aposentos ficavam entre a Sala dos Tudescos e o torreão262. Ora, dado que o autor da descrição anónima de 1754 publicada por Camilo Castelo Branco afirmou que o quarto de D. José “dá sobre o Terreiro do Paço”263, é de assumir que a localização dos aposentos do rei se mantiveram desde o século XVII e até ao terramoto na Galeria do Forte. Uma vez que figurariam em todas as principais vistas do Paço da Ribeira, os aposentos do rei de Portugal ocupavam um dos lugares de maior destaque do todo o palácio.

Aposentos da Rainha Localizados seguramente até ao terceiro quartel do século XVII na ala oriental do Paço da Ribeira que dava a Sul sobre o Terreiro do Paço (esq. 5), os aposentos da rainha terão sido transferidos para um corpo arquitectónico que se edificou ou reabilitou sobre a Casa da Índia, a Sul do Largo da Campainha, em data desconhecida. Essa transferência deverá ter ocorrido certamente ainda durante esse século ou nos primeiros anos do seguinte. Com efeito, numa lista das casas que existiam nos inícios da década de 1640 no piso térreo do Paço o jardim da Rainha é ainda localizado ao lado do “beco da cõfeitaria”264 (fig. 8; esq. 2), o que indica que os aposentos da Rainha devem ter permanecido no mesmo local desde o tempo de D. Manuel265. A existência de um jardim da rainha no início da dinastia brigantina é confirmada por uma carta de 1641 de Lourenço Pires de Carvalho, Provedor das Obras do Paços Reais, em que incumbe Domingos Fernandes de servir de jardineiro da rainha266. Até 1667 nada devia ter mudado porque os aposentos da rainha ainda comunicavam com a antiga Secretaria de Estado – no piso térreo da ala a Norte do Arco dos Paços – ficando o infante D. Pedro em aposentos a Sul do Largo da Campainha. Resulta esta conclusão de uma passagem da obra Monstruosidades do tempo e da fortuna que só 261

Vide supra p. 30. Vide infra p. 65. 263 BRANCO, C. C., 1874: p. 31. 264 O autor do documento refere-se ao «Beco do Jardim» que comunicava com a «Rua da Confeitaria». “Rol das cazas dos baixos destes pacos” (B.A.: 51-IX-3: fl. 218). 265 Sobre os aposentos da Rainha no século XVI vide: SENOS, N., 2002: pp. 142-147. 266 B.A.: 51-IX-3: fl. 189. 262

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pode ser entendida quando cruzados todos os elementos que se referem aos aposentos da rainha, aos aposentos do infante D. Pedro no Paço da Ribeira, aos aposentos de D. Afonso VI e à antiga Secretaria de Estado (anterior à de D. João V). Escreve o autor: “Dormiu [D. Pedro] logo em Palácio, em quarto que cai sôbre a Ribeira das Naus, deixando a S. M. [D. Afonso VI] em prisão no mesmo onde vivia (...) se mandou fechar de pedra e cal a serventia da Sala dos Tudescos para o forte, e só se deixou a escada do quarto da Rainha livre que sobe da Secretaria de Estado para cima de sorte que quem passar para o quarto de el-Rei ha-de ir forçosamente pelo do Infante”267. Esta é a última informação que possuímos relativa ao quarto da rainha antes do final do primeiro quartel do século XVIII. Na década de 1720 já os aposentos da rainha haviam sido transferidos. Aquando da sua visita a Lisboa, Charles Fréderic de Merveilleux afirmava que “les Apartements de cette Princesse [a Rainha] donnent sur une Terrasse, qui domine sur le Tage; on pourroit y ranger 800 hommes en bataille. Au dessous de cette Terrace sone les Magasin & les Bureaux de la Maison des Indes”268. O terraço a que o naturalista suíço se reporta não é senão o eirado que cobria a Casa da Índia, cujas referências nas fontes nacionais são frequentes269. A reconstituição dos aposentos da rainha passa pela análise de dois documentos que, embora separados no tempo, não divergem entre si. Este facto, aliado à ausência de qualquer referência a obras nestes aposentos, para além da edificação da escada de Canevari nos anos de 1728-1732, parece sugerir que esta ala se manteve praticamente inalterada até à subida ao trono de D. José, altura em que a rainha-mãe passou a residir a Norte do Terreiro do Paço270. O primeiro desses documentos é uma carta de regimento para o serviço interior da Casa da Rainha que D. Maria Ana d’Áustria emitiu em Junho de 1725271 (doc. 5). Nela determinava todos os procedimentos que deviam ser tomados de modo a garantir o controlo das entradas e saídas dos seus aposentos e a segurança de quem neles habitava, bem como o cumprimento dos horários e das obrigações dos seus servidores. Este documento fornece alguns dados sobre as divisões que compunham os aposentos que, por serem referidos dispersamente pelo texto, não podem ser compreendidos isoladamente. Por esta razão, importa analisar o texto de Fr. Manoel Bautista de Castro, pois providencianos uma lista das várias divisões que compunham o quarto da rainha na década de 1740. 267

BARRETO, J. A. G., 1888, vol. I: p.47. MERVEILLEUX, C. F., 1738, tomo II: p.156. 269 Eirado é o termo que surge para designar o terraço sobre a Casa da Índia em fontes como: BARRETO, J. A. G., 1888, vol. I: p.12; BRANCO, C. C., 1874: p. 29; BRASÃO, E., 1943: p. 31; etc. 270 CASTRO, J. B., 1762-1763, tomo III: p. 80 271 ATAÍDE, T. C., 1990: pp. 379-389. 268

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Esta descrição é a mais completa e recente que possuímos, pelo que fundamental para conhecer a distribuição dos espaços. Dada a presumível ausência de alterações significativas nos aposentos entre as datas destes dois documetos, decidi incluir neste trabalho um desenho esquemático para melhor ilustrar a organização interior dos aposentos. Trata-se simplesmente de uma organização sequencial das várias divisões referidas nos dois documentos, mas que permite uma melhor visualização da sua intercomunicação (esq. 7). Por ser de fácil inteligibilidade, vale a pena começar pelo documento mais recente, a crónica de Fr. Manoel Bautista de Castro. De acordo com o cronista, a Sala dos Porteiros da Cana, que, como vimos, ficava certamente sobre o Largo da Campainha, dava acesso, por um lado, aos aposentos do rei e, por outro, aos da rainha (esq. 7). Para aceder ao quarto da rainha era necessário atravessar a Casa da Galé, “por donde se entra na primeyra sala do quarto da Rainha”. Seguia-se depois “a primeyra caza de Docel; depois a Segunda, que he de bastante grandeza, ficando este quarto com vista para o mar, diante do qual està hum jardim, para donde tambem hà serventia do quarto dell Rey. Nesta segunda Sala dà audiencia a Rainha”. Seguia-se “hum oratorio particular, com gravíssimas laminas (...) [e mais] outra caza a qual tem no meyo hum grande candieyro de Crystal, e junto desta outra [casa] particular, armada toda de brocado encarnado (...) e serve pª fallarem as pessoas reaes humas com as outras”. Continuava o conjunto com um toucador e a câmara de dormir. A partir desta a Rainha tinha comunicação com os aposentos de D. José e de D. Mariana Vitória272 (esq. 7). O Regimento de 1725 completa o discurso de Fr. Baustista de Castro, dando a conhecer outras divisões não referenciadas pelo cronista. As informações incluídas neste documento são bastante confusas, mas, ainda assim, é possível retirar alguns dados úteis. Em primeiro lugar, este documento afirma que a primeira sala dos aposentos da rainha era uma casa onde assistia o Porteiro da Câmara, que não deve ser confundida com a Sala dos Porteiros da Cana273. Tratar-se-ia portanto da sala que o cronista menciona entre a Sala dos Porteiros da Cana e a primeira antecâmara (ou primeira casa do dossel). Com efeito, esta sala onde assistia o Porteiro da Câmara comunicava directamente não só com a primeira antecâmara, mas também com a segunda antecâmara (a da audiência), com uma “casa grande vaga” (onde assistia um segundo Porteiro da Câmara), e com umas escadas 272

CASTRO, M. B., c.1746: fls. 514-514v. O regimento diz claramente que “na casa em que hoje assiste o Porteiro da Câmara, não esteja outra pessoa algũa mais que ele e dois reposteiros capazes” (ATAÍDE, T. C., 1990: p. 380), enquanto que Fr. Manoel Baustista de Castro se refere a “huma grande sala, onde estão os Porteyros da canna” (CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513v). 273

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que desciam para a “portaria do quarto das Alemãs”274, ou “portaria de baixo”. Esta “portaria de baixo” é geralmente referida em oposição à “portaria de cima”, que comunicava, por um lado, com um “novo oratório” para serviço do pessoal que assistia nos aposentos da Rainha275, e por outro, com a Sala do Porteiro da Câmara. Existem fortes hipóteses desta “portaria de cima” corresponder à Sala dos Porteiros da Cana, pois tratavase do primeiro espaço de acesso ao quarto da rainha (esq. 7). No regimento de 1725 surgem amiúde alusões à “escada da campainha”. Esta escada servia, pelo menos nesta época, como mera escada de serviços, comunicando com um “corredor de baixo” que levava ao quarto das Alemãs. No seu regimento D. Maria Ana d’Áustria determinava que servisse “somente para virem as iguarias da minha cozinha particular, para o serviço do quarto em que assistem as Alemãs, e para se mandarem alguns recados e cartas pelos soldados da goarda, e de nenhum modo sairão ou entrarão por ela as fidalgas, as damas do Paço, ou outra qualquer pessoa, excepto as damas Alemãs”276. Não chegaram até nós quaisquer testemunhos visuais ou escritos que nos permitam saber se a escadaria projectada por Antonio Canevari durante a sua estadia em Portugal entre 1727 e 1732 veio substituir a citada “escada da campainha” ou se foi simplesmente edificada num espaço paralelo. No entanto, é interessante notar que a construção/reabilitação da escadaria pelo arquitecto italiano possibilitou um novo e diferente tipo de comunicação com o Largo da Campainha, criando uma monumental entrada áulica nos aposentos da rainha. Através deste documento de 1725 ficamos também a saber que existia uma “casa dos Espelhos, imidiata ao oratório” (possivelmente a sala onde o cronista identificou um lustre) que era aquela onde, regularmente, a rainha almoçava e jantava277. O oratório, por sua parte, comunicava com um corredor. São múltiplas as referências a corredores, mas estes deviam ter um carácter sobretudo interno, sendo de assumir uma distribuição das salas em enfilade ladeadas por corredores internos para serviços ou movimentos discretos, fazendo-se a circulação principal pelas salas, que se dispunham viradas para o exterior278. Na verdade, a segunda antecâmara tinha uma “parede da parte do mar” e um “bofete da

274

ATAÍDE, T. C., 1990: pp. 379-381. O quarto das Alemãs remete para os aposentos das damas de companhia de D. Maria Ana d’Áustria que a acompanharam a Lisboa aquando da sua vinda para a corte portuguesa. 275 IDEM, ibidem: p. 383. 276 IDEM, ibidem: p. 381. 277 IDEM, ibidem: p. 380. 278 Com efeito, o mesmo texto determinava que se fechassem durante a noite “todas as jenelas das casas de passagem que olhão para o eirado” (IDEM, ibidem: p. 386).

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parte da campaínha”279, o que se manteria no tempo de Fr. Bautista de Castro que afirmou que ficava “este quarto com vista para o mar”280. Esta última afirmação do cronista jerónimo, datando da década de 1740, levanta algumas questões que importa tentar resolver. De acordo com uma notícia de 22 de Maio de 1731 das Gazetas Manuscritas a ala que se começava a construir para D. José e D. Mariana Vitória iria tirar toda a vista do Tejo que se obtinha a partir dos aposentos da rainha. Iria ainda ocupar a sua varanda e parte do eirado da Casa da Índia281, o que significa que seria construída paralelamente ao rio, adossada ao corpo dos aposentos da rainha (esq. 8). Porém, esta notícia, por se referir ainda ao projecto de construção, pode induzir o leitor em erro. Com efeito, informa-se que se construiriam quatro casas para os dois nubentes, quando, na verdade, se sabe que, a 27 de Maio do ano seguinte, haviam sido edificadas sete divisões. É possível que tenham existido outras alterações ao projecto e que nova ala não tenha tomado toda a vista do quarto da rainha, já que a descrição de Fr. Bautista de Castro declara poder ver-se o mar a partir da segunda sala do dossel da rainha (esq. 7, 8). Depois da morte de D. João V, D. Maria Ana d’Áustria mudou-se para a ala a Norte do Terreiro do Paço282, certamente para que a nora pudesse ocupar aposentos dignos da sua nova condição. Um dos aspectos mais frisados pelas fontes de que temos conhecimento respeita à decoração interior dos aposentos da rainha. Não faz parte dos objectivos deste trabalho analisar a decoração dos aposentos reais, mas perante a abundância de dados ficaria este texto incompleto se não fossem dados a conhecer alguns destes elementos. Retomemos, portanto, o texto de Fr. Bautista de Castro que às habituais referências aos brocados vermelhos, às tapeçarias e às sedas da China e do Japão junta breves alusões a “placas de prata de obra da Alemanha” e a “dois espelhos e dois bofetes cada hum com a sua fonte tudo de prata, aberto ao Buril com folhagens (...) feytos em Ingleterra, os quaes trouche a Rainha de Grãa Bretanha D. Catharina”283. Por outro lado, Júlio de Castilho declara, embora não refira a fonte, que os tectos dos aposentos de D. Maria Ana d’Áustria beneficiaram do pincel de Pierre Antoine Quillard284. Futuros estudos poderão compreender melhor as orientações estéticas que definiam a decoração dos aposentos da rainha de Portugal. 279

IDEM, ibidem: p. 381. CASTRO, M. B., c.1746: fol. 514. 281 LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. I: 22 de Maio de 1729, p. 128. 282 BRANCO, C. C., 1874: p. 31. 283 CASTRO, M. B., c.1746: fls. 514v-515. 284 CASTILHO, J., 1893: p. 111. 280

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Aposentos dos Príncipes Com a chegada a Portugal de D. Mariana Vitória de Bourbon, D. João V lançou-se na construção de uma extensão do Paço da Ribeira para acomodar o jovem casal que deveria celebrar as cerimónias oficias de casamento logo após as obras estarem concluídas. Graças ao Diário de Francisco Xavier de Menezes e às Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de Évora podemos acompanhar os principais momentos que pautaram a construção deste corpo arquitectónico285. As fontes informam que a obra afectou os aposentos da rainha e do príncipe D. José. Ambos se viram obrigados a mudar-se para a região de Setúbal enquanto se fez, por um lado, a transferência do mobiliário para os aposentos da princesa D. Mariana Vitória onde a rainha permaneceria até se concluírem as obras, e por outro se montava “hum camarote de madeira na caza das prociçoens” para o príncipe. As divisões que se mantiveram utilizáveis foram repartidas para garantir o número de espaços indispensável a qualquer aposento régio setecentista286. Os trabalhos arrancaram a 4 de Junho de 1731 e terminaram nos finais de Maio do ano seguinte. Duas semanas antes do início das obras as Gazetas Manuscritas davam conta de se irem construir “quatro cazas, que tomaõ a varanda, e parte do eirado, e toda a vista do quarto da Raynha, comunicandose por hum corredor com o [quarto] em que o Principe agora estâ”287. O novo corpo, adossado ao da rainha, seria, portanto, edificado sobre o terraço da Casa da Índia, paralelamente ao rio, no sentido Oeste-Este (esq. 8). Na extremidade ocidental podia comunicar-se dos aposentos da rainha (a Norte), e aos dos infantes (a Oeste). Um ano depois, a 27 de Maio, essa informação é corrigida e, como vimos anteriormente, o número de divisões edificadas aumentou para sete288. Fr. Manoel Bautista de Castro declara também poder ver-se o mar a partir da segunda antecâmara da rainha, pelo que os aposentos dos príncipes devem ter-se cingido à parte mais ocidental do eirado, sem chegar a tapar as janelas daquela sala (esqs. 7, 8). Para todos os efeitos, o novo corpo era composto por divisões de pequena dimensão289, pelo que deverão ter sido consideravelmente menos extensos que os da rainha, permitindo assim a manutenção de aberturas para o lado do rio na referida sala. 285

As cartas que a princesa D. Mariana Vitória escreveu à família em Espanha também se referem diversas vezes à evolução das obras, mas apresentam detalhes de pouca utilidade para reconstituir os espaços (VITÓRIA, M., 1936: pp. 79-95). 286 LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. II: 3 de Junho de 1732, p. 102. 287 IDEM, ibidem, vol. I: 22 de Maio de 1731, p. 128. 288 IDEM, ibidem, vol. II: 27 de Maio de 1732, p. 98. 289 IDEM, ibidem, vol. II: 27 de Maio de 1732, p. 98.

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Temos também notícia da rainha ter ocupado uma das sete novas salas290, pelo que os dois aposentos deviam estar em estreita ligação. O facto do novo aposento ter ocupado parte da varanda da rainha leva à hipótese deste se ter erguido não apenas paralelamente aos aposentos da rainha, mas também a eles adossado (esq. 8). Na verdade, ainda nem um mês havia passado sobre o início das obras e “para se dezentulhar o eirado do paço se mandou de repente que todos os soldados fossem como para a fachina”291. Uma vez que se construía de raiz um novo edifício, é um pouco estranha a necessidade de retirar largas quantidades de entulho logo no começo dos trabalhos, pelo que existe a possibilidade do entulho a que a citação se reporta ser resultado da abertura de paredes para a comunicação com o edifício pré-existente. De todo o modo, a ligação entre os aposentos de D. Mariana Vitória e de D. Maria Ana d’Áustria era uma realidade em 1745. No dia de Natal deste ano deu-se um incêndio numa antecâmara de D. Mariana Vitória. A princesa conta o que se passou em carta que enviou à mãe em Espanha: “il comença a 5 heures et demi du matin par ma derniere antichambre qui et a ces eloigne [i.e. est assez éloignée] de mon apartement mais fort pres de celui de la petite [D. Maria, Princesa da Beira?] car il ni a que un autre antichambre entre celle qui se brula et sa chambre. elle ut une peur terrible e vint en chemise ches la Reyne (...), les autres deux [infantas] y furent ausi couvertes avec quelques choses mais nud pied et an cet etat elles alerent ches le Roy”. A descrição continua com a princesa a relatar que a primeira pessoa que encontrou foi o príncipe D. José, a quem perguntou pelo que sucedia. Esta descrição fornece uma série de pistas. Em primeiro lugar que os aposentos das infantas, filhas de D. José, se localizavam entre os da Rainha e os de D. Mariana Vitória. Em segundo, que indo dos aposentos das infantas e atravessando os da rainha se podia chegar aos do rei. Por fim, que os aposentos da princesa D. Mariana se encontravam perto dos de D. José, uma vez que foi a primeira pessoa com quem se cruzou (esq. 8). Mas mais interessante é uma passagem final que afirma que o fogo “ne brula que lantichambre par ou il avoit comance un autre petite chambre qui y et a taché e 5 antichambres de la Reyne”292. Ora, se o incêndio teve início nos aposentos de D. Mariana Vitória e se apenas consumiu a divisão onde teve início e outras cinco dos aposentos da rainha, não havendo qualquer menção aos aposentos das infantas, isto leva à conclusão que os aposentos dos Príncipes do Brasil foram efectivamente erguidos encostados aos da Rainha e que a extremidade Oeste destes dois blocos era ocupada pelos aposentos dos infantes e infantas (esq. 8). 290

IDEM, ibidem, vol. II: 27 de Maio de 1732, p. 98. IDEM, ibidem, vol. I: 25 de Junho de 1731, pp. 136-137. 292 VITÓRIA, M., 1936: pp. 252-253. 291

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Aposentos dos Infantes e Infantas Os excertos da carta que acabou de se transcrever fornecem dados essenciais para compreender a localização dos aposentos dos infantes e infantes. Porém, como tem sido frequente até aqui, estas informações reportam-se ao reinado de D. João V. À exiguidade de fontes relativas ao reinado de D. José acresce a rotatividade da utilização das instalações que marcou o reinado d’o Magnânimo, consequência das constantes campanhas de obras e do aumento dos elementos familiares. Por este motivo, apenas é possível determinar a localização de determinados espaços em momentos específicos, sendo de todo impossível elaborar uma cronologia das espacialidades destinadas aos irmãos, irmã, filhos e netas de D. João V. Enquanto filho segundo, D. Francisco (1691-1742) apenas obteve casa própria depois do irmão subir ao trono em 1706. De acordo com Júlio de Castilho, o infante passou a dispor de aposentos próprios no “quarto do paço da Ribeira denominado «da campainha»” logo a partir de 1707293. Contudo, não haveria de aí habitar por muito tempo. José da Cunha Brochado informa, em 14 de Julho do ano seguinte, que o infante D. Francisco “teve repetidos avizos de El Rey para despejar o seo quarto” para que D. João V pudesse ocupá-lo enquanto duravam as obras nos aposentos deste último. O autor considera que o infante se mudaria portanto para o Palácio Corte-Real294, o que deve efectivamente ter acontecido, uma vez que Merveilleux constata, na década de 1720, que “le Prince Don François, (...) a son Palais séparé de celui du Roi. Il occupe celui où logeoit autrefois de Roi Don Pedro”295. O palácio seria, no entanto, pouco utilizado pelo infante que preferia os divertimentos da caça às obrigações cortesãs da Ribeira296. Uma maior quantidade de informação existe relativamente ao infante D. António (1695-1747). Barbosa Machado declara que, em 1719, as paredes do palácio “da banda do Nascente, ou quarto dos Senhores Infantes, chegaõ até ao arco dos Pregos”297. Mas desses Senhores Infantes apenas temos a confirmação de D. António ter habitado o primeiro piso dessa parte do Paço, pois Fr. Bautista de Castro afirma na década de 1740 que “pella parte da cidade deste terreyro [do Paço] correm duas galarias; na debaxo he quarto do senhor Infante D. Antonio” (esq. 5). O relato da audiência que D. António deu ao embaixador de Malta a 22 de Outubro de 1728 parece também confirmar essa localização: “Veyo 293

CASTILHO, J., 1893: p.128 BROCHADO, J. C., 1816, vol. XV: p. 34 295 MERVEILLEUX, C. F., 1738, tomo II: p.156. 296 SILVA, M. B. N., 2006: p. 56. 297 MACHADO, I. B., 1759: p. 163. 294

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dezembarcar [o embaixador] á ponte da caza da India, subio ao corredor [i.e. a Galeria do Forte] que vem a Salla dos Todescos, (...) e da dª Salla ao quarto do D. Infante [D. António]”298, pelo que o aposentes deste deviam ficar muito próximos daquela sala de aparato. Na verdade, Merveilleux afirmara, em 1726, que os aposentos de D. António comunicavam com os do monarca299, o que podia ser feito pela Varanda de Pedraria. Estes aposentos parecem também ter sido alvo de uma renovação. Francisco Xavier de Menezes informa, em 15 de Setembro de 1733, que “no paço se ateou hũ grde incendio q podera dar mto cuidado se lhe não acudisse porq prendeo em duas mil sacas de carvão q estavão debaixo do quarto novo do senhor infante D. Anto”300. O facto do quarto ser novo, poderá significar, não que se trata de um aposento diferente, mas simplesmente que foi renovado. Dadas as intervenções no palácio durante a estadia de Canevari em Lisboa, existe a possibilidade de também os aposentos de D. António terem recebido qualquer tipo de melhoramente durante essas campanhas de obras. Sobre a infanta D. Francisca (1699-1736), chegaram até nós apenas duas curtas e lacónicas informações. Ao descrever uma tourada no Terreiro do Paço, em 1726, Merveilleux declara que os curros estavam colocados “du côté de l’Apartement de la Princesse, soeur du Roi”301. Esta referência não é de todo suficiente para propor qualquer hipótese de localização, mas o Regimento de D. Maria Ana d’Áustria de 1725, já aqui citado, revela que o padre que fosse dizer missa à infanta teria que passar pelos aposentos da rainha302. É de propor que se localizassem, portanto, no corpo arquitectónico que se erguia junto à Torre do Relógio onde deveriam ter sido os aposentos do infante D. Francisco antes de lhe ser atribuído o Palácio Corte-Real (esq. 8). O infante D. Carlos (1716-1736) habitava os aposentos na extremidade Sul desse corpo perpendicular ao Tejo, já que a mesma carta de regimento determina que se tranquem “as duas jenelas da câmara do Infante D. Carlos, que olhão para o eirado [a Oriente e/ou a Sul?], e a imidiata a estas que olha para o mar [a Sudoeste?]”303. Estas citações reforçam, porém, o silêncio face aos outros dois infantes: D. Pedro (1717-1786), que na década de 1720 ainda seria criança, devendo partilhar, por isso, os aposentos de D. Carlos; e D. Manuel (1697-1766), irmão do rei, que, depois da sua saída do reino em 1715, só deverá ter habitado o paço

298

B.N.P. Reservados – Arquivo Tarouca, n.158, volume VII, ofício de Outubro de 1728. “L’Apartement du Prince Antoine, frere du Roi, joignoit celui de Sa Magesté” (MERVEILLEUX, C. F., 1738, tomo II: p.156). 300 BRASÃO, E., 1943: p. 181 (sublinhado meu). 301 MERVEILLEUX, C. F., 1738, tomo II: p.133. 302 ATAÍDE, T. C., 1990: pp. 382-383. 303 ATAÍDE, T. C., 1990: p. 386. 299

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temporariamente aquando do seu regressou em 1734304, pois logo se instalou definitivamente na quinta de Belas. Vimos anteriormente que as obras de construção dos aposentos para D. José e D. Mariana Vitória haviam afectado os aposentos da rainha e do príncipe, mas as Gazetas manuscritas... dão-nos conta de terem afectado também os aposentos dos infantes D. Carlos e D. Pedro. O primeiro estaria ausente do Paço, mas o segundo teve que se mudar para a “caza que foi Conselho de Estado”305, o que demonstra que os jovens infantes se encontravam em aposentos que comunicavam com os da rainha em 1731. A confirmação de que nesta parte do Palácio co-habitavam irmãos e filhos de D. João V é-nos dada, duplamente, pela descrição de 1754. Em primeiro lugar pela referência que é feita ao “grande quarto, feito á moderna, obra do mesmo monarcha [D. João V], chamado o quarto dos infantes; (...) [ao fim do qual se abre] uma formosíssima varanda descoberta, gradeada de marmore á volta, primorosamente lavrado, sobre cujos pilares assentam vasos de jaspe cheios de murta e flôres”306. Mas mais adiante no texto especifica o autor que “pela fachada do sul [da Varanda de Pedraria] se communica para outro quarto, não menos magestoso com suas galerias, eirados e torreões, onde assistem307 os infantes, irmãos ou filhos dos reis”308. Infelizmente, perante as fontes conhecidas, não é possível datar a construção deste quarto “feito á moderna”. Para além do quarto dos Infantes, D. João V terá ainda mandado erguer já no final da sua vida um outro corpo arquitectónico perto do anterior para acomodar as suas quatro netas, entre as quais D. Maria, Princesa da Beira. Ao numerar as várias obras que D. João V foi promovendo ao longo do seu reinado, Francisco Xavier da Sylva afirma que o monarca reedificou e enobreceu várias salas “além dos quartos que fez, hum para Sua Magestade reynante [D. José], quando Principe, em 1728, e outro para as suas Serenissimas Netas, por cima dos Armazens da Ribeira das Náos, que se acabou no principio do anno de 1749”309. Graças ao Pe. João Bautista de Castro sabemos que antes de 1755 a Porta dos Armazens “ficava por baixo do novo quarto de Palacio, e por ella se fazia passagem do Real theatro para o largo do Relogio”310, pelo que devia corresponder ao bloco imediatamente a Oriente

304

SILVA, M. B. N., 2006: p. 65. LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. I: 15 Janeiro 1732, p. 128. 306 BRANCO, C. C., 1874: p. 30. 307 Raphael Bluteau no seu Vocabulário Portuguez e Latino define o verbo “Assistir” como querendo significar por vezes “o mesmo que morar. Assiste na sua quinta.” (BLUTEAU, R., 1712-1728, vol. I: p. 610). 308 BRANCO, C. C., 1874: p. 31. 309 SYLVA, F. X., 1750: p. 232. 310 CASTRO, J. B., 1762-1763, tomo III: p. 80. 305

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da Ópera do Tejo (esq. 5). Durante a pesquisa não encontrei qualquer elemento descritivo do interior destes aposentos, mas é possível que em futuras investigações, designadamente sobre a vida de D. Maria I, se possam encontram referências a esta área do palácio.

Aposentos de outros elementos da Corte A área residencial do Paço não era exclusivamente dedicada à família real. Existiam divisões do paço destinadas a outras figuras da corte. Amiúde pela documentação encontramos curtas referência que permitem traçar um retrato da tipologia de cargos ou títulos que poderiam dar direito a ter aposento no palácio real. Um desses cargos é o de camareiro-mor. No seu Vocabulário Portuguez e Latino, Raphael Bluteau afirma que o camareiro-mor, também designado por camarista, é aquele que “veste, & despe a El-Rey, & tem aposento no Paço, para acudir com mais presteza à sua obrigaçaõ”311. Este facto é confirmado quer pelas Gazetas manuscritas que dão notícia em Novembro de 1732 de se ter feito no Paço “hũ paçadiço na altura da casa dos camaristas que dizem fara hũa nova tribuna para El Rey na capela mor da Patriarchal”312, quer por Fr. Manoel Bautista de Castro que dá conta do mezzanino do torreão ser habitado por um camarista, “que pellos seus antepassados serem camareyros mores, antes de se devedir em camaristas, ou gentil-homens, assistencia dos Reys, se lhe concedeo”313. Embora exista alguma distância cronológica entre estas duas fontes, é de admitir que possam ter existido vários conjuntos de divisões para acomodar os camaristas que serviam na corte (esq. 5). O Secretário de Estado era outra das figuras que, pela sua função, tinha residência no paço ou junto dele. A dúvida surge porque a única fonte que localizei a este respeito foi a planta da capela e dos aposentos patriarcais publicada por Marie-Thèrese Mandroux-França. No canto inferior esquerdo da planta, a Oriente da Capela e a Sul da Sala dos Tudescos, encontra-se, sobre duas divisões, a legenda “Cazas de Diogo de Mendonça” (fig. 13). Este Diogo de Mendonça é o Secretário de Estado da Marinha e dos Domínios do Ultramar de D. José, filho de D. Diogo de Mendonça Corte-Real, Secretário de Estado de D. João V. É provável que esta residência tenha já pertencido a seu pai, pois o cronista jerónimo que temos vindo a acompanhar informa que dois dos lanços do Pátio da Capela

311

BLUTEAU, R., 1712-1728, vol. II: p. 70. LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. II: 11 Nov. 1732, p. 167. 313 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 511v. 312

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“occupa o Secretario de estado, e a sua secretaria que tem serventia pella sala do Tudesco”314. Figuras de proa da cena política internacional podiam também, em determinadas circunstâncias, receber aposentos no Paço da Ribeira. O arquiduque Carlos d’Áustria é um desses casos. Pela História Genealógica da Casa Real Portuguesa temos conhecimento que a 9 de Março de 1704, durante a sua estadia em Lisboa, depois do Te Deum na capela, “se levantaraõ os Reys, e Suas Altezas, e se encaminharaõ à Camera do quarto, que estava preparado, e soberbamente adereçado para ElRey Catholico”315. Independentemente da função desempenhada, outras figuras poderiam receber o favor do monarca e residir no paço. Nenhum caso pode ser mais paradigmático do que o de D. Rodrigo Anes de Sá Almeida e Meneses (1676-1733), 3º Marquês de Fontes e 1º Marquês de Abrantes. O sucesso que obteve junto da corte papal enquanto desempenhou as funções de embaixador em Roma e o incentivo que deu à política de mecenato artístico do monarca valeram-lhe o favoritismo de D. João V. Com efeito, Charles Fréderic Merveilleux testemunha durante a sua visita a Lisboa em 1726 que “le Marquis d’Abrantes (...) logeoit dans le grand Pavillon du Palais”316. Este grande pavilhão corresponde, naturalmente, à Galeria do Forte, junto dos aposentos de D. João V. Na verdade, Merveilleux informa que, por ocasião de uma tourada no terreiro, foi levantado um balcão à frente dos aposentos do marquês para aí acomodar “toutes les Dames de la prémière condition”, voltando a referir mais adiante no seu texto que “le Roi & les Dames de la Cour sont placès sur un superbe Balcon, (...) [qui] répond aux Apartements de Sa Magesté”, o que dá a entender que se trata do mesmo balcão que foi levantado frente aos aposentos do monarca e do marquês. De qualquer forma não seria a primeira vez que uma figura próxima do rei de Portugal habitava um aposento junto do do rei (ou mesmo dentro dele). De acordo com Angela Barreto Xavier e Pedro Cardim, em 1661, António Conti “de anónimo mercador do Pátio da Capela, (...) passara a residir nos regalos do paço, num aposento que tinha uma porta directa para a câmara do rei”317. Não se deve, contudo, interpretar os aposentos do Marquês de Abrantes como algo de permanente, mas sim como uma residência temporária para um diplomata que residia fora do reino e que apenas visitava Lisboa quando chamado por D. João V.

314

CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513. SOUSA, A. C., 1735-1749, tomo VII: p. 301. 316 MERVEILLEUX, C. F., 1738, tomo II: p.131. 317 XAVIER, A. B., e CARDIM, P., 2006: p. 100. 315

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Áreas desconhecidas dos pisos superiores Embora a iconografia represente três pisos na zona mais antiga do paço, a Norte do Largo da Campainha e do Terreiro do Paço, são desconhecidos os usos do piso superior. Temos notícia de no século XVIII se ter construído um passadiço neste nível para comunicar com a nova tribuna da capela real318, mas nada é referido quanto à ocupação das divisões desse andar. Porventura poderia tratar-se de áreas destinadas a vários membros da corte, que não a família real. Mas como nada o atesta, esta área fica, por enquanto, por desvendar.

SERVIÇOS E INSTITUIÇÕES

A presença de instituições ligadas ao governo do reino e do império era uma constante no paço desde os tempos da sua fundação no século XVI. Pesem embora as várias transformações que se operaram na estrutura orgânica da administração ao longo dos três séculos que o palácio atravessou, uma área considerável, que ia muito para além do piso térreo, era-lhes ainda atribuída em pleno século XVIII. Importa, por isso, compreender como estes espaços se articulavam com as áreas residenciais do Paço da Ribeira.

A Casa da Índia Depois das notícias da transferência/transformação da Casa da Índia nos finais do século XVI, assunto estudado por Carlos Caetano e já abordado em capítulo anterior319, que praticamente desaparecem as referências à sua actividade nas descrições do Paço. No entanto, tudo indica que depois da alteração a que foi sujeita em finais de Quinhentos a velha instituição ultramarina já não voltou a mudar de instalações até 1755. Em 1687 mantinha efectivamente a sua localização junto ao rio pois, aquando do segundo casamento de D. Pedro II, o bergantim que trazia o casal real aportou a “huma ponte, que se havia fabricado na da Casa da India de admiravel architectura, a qual se

318 319

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LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. II: 11 Novembro 1732, p. 167. Vide supra pp. 19 e 22.

communicava com o pateo da Capella Real”320 (esq 5). Foi portanto criada uma estrutura que ligava directamente o rio à zona Norte do paço, o que deixa antever uma certa flexibilidade de acessos ao nível do piso térreo. Porém, qualquer dúvida que possa existir sobre a localização da Casa da Índia é resolvida com o texto de Fr. Manuel Bautista de Castro que é claro ao declarar nos finais da primeira metade de Setecentos, que “por baxo da galaria do Palácio està a caza da Índia, onde se despachão as fazendas, que vem do Oriente”321. Acresce a estes dados a notícia de Cláudio da Conceição que, para se reportar ao tradicional palanque que, desde D. João IV, era montado no Terreiro do Paço em frente à Galeria do Forte para a cerimónia de juramento dos monarcas portugueses, declara que em 1750, para a aclamação de D. José, “se formou uma magnifica, e pomposa Varanda (...) [que] se estendia desde a Casa da India até á Varanda da Sala dos Todescos”322. A comunicação com os andares superiores fora mesmo reforçada em 1731 quando se abriu um alçapão na sala dos retratos, nos aposentos do rei, para serventia dos criados, o que demonstra que a Casa da Índia funcionava também como área de serviços da parte residencial do paço. O modelo de organização proposto por Carlos Caetano na sua obra A Ribeira de Lisboa, assente da existência de espaços a céu aberto para serviço da Casa da Índia, a ser verdadeiro, deve ter sofrido alterações no decorrer do século XVII. Com efeito, uma das gravuras de Dirk Stoop sobre a partida de D. Catarina de Bragança para Inglaterra mostra uma zona arborizada no local onde Caetano propõe a existência de um espaço de descarga e distribuição de mercadorias (fig.16.1; esq. 5). Por outro lado, as plantas daquele espaço elaboradas durante o século XVIII mostram a existência de um grande pátio interior cercado pelo eirado que cobria as instalações da Casa da Índia ao qual se podia aceder pelos andares nobres do Paço323 (figs. 40-41). A função do pátio interior é um pouco ambígua, mas coloca-se a hipótese de poder ter sido utilizada como jardim da Casa Real, assunto a que ainda voltaremos. De todo o modo, as instalações da Casa da Índia foram sendo, certamente, reduzidas paulatinamente ao longo dos séculos XVII e XVIII acompanhando o declínio da carreira da Índia, o que sustenta a apreciação de Merveilleux em 1726 de que o que restava “c’est assez peu de chose”324.

320

SOUSA, A. C., 1735-1749, tomo VII: p. 279. CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513. 322 CONCEIÇÃO, C., 1818, tomo XII: p.15. 323 BARRETO, J. A. G., 1888, vol. I: p.12; MERVEILLEUX, C. F., 1738, tomo II: p.156. 324 MERVEILLEUX, C. F., 1738, tomo II: p.156. 321

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A Secretaria de Estado Criada por D. João IV, a Secretaria de Estado viria a assumir um importante papel durante a primeira metade do século XVIII enquanto órgão executivo do poder real. Primeiramente chefiada, no reinado de D. João V, por D. Diogo de Mendonça Corte-Real, ministro de absoluta confiança do monarca, a Secretaria de Estado seria alvo de uma profunda reforma em 1736 – que se traduziu na sua tripartição (Secretaria de Estado dos Negócios Interiores do Reino, dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, e da Marinha e dos Domínios do Ultramar) – que lançaria as bases da organização ministerial contemporânea. No âmbito da reforma do paço promovida por D. João V logo no início de Setecentos, a Secretaria de Estado deixou a sua localização original. Com efeito, em 1667 a Secretaria de Estado situava-se sob os aposentos da Rainha325, o que, como vimos anteriormente, significa que ficava, muito provavelmente, na ala a Norte do Terreiro do Paço. Porém, de acordo com José da Cunha Brochado, esse espaço seria desafectado em 1708 para acomodar “os Senhores Camaristas”326. A antiga localização da Secretaria de Estado foi então outro dos vários espaços que foi ocupado pelos camaristas durante o século XVIII, para além daqueles já mencionados327. Estas alterações determinariam que, por volta dos finais da primeira metade do século XVIII, a Secretaria de Estado ocupasse dois lanços a Noroeste do Pátio da Capela, comunicando com a Sala dos Tudescos328 e, muito provavelmente, com os próprios aposentos do Secretário de Estado, dada a proximidade entre ambos (esq. 5). Pela mão de Merveilleux, sabemos também que a Secretaria de Estado contemplava, pelo menos, duas salas onde “on laisse entrer les personnes un peu favorisées” e um gabinete pessoal de trabalho329. Nas vésperas do terramoto, a Secretaria de Estado ocupava por isso uma importante área do Paço, o que se compreende dado o seu papel enquanto principal órgão executivo do poder central.

325

Através das Monstruosidades, sabemos que em 1667 “dormiu [D. Pedro] logo em Palácio, em quarto que cai sôbre a Ribeira das Naus, deixando a S. M. [D. Afonso VI] em prisão no mesmo onde vivia (...) se mandou fechar de pedra e cal a serventia da Sala dos Tudescos para o forte, e só se deixou a escada do quarto da Rainha livre que sobe da Secretaria de Estado para cima de sorte que quem passar para o quarto de el-Rei hade ir forçosamente pelo do Infante” (BARRETO, J. A. G., 1888, vol. I: p. 47). 326 BROCHADO, J. C., 1815, vol. XIV: p. 449. 327 Vide supra p. 74. 328 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513. 329 MERVEILLEUX, C. F., 1738, tomo I: p. 76. 78

Tribunais e órgãos de administração Enquanto componente essencial do poder central, o poder judicial teria necessariamente que estar também ele incluído no Paço da Ribeira. Vemos que ocupa quase sempre o piso térreo. D. Juan Alvarez de Colmenar nas suas Délices de l'Espagne et du Portugal impressiona-se com as salas dos diversos tribunais cuja magnificência coloca a par da Sala dos Tudescos330. Fr. Manoel Bautista de Castro é, uma vez mais, a fonte mais completa para descrever a localização dos vários tribunais. Na década de 1740 a maioria dos tribunais concentravam-se em torno do Pátio da Capela, nomeadamente o Desembargo do Paço, o Conselho Ultramarino, o Conselho da Fazenda e a Mesa da Consciência e Ordens331 – esta última ocupou parte do espaço da antiga capela manuelina332, situando-se, por isso, a Sul do pátio, ao lado da passagem para o Largo da Campainha. O Conselho da Rainha e a Junta das Missões estariam junto ao Conselho de Guerra, que ficava “em huma sala, que fica dentro da dos Tudescos”333, pelo que estes tribunais deveriam situar-se no primeiro andar do Paço, provavelmente não muito longe da Secretaria de Estado. Sobre o Conselho de Guerra possuímos uma outra notícia ainda do século XVII que dá conta deste tribunal ficar no piso nobre, num dos ângulos do Pátio da Capela, sobre os outros tribunais, “dont le principal est celuy des Expeditions, oû l’on va querir les Passeports pour sortir du Royaume”334. Mesmo que tenham existido deslocações ou adaptações dos diferentes organismos, é provável que as instalações em torno do Pátio da Capela tenham sido sempre destinadas aos tribunais do reino e do império. Outros tribunais referidos pela documentação mas que não tinham lugar junto ao Pátio da Capela eram o Tribunal da Contadoria Geral da Guerra e o Tribunal da Casa de Bragança que se encontrava sob os aposentos de D. António (esq. 5). Também nesta parte do paço ficava a Junta dos Três Estados335. Em 1653 esta junta comunicava com a primeira sala dos aposentos da Rainha336 que ainda ficavam no piso nobre da ala a Norte do Terreiro do Paço. Porém, em 1708, por ocasião das reformas joaninas, José da Cunha Brochado transmitia o rumor de que a sala da referida junta iria ser afectada a “uzos do Paço” 337, o que ou não se concretizou ou não implicou a trasladação da junta para um lugar muito 330

COLMENAR, J. A., 1715, tomo V: pp. 751-753. CASTRO, M. B., c.1746: fls. 515-515v. 332 IDEM, ibidem: fls. 516; MACHADO, I. B., 1759: p. 143; SOUSA, A. C., 1735-1749, tomo III: p.107. 333 CASTRO, M. B., c.1746: fls. 516. 334 MALLET, A. M., 1683, tomo II: p. 312 335 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 512v e 516. 336 XAVIER, A. B., e CARDIM, P., 2006: p. 64. 337 Durante as obras no paço de 1708, José da Cunha Brochado dava conta do avanço dos trabalhos afirmando que “a Caza do Conselho da Rainha tambem serve para uzos do Paço, e tambem dizem que a Junta dos tres Estados e a contadoria se distinaõ para os mesmos uzos” (BROCHADO, J. C., 1815, vol. XIV: p.449). 331

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distante, uma vez ao tempo de Fr. Bautista de Castro o acesso à junta fazia-se por uma varanda junto aos aposentos do infante D. António338, localizando-se por isso, igualmente num dos pisos superiores. Por fim o Conselho de Estado “que he supremo, e sobre todos, que se compõem dos fidalgos mais prencipaes do Reyno, costuma se fazer em huma sala do Paço”339. Não existem mais informações que indiquem onde ficava esta sala no início da segunda metade do século XVIII, mas, reportando-se à visita a Lisboa do arquiduque Carlos d’Áustria, D. António Caetano de Sousa escreve que “vinha Sua Magestade [D. Pedro II] do Paço da Corte-Real, e na casa, que lhe parecia, que costumava ser na que está antes da que chamaõ da Galé, se detinha em quanto ElRey Catholico chegava à casa, que tambem se chama do Conselho de Estado; e na outra casa, que se lhe segue se encontravaõ os dous Reys, e quando voltavaõ, no mesmo lugar se despediaõ”340. Como vimos anteriormente a Casa da Galé possuía passagem sobre o Largo da Campainha para a parte Norte do paço, pelo que é admissível que a Sala do Conselho de Estado se encontrasse localizada a Norte daquela, junto aos outros tribunais no piso nobre (esq. 5). Infelizmente, não chegaram até nós registos da localização dos aposentos do arquiduque Carlos d’Áustria que permitam assegurar a viabilidade desta hipótese. Por outro lado, existe a forte possibilidade da Sala do Conselho de Estado ser, tal como muitos dos espaços no palácio, uma sala polivalente. Com efeito, aquando da morte em 1688 do príncipe D. João, primogénito de D. Pedro II do seu segundo casamento, “o corpo foi levado para a sala do Conselho de Estado”341, e durante as obras de ampliação do paço em 1731-32 o infante D. Pedro, irmão mais novo de D. José, terá passado para a “caza que foi Conselho de Estado”342. Ficamos sem saber se o espaço perdeu a sua antiga função apenas durante o período das obras ou se foi definitivamente desafectado, passando o Conselho de Estado a reunir-se noutra sala do paço. Independentemente das dificuldades em determinar a localização exacta dos vários tribunais, é possível concluir que estes espaços estava, em estreita relação com as áreas residenciais do paço. A descrição, acima citada, do encontro matinal entre D. Pedro II e Carlos d’Áustria é disso um bom exemplo. Porém, o facto de muitos destes tribunais se situarem no piso nobre não pode ser explicado pela sua importância na estrutura orgânica do estado, sendo mais razoável vê-lo como resultado da sobrelotação do piso inferior.

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CASTRO, M. B., c.1746: fl. 512v. IDEM, ibidem: fls. 516. 340 SOUSA, A. C., 1735-1749, tomo VII: p. 306 341 IDEM, ibidem: p. 424. 342 LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. I: 15 Janeiro 1732, p. 128. 339

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Outros serviços À excepção da Casa da Índia e dos vários tribunais, a ocupação do rés-do-chão do Paço da Ribeira contínua a ser uma enorme incógnita. Todos os serviços que sustentavam o funcionamento do paço, ainda que indispensáveis, não são jamais referidos nas descrições dos viajantes ou nos panegíricos de exaltação dos feitos dos monarcas. O alargamento dos nossos conhecimentos sobre estas áreas é por isso muito limitado. Apesar deste constrangimento, existem alguns dados que, embora não permitam a reconstituição do piso térreo do palácio, viabilizam a visão do tipo de serviços que aí existiam. Em primeiro lugar as cozinhas. Uma notícia de 22 de Janeiro de 1731 nas Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de Évora dá-nos conta de que “no Paço junto as cozinhas se achou hum minino acabado de naçer com hum baraco ao pescoço com que estava afogado”343. É a única referência que temos às cozinhas comuns do Paço da Ribeira. Porém, através de um documento na Biblioteca Nacional, sabemos que os aposentos da rainha dispunham de uma cozinha particular, pois em 1743 “pegou o fogo na chaminé da cozinha da Rainha (...) que era contígua ao quarto das princesas”344. A palavra “contígua” refere-se, neste caso, a um plano vertical, já que o regimento da Casa da Rainha de 1725, anteriormente analisado, dá conta da cozinha se situar no rés-do-chão do edifício345. Não possuímos quaisquer outros elementos documentais que nos descrevam o piso térreo no século XVIII, mas localizei na Biblioteca da Ajuda uma lista de vários serviços que ocupavam essa vasta área nos meados do século XVII e que pode ajudar a compreender o género de ocupantes em Setecentos (doc. 2). De entre estes, merecem destaque as casas do Almoxarife, de um carpinteiro de nome Sebastião da Costa, um espaço onde está guardado o macho que tirava água no poço do Jardim da Rainha, um armazém de vinho, uma cocheira ocupada pelo Marquês de Ferreira346, uma taberna, a estrebaria do camareiro- -mor, a loja do escrivão Bento Pereira, e várias outras divisões destinadas a alojamento de varredores e criados. Como vemos, o piso térreo do paço acolhia diferentes utilizações, desde armazéns e estrebarias a estabelecimentos comerciais e alojamentos.

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LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. I: 22 Janeiro 1731, p. 100. SILVA, M. B. N., 2006: p. 83 (cf. B.N.P. Reservados – cod. 10746, D.N., fls.115-116) 345 ATAÍDE, T. C., 1990: p. 381. 346 Trata-se provavelmente de D. Francisco de Melo (1588-1645), 3º Marquês de Ferreira, 4º Conde de Tentúgal e 14º Condestável de Portugal. O seu filho, D. Nuno Álvares Pereira de Melo (1638-1727), receberia, em 1648, o título de 1º Duque de Cadaval. 344

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OS JARDINS

A presença de jardins no Paço da Ribeira remonta ao século XVI, época em que tanto o rei como a rainha possuíam jardins privativos347. Não existem referências a qualquer outro espaço verde dentro do palácio até ao século XVIII, mas também não é seguro que estes dois tenham chegado incólumes a 1755. Com efeito, desde que os aposentos da rainha passaram para o lado Sul do Largo da Campainha que as fontes deixam de referir qualquer jardim a Norte do Terreiro do Paço. Por outro lado, a representação na iconografia de árvores no antigo local do Jardim d’El Rey – a Ocidente da Galeria do Forte – não é comum a todos os documentos visuais desde a expansão da Casa da Índia por D. João III. Nas vistas de Lisboa da crónica de João Baptista Lavanha e da pintura da partida de S. Francisco Xavier não existe a representação de qualquer jardim a Ocidente do torreão (figs. 19.1, 23.1), contudo, na gravura de Dirk Stoop da partida de D. Catarina de Bragança, tirada da Ribeira das Naus, as árvores elevam-se bem acima do muro que termina no torreão (fig. 16.1). A existência de um jardim em 1662 é, na verdade, confirmada pela descrição do cortejo real por D. António Caetano de Sousa que declara que as pessoas reais, depois de irem à Sé, “chegaraõ ao Paço pela parte da Campainha, aonde era o jardim, junto à Ribeira das Naos, e no muro se abrio huma porta de boa architectura, por onde entrou só o coche dos Reys, e todos os Senhores, que hiaõ no acompanhamento, se apearaõ, e sahiraõ por outra porta do jardim a huma ponte soberbamente adereçada, que cahia sobre o mar, onde estavaõ os bergantins Reaes”348. Também na década de 1740 existia neste espaço um jardim, pois Fr. Bautista de Castro afirma que os aposentos da rainha têm “vista para o mar, diante do qual està hum jardim, para donde tambem hà serventia do quarto dell Rey”349. Este jardim, que de acordo com José da Cunha Brochado deve ter passado por melhoramentos a partir de 1709, também chamou a atenção do autor do relato de 1754 que nos dá conta de lá ter existido um “viveiro abundante de todo genero de aves raras, especialmente pombas e rôlas de varias castas”. Assim, pouco antes do sismo setecentista, existia no paço um “bello jardim”, “para o lado do rio”, “com grande eirado”, que podia ser utilizado quer pelo rei quer pela rainha, e cuja vista sobre o mar constituía um “aprazivel espectaculo”350 (esq. 5).

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Sobre os jardins no Paço da Ribeira no século de Quinhentos vide: SENOS, N., 2002: pp. 154-159. SOUSA, A. C., 1735-1749, tomo VII: p. 165. 349 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 514. 350 BRANCO, C. C., 1874: p. 32. 348

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Embora não surja representado nas principais vistas da cidade do século XVII e XVIII, a de Domingos Vieira Serrão na crónica de Lavanha e a do Museu Nacional de Arte Antiga, tal não significa que ele não existisse. Por um lado é possível que a construção da Casa da Índia Nova no reinado de D. João III tenha sacrificado o jardim (fig. 7.1), pois a segunda gravura de Braunius mostra um corpo arquitectónico em cima do rio. Por outro lado, a gravura de Lavanha, representa no lugar deste edifício um confuso sistema de muros e pátios, que serviu de base à proposta de Carlos Caetano para a nova organização da Casa da Índia em torno de pátios de serviço351 (fig. 23.1). A proposta deste autor não impede a possibilidade de uma coexistência com um espaço ajardinado. Avanço esta hipótese porque a tipologia de jardim medieval cercado por muros – o hortus conclusus – tem consequências na Época Moderna352, como o demonstram os jardins do Castelo de Blois em França (c. 1500), a Villa Medici di Castello em Florença (c.1538), ou, mais tardiamente, o jardim botânico de Leiden na Holanda (c.1593), (figs. 51-53). Ao estudar os jardins do Palácio de Hampton Court (c.1529), nos arredores de Londres, Simon Thurley encontrou semelhanças entre o jardim privado de Henrique VIII e o do Palácio Ducal de Princenhof em Bruges (c.1641-1644), que tinham em comum o facto de serem rodeados por muros353 (figs. 54-55). O jardim de Bruges é particularmente interessante porque a vegetação dos jardins é muitíssimo simplificada, quase que ignorada, representando-se sobretudo as paredes que delimitavam os jardins. O mesmo poderá ter acontecido nas supracitadas vistas de Lisboa, pelo que é de aceitar a existência de um jardim paralelo ao(s) pátio(s) da Casa da Índia pelo menos desde os início do século XVII.

AS CASAS DAS ARTES E DAS CIÊNCIAS

A Casa da Livraria O interesse que a monarquia sempre demonstrou pelo aumento do seu espólio bibliográfico determinou que a Biblioteca Real ocupasse um dos espaços de maior dignidade no Paço da Ribeira. Quando Baltazar de Monconys visitou Lisboa em 1628 já o piano nobile do Torreão de Terzi acolhia na sua única sala as estantes de nogueira da

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CAETANO, C., 2004: pp. 218-221. KLUCKERT, E., 2000: pp. 90-95; PIZZONI, F., 1997: pp. 30-31. 353 THURLEY, S., 2003: p. 91. 352

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biblioteca354 (esq. 5). Seria este o local, que recebeu o nome de Casa da Livraria, onde a biblioteca ficaria até ser, em grande parte, reduzida a cinzas em 1755. Elemento central na política de mecenato régio, a biblioteca beneficiou de um aumento exponencial durante o reinado de D. João V. No amplo estudo que Angela Delaforce elaborou sobre a história da Biblioteca Real no reinado d’o Magnânimo, a autora demonstrou como o enriquecimento do espólio bibliográfico assentava numa vasta rede de contactos disseminados por toda a Europa, composta fundamentalmente por embaixadores e enviados especiais do monarca e controlada pelo secretário de estado D. Diogo de Mendonça Corte-Real. Os enviados deviam adquirir todo o tipo de documentos, desde manuscritos e livros raros a mapas e atlas, não olvidando as estampas, que a partir de 1724 passaram a constituir uma prioridade. Acrescenta a autora que “the wide variety of subject-matter acquired at this early stage suggests that the first intention for the library was to form a vast encyclopaedic holding of words and images demonstrating the breadth of human knowledge” 355. A biblioteca deveria por isso reflectir as várias áreas de investimento cultural de D. João V: as letras, as artes, as ciências e a religião. O investimento joanino na Casa da Livraria assentou principalmente em duas vias de acção: por um lado, na organização e centralização dos documentos, e por outro, na redistribuição do espaço para acomodação de maior número de volumes. Quanto à primeira, logo em Junho de 1708 José da Cunha Brochado dava conta de se construir no Paço “huma grande e bela caza para os negocios do cabido, que se fez na que era livraria”356, o que revela que os livros que existiam nesta livraria – que não era a do torreão –, foram deslocados. O local de destino não é indicado, mas é de admitir a hipótese de terem passado para o forte. Na verdade, anos mais tarde, D. António Caetano de Sousa informava que, existindo no Paço “hum pequeno resto da Livraria antiga de Serenissima Casa de Bragança: ElRey a fez collocar em esta Real Bibliotheca, que se compoem de muitos mil volumes, que quasi naõ cabem no grande edificio, chamado o Forte”357. Esta escassez de espaço reflecte a outra via de acção do monarca: a reorganização interna da área da biblioteca para acompanhar o ritmo de crescimento do espólio. De 1731 temos notícia de um desses alargamentos da biblioteca. Francisco Xavier de Meneses dá

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MONCONYS, B., 1695: p. 32. DELAFORCE, A., 2001: pp. 79-80 e 91. 356 BROCHADO, J. C., 1815, vol. XIV: p. 449. 357 SOUSA, A. C., 1735-1749, tomo VIII, p. 150. 355

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conta de Martinho de Mendonça (1693-1743), fidalgo da Casa Real e bibliotecário da biblioteca real, ter chegado a Lisboa “pª fazer hum catalogo da livraria del Rey q se manda pôr na quinta q foi de Pedro Vasconcellos emquanto se lhe não fazem instantes na Caza das Embaixadas”358. Pese embora o facto da expressão “Caza das Embaixadas” poder sugerir uma expansão da biblioteca para a Sala dos Embaixadores, é provável que se trate de uma contaminação de termos e que a expressão “Caza das Embaixadas” se refira simplesmente ao torreão359. Com efeito, não só não existem quaisquer referências a estantes nas descrições posteriores daquela sala de aparato, como Francisco Xavier de Meneses informa, dois anos mais tarde, numa notícia de 25 de Agosto, que “S. Magde acrescentou estantes pª vinte mil volumes mais na mesma caza da livraria q se cruzaõ como em ruas de quatro faces, e lhe fez o catalogo Martinho de Mendonça”360. A existência destas subdivisões internas é confirmada por Francisco Xavier da Sylva para quem os livros “mal cabem em huma grandissima sala no edificio chamado o Forte, não obstante estar toda pelo meyo dividida em estantes para se poderem accomodar”361. Através de D. Alvarez de Colmenar podemos complementar estes dados com a informação de que as estantes eram feitas em madeira de nogueira362, tal como já o eram na primeira metade do século XVII. Mas chegaria um período em que os cerca de 400m2 da Casa da Livraria363 deixariam de comportar a colecção. Na década de 1740 Fr. Manoel Bautista de Castro informava que “o segundo andar [do torreão] hè huma sala, que (...) Serve hoje de caza de livros, com outras mais contiguas, onde estão os milhores Livros”364. Este seria portanto o espaço ocupado pela biblioteca em 1755. O autor da descrição publicada por Camilo Castelo Branco registara a sua importância e o papel do seu principal patrono: “Ha n’este palacio uma notavel bibliotheca, constante de muitas casas de livros, com manuscriptos os mais raros; e, sem dubida, se estivesse em ordem como as bibliothecas do vaticano, e de elrei de França e da Sorbona, não lhes seria inferior; para o que muito concorreu a curiosa

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BRASÃO, E. 1943: p.72. Vimos já anteriormente como as designações podem denunciar contaminação de termos. Vide, a propósito do “quarto do Forte”, supra p. 62. 360 BRASÃO, E. 1943: p. 177 (sublinhado meu). 361 SYLVA, F. X., 1750: p. 148. 362 “(...) la Bibliothèque du Roi [est] enrichie d’un très-grand nombre de bons livres, rangez dans des cabinets de noyer” (COLMENAR, J. A., 1715, tomo V: p. 751-753). 363 Tendo a mesma área que a Sala dos Embaixadores, a Casa da Livraria devia ter cerca de 20m de lado (vide supra nota 225, página 56). 364 Frei Manoel Baustista de Castro descreve o torreão como possuindo três andares: “O primeyro he de janellas quadradas, onde assiste hum camarista”; “O segundo andar hè huma sala, que (...) serve hoje de caza de livros”; “O Terceyro andar he outra sala da/ mesma grandeza, que a segunda, que serve dos Embaixadores” (CASTRO, M. B., c.1746: fl. 511v). 359

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applicação e magnifica despeza do snr. rei D. João V mandando comprar fóra consideraveis collecções”365.

As outras casas O mecenato régio sobre os vários domínios das artes e das ciências sempre havia marcado a história da casa real portuguesa, mas a ascensão ao trono de D. João V faz explodir os níveis de investimento. Do mesmo modo como a biblioteca aumentara vertiginosamente durante a primeira metade do século XVIII, também outras colecções receberam forte atenção d’o Magnânimo. Assim, o Paço da Ribeira não só fora palco das reuniões da Academia Portuguesa de História ou das lições da Aula de Arquitectura do Paço, como acolheu permanentemente espaços de conservação e exposição de instrumentos científicos, espécimes da Natureza ou objectos artísticos. Pela diversidade das colecções que se guardavam na casa do rei, o Paço da Ribeira assume-se também como um importante centro de debate científico e artístico. Não obstante o facto da possibilidade de existência de uma vasta e significativa colecção real de pintura, à imagem da de outras cortes europeias, – o que é sustentado pela história política do reino e pela actividade de alguns monarcas, como D. Catarina d’Áustria – ser assunto que ainda espera investigação profunda, a presença de salas dedicadas a pinturas era uma realidade. Uma dessas salas era a Casa dos Retratos. Ainda que não saibamos em que consistia concretamente, Ângela Delaforce avança a hipótese de se tratar de uma sala com pinturas de elementos da família real, tal como se verifica em Vila Viçosa366. Na verdade, também Vieira Lusitano lamentava, depois do terramoto, a perda “dos retratos (...) da régia prole que todos no paço Real arderam”367. Porém, a única referência coeva existente sobre a Casa dos Retratos é dada pelas Gazetas Manuscritas a 22 de Janeiro de 1729 que, pela ocasião da construção dos aposentos do príncipe D. José, dá conta de se ter aberto “hum alçapão da caza chamada dos retratos junto a da audiencia del Rey”368. A Casa dos Retratos ficaria portanto na Galeria do Forte numa das “outras salas maes” que, de acordo com Fr. Manoel Bautista de Castro, se abrem logo após a segunda Sala do Dossel, “a qual he a da audiência”369 (esq. 6). Admitindo que se tratava realmente 365

BRANCO, C. C., 1874: p. 32. DELAFORCE, A., 2001: p. 53. 367 LUSITANO, V., 1780: p. 3. 368 LISBOA, J. L., et al, 2002-2005, vol. II: 22 Janeiro 1732, p. 56. Esta referência é repetida no diário de Francisco de Xavier de Meneses (cf: BRASÃO, E. 1943: p. 105). 369 CASTRO, M. B., c.1746: fl. 513v. 366

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de uma sala repleta de pinturas, estava longe de ser a única no paço, pois o cronista jerónimo identifica, na Galeria do Forte, a seguir aos aposentos do rei e antes da biblioteca, “outras cazas de pinturas antiquíssimas de grande preço onde està huma pintura de N. Maximo Padre [o papa] de meyo corpo, que se não achava outra em toda a Europa”370. Pelo mesmo texto ficamos a saber também que na Galeria do Forte, entre os aposentos reais e as “cazas de pinturas” que acabamos de referir, se localizava a Casa dos Relógios371. A existência de um espaço dedicado à relojoaria não é mencionada em qualquer outra fonte, mas também não foram encontrados motivos que o inviabilizem. No seu Discurso Historico..., Baltazar da Silva refere a existência de “hum riquissimo Muzeu composto de ricas, e maravilozas produçoĕs dos tres Reinos da Natureza, possuindo entre todas as belezas, hum diamante de grandeza, e valor até entaõ nunca visto”372. Esta passagem levou Ângela Delaforce a declarar a existência de um Museu de História Natural no palácio373, porém devemos ter em conta que este conceito muzeu não remete para as concepções museológicas contemporâneas, mas sim para uma wunderkammer, um gabinete de curiosidades, espaço cada vez mais comum nas casas de intelectuais e palácios nobres espalhados um pouco por toda a Europa desde o século XVI. É igualmente Delaforce que dá conta da existência de um observatório astronómico no Paço da Ribeira para observar os eclipses lunares374. Diz Costa de Barbosa, no Elogio Fúnebre que redigiu à memória do Pe. Giovanni Battista Carbone (1694-1750)375, que depois de 1729 “o Senhor D. João V o elevou [ao dito padre] a mais altos pensamentos na observação de varios exlipses da Lua, a qual ordenou se fizesse no seu Real Palacio, assistindo sempre o mesmo Senhor”376. Assim, existiu no palácio um espaço onde eram efectuadas as observações, embora isso não signifique que existisse uma sala que fosse unicamente utilizada para esse fim. De facto, Francisco Xavier da Sylva dá conta da existência de um observatório real noutro local da cidade. Escreve o autor que D. João V, 370

IDEM, ibidem: fls. 513v-514. IDEM, ibidem: fl. 513v. 372 LISBOA, B. S., 1786: p.9 373 DELAFORCE, A., 2001: p. 95. 374 “An observatory was set up at the palace for Dom João V to observe various eclipses of the moon” (DELAFORCE, A., 2001: p.89); “Its construction [do observatório] dates to late 1724 and followed requests to the Conde de Tarouca for detailed drawings of various observatories in Germany” (DELAFORCE, A., 2001: p. 86). 375 Oriundo de Nápoles, o Pe. Giovanni Battista Carbone (ou João Baptista Carbone em português) foi chamado a Portugal, juntamente com o Pe. Domingos Capassi, por D. João V em 1722 para desempenhar as funções de Matemático Régio e de Missionário Apostólico da Província do Maranhão (cargo que não chegaria a ocupar, uma vez que “reconhecendo ElRei D. João V o seu grande talento e capacidade, lhe ordenou que ficasse no seu Real serviço, no qual se empregou vinte e oito annos” (CONCEIÇÃO, C., 1818, tomo X: pp. 350-351.). Vide: BARBOZA, F. A. C., 1751: p. 5-9. 376 BARBOZA, F. A. C., 1751: p. 11. 371

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depois de adquirir grande número de instrumentos para a observação astronómica, “os mandou depositar no Observatorio, que primorosa, e excellentemente mandou erigir no Collegio de Santo Antaõ de Lisboa”377. Esta informação permite colocar a hipótese das observações no paço possuírem um carácter sobretudo lúdico, embora as informações que nos chegaram não sejam suficientemente esclarecedoras a esse respeito.

A PATRIARCAL

De todas as partes que compunham o Paço da Ribeira, a capela real, erguida a basílica patriarcal em 1716, é uma das que mais tem movido os interesses dos historiadores. De Júlio de Castilho a Ângela Delaforce, passando por Ayres de Carvalho e Robert Smith, são diversos os autores que não deixaram passar a oportunidade de se referirem à Patriarcal, seja para a estudar ou simplesmente para criticar o investimento realizado pel’o Magnânimo378. De entre todos esses contributos, devem destacar-se dois em particular: o de António Filipe Pimentel, por ter delimitado as duas principais campanhas de obras e os seus campos de intervenção, e o de Marie-Thérèse Mandroux-França, cujas plantas que localizou e publicou são o único testemunho que documenta com precisão a organização de uma parte dos espaços interiores do Paço da Ribeira379. Importa agora confrontar estes contributos com duas importantes fontes: o texto de Fr. Inácio Barbosa Machado, cujo relato das celebrações do Corpus Christi de 1719 oferece um detalhado panorama da arquitectura interior da capela – que, como vimos, não deverá ter sofrido alterações significativas após 1712 –; e a descrição do Chevalier de Courtils, que apresenta a decoração interior após as intervenções dos anos de 1740. Para além do conhecimento que veiculam do interior da capela, ambas as fontes se revelam determinantes para entender a mudança no paradigma de gosto de D. João V.

377

SYLVA, F. X., 1750: p. 161. CASTILHO, J., 1893: pp. 116-125; DELAFORCE, A., 2001: pp. 165-222; CARVALHO, A., in TEIXEIRA, J. M., 1983: pp. 71-89; SMITH, R., 1936: pp. 345-352. 379 MANDROUX-FRANÇA, M.-T., 1989: pp. 34-43. 378

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A igreja O cruzamento dos documentos acima referidos permite, antes de mais, obter um conhecimento global da planta e da volumetria da Patriarcal. Partindo do texto de Fr. Ignacio Barbosa Machado380 e comparando-o com as plantas publicadas por Mandroux-França (figs. 13, 56), podemos concluir que a capela real era uma igreja dividida “em tres naves de comprimento, e largura proporcionada”, composta por cinco tramos separados por “grossos pilares quadrados de cantaria”, constituindo o primeiro um nártex sob as tribunas régias que dava acesso, através de “tres portas de admiravel arquitectura”, ao interior do palácio. Existiam ainda duas outras portas na capela: uma na nave da Epístola que comunicava com o Pátio da Capela, e outra na nave do Evangelho que se abria para o Largo da Patriarcal. Ausente o cruzeiro, as naves terminavam directamente na capela-mor e nas capelas do Santíssimo Sacramento, a Ocidente, e da Sagrada Família, a Oriente, cujos comprimentos, à excepção do último, eram “na grandeza igual ao corpo do mesmo Templo”. As paredes da nave central, “que he de todas a mais alta”, “sobre os arcos fazem segundo corpo do mesmo Edificio”. Esta passagem do texto de Fr. Barbosa Machado assume particular importância por ser o único elemento documental capaz de permitir a reconstituição da elevação do edifício. Com efeito, é possível sugerir que a altura total da capela correspondia, não a um pé-direito duplo – como uma primeira leitura poderia dar a entender –, mas sim a um pé-direito quádruplo. Como mostra a planta do complexo patriarcal (fig. 13), a tribuna, ao fundo da capela, comunicava com o segundo piso nobre do paço através de uma escada interior. Logo, as naves laterais deveriam ter pé-direito duplo. Se as paredes da parte superior da nave central duplicavam o pé-direito das naves laterais podemos concluir que a altura da igreja equivalia, provavelmente, a um edifício de cinco pisos: um piso térreo e duas vezes a altura dos dois pisos nobres. Estamos, portanto, perante um corpo arquitectónico de grande destaque volumétrico dentro do complexo palaciano, perfeitamente identificável a partir do exterior (esq. 5). O testemunho de Fr. Barbosa Machado permite ainda reconstituir os alçados internos, tarefa para a qual as plantas publicadas por Mandroux-França se revelam insuficientes. Sabemos, então, que a nave central se abria para as colaterais por um conjunto de arcos que partiam dos pilares de mármore e que terminavam na cornija. Sobre esta elevavam-se as paredes onde se rasgavam “formosas janellas, que por crystallinas vidraças illuminaõ a Igreja” que eram intercaladas por pinturas seiscentistas. Cobria-se esta nave com uma abóbada de berço, “que em meyo circulo mostra o mais regulado convexo 380

MACHADO, I. B., 1759: pp. 144-156.

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da arquitectura”, e era rematada na extremidade Norte por um “magestoso arco todo cuberto de ouro o qual serve de entrada para a Capella mór”, cujo vão igualava o da nave. Também na capela-mor se abriam várias janelas que ladeavam o altar “fabricado na fórma Romana” e ao centro do qual se dispunha um painel com a representação da Assunção da Virgem. No que respeita às naves laterais, estas apresentavam algumas diferenças relativamente à nave central. Os seus tectos, não sendo “totalmente convexos”, estavam “apainellados, com moldurões pintados do mais agradavel grutesco”, o que revela persistências da decoração seiscentista portuguesa, acentuadas pelo revestimento das paredes com “fino azulejo”. As capelas do Santíssimo Sacramento e da Sagrada Família davam continuidade às naves que as precediam, mas as suas coberturas deixavam à vista as abóbadas. A entrada de luz nas naves laterais fazia-se pela nave central e por janelas “rasgadas nas paredes [laterais], que correspondem aos arcos, ficando collocados com tal disposiçaõ, e arte, que illuminaõ toda a Igreja”. Esta afirmação deve, no entanto, ser lida com algum cuidado dado que na planta que se conserva na Biblioteca Nacional apenas são visíveis aberturas na nave que ladeia o Largo da Patriarcal. Estas três janelas deviam, na verdade, ser as únicas existentes ao nível das naves laterais, já que a nave oposta dava para o interior do paço. Por fim, a Patriarcal contemplava ainda uma pequena sacristia, uma sala do tesouro – que se localizavam por detrás da capela da Sagrada Família a uma cota inferior à do piso da igreja – e uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição – cuja entrada ficava na citada capela da Sagrada Família. O último contributo da descrição de Barbosa Machado prende-se com a decoração interior que deve aqui ser confrontada com a do Chevalier de Courtils. Embora tenha vindo a remeter para futuros trabalhos de investigação a decoração interior do palácio, as informações que chegaram até nós sobre os elementos decorativos da capela representam dois momentos distintos da sua existência: um revela a capela nos princípios do reinado d’o Magnânimo, em 1719, onde já é claro o seu gosto italianizante, mas onde persistem elementos tradicionalmente nacionais; e o outro descreve o mesmo espaço depois das transformações dos anos de 1740, pressentindo-se um fortíssimo cunho italiano que lembra a capela de S. João Baptista na Igreja de S. Roque (fig. 57), encomendada, aliás, durante esta década. São estas alterações de ordem decorativa que, como ficou dito, devem ter consistido no foco das campanhas de obras da capela no final do reinado joanino.

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Como foi já notado por António Filipe Pimentel, a capela real dos inícios do século XVIII poderia descrever-se como a “tradicional igreja portuguesa toda-de-ouro”381. São constantes as referências do abade de Sever às molduras em talha dourada, ao arco coberto de ouro que dá entrada para a capela-mor, aos franjados de ouro dos panos que decoram as paredes, e embora o altar-mor seja “fabricado na fórma Romana” o autor acrescenta que “tudo quanto nelle se offerece à vista he ouro”382. Esta predilecção pelo dourado não seria nunca subalternizado pelo monarca, seria simplesmente adaptada ao gosto romano, como o demonstram a encomenda de gradeamentos dourados para as capelas das naves, cuja inspiração seriam as da Basílica de S. Pedro de Roma383. O relato do Chevalier de Courtils atesta essa crescente aproximação à arte romana. Embora denuncie as permanências do período anterior, declarando que “le plafond est décoré de compartiments”, e que “les autels, les aubes, les chasubles et autres meubles sont affaissés sous le poids de l’or et de l’argent et des pierreries”384, o autor dá especial ênfase ao brilho das pedras. Diz o oficial francês que “il y a le maître-autel qui est tout de lapis azurique. Le tabernacle est d’agathe. (...) on ne voit plus que marbre noir, jaune et autres rares productions de la nature”385. Que aconteceu portanto ao ouro que impressionara Fr. Barbosa Machado? Terá o altar-mor sido substituído? A verdade é que a referência aos mármores e ao lápis-lazuli remetem imediatamente para a capela de S. João Baptista, pelo que é provável que a capela-mor da Patriarcal na alvorada do reinado josefino se aproximasse muito mais ao tardo-barroco classicizante de Luigi Vanvitelli (1700-1770) e Nicola Salvi (1697-1751) do que à “confusaõ de luzes em hum monte de resplandores”386 que impressionara o abade de Sever durante o Corpus Christi de 1719.

As escadarias de acesso Para se aceder à capela real podiam utilizar-se três entradas: as três portas que ficavam sob a tribuna – raramente utilizadas –, a porta na nave da Epístola que comunicava com o Pátio da Capela e com as áreas residenciais do paço, e a porta que se abria para o Largo da Patriarcal (fig. 13). Nestes dois últimos casos o acesso era feito por imponentes escadarias que merecem referência em muitos dos relatos que sobreviveram até nós. 381

PIMENTEL, A. F., 2002: p. 103. MACHADO, I. B., 1759: p. 146. 383 Sobre os gradeamentos das capelas da Patriarcal vide: MANDROUX-FRANÇA, M.-T., 1989: pp. 38-44. 384 COURTILS, J. B. C.-C., 1965: p.154. 385 IDEM, ibidem: p.153. 386 MACHADO, I. B., 1759: p. 146. 382

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No exterior, a escadaria do Largo da Patriarcal acabou por se tornar no elemento arquitectónico de maior destaque de toda aquela nova praça. Como constatou Francisco José Gentil Berger, não existem informações que permitam afirmar que a Patriarcal tivesse uma fachada destacada nas paredes exteriores387. De facto, o abade de Sever apenas se refere à escadaria e ao portal da capela e Le Bas ignora, por completo, a capela na sua gravura das ruínas do complexo patriarcal após o terramoto (fig. 45). A escadaria devia ser, por isso, o único elemento de destaque na fachada a Oriente do Largo da Patriarcal (esq. 10-11). A planta da Biblioteca Nacional corresponde na perfeição à descrição de Fr. Barbosa Machado, mostrando uma sucessão de degraus que sobem a partir de uma base rectangular em sentido convergente para um patamar central do qual partem dois lanços em direcções opostas que comunicam por sua vez, através de pequenos patamares, com dois outros lanços que ascendem convergentemente até à porta da capela (fig. 13.1:C). Os lanços eram ladeados por “balaustes de pedra, que servem de ornato à obra, e de encosto à gente” e as paredes “revestidas de muitas almofadas de pedra”. O portal, de resto, conhecemo-lo bem, dado que foi, depois do terramoto, aplicado na fachada da Igreja de S. Domingos, onde ainda hoje se mantém388 (fig. 48). A outra escadaria, a que subia do Pátio da Capela, era bastante mais simples. António Filipe Pimentel constatou que esta sofreu algumas alterações no final do reinado de D. João V, pois Francisco Xavier da Sylva refere que “se acabou de todo para o dia da Sagraçaõ”, ou seja em Novembro de 1746389. A planta da Biblioteca Nacional apresenta a escadaria depois destes trabalhos através de uma simples esquematização de dois lanços rectos paralelos (fig. 13.1:A). Mas já em 1719 era esta uma escada “dividida em dous lanços differentes”, rematada superiormente por uma clarabóia390. Assim sendo, a campanha dos anos de 1740 não provocou uma alteração estrutural, tendo servido simplesmente, suponho, para reforçar a sua monumentalidade uma vez que esta funcionava “como entrada principal do Templo”391.

387

No seu trabalho de doutoramento, F.J.G. Berger constata que “nada nos diz que os seus alçados [da Patriarcal] tivessem tido expressão volumétrica própria; pelo contrário, parece antes terem sido paredes planas e sem destaque de envolvente, parcialmente adossadas ao paço da Ribeira” (Berger, XXXX, p. 37). 388 Carvalho, A., 1960, vol. II: p. 378. 389 PIMENTEL, A. F., 2002: p. 109 (cf.: SYLVA, F. X., 1750: pp. 96-97). 390 MACHADO, I. B., 1759: p. 153. 391 IDEM, ibidem: p. 153. 92

Os aposentos patriarcais O complexo patriarcal incluía, para além da igreja, toda uma ala de aposentos destinados ao patriarca e cónegos patriarcais. A planta da Biblioteca Nacional apresenta com muita clareza a existência de vários espaços de aparato, nomeadamente a Escadaria Régia, a Sala Ducal, a Capela Paulina – que funcionava como capela particular do patriarca – e Casa do Colégio, conjunto denominativo que remete obviamente para o Palácio Apostólico do Vaticano392 (fig. 58). Uma vez que a planta apenas representa o piso nobre desta área do paço, teremos que recorrer às descrições escritas para poder conceber a organização dos espaços do piso térreo. No entanto, não possuímos dados que permitam reconstituir o segundo andar, existindo apenas uma referência na legenda da supramencionada planta que indica que a Escadaria Régia levava ao “o quarto de S. Emma” (fig. 13), ou seja, aos seus aposentos privados. O relato apresentado por Camilo Castelo Branco permite reconstituir parte do piso térreo. Sabemos então que a passagem que possibilitava a comunicação entre o Largo da Patriarcal e o Largo da Campainha consistia num saguão, ou átrio, de onde partia a Escadaria Régia. Afirma o autor desta descrição que esta “é a melhor peça d’arte d’esta cidade; porque as quatro columnas de jaspe que tem na frente de duas escadas lateraes, são perfeitissimas no trabalho dos lavôres”. A planta da Biblioteca Nacional permite concluir que se trataria de uma escadaria em caixa aberta, servindo as “columnas de jaspe” para suportar a abóbada onde assentava o piso superior. Relativamente à ala ocidental deste corpo arquitectónico, suponho que deverá ter existido um elevado investimento na construção da passagem do pátio interior dos aposentos patriarcais para a Rua do Arco dos Cobertos (esq. 2). Escreve o autor que “para o lado do theatro da opera fórma este quarto [do patriarca] uma quadra pequena com sumptuosas galerias, para a qual se entra por um grande vestibulo fronteiro á Patriarchal; mas a serventia ou passagem para o theatro é a mais arrogante e magestatica obra de Lisboa. Aqui, os marmores são de maneira sinzelados, que nem a cêra seria capaz de mais tenues arabescos. A natureza é vencida pela arte; porque os bustos, as carrancas, os festões, os relevos, os capiteis, os frisos, as folhagens são cousa tão prodigiosa, quanto é mais de assombrar a qualidade da pedra tão rija para impressões tão delicadas”. As dúvidas que possam surgir relativamente à localização deste vestibulo393 são

392

Esta tentativa de reproduzir a organização interna dos aposentos papais fora já notada em MANDROUX-FRANÇA, M.-T., 1989: p. 37 e PIMENTEL, A. F., 2002: p.110. 393 A passagem “para o lado do theatro da opera” tem sido erroneamente interpretada por alguns autores que vêm aqui uma referência aos aposentos a Oriente da Ópera do Tejo e ao Largo do Relógio (vide: MENDONÇA, I. M. G., 2003: pp. 30-31, JANUÁRIO, P., 2008, vol. I: p. 475; CARNEIRO, L. S., 2002, vol. I: pp.

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imediatamente esclarecidas pela informação seguinte do autor: “Por cima d’este vestibulo, ergue-se uma capella magnificentissima feita para uso particular dos patriarchas, tal e qual os pontifices a tem em Roma”394. O autor reporta-se, portanto, à Capela Paulina que observamos na planta da Biblioteca Nacional (fig. 13), mas que ainda não estava concluída em 1754395. Sendo esta a última notícia que temos desta parte do paço antes do terramoto, não é possível determinar o que ainda faltava construir e até que ponto os novos aposentos foram efectivamente utilizados por D. Tomás de Almeida e D. José Manuel da Câmara.

O TEATRO DO FORTE E A ÓPERA DO TEJO

Sete curtíssimos meses de vida foram suficientes para tornar a Ópera do Tejo no mais mítico de todos os teatros portugueses. A Casa da Ópera de D. José supera mesma a Patriarcal no número de trabalhos de investigação realizados, já para não falar das incontáveis referências que povoam todo o tipo de textos sobre o Paço da Ribeira. Mas a Ópera do Tejo é também um dos corpos arquitectónicos do palácio que mais controvérsia tem gerado, pelo que, esta dissertação cingir-se-á a uma síntese dos resultados das investigações que têm sido encetadas. Porém, importa, antes de mais, fazer uma breve descrição do mais duradouro teatro do paço – aquele que fora concebido como uma simples arquitectura efémera: o Teatro do Forte.

O Teatro do Forte A partir de 1752 a Sala dos Embaixadores, no andar superior do Torreão de Terzi, perdeu a sua função original para acolher o primeiro teatro de raiz italiana em Portugal396. Os desejos de D. José de dotar a corte de um teatro de ópera haviam trazido um Bibiena a Lisboa para erguer um grande teatro de ópera cuja construção prometia prolongar-se por algum tempo. Impaciente, o monarca encomendou ao arquitecto italiano um pequeno teatro efémero para ser montado numa das maiores salas do paço para que a espera pela 47-48.). No entanto, o autor vem descrevendo apenas o complexo patriarcal, pelo que esta passagem, deve simplesmente ser entendida como uma referência geográfica por aproximação, uma vez que a Ópera do Tejo se localizava paralelamente a Sul ao quarto que o autor se prepara para descrever. 394 BRANCO, C. C., 1874: p. 33. 395 IDEM, ibidem: p. 33. 396 JANUÁRIO, P., 2008, vol. I: pp. 277-278. 94

conclusão dos trabalhos do Real Teatro não impedisse a representação sistemática de óperas na corte. A sala quadrangular, com cerca de 20 metros de lado397, acolhia assim uma estrutura em madeira398 capaz de acomodar uma parte significativa da corte. De acordo com o documento transcrito por Artur Motta Alves, tratava-se de um “theatrinho com platéa destinada a côrte, varanda para as pessoas reaes e alguns camarotes para medicos da Casa, confessores, guarda-roupas e outros”399. O capitão inglês Augustus Hervey assistiu a uma ópera no Teatro do Forte nos inícios de Setembro de 1752400 e oferece um quadro mais completo. Através do seu relato confirma-se a existência de um camarote central para o monarca “the most magnificently ornamented, as was the whole”, e de outros camarotes para as senhoras da corte e para os representantes diplomáticos, ao passo que a plateia era ocupada apenas pela nobreza masculina. Junto à boca de cena dispunham-se duas tribunas, uma em cada lado, para vários músicos que tocavam durante os entreactos, o fosso de orquestra permitia acolher setenta músicos (o que parece um pouco exagerado) e todo o teatro era suportado por pilares de mármore, mas que, sendo um teatro em madeira, podia bem tratar-se de um tromp d’oeil. O visitante inglês ficara visivelmente agradado com o espaço pois considerou-o como “the finest theatre of the size in Europe”401. A 31 de Março de 1755, com a inauguração da Ópera do Tejo, o teatro foi encerrado não havendo qualquer referência ao destino que foi dado posteriormente à Sala dos Embaixadores.

A Ópera do Tejo Em 1933 a comunidade científica animava-se com a notícia da descoberta, no então Museu das Janelas Verdes, de um conjunto de documentos visuais da autoria de Giovanni 397 As medidas da sala apresentadas por Pedro Januário, 28,60mx16,72m (JANUÁRIO, P., 2008, vol. I: p. 281), estão claramente incorrectas porque a fonte que o autor utiliza, o texto publicado por Camilo Castelo Branco (cf.: BRANCO, C. C., 1874: p. 29), reporta-se à Sala dos Tudescos e não à Sala dos Embaixadores que, para todos os efeitos, era uma sala quadrada. A Sala dos Embaixadores devia ter cerca de 20m de lado, conforme explicado na nota 225 da página 56: 398 MENDONÇA, I. M. G., 2003: p. 30. 399 ALVES, A. M., 1941: p. 36 apud MENDONÇA, I. M. G., 2003: p. 30. 400 Hervey afirma que assistiu à ópera Il Siroe de David Peres a 31 de Agosto de 1752, o que é manifestamente impossível dado que o teatro apenas foi inaugurado a 12 se Setembro seguinte (MENDONÇA, I. M. G., 2003: p. 29; JANUÁRIO, P., 2008, vol I: p. 281). Contudo, este não é o único caso em que o capitão inglês se enganou nas datas, pois afirma que quatro dias antes participara numa gala a propósito dos aniversários da rainha-mãe e da aclamação de D. José. D. Maria Ana d’Áustria nasceu a 7 de Setembro de 1683 e D. José foi aclamado a 8 de Setembro de 1750, e não a 27 como relata Hervey. Assim sendo, a gala ocorreu provavelmente a 7 ou 8 de Setembro e a récita poucos dias depois. 401 HERVEY, A., 1953: pp. 125-126.

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Carlo Galli Bibiena que prometiam revelar os segredos da mítica Ópera do Tejo, de cuja curta existência apenas se conheciam lacónicas descrições escritas. A 23 de Junho desse ano, José de Figueiredo anunciava que encontrara uma planta e um alçado, acompanhados de uma legenda, de um teatro à italiana que, segundo a sua opinião, se reportavam à Casa da Ópera do Paço da Ribeira402. Durante cerca de sete décadas, e à excepção do contributo de olissipógrafo Augusto Vieira da Silva, esta convicção praticamente não foi colocada em causa. Constantes trabalhos ao longo deste período, assinados por investigadores como Sérgio Infante, Isabel Mayer Godinho Mendonça ou Alexandra Gago da Câmara, procuraram compreender melhor o interior do teatro conciliando estes documentos com os registos escritos que chegaram até nós. Contudo, no último quinquénio têm surgido alguns trabalhos, nomeadamente os dos arquitectos Luís Soares Carneiro e Pedro Januário, que vieram colocar em causa a atribuição feita pelo director da Academia Nacional de Belas Artes, dando assim voz às dúvidas suscitadas por Vieira da Silva. Os desenhos apresentados por José de Figueiredo correspondem a uma planta do piso inferior ao da plateia e a um corte longitudinal da sala e palco (figs. 59-60). No primeiro é representado um espaço semelhante a um criptopórtico, correspondendo a metade esquerda ao nível inferior à plateia, à qual se acedia através de quatro conjuntos de escadas, e a metade direita à zona inferior ao palco, que era ladeada por um corpo arquitectónico onde se alinhavam os camarins. No segundo desenho podem observar-se os três principais níveis do edifício: o do “criptopórtico”, o da sala e palco, e o das áreas técnicas acima destes. A sala organizava-se internamente em cinco níveis, correspondentes ao da plateia e a quatro ordens de camarotes, e o edifício era rematado por um sistema de arcos e abóbadas. A discrepância entre o comprimento proposto por estes desenhos, 67m, e aquele que se encontra inscrito no Tombo das Medições das ruínas de Lisboa que o Marquês de Pombal mandou organizar depois do terramoto de 1755, 119,76m, constituiu um dos principais motivos que levaram Vieira da Silva a duvidar da atribuição feita pelo antigo director da Academia Nacional de Belas Artes403. Autores como Sérgio Infante e Alexandra Gago da Câmara estudaram estes documentos e trouxeram novos dados à sua compreensão. Sérgio Infante considerou que o “criptopórtico” funcionava quer como uma área de distribuição dos espectadores pela plateia e camarotes, quer como espaço destinado aos artistas e de apoio aos serviços técnicos. Identificou ainda a abertura à esquerda no corte longitudinal com a porta de 402 403

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FIGUEIREDO, J., 1938: pp. 33-35. SILVA, A. V., 1987, vol. II: p. 178.

comunicação com o Paço da Ribeira. O autor concluiu que o arquétipo trimodular dos teatros de ópera – átrio, sala, palco – se verifica nestes dois desenhos, ainda que não se encontrem dispostos ao mesmo nível. O mesmo se verificara aliás na Ópera de Nancy da autoria de Francesco Bibiena. Infante tenta uma aproximação dos desenhos revelados por Figueiredo à gravura da Casa da Ópera de Le Bas, mostrando que existe um elevado grau de fidedignidade404, ao contrário do que afirmara Matos Sequeira que a apelidara de “uma excessiva fantasia de um artista estrangeiro”405. Alexandra Gago da Câmara, por seu lado, segue a leitura proposta por Infante reafirmando as influências da Ópera de Nancy e identificando outras do Teatro de Viena na ópera lisboeta406. Na sua tese de doutoramento, Luís Soares Carneiro analisou cuidadosamente todos os elementos de que dispunha sobre a Ópera do Tejo, desenvolvendo um estudo comparativo que lhe permitiu chegar a algumas conclusões. Em primeiro lugar, o autor duvida da interpretação de Sérgio Infante relativamente ao criptopórtico, vendo aí um espaço essencialmente estrutural e de serviços que não se coaduna com o espaço de aparato que este autor propõe. Por outro lado, a confrontação entre os documentos que se guardam no Museu Nacional de Arte Antiga, algumas notas de Gustavo Matos Sequeira, as versões de José de Figueiredo e do Chevalier de Courtils, um despacho do Conde de Baschi407 que dá conta da inauguração da Ópera, e o Aviso Régio que explicitava a distribuição dos espectadores levou o autor a concluir, entre outros aspectos, que a plateia acomodaria 350 pessoas, como proposto no Aviso Régio e não 600 como indicara Matos Sequeira, e que a forma octogonal da sala a que se refere o Chevalier de Courtils pode ser explicada pela existência de enormes pilastras que dividiam os camarotes laterais em três secções que, com o camarote real e a boca de cena, perfaziam os lados de um pseudo-octógono. Por fim, o confronto entre os desenhos e a gravura de Le Bas leva-o a duvidar da cobertura em arcos e abóbadas de pedra. Não existe evidência das superfícies de descarga das abóbadas nas paredes representadas na gravura, e a construção de um sistema deste género ter-se-ia revelado verdadeiramente dispendioso, o que as medições da obra de Pedreiro também não revelam. Assim, e embora o autor detecte aproveitamento de estruturas da Ópera na construção do Arsenal da Marinha após 1755, Soares Carneiro não nega que os desenhos encontrados por José de Figueiredo digam respeito à Ópera do Tejo,

404

INFANTE, S., in AAVV, 1987: pp. 39-43. SEQUEIRA, G. M., 1933: p. 286. 406 CÂMARA, A. G., 1996, p. 68. 407 O Conde de Baschi, embaixador de Luis XV em Portugal, encontrava-se em Lisboa desde 15 de Janeiro de 1753 (CONCEIÇÃO, C., 1829, tomo XII: p.232). 405

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mas conclui que só poderão dizer respeito a uma fase de projecção do edifício408. Soares Carneiro consegue desta forma fundamentar as suspeitas outrora enunciadas por Augusto Vieira da Silva. Depois de ter chegado à mesma conclusão que Vieira da Silva e Soares Carneiro quanto à fiabilidade do conjunto documental no museu da Rua das Janelas Verdes409, Januário testou um conjunto de plantas e alçados localizados e atribuídos pela investigadora italiana Giuseppina Raggi à Ópera do palácio de Salvaterra de Magos410 para verificar se algum se poderia reportar à Casa da Ópera do Paço da Ribeira. O arquitecto propõe então uma leitura alternativa destes documentos. A excepcional extensão da planta que Raggi atribui à Ópera de Salvaterra, 119,68m, não só se aproxima do valor do Tombo de 1755, como parece a Januário desmesurada para um teatro de uma residência de campo. Ao sobrepor esta planta ao plano actual da cidade, o autor descobre um elevado grau de correspondência. O mesmo se verifica com a confrontação entre o alçado que Raggi atribui a Salvaterra e a gravura de Le Bas. Pedro Januário coloca então a hipótese desta planta e deste alçado poderem ter feito parte de um estudo preliminar para a Ópera do Tejo, possuindo por isso a mesma importância para o estudo do edifício que as plantas reveladas por José de Figueiredo411. Perante a impossibilidade de comprovar actualmente qualquer uma destas propostas, resta-nos imaginar o interior do teatro a partir dos relatos coevos. O Chevalier de Courtils deixou-nos uma das descrições mais completas: a sala de espectáculos “est octogone à quatre rangs de loges. Celle du roi est dans le fond, ornée de colonnes en façon de marbre, revêtus de moulures de bronze doré. Deux autres loges dans le même goût sont placées à droite et à gauche au bord du théâtre. Les autres sont revêtues de balustrades dorées qui en forment les devants, savoir celles du premier et quatrième rang; celles du deuxième et troisième rang sont ouvertes en plein sur le devant et dorées magnifiquement d’un or brillant qui imite le diamant par le feu qu’il jette. La richesse, la délicatesse et le bon goût se disputent à l’envie. (...) Le parterre occupe toute la longueur de la salle. On y est assis commodément; il n’y a point d’amphithéâtre comme en France”. Porém, para o oficial 408

CARNEIRO, L. S., 2002, vol. I: pp. 48-60. Pedro Januário analisou os argumentos utilizados por Vieira da Silva para contestar a identificação dos desenhos apresentados por José de Figueiredo. Segundo o olissipógrafo, o Arsenal da Marinha foi erguido sobre os escombros da Ópera do Tejo. No entanto, a sobreposição da planta divulgada sobre o plano actual da cidade – partindo do recanto ocidental do corpo central da fachada da Rua do Arsenal – revelou algumas incongruências que foram reconfirmadas por Januário pela manipulação informática do corte longitudinal sobre a gravura de Le Bas (JANUÁRIO, P., 2008, vol. I: pp. 669-704; SILVA, A. V., 1987: pp. 176-178). 410 RAGGI, G, 2004, vol. I: pp. 709-714 411 JANUÁRIO, P., 2008, vol. I: pp. 669-712. 409

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francês, a sala também tinha os seus defeitos: “Quelque beau que soit ce morceau véritablement beau et digne d’un roi, il y a eu milieu de sa magnificence de grands défauts. La salle n’est pas assez grande proportionnellement au théâtre. Les pilastres qui soutiennent les loges et se terminent par des figures de géants sont trop grosses pour la grandeur de la salle. (...) Je la trouve trop petite pour une salle de représentation et de dignité, et trop grande pour un spectacle particulier”. Também o Conde de Baschi, que assistira à inauguração do edifício, desdenhara do espaço, criticando implicitamente a tentativa da monarquia portuguesa de se assemelhar às suas congéneres europeias: “On a voulu rendre ce spectacle trés magnifique mais on est encore loin des cours de Madrid et de Dresde”412. Contudo, a ideia que o tempo formou e que veio a conceder uma aura mítica à Ópera do Tejo foi aquela deixada por Courtils que, não obstante os defeitos da sala, reafirma que “on ne peut nier qu’on ne soit frappé, en entrant dans cette salle, par l’or et la magnificence qui éclate et reluit de tous côtés”413.

412

Despacho do Conde de Baschi, 1 de Abril de 1755, Lisboa, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Correspondência Política de Portugal, vol. 87, fl. 2-6, apud CARNEIRO, L. S., 2002, vol. I: p. 53. 413 COURTILS, J. B. C.-C., 1965: pp. 162-163.

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O PAÇO DA RIBEIRA NO CONTEXTO EUROPEU Uma tentativa de interpretação

Conhecido que está, na sua generalidade, o Paço da Ribeira, impõe-se encontrar agora novas vias de interpretação. A maioria dos estudos sobre o Paço da Ribeira que foram sendo referidos neste trabalham enquadram-no, sobretudo, na realidade nacional, seja no contexto da arquitectura palaciana portuguesa, ou no contexto artístico dos programas arquitectónicos de iniciativa régia (válido principalmente para o reinado de D. João V). Assim sendo, parece-me de todo conveniente alargar o âmbito de análise à realidade europeia de modo a encontrar novas possibilidades de interpretação daquele que foi o principal paço régio português durante 250 anos. Dadas as características desta tese, seleccionei somente alguns aspectos arquitectónicos do Paço da Ribeira para serem confrontados com exemplos de palácios europeus de características semelhantes (principal residência régia; sede de poder; remodelado constantemente ao longo de diferentes épocas). Espera-se, no entanto, que futuramente outros elementos possam eles também ser analisados numa perspectiva internacional. Com efeito, este diálogo entre o Paço da Ribeira e os seus congéneres europeus poderá trazer um melhor conhecimento da evolução da arquitectura áulica não só a nível nacional, mas também no plano da Europa da Época Moderna.

O PÁTIO

Durante a alvorada da Época Moderna, à medida que se multiplicavam as construções de palácios nobres nos núcleos urbanos, o pátio foi ganhando cada vez mais importância enquanto espaço autónomo no conjunto habitacional. Também na residência 101

nobre portuguesa o pátio assumiu um papel de crescente destaque, não sendo o Paço da Ribeira a excepção. Já no seu estudo sobre o palácio no século XVI, Nuno Senos identificara três pátios no complexo palatino, em torno dos quais as áreas residenciais se desenvolviam (fig. 61)414. No século XVIII esses três pátios há muito que tinham sido reduzidos a um único: o Pátio da Capela, que veio a transformar-se na principal e mais digna entrada do complexo palatino. As origens da inclusão de pátios nos palácios nobres perdem-se no tempo. O pátio era já utilizado nas casas mesopotâmicas do segundo milénio a.C., mas as raízes dos pátios palatinos da Época Moderna são muito menos profundas. Devemos procurá-las sobretudo nos atria e peristilos das habitações romanas, mas também nos pátios da arquitectura islâmica cujas persistências, no caso ibérico, não devem ser descuradas415. O arquitecto e historiador de arquitectura norueguês Christian Norberg-Schulz identificou dois modelos principais de palácios barrocos urbanos, o italiano e o francês, e estabeleceu origens diferentes para estes casos. O palazzo italiano, considerado herdeiro da insula romana, é definido como um organismo centrípeto, desenvolvido a partir de um pátio (o cortile), ao passo que o hôtel francês é encarado como resultado de modelos medievais, caracterizados pela distribuição de diferentes unidades em torno de um pátio espaçoso. No palácio italiano, o bloco principal do edifício está voltado para a via pública, assumindo o pátio um cáracter «privado». No hôtel, a cour d’honneur abre-se ao exterior e a parte principal, o corp de logis, encontra-se retirada e é «privada»416. Estes modelos influenciaram grande parte da arquitectura palatina europeia dos séculos XVII e XVIII, mas não creio que se possa encontrar uma ligação directa entre os dois modelos acima citados e o Pátio da Capela. Na verdade, a utilização do pátio adquire especificidades próprias em diferentes contextos nacionais. O exemplo francês foi estudado por Norbert Elias que, ao debruçar-se sobre a organização das residências nobres do Antigo Regime no seu estudo sobre a sociedade de corte francesa, destacou a função desempenhada pelo pátio das casas urbanas. Herdeiro dos pátios de serviços (cozinhas, cavalariças, alojamento dos criados, etc) das residências rurais da nobreza, o pátio da casa nobre urbana francesa “tornou-se um simples local de acesso de coches, um espaço «representativo»”417, que devia indicar pela sua forma o

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SENOS, N., 2002: p. 73. “Courtyard”, 1996: pp. 64-65. 416 NORBERG-SCHULZ, C., 1972: pp. 239-301. 417 ELIAS, N., 1995: p. 22. 415

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estatuto social do dono da casa418. Assim, a Cour de Marbre no Palácio de Versalhes (fig. 62) assumiu-se necessariamente como o principal pátio de representação do prestígio social em França. Porém, como um pátio não seria suficiente para expressar a magnificência do rei de França, a Cour de Marbre faz parte de um conjunto de três pátios, juntamente com a grande Cour Carrée e a Cour Royale, onde assume o estatuto de maior restrição e dignidade. Como veremos, mais do que propagação da tipologia arquitectónica do pátio urbano francês, seria este papel de representação social que iria ser potenciado nos pátios europeus dos séculos XVII e XVIII. Hampton Court, em Inglaterra, é um bom exemplo de um caso que desenvolve um sistema de pátios semelhantes aos registadas em França (Versalhes, mas também no Louvre), mas que deve mais a desenvolvimentos paralelos semelhantes do que a uma absorção directa do caso francês. Na verdade, pouco tempo depois de adquirir a propriedade de Hampton Court em 1510, o recentemente nomeado arcebispo de York, Thomas Wolsey iniciou a construção de um palácio cuja inspiração foi buscar aos exemplos quatrocentistas dos arcebispos da Cantuária. Wolsey reformulou totalmente as antigas casas que existiam em Hampton Court, expandindo o edifício para ocidente de modo a acolher um novo pátio central. Porém, como demonstrou Simon Thurley, ao contrário dos anteriores paços episcopais, o pátio de Wolsey “was not designed for his households servants (...), this new type of courtyard was built principally for guests419”. Os aposentos do dono da casa, e principalmente os que foram erguidos para o monarca, localizavam-se num pátio pré-existente e mais interior (fig. 63). Assim, já no século XVI entre a aristocracia inglesa o pátio mais recuado era considerado o de maior dignidade. Esta prática seria reforçada no século XVIII quando Guilherme III e Maria II encomendaram a Christopher Wren novos aposentos que se iriam desenvolver em torno de um terceiro pátio, ainda mais recuado. Independentemente da possível existência de contactos com a realidade francesa, o caso de Hampton Court serve como exemplo do significado que o pátio assumiu enquanto espaço de representação social num residência nobre inglesa da Época Moderna. Desde o Renascimento que também em Itália o pátio dos palácios recebia dos arquitectos particular atenção. O pátio podia manter um carácter privado, mas tornava-se num campo de aplicação privilegiado para composições de diferentes ordens clássicas, como o demonstram o pátio do Palazzo Medici-Riccardi (c. 1444) em Florença (fig. 64), o 418 419

IDEM, ibidem: p. 56. THURLEY, S., 2003: p. 20.

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pátio do Palazzo Ducale de Urbino (c. 1464) (fig. 65), ou ainda o Palazzo della Cancelleria (c. 1495) em Roma (fig. 66). Ao tratar-se de pátios italianos, é geralmente incluído neste grupo o Cortile del Belvedere (c. 1505) no Vaticano420 (fig. 67). No entanto a sua escala monumental, e os vários arranjos que recebeu (rampas, escadarias, terraços, fontes, etc), até ser definitivamente bipartido por Sisto V a partir de 1585, afastam-no do carácter reservado, quase intimista, dos exemplos anteriores. Foi o modelo desses exemplos citados que viria a ser determinante, a nível arquitectónico, para o desenvolvimento dos pátios palatinos espanhóis dos séculos XVI e XVII. Com efeito, de clara influência da Renascença italiana, os pátios tornam-se num elemento omnipresente dos palácios espanhóis da Época Moderna. Anteriormente neste trabalho reportei-me aos casos dos palácios de El Pardo em Madrid, de Vázquez de Molina em Úbeda, de Villena e do do licenciado Francisco Butrón em Valhadolide, e do Duque de Lerma em Burgos (figs. 25, 27, 29-30, 33). Estes pátios constituem, na maioria das vezes, a entrada principal das casas. Só assim se compreende que, desde muito cedo, a escadaria se tenha assumido no contexto espanhol como um elemento de aparato que mereceu a atenção dos arquitectos. Com efeito, ela permitia a comunicação entre o exterior e o piano nobile, constituindo a verdadeira entrada do palácio. Por este motivo esta tipologia de pátio não pode ser confundida com construções semelhantes desenvolvidas em claustros de espaços conventuais. O claustro é, por definição, um espaço exclusivamente privado, apartado do mundo exterior, ao passo que os pátios dos palácios espanhóis são os “halls de entrada” da casa. Estes pátios começavam, assim, a desempenhar a função das cours d’honneur francesas, tornando-se espaços privilegiados para representação social. O Paço da Ribeira parece estar mais relacionado com o modelo espanhol quinhentista do que com qualquer outra tipologia europeia. Importa lembrar que no país vizinho o paradigma francês acabaria por se tornar dominante no século XVIII, como o provam alguns exemplos determinantes como são os palácios reais de Aranjuez (pátio das armas terminado no reinado de Carlos III) e de La Granja (começado em 1721) (figs.68-69). Porém, o único pátio do Paço da Ribeira construído no século XVIII, o Largo da Patriarcal, nunca assumiu esse papel de representação social, desempenhando sobretudo uma função de praça pública. O pátio de representação social por excelência do Paço da Ribeira seria, desde a sua construção e até ao terramoto, o Pátio da Capela. Tal como nos pátios espanhóis do século XVI, o pátio da capela estabelecia a comunicação entre o exterior e o piano nobile. Contudo, este espaço exterior com o qual o Pátio da Capela 420

“Courtyard”, 1996: p. 65.

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comunica não é uma rua, mas sim uma quadra, ou seja, um pátio – o Largo da Campainha421. Assim, e apesar do acesso público, o Largo da Campainha seria por isso um espaço interno ao palácio – uma mera zona de acesso à entrada principal do paço. Ora, se o pátio devia indicar, pelo seu aspecto a posição social do dono da casa422, o que levou a que em Versalhes existissem três pátios, ao rei de Portugal não bastava o Pátio da Capela. Se a entrada no Palácio de Versalhes era feita depois de atravessar o grande Pátio Quadrado, o Pátio Real e o Pátio de Mármore (fig. 62), também o acesso principal ao Paço da Ribeira se fazia depois de se passar o Terreiro do Paço, o Largo da Campainha e, por fim, o Pátio da Capela (esq. 2). Naturalmente que a sequência destes três pátios não resulta de um plano concebido inicialmente, mas sim da evolução histórica do crescimento do paço. No entanto, não é de excluir que não tenha adquirido, sobretudo no século XVIII, essa escala de prestígio.

AS ESCADARIAS

Ao longo da história do Paço da Ribeira as escadas foram multiplicando-se pelos vários aposentos permitindo, dessa forma, obter melhores acessibilidades aos pisos superiores, ao mesmo tempo que desempenhavam um papel cada vez mais importante na monumentalização do edifício. Se, para o século XVI, Nuno Senos apenas localizou informações sobre escadas de carácter utilitário (na sua maioria de forma helicoidal)423, para o século XVIII é possível identificar pelo menos quatro conjuntos de escadas de lanço recto que não podem ser classificadas somente pela sua função de comunicação inter-espacial, já que se assumem, nuns casos mais eficazmente do que noutros, como um elemento arquitectónico de aparato. Com efeito, John Templer atribui à transferência das divisões nobres para o primeiro piso dos palácios, nos finais da Idade Média, a crescente autonomização das escadarias enquanto espaço de recepção e de pompa: “The risers decreased in hight and the treads increased in depth to respond to the increased functional demands of ceremony and trafic volume. It was with the internal grand stair of the Renaissance and baroque that the symbolic, ceremonial, and architectural possibilities of 421 O termo quadra é utilizado pelo autor da descrição anónima do Paço da Ribeira publicada em BRANCO, C. C., 1874: pp. 29-34. 422 ELIAS, N., 1995: p. 56. 423 SENOS, N., 2002: pp. 122-123.

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stairs came to be exploited with such consummate skill”424. Como bem demonstrou Rafael Moreira, a inexistência de escadarias monumentais no Paço da Ribeira quinhentista denota, assim, o fraco esplendor do ritual cortês nacional e a persistência de “uma concepção de espaço de vida civil pautado por normas de conduta e etiqueta ainda basicamente medievos”425. Seria necessário aguardar pela intervenção de Filipe II de Espanha para que a escadaria adquirisse no paço um papel de relevo. Paralelamente ao Torreão de Terzi, foram desenhadas, provavelmente, as primeiras escadas interiores de lanço recto no Paço da Ribeira (fig. 11). Construídas para dar acesso do piso térreo do torreão à Galeria do Forte e à Sala dos Embaixadores, esta escadaria ocupava divisão própria que se estendia por dois vãos da fachada da galeria (fig. 1). Como demonstrou Templer, a escadaria em divisão própria foi uma solução encontrada no Alto Renascimento para assegurar a integridade cúbica do espaço – necessidade absoluta para os valores renascentistas –, dado que permitia esconder as diagonais dos vãos abertos por baixo dos lanços426. De todo o modo, a escadaria de lanço recto em divisão própria não era de todo uma novidade em Portugal, tendo sido aplicada, por exemplo, na entrada do Paço Ducal de Vila Viçosa (c. 1537?427) (fig. 70). Porém, estes dois casos divergem significativamente. Ao passo que em Vila Viçosa a escadaria é composta por dois lanços principais e por um lanço intermédio perpendicular de apenas quatro degraus em caixa aberta – ou seja, é possível percepcionar a extensão de toda a escadaria desde o primeiro lanço –, a escadaria do Paço da Ribeira apenas contempla dois lanços principais paralelos desenvolvendo-se, muito provavelmente, em caixa fechada, uma vez que a escada se estende por uma altura equivalente a quatro andares. Assim, apesar da sua grande dimensão, comprovada pelos desenhos de Simancas, tratava-se de uma escada essencialmente utilitária. Os efeitos cenográficos da construção de escadarias com lanços rectos foi uma preocupação dos arquitectos espanhóis desde os finais do século XV. Com efeito, como constatou Mary Whiteley, em Espanha “a different type evolved, consisting of three flights climbing round the walls of a hall that was open in the middle and covered by a single vault”428. Este é o tipo de escadaria mais comum nos pátios dos palácios espanhóis dos séculos XVI e XVII.

424

TEMPLER, J., 1995: p. 120. MOREIRA, R., in PEREIRA, P., 2006, vol. V: p. 191. 426 TEMPLER, J., 1995: p. 122. 427 TEIXEIRA, J., 1983: pp. 33-51. 428 WHITELEY, M., 1996: p. 521. 425

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Porém, foi também em Espanha que no último quartel do século XVI se começou a explorar o potencial das escadarias em lanços paralelos em caixa aberta, as quais viriam a ter um gigantesco impacto a nível europeu. De acordo com Catherine Wilkinson, foi no Escorial que surgiu a Escadaria Imperial (fig. 71), tipologia que se caracteriza pela potencialização cenográfica da edificação de três lanços paralelos em caixa aberta – um lanço simples flanqueado por um lanço duplo – e que viria a abrir caminho para as grandes construções barrocas429. Esta tipologia de escadaria viria a conhecer ampla aplicação em Portugal (e.g.: Mosteiro de São Martinho de Tibães; Colégio de S. Jerónimo em Coimbra) (figs. 72-73). Contudo, a escadaria escorialense não parece ter exercido qualquer influência no Paço da Ribeira, pois a escada de Terzi desenvolvia-se em caixa fechada, tais como alguns modelos renascentistas que surgiram em Itália (e.g.: o Palácio Ducal de Urbino, c.1465) (fig. 74), que mais tarde se alastraram a outras partes da Europa (e.g.: Burghley House no Lincolnshire, em Inglaterra, dos inícios da década de 1560) (fig. 75). Esta tipologia parece ter perdurado em Portugal, sobretudo em algumas construções religiosas dos séculos seguintes, tanto a um nível mais utilitário (escadas interiores da Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa) como no plano áulico (escadas de acesso às áreas palatinas do palácio-convento de Mafra) (figs. 76-77). A escada de Terzi parece, como confirma a ausência de qualquer referência laudatória nas fontes escritas, que se aproxima do primeiro desses níveis, constituindo uma mera via de acesso no complexo do Paço da Ribeira. Depois da escadaria do torreão, a seguinte escadaria cerimonial de lanço recto a ser construída no Paço deve ter sido a que ligava o Pátio da Capela à capela real (fig. 13.1:A). Anteriormente neste trabalho o Pátio da Capela foi sujeito a um processo comparativo com vários pátios palatinos do país vizinho. Se utilizarmos os mesmos exemplos para avaliar as escadas de acesso verificamos, como acabámos de afirmar, que na sua maioria se tratam de escadas de três lanços em “C” em caixa aberta. Inácio Barbosa Machado afirma que a escada era composta apenas por dois lanços, pelo que não devia diferir muito daquela que é representada na planta da Biblioteca Nacional, que diz respeito à escadaria reformulada durante a década de 1740, cuja notícia da transformação nos é dada por Francisco Xavier da Sylva. A única diferença relativamente à escadaria do torreão reside na caixa, que neste caso era aberta e coroada por uma clarabóia430. Parece portanto existir uma persistência do modelo de dois lanços paralelos nas escadas principais do Paço da Ribeira, tendência que os outros dois exemplos, abaixo abordados, parecem confirmar.

429 430

WILKINSON, C., 1975: p. 65. MACHADO, I. B., 1759: p. 153; SYLVA, F. X., 1750: pp. 96-97.

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O século XVIII europeu assistiu ao desenvolvimento de grandes escadarias monumentais que procuraram tirar o máximo proveito do seu potencial cenográfico. Entre as várias tipologias, sobressaem dois modelos principais: o italiano, que aposta na escadaria de lanços contínuos, das quais a mais célebre é a Scala Reggia no Vaticano (fig. 78), mas cujas origens remontam ao Palazzo dei Consoli, nos arredores de Peruggia (c.1332-1341) e que teve um primeiro momento áureo no Renascimento com a Scala dei Giganti no Palácio dos Doges em Veneza (depois de 1483)431 (figs. 79-80); e o modelo alemão e austríaco, cuja exploração do paradigma da Escadaria Imperial de três lanços produziu das escadarias mais espectaculares do século XVIII, desde a de Johann Lukas von Hildebrandt no Palácio de Belvedere em Viena à obra-prima de Balthasar Neumann na Würzburger Residenz, cujo impacto é reforçado pelo magnífico fresco de Tiepolo (figs. 81-82). Uma vez mais importa citar John Templer que descreve perfeitamente esta nova tipologia de escadaria: “These stairs cannot be considered simply as sumptuous means to pass from the ground to the reception rooms. They became an end in themselves - resplendent art objects, the jewel in the crown of the palace. (...) On these stairs, the formalities of reception and departure were played out within the diplomatic protocol of the court. Visiting dignitaries were often received on the stair, and where they were received was a measure of their rank and social position”432. O palácio lisboeta optou, no entanto, por outra tipologia. A solução adoptada no Paço da Ribeira parece, em meu entender, ter partido da absorção de dois outros modelos. Em primeiro lugar, de algumas tentativas italianas de impor simetria aos conjuntos de escadas de lanços rectos paralelos. No Cortile del Belvedere (c.1505), no Vaticano, Donato Bramante dispôs uma escadaria de lanços paralelos simétricos, ligando a parte superior à inferior do pátio433 (fig. 67). Vignola (15071573) recorreu à mesma solução na entrada da Villa Farnese, em Caprarola (c.1560) e Andrea Palladio adoptou este modelo para o interior dos edifícios no seu Palazzo Chiericati (c.1547), em Vicenza (figs. 83-84). O outro modelo que pode ter influenciado as escadas do Paço da Ribeira foi desenvolvido em França. A Escalier des Ambassadeurs em Versailhes (1672-1679), de Louis Le Vau, destruída durante o reinado de Luís XV para dar lugar aos aposentos das suas filhas, consistia em dois lanços de escada que ascendiam em sentidos opostos, mas que partiam de um ponto em comum na base, à qual se chegava através de um lanço em leque (fig. 85). São estas duas tipologias que encontramos nas outras duas

431

WHITELEY, M., 1996, p. 521. TEMPLER, J., 1995: p. 130. 433 WHITELEY, M., 1996: p. 522; BOORSCH, S., 1982-1983: pp. 48-57. 432

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grandes escadarias do Paço da Ribeira: a dos aposentos do Patriarca e a da entrada da capela que dava para o Largo da Patriarcal. Relativamente ao primeiro caso, a planta da Biblioteca Nacional representa a escadaria ao centro do grande vestíbulo que ligava o Largo da Patriarcal ao Largo da Campainha (fig. 13.1:B). Dispensando provavelmente o lanço inicial em leque, os dois lanços ascendentes no piso térreo eram a raison d’être de todo aquele espaço. Assim, só no século XVIII, uma escadaria do Paço da Ribeira se autonomizou no interior do edifício enquanto espaço próprio de aparato, o que provavelmente se deveu a António Canevari que entre 1727 e 1732 desenhara a escadarias dos aposentos da Rainha que recebeu os maiores aplausos, mas que a escassez de fontes não permite reconstituir. Porém, em nenhuma outra área do paço, a escadaria se autonomizou de forma tão clara como no acesso à capela a partir do Largo da Patriarcal (esq. 11). A escadaria da Patriarcal explora os efeitos cénicos do jogo entre os lanços divergentes e convergentes, obtendo-se um resultado de ziguezague que havia já sido experimentado no Palácio Marquês da Fronteira em Lisboa (c.1670), por exemplo, mas que durante a primeira metade do século XVIII era multiplicado até à exaustão no Bom Jesus de Braga e que se tornaria modelo para várias igrejas de peregrinação do Norte do país (fig. 86). Esta tipologia de escadaria adquire assim uma larga divulgação em território português (outros exemplos são o Solar de Mateus, em Vila Real, e a Via Latina, em Coimbra) (figs. 87-88). A influência romana italiana parece ser um dado adquirido, mas a sua intensiva utilização em Portugal pode ser explicada por outro factor que me parece determinante: a persistência do modelo de dois lanços rectos paralelos em caixa fechada como principal meio utilitário de comunicação entre diferentes andares na arquitectura portuguesa. A entrada do palácio-convento de Mafra como exemplo da persistência desse modelo foi já aqui referido, mas vale a pena relembrá-los pois integra uma tipologia de escadas áulicas que parece ter sido abandonada, ou pelo menos discriminada, nos principais centros artísticos europeus a partir dos finais do século XVI. No entanto, ela persiste em Portugal e é mesmo aplicada no já neo-clássico Palácio da Ajuda, em Lisboa. Considero portanto que a popularidade da escadaria “em ziguezague” resulta da adaptação deste modelo de lanços paralelos em caixa fechada (esq. 12) ao seu equivalente em caixa aberta (esq. 13) que, depois de disposto simetricamente (esq. 14), é transformado de modo a produzir um aparatoso efeito perspéctico (esq. 15). A Escadaria do Largo da Patriarcal resulta assim, tanto de modelos italo-franceses, como de persistências da arquitectura nacional.

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Tal como a maioria das escadas barrocas europeias, a escadaria da Patriarcal era muito mais do que uma “forma sumptuosa” de passar de um nível a outro. Este aparatoso conjunto de degraus veio criar um novo espaço totalmente independente entre a capela e o largo, funcionando quase como um caminho preparatório para a entrada no templo. Por outro lado, o seu impacto no Largo da Patriarcal deve ser equiparado a um objecto escultórico que pretendia dignificar o espaço e conferir-lhe um novo estatuto de centralidade urbana.

A DISTRIBUIÇÃO DOS APOSENTOS

A organização interna dos aposentos dos monarcas nos principais palácios régios europeus dos séculos XVII e XVIII era, em larga medida, condicionada pelas diversas práticas cerimoniais e protocolares das cortes que estes acolhiam. A composição destes espaços diferia, por isso, de Lisboa para Paris ou de Londres para Madrid. No entanto, é possível detectar semelhanças nas lógicas de distribuição das várias divisões dentro dos aposentos reais que tentavam, de formas distintas, responder às crescentes exigências do ritual de corte absolutista. Importa, assim, verificar de que modo a organização espacial interna dos aposentos do Paço da Ribeira se aproximava, ou afastava, dos modelos de algumas das principais cortes europeias suas contemporâneas. Durante a Época Moderna, a consolidação da “sociedade de corte” em estados absolutistas obrigou a transformações profundas nos palácios reais a fim de veicular a glorificação da figura régia e a responder à crescente necessidade de representação social. Como demonstrou Norbert Elias, este período assiste à rígida separação das áreas de serviços e de alojamento do pessoal dos aposentos e salas de recepção. Se por um lado este facto vem na sequência da identificação, desde o fim da Idade Média, do primeiro piso dos palácios com a zona nobre da casa e a atribuição do piso térreo aos criados e aos serviços de apoio, por outro, esta separação foi sendo transposta para o interior dos aposentos. Dada a necessidade de presença permanente dos servidores junto dos senhores, mas de forma a garantir essa separação entre as camadas socais, as câmaras dos donos da casa eram sempre antecedidas por uma ou várias antecâmaras onde estavam os criados esperando ordens. Assim, as antecâmaras marcavam simbolicamente a distância social entre o Senhor e os homens comuns. Este modelo seria igualmente adoptado na casa do rei. Citando Elias, 110

“aqui, os grandes senhores e as grandes damas que, em suas casas, relegam o pessoal para as antecâmaras, fazem agora o papel de criados e criadas, esperando na antecâmara um sinal do seu senhor, o Rei”. Daqui emerge a importância da segunda antecâmara enquanto espaço de distinção para homens «acima do comum»434. O interior dos aposentos organizava-se então como um espaço de filtragem do acesso ao dono da casa, tendo início numa primeira sala acessível a toda a corte e terminando numa outra de entrada muitíssimo restrita. A impossibilidade da caracterização destes espaços de acordo com noções contemporâneas de “público” e “privado” foi já demonstrada por diversos autores, nomeadamente Elias, para o caso francês, ou Senos, para o português, sendo portanto mais correcto interpretar a sequência das várias divisões dos aposentos como “factor de distinção”435. Se o caso francês é geralmente considerado como o paradigma por excelência do que acaba de ser dito436, também é verdade que Lisboa encontrou uma forma própria de o expressar. Os dois principais palácios régios franceses dos séculos XVII e XVIII, Versalhes e o Louvre (ainda que, neste caso, apenas nos interesse o curto período entre as transformações de Louis Le Vau e o abandono da corte), respeitavam a tradicional tipologia de aposento francesa de quatro divisões: antecâmara, câmara de aparato, grande gabinete e gabinete particular, que reflectiam o estreitamento da acessibilidade à figura do rei. Porém, no Palácio de Versalhes, este conjunto de divisões destinados a uma função de recepção, designados por Grand Appartement, viria a coexistir com outro aposento de menores dimensões no qual o rei habitaria, o Petit Appartement ou simplesmente l’Appartement, que mudaria várias vezes de localização durante as campanhas de obras do palácio até se estabelecer definitivamente na ala a Norte da Cour de Marbre no reinado de Luís XV437. Esta separação, acompanhada pela duplicação de antecâmaras e gabinetes, reforça assim a distância entre os espaços de aparato e os espaços de maior intimidade, prolongando o percurso de acesso ao monarca. O caso inglês deve aqui ser referido porque embora não possua uma corte absolutista estava sujeita às influências que chegavam do outro lado do Canal da Mancha. A título de exemplo, é importante citar Simon Thurley que revela que em Hampton Court

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ELIAS, N., 1995: pp. 23-26 (tradução de Ana Maria Alves). SENOS, N., 2002: pp. 118-120. Vide também: ELIAS, N., 1995: p. 49. 436 O caso inglês é um exemplo da permeabilidade da influência francesa. A própria designação inglesa de aposento, “lodging”, foi substituída pela adaptação da designação francesa “appartement” para inglês, “apartement” (vide: THURLEY, S., 2003: pp. 152-153). 437 Sobre os “Petits Appartements” de Luís XIV vide: LE GUILLOU, 1986: pp. 7-22; BOTTINEAU, Y, 1991: pp. 17-26. 435

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“Charles II had transformed the once private English royal bedchamber into the principal reception room of the palace”. Porém, a par desta câmara de aparato existia uma outra de menores dimensões onde o rei dormia de facto, o que também se verificava no Louvre ou em Versalhes438. Ao desenhar a extensão de Guilherme III em Hampton Court, Christopher Wren introduziu uma outra novidade nos aposentos do monarca. Inspirandose na Galeria dos Espelhos em Versalhes, erguida em 1678, o arquitecto inglês propôs, em 1689 a abertura da câmara do rei à King’s Gallery, até então um espaço restrito, tornando esta num espaço de aparato439. A câmara do rei em Hampton Court ganhava assim, nos finais do século XVII, uma centralidade absoluta nos aposentos da ala Sul da Fountain Court. Num breve artigo de análise comparativa, Yves Bottineau destacou a especificidade da organização espacial dos aposentos do palácio real de Madrid. O autor salientou a herança do costume dos reis espanhóis de ocuparem aposentos em conventos, que teve como resultado a prática de coabitação entre os paços reais e os espaços conventuais, cuja expressão máxima foi atingida no Escorial mas que permaneceu em palácios habitados posteriormente como no Real Alcázar de Madrid ou no Buen Retiro440. O alcázar representa, aliás, uma outra categoria de palácio que é caracterizada pela existência de dois pátios, um do rei e o outro da rainha, separados por um eixo central onde se encontra a escadaria principal, a capela e o Salão dos Espelhos. O Real Alcázar de Madrid era, por isso, a síntese entre estas duas tipologias. Depois da destruição deste palácio pelo incêndio de 1734, o novo Palácio do Oriente viria a reflectir alguns aspectos dessa tipologia de distribuição espacial, nomeadamente a construção da Sala do Trono, transposição do Salão dos Espelhos do Alcázar, e permanência da capela no eixo central, que em Versalhes fora remetida para a zona Norte do palácio de modo a que o eixo central fosse ocupado pela câmara do rei. Os aposentos do rei de Espanha ocupam simplesmente parte de uma ala lateral do Palácio do Oriente, não apresentando ligação a qualquer espaço de representação pública – como a Galeria dos Espelhos em Versalhes ou a King’s Gallery em Hampton Court. Por outro lado, também não existiam espaços de maior intimidade à semelhança do Petit Appartement ou da segunda câmara de dormir de Carlos II de Inglaterra441. Apesar de desenhado já em pleno século XVIII, numa altura em que Filipe V procurara reproduzir os modelos cortesãos de Luís XIV, e do marcado italianismo de alguns dos seus principais 438

THURLEY, S., 2003: p. 153. Vide também: LE GUILLOU, 1988: p. 93. THURLEY, S., 2003: p. 166. 440 O Real Alcázar de Madrid tinha ligação ao Mosteiro de La Encarnación e o Palácio do Buen Retiro ao Mosteiro de S. Jerónimo. 441 O estudo comparativo elaborado por Yves Bottineau apenas coloca em análise o caso espanhol e francês, mas optei por fazer breves alusões ao caso inglês de modo a ter uma visão um pouco mais ampla. Vide: BOTTINEAU, Y, 1991: pp. 23-25. 439

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espaços442, o Palácio do Oriente parece dever a sua organização espacial interna mais a modelos nacionais do que a influências estrangeiras. Estes três exemplos permitem verificar que o Paço da Ribeira, apesar das transformações de que foi alvo durante o reinado de D. João V, respeitou a tradicional disposição dos aposentos dos monarcas portugueses. Como vimos anteriormente, o quarto do rei era formado por: primeira Sala do Dossel (ou primeira antecâmara), segunda Sala do Dossel (ou segunda antecâmara), “outras salas maes”, oratório e divisões para guardar a roupa; e o quarto da rainha reflectia provavelmente o mesmo número de divisões ainda que com uma disposição ligeiramente diferente: primeira Sala do Dossel (ou primeira antecâmara), segunda Sala do Dossel (ou segunda antecâmara), oratório particular, sala do candeeiro de cristal, sala particular, toucador, câmara de dormir. Ambos os aposentos eram precedidos por uma sala de guardaria: no caso do aposento do rei, apenas pela Sala dos Porteiros da Cana, e no caso da rainha, por esta sala e pela do Porteiro da Câmara. Esta organização reflecte assim a disposição ideal dos aposentos enunciadas por D. Duarte no seu Leal Conselheiro, que merece ser aqui transcrita: “Pera mayor declaraçom de como entendo que devemos aver das cousas sentimento virtuosamente, eu conssiiro no coraçom de cadahuum de nos cynquo casas, assy ordenadas como custumam senhores. Item prymeira, salla, em que entram todollos do seu senhorio que omyzyados nom som, e assy os estrangeiros que a ella querem vîir. Item segunda, camara de paramento, ou ante-camara, em que custumam estar seus moradores e alguums outros notavees do reyno. Item terceira, camara de dormyr, que os mayores e mais chegados de casa devem aver entrada. Item quarta, trescamara, onde sse custumam vestir, que pera mais speciaaes pessoas pera ello perteecentes se devem apropriar. Item quinta, oratorio, em que os senhores soos algumas vezes cadadia he bem de sse apartarem pera rezar, leer per boos livros, e pensar em virtuosos cuidados”443. Verificamos, portanto, o seguinte: 1) a primeira sala a que D. Duarte se refere correspondia às portarias dos aposentos reais do século XVIII; 2) a segunda sala, uma “camara de paramento”, à segunda antecâmara setecentista, pois era nela que os monarcas davam audiência pelo que devia tratar-se de um espaço de aparato para recepção; 3) a terceira sala do texto eduardino correspondia à câmara de dormir, que no caso do rei se deveria situar ao centro dos aposentos, onde Fr. Bautista de Castro identifica “outras salas maes”, mas que no caso da rainha se situava no fim de todas as divisões; 4) a “trescamara” é equivalente ao toucador da rainha e que no caso do rei deveria corresponder a uma 442

BOTTINEAU, Y, 1991: p. 23. Duarte (D.), Leal Conselheiro, in AAVV, Obras dos Príncipes de Avis. Porto, Lello & Irmão, Colecção Tesouros da Literatura e da História, 1981, ed. Lopes de Almeida, p. 397 apud SENOS, N., 2002: p. 119.

443

113

retrocâmara não especificada junto à câmara de dormir; 5) o oratório mantém ainda a sua independência relativamente às outras divisões. Este elevado grau de correspondência entre o texto de D. Duarte e a realidade do século XVIII abordado em paralelo com os casos europeus acima citados permitem tirar algumas conclusões referentes à disposição espacial dos aposentos dos monarcas portugueses no Paço da Ribeira. Primeiramente, é notório no século XVIII o aumento da distância que separava a sala mais pública da sala de maior intimidade. A existência de uma portaria, como local onde todos podiam aceder, e de um oratório, o local mais íntimo do quarto do rei e, porventura, também o da rainha444, mantém-se. Contudo, da mesma forma que os reis franceses sentiram necessidade de duplicar o número de antecâmaras e gabinetes, também D. João V e D. Maria Ana Vitória dispunham de duas antecâmaras. A distância que separava a portaria do oratório foi por isso aumentada. Em segundo lugar, o principal espaço de recepção dentro dos aposentos continuava a ser numa antecâmara. A prática francesa de transformar a câmara na principal sala de recepção, que se alargou a Inglaterra, não parece ter produzido qualquer efeito no Paço da Ribeira. Por um lado, este facto justifica também a existência de apenas uma câmara de dormir. Na verdade, se a principal divisão de aparato era a antecâmara, a câmara de dormir não foi considerada como desprovida de intimidade. Consequentemente, também não se fez sentir a necessidade de construir um petit appartement no Paço da Ribeira. Por outro lado, o lugar central que a câmara ocupava nos aposentos de D. João V não tem subjacentes os mesmos princípios que explicavam a centralidade das câmaras de Luís XIV ou de Guilherme III. Com efeito, o caso português prende-se com a necessidade de respeitar a tradicional disposição nacional e não de colocar o rei no centro do palácio. No entanto, a querer encontrar-se um paralelo entre estes três casos, deve olhar-se para a decisão de D. João V de instalar os seus aposentos na Galeria do Forte – a ala de maior destaque do Paço. Por esta razão, o palácio lisboeta afasta-se do Palácio do Oriente em Madrid, pois a marginalidade dos aposentos reais que se verifica neste edifício não está patente em Lisboa. Mas tal como neste caso, também nenhuma das divisões do quarto do rei comunica directamente com uma galeria ou sala de representação. Em suma, a distribuição espacial dos aposentos régios em Portugal acompanha algumas tendências europeias mas mantém uma estrutura marcadamente nacional. Do ponto de vista das permeabilidades aos modelos estrangeiros destacam-se, sobretudo, o 444

Ainda que este se localizasse ao lado da sala do candeeiro, as fontes sugerem que se encontrava vedado para a maioria das pessoas que acedia a esta sala (cf. ATAÍDE, T. C., 1990: pp. 379-389).

114

aumento do número de divisões e a sua centralidade no plano do edifício. Ao nível da permanência de uma organização nacional, salientam-se a utilização de uma antecâmara para espaço principal de recepção, a ausência da necessidade de criação de um conjunto de aposentos paralelos de maior intimidade, e a separação dos aposentos das divisões de representação social. Analogamente aos casos aqui abordados, os espaços interiores do Paço da Ribeira acompanham as exigências da complexificação da “sociedade de corte” mas de acordo com a sua própria realidade nacional.

115

116

CONCLUSÃO

Seduzidas pela mole de Versalhes, as monarquias europeias erguerem no século de Setecentos alguns dos mais sumptuosos palácios alguma vez construídos no Velho Continente: Schloss Schönbrunn (iniciado em 1696), Peterhof (1714-1725), La Granja (iniciado em 1721), Palazzina di caccia di Stupinigi (iniciado em 1729), Reggia di Caserta (iniciado em 1752)... No entanto, a maioria desses casos correspondia a propriedades de Verão, e só muito raramente a residências permanentes. Na verdade, a “casa” do rei barroco continuava a ser o palácio urbano fundado no final da Idade Média. Ao Hofburg de Viena e ao Alcázar de Madrid deverão acrescentar-se outros, como o Palácio de Whitehall em Londres, o Louvre – que atravessou um longo e complexo período histórico até ser abandonado em 1682 –, e, claro está, o Paço da Ribeira. A história do palácio lisboeta não difere muito da dos seus congéneres europeus. Ao longo da Época Moderna estes palácios tiveram que saber adaptar-se à crescente complexificação do aparelho de estado e centralização do poder na figura do rei. As exigências impostas pela etiqueta e o desenvolvimento de um ritual de corte marcado pela necessidade de representação social levou a que no final do período barroco as campanhas de obras tivessem por principal objectivo o aumento de espaço disponível, a dignificação da decoração e a uniformização arquitectónica dos vários espaços. O Paço da Ribeira não é um caso inédito, mas sim um produto do(s) seu(s) tempo(s). Erguido a partir de 1501, o Paço da Ribeira manuelino era um enorme complexo de edifícios que integrava no mesmo espaço as áreas residenciais da família real e todo um conjunto de serviços políticos, administrativos e comerciais. Esta característica, a par de alguns elementos arquitectónicos (o baluarte, a ponte das varandas, a Sala Grande, os pátios, entre outros) definiram o palácio até ao terramoto. As profundas transformações operadas durante o período filipino vieram conferir ao Paço da Ribeira uma certa uniformização arquitectónica marcada por um traço classicista, cujos elementos mais conhecidos são o Torreão de Terzi, a fachada a Ocidente do Terreiro do Paço e o Pátio da Capela. Apesar de algumas alterações significativas durante a segunda metade do século XVII, nomeadamente 117

a provável instalação dos aposentos de D. Afonso VI na Galeria do Forte, seria no reinado de D. João V que o palácio voltaria a receber obras de grande envergadura. Durante a primeira metade do século XVIII o espaço destinado às áreas residenciais aumentou exponencialmente, a capela foi ampliada apesar dos constrangimentos espaciais, um novo corpo arquitectónico – para residência do patriarca – foi adicionado ao palácio, as torres do relógio e da capela foram alvo de preocupações estéticas, e as escadarias passaram a desempenham um papel cada vez mais importante enquanto elemento cenográfico. Todas estas alterações procuravam adaptar o principal palácio régio às novas exigências da sociedade de corte portuguesa. D. José terminaria essa tarefa ao encomendar a construção da única infra-estrutura que faltava ao paço – um teatro – para o colocar a par dos palácios reais das principais cortes europeias. Deste modo, o Paço da Ribeiras nas vésperas do terramoto de 1755 era um confuso aglomerado de espaços destinados às mais variadíssimas funções. Durante a primeira metade do século XVIII as áreas residenciais foram concentrando-se a Sul do Largo da Campainha ao passo que a área norte do palácio – a mais antiga – acolhia os órgãos político-administrativos, como a Secretaria de Estado, e uma série de tribunais. No entanto, a separação entre os espaços de representação social e as áreas de serviços não era muito clara. A principal sala de aparato, a Sala dos Tudescos, permanecia na zona Norte, tal como a capela e a entrada principal do palácio. Porém, o rei dava audiência na sua segunda antecâmara, na zona Sul, e o Torreão de Terzi, não só acolhia outra sala de aparato – a Sala dos Embaixadores –, como era também uma importante entrada do palácio, sobretudo para recepções oficiais, levando os visitantes a percorrer toda a Galeria do Forte até serem recebidos na Sala dos Tudescos. A forma como as divisões interiores se interrelacionavam, consequência dessas tentativas de adaptar o paço a novos tempos, tinha por reflexo uma integração irregular do palácio na malha urbana. Com efeito, o complexo dispersava-se por várias ruas, absorvia outras, e ocupava edifícios com diferenças extremas ao nível arquitectónico. A construção dos aposentos patriarcais produziu um certo ordenamento urbanístico em torno de uma recém-criada praça que conferia ao paço uma nova fachada. Porém, e uma vez mais, esta edificação procurava simplesmente adaptar o antigo palácio a novas exigências da corte. Este contínuo processo de adaptação reunia em si tanto de influências de modelos externos como de especificidades da tradição da arquitectura áulica nacional. A organização dos aposentos demonstra-o claramente, pois apesar de se recriar o modelo do prolongamento entre a câmara do rei e a entrada, através da duplicação das antecâmaras, a 118

organização dos espaços mantém aquela que fora enunciada por D. Duarte no Leal Conselheiro. As práticas de transformar a câmara na principal sala de recepção ou de criar um segundo aposento de maior intimidade não tiveram no Paço da Ribeira qualquer aplicação. Da mesma forma que os palácios reais espanhóis adaptaram os modelos franceses à realidade da sua própria corte, também o palácio lisboeta filtrou e adaptou a absorção dos modelos estrangeiros. Por fim, devo concluir afirmando que este trabalho é, fundamentalmente, uma abordagem preliminar à arquitectura do Paço da Ribeira. Procurando dar continuidade a alguns contributos que foram surgindo ao longo dos últimos anos sobre o palácio, esta dissertação procurou elaborar, pela primeira vez, uma proposta de reconstituição do complexo palatino nas vésperas do seu desaparecimento. Os documentos aqui reunidos permitiram levar a cabo essa tarefa, mas muitos fornecem ainda informações lacónicas que ficam a aguardar outras investigações para poderem ser compreendidos. Assim, importa agora dar continuidade à discussão a fim aprofundar o conhecimento desse que foi um dos edifícios mais marcantes da paisagem urbana da Lisboa da Época Moderna

119

ANEXOS

I

II

FIGURAS

Fig.1 – Terreiro do Paço no século XVII Dirk Stoop, 1662. Óleo s/ tela. Museu da Cidade Fonte: www.museudacidade.pt

III

IV

Fig.2 – Descrição imaginária da margem direita do Tejo. Ilustração xilográfica para livro de 1887. Hartwig. Fonte: http://trilhos.limaris.net/12A/files/u13/lisbon1755_perusio_1_.jpg

Fig. 3 – Lisboa devastada pelo terramoto.

Fig. 4 – Lisboa a arder e em ruínas

Chez Charpentier au Coq, Paris, c.1755. Gravura. Museu da Cidade. Fonte: http://memoriavirtual.net/wp-content/uploads/1755lisboa.jpg

Gravura germânica. Museu da Cidade. Fonte: http://silves.no.sapo.pt/earthquake.JPG

Fig. 5 – Lisboa em chamas Gravura alemã. Séc. XVIII. Fonte: marialynce.files.wordpress.com/2008/11/ terramoto-lisboa1-002.jpg

Fig. 6 – Lisboa destruída em chamas Família de Fernando Rau, Lisboa. Gravura. In Le Monde Ilustré (1863). Fonte: http://etablissements.ac-amiens.fr/0601178e/ rvluso/IMG/jpg/terramoto_lisboa_1755.jpg

V

VI

Fig. 7 – Olissippo quae nunc Lisboa, civitates amplissima Lusitaniae, ad Tagum. Totis orientis, et multarum Aphricoeque et Americae emporium nobilissimum In George Braunio, Civitatis Orbis Terrarum…, 1598. Aberta a buril s/chapa de cobre. Museu da Cidade. Fonte: www.museudacidade.pt

Fig. 7.1 – Detalhe com o Paço da Ribeira e a Casa da Índia Nova

VII

VIII

Fig. 8 – Planta da Cidade de Lisboa pré-terramoto segundo Augusto Vieira da Silva (a vermelho) Fonte: SILVA, A. V., 1987, vol. I.

Fig. 8.1 – Detalhe com área do Paço da Ribeira

IX

X

Fig. 9 – Torre do Relógio Antes 1755?. Desenho. Fonte: SEQUEIRA, G. M., 1925.

Fig. 10 – Torre da Patriarcal Antes 1755?. Desenho. Fonte: SEQUEIRA, G. M., 1925.

XI

XII

Fig. 11 – Planta do piso térreo do Torreão de Terzi c. 1587-1588. Desenho. Arquivo Geral de Simancas. Fonte: MOREIRA, R., 1983.

Fig. 12 – Alçado do piso térreo do Torreão de Terzi c. 1587-1588. Desenho.Arquivo Geral de Simancas. Fonte: MOREIRA, R., 1983.

XIII

XIV

D F

E C

B

G

A

Fig. 13 – Planta da Basílica Patriarcal e dos Aposentos Patriarcais: A – Basílica Patriarcal; B – Pátio da Capela; C – Escadaria Régia; D – Casa do Colégio; E – Sala Ducal; F – Capela Paulina; G – Pátio c.1755. Desenho. Biblioteca Nacional. Fonte: MANDROUX-FRANÇA, M.-T., 1989, p. 36.

B

A C

Fig. 13.1 – Detalhe das três escadarias: A – Escadaria do Pátio da Capela; B – Escadaria dos Aposentos Patriarcais; C – Escadaria do Largo da Patriarcal

XV

XVI

Fig. 14 – Planta da cidade de Lisboa em q se mostrão os muros de vermelho com todas as ruas e praças da cidade dos muros a dentro co as declarações postas em seu lugar. João Nunes Tinoco, 1647 (edição de 1853). Desenho (Litografia). Biblioteca Nacional. Fonte: http://purl.pt/4503

Fig. 14.1 – Detalhe com parte do Paço da Ribeira

Fig. 14.2 – Detalhe com a Rua Nova d’El Rey

XVII

XVIII

Fig. 15 – Proposta de reconstituição esquemática de Nuno Senos para a planta do Paço da Ribeira Fonte: SENOS, N., 2002.

XIX

XX

Fig. 16 – Partida de Lisboa de D. Catarina de Bragança para Inglaterra Dirk Stoop, 1662. Gravura, água-forte. Museu da Cidade. Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2000.

Fig. 16.1 – Detalhe com o Torreão de Terzi

XXI

XXII

Fig. 17 – Terreiro do Paço Séc. XVIII (inícios). Faiança. Museu da Cidade. Fonte: www.museudacidade.pt

Fig. 17.1 – Detalhe com Torreão de Terzi

Fig. 17.2 – Detalhe com zona de encaixe da Galeria do Forte com a Varanda de Pedraria

XXIII

XXIV

Fig. 18 – O Terreiro do Paço Francisco Zuzarte (atribuído), Séc. XVIII (1ª metade). Desenho, Tinta-da-china com aguada sobre papel. Museu da Cidade. Fonte: www.museudacidade.pt.

Fig. 18.1 – Detalhe com a Varanda de Pedraria

XXV

XXVI

Fig. 19 – Partida de S. Francisco Xavier para a Índia José Pinhão de Matos, Séc. XVIII (depois de 1728). Pintura, Óleo sobre tela. Museu Nacional de Arte Antiga. Fonte: www.matriznet.imc-ip.pt

Fig. 19.1 – Detalhe com Paço da Ribeira

XXVII

XXVIII

Fig. 19.2 – Detalhe com suposto passadiço entre o Paço da Ribeira e o Palácio Corte-Real

Fig. 19.3 – Detalhe com a Torre do Relógio reconstruída por Antonio Canevari

XXIX

XXX

Fig. 20 – Sala dos Brasões, Palácio Nacional de Sintra Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/68/SintraPalace-Brasoes.jpg

XXXI

XXXII

Fig. 21 – Tourada em Lisboa Anterior a 1728. Gravura. Fonte: COLMENAR, J. A., 1741.

Fig. 21.1 – Detalhe com pessoas na cobertura

Fig. 21.2 – Detalhe com Torre do Relógio

XXXIII

XXXIV

Fig. 22 – Casa de campo em Verneuil (iniciado c.1568) Jacques Androuet Du Cerceau, c.1576. Gravura. Fonte: KUBLER, G., 1988: p.82.

Fig. 23 – Vista do Terreiro do Paço com a chegada de Filipe III Desenho de Domingos Vieira Serrão, Gravura de Iom Schorquens. C.1622. Gravura aberta a buril. Fonte: www.museudacidade.pt

Fig. 23.1 – Detalhe com torreão e pátio da

XXXV

Casa da Índia

XXXVI

Fig. 24 – Pátio do Palácio de Carlos V no Alhambra, Granada, c. 1527 Fonte: http://www.flickr.com/photos/vicentemaia/513433187/sizes/o/

Fig. 25 – Pátio do palácio de El Pardo em Madrid, c. 1543 (recuperado c.1604) Fonte: http://www.panoramio.com/photo/7783463

XXXVII

XXXVIII

Fig. 26 – Pátio do Alcazar de Toledo, 1550-1554 Fonte: http://community.webshots.com/photo/fullsize/1054813014014228033KIlMze

Fig. 27 – Pátio do Palácio de Vázquez de Molina, Úbeda, 1562 Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_GyVE4dH43Ww/RfrEqKmDADI/AAAAAAAAAE0/Fa2bst4lpWQ/s400/ patio+del+palacio+de+las+cadenas.jpg

XXXIX

XL

Fig. 28 – Pátio do Hospital de Santiago, Úbeda, 1562-1575 Fonte: http://www.panoramio.com/photo/8733964

Fig. 29 – Pátio do Palácio de Villena, Valhadolide, meados séc. XVI Fonte: Bruno A Martinho

XLI

XLII

Fig. 30 – Pátio do palácio do licenciado Francisco Butrón, Valhadolide, meados séc. XVI Fonte: http://elsenordelosespejos.files.wordpress.com/2008/08/pb170296.jpg

Fig. 31 – Pátio do Colégio do Patriarca, Valência, 1598-1610 Fonte: http://www.uv.es/arcinieg/web/imagenes/colegio_corpus_christi.1.jpg

XLIII

XLIV

Fig. 32 – Pátio dos Evangelistas. Mosteiro Real do Escorial, 1563-1584. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/ad/Evangelg.jpg

Fig. 33 – Pátio do Palácio do Duque de Lerma, Burgos, iniciado em 1601 Fonte: http://www.panoramio.com/photo/15587843

XLV

XLVI

Fig. 34 – Juramento e Aclamação de D. João IV Autor desconhecido, séc. XVII. Óleo sobre tela. Vila Viçosa, Fundação casa de Bragança – Paço Ducal Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2000.

Fig. 35 – Partida de Lisboa de D. Catarina de Bragança para Inglaterra Dirk Stoop, 1662. Gravura, água-forte. Museu da Cidade. Fonte: FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2000.

XLVII

XLVIII

Fig. 36 – Vista do Torreão de Terzi com o Palácio Corte-Real ao fundo Jacobus Baptist, c. 1707. Gravura. Fonte: GABINETE DE ESTUDOS OLISIPONENSES, 2008.

XLIX

L

Fig. 37 – Estudo para o Palácio Real e Patriarcal de Lisboa Filippo Juvarra, 1716. Desenho. Museu Cívico de Turim Fonte: SCOTTI, A., 1976.

Fig. 38 – Estudo para a Patriarcal de Lisboa Filippo Juvarra, 1716. Desenho. Museu Cívico de Turim Fonte: SCOTTI, A., 1976.

LI

LII

Fig. 39 – Grande Panorama de Lisboa (detalhe) Autor desconhecido, c. 1700. Faiança. Museu Nacional do Azulejo. Fonte: http://mnazulejo.imc-ip.pt/pt-PT/Default.aspx.

LIII

LIV

Fig. 40 – Levantamento da Baixa Lisboa Manuel da Maia, 1716 (cópia 1756). Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar.. Fonte: TOSTÕES, A. e ROSSA, W., 2008.

Fig. 40.1 – Detalhe com a zona do Paço da Ribeira (rodado a 90º)

LV

LVI

Fig. 41 – Planta topográfica da cidade de Lisboa arruinada também segundo o novo alinhamento Eugénio dos Santos e Carlos da Maia, 1757 Fonte: SILVA, A. V., 1950.

Fig. 41.1 – Detalhe com Paço da Ribeira

LVII

LVIII

Fig. 42 – Vista do Terreiro do Paço com o cortejo do núncio apostólico em Lisboa Autor desconhecido, 1693.Óleo sobre tela. Colecção Jorge de Brito. Fonte: GARCIA, J. M., 2008.

Fig. 43 – Vista do Terreiro do Paço com o Paço da Ribeira Van Merle, s.d. Gravura. Museu da Cidade. Fonte: GARCIA, J. M., 2008.

LIX

LX

Fig. 44 – Entrada de SV MG. Don Fhelipe III en Lisboa en 1613 (sic. por 1619) Autor desconhecido, depois de 1619. Óleo sobre tela. Palácio de Weilburg. Fonte: GARCIA, J. M., 2008.

Fig. 44.1 – Detalhe com Paço da Ribeira.

LXI

LXII

Fig. 45 – Ruínas do Lardo da Patriarcal Jacques Philippe Le Bas, c.1755. Gravura. Biblioteca Nacional. Fonte: http://purl.pt/12181

Fig. 46 – Convento de Mafra Fonte: http://www.portugalembassy.org.tr/Pictures/Hi%20Res/ Convento%20de%20Mafra%20-%20Jose%20Manuel.jpg

LXIII

LXIV

Fig. 47 – Palácio Ludovice Fonte: http://www.pbase.com/diasdosreis/image/100621875

Fig. 48 –Igreja de S. Domingos, Lisboa Fonte: http://www.flickr.com/photos/leigo/298706302/

LXV

LXVI

Fig. 49 – Ruínas do Ópera do Tejo Jacques Philippe Le Bas, c.1755. Gravura. Biblioteca Nacional. Fonte: http://purl.pt/12181

Fig. 50 – O lava-pés aos pobres por D. João V Guillaume François Laurent Debrie, 1748. Gravura. Colecção M. Mattos Perez, Estoril. Fonte: TEIXEIRA, J. M., 1993.

LXVII

LXVIII

Fig. 50.1 – Detalhe com tapeçarias com cenas navais.

Fig. 50.2 – Detalhe com banquete.

LXIX

LXX

Fig. 51 – Castelo de Blois, c. 1500 Jacques Androuet Du Cerceau, 1607. Desenho. Fonte: KLUCKERT, E., 2000.

Fig. 52 – Villa Medici di Castello, c. 1538 Giusto Utens, c.1600. Pintura. Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_fFO6nsEwfMM/SKSjQ5BO_QI/AAAAAAAAA-Y/LlCnqc5QfaA/s1600h/04.Villa+Medicea+di+Castello+denominata+nella+lunetta+Castello.jpg.

Fig. 53 – Jardim Botânico de Leiden, c. 1593 Autor desconhecido, 1655. Gravura. Fonte: PIZZONI, F., 1997: p.129.

LXXI

LXXII

Fig. 54 – Jardins do Palácio de Hampton Court, c.1529 (detalhe) Anthonis van der Wyngaerde, c. 1558-1562. Desenho. Fonte: THURLEY, S., 2003: p.93.

Fig. 55 – Palácio Ducal de Princenhof, Bruges, c.1641-1644 A. Sanderus, s.d.. Gravura. Fonte: THURLEY, S., 2003: p.91.

LXXIII

LXXIV

Fig. 56 – Planta da Basílica Patriarcal c.1755. Desenho. Biblioteca Nacional. Fonte: MANDROUX-FRANÇA, M.-T., 1989, p.40.

LXXV

LXXVI

Fig. 57 – Capela de S. João Baptista, Igreja de S. Roque, Lisboa, c.1742 Luigi Vanvitelli e Nicola Salvi. Fonte: http://farm4.static.flickr.com/3167/2737442028_a7f25119fb.jpg?v=0

LXXVII

LXXVIII

Fig. 58 – Piano nobile do Palácio Apostólico, Vaticano Paul Letarouill. Fonte: Kuntz, M., 2003.

LXXIX

LXXX

Fig. 59 – Corte longitudinal de um teatro Autor desconhecido. (1755?). Desenho à pena e aguada rosa e cinza. Academia Nacional de Belas Artes. Fonte: AAVV, 1987.

Fig. 60 – Corte longitudinal de um teatro Autor desconhecido. (1755?). Desenho à pena e aguada rosa e cinza. Academia Nacional de Belas Artes. Fonte: AAVV, 1987.

LXXXI

LXXXII

Fig. 61 – Proposta de Nuno Senos para a reconstituição dos pátios quinhentistas sobre a planta de Lisboa pré-terramoto apresentada por Augusto Vieira da Silva. Fonte: SENOS, N., 2002.

Fig. 62 – Vista de Versalhes (com os três pátios em perspectiva: Cour Carré, Cour Royal e Cour de Marbre) Pierre-Denis Martin, 1722. Óleo sobre tela. Museu do Palácio de Versalhes Fonte: http://www.kipar.org/period-galleries/paintings/1700/vers_1722.jpg.

LXXXIII

LXXXIV

Fig. 63 – Planta do piano nobile do Palácio de Hampton Court em 1528-1529 Daphne Ford. Desenho. Fonte: THURLEY, S., 2003.

LXXXV

LXXXVI

Fig. 64 – Palazzo Medici-Riccardi, Florença, c. 1444 Fonte: http://www.flickr.com/photos/vanvos/182200798/

Fig. 65 – Palazzo Ducale, Urbino, c. 1464 Fonte: http://www.artuvisite.com/images/cortile_palazzo_ducale%20grande.jpg

LXXXVII

LXXXVIII

Fig. 66 – Palazzo della Cancelleria, Roma, c. 1495 Fonte: http://www.flickr.com/photos/semeraro/413946401/in/set-72157594529115968/

Fig. 67 – Cortile del Belvedere, Vaticano, c. 1505 Bartolommeo Ammanati (?), 1552-53. Desenho. Fonte: BOORSCH, S., 1982-1983: p. 51

LXXXIX

XC

Fig. 68 – Palácio de Aranjuez, Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8d/Aranjuez_PalacioReal_cadena.jpg

Fig. 69 – Palácio de La Granja Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0a/Palacio_La_Granja2_22-7-03.JPG

XCI

XCII

Fig. 70 – Escadaria do Palácio Ducal de Vila Viçosa, c. 1537? Fonte: http://www.360portugal.com/Distritos.QTVR/Evora.VR/vilas.cidades/VilaVicosa/PalacioDucal/index.html

Fig. 71 – Escadaria Imperial do Mosteiro de S. Lourenço do Escorial, 1563-1584. Fonte: http://www.leonardfrank.com/Worldheritage/Escorial6.JPG

XCIII

XCIV

Fig. 72 – Escadaria do Mosteiro de S. Martinho de Tibães, Braga, 1628/1750?

Fig. 73 – Escadaria do Colégio de S. Jerónimo, Coimbra, séc. XVIII. Fonte: http://www.pbase.com/diasdosreis/image/111304897

Fonte: www.flickr.com/photos/poesia/2558428447/

Fig. 74 – Escadaria do Palácio Ducal de Urbino, c. 1465 Fonte: http://static.panoramio.com/photos/original/23232941.jpg

Fig. 75 – Escada Burghley House, Lincolnshire, em Inglaterra, inícios da década de 1560 Fonte: http://www.shafe.co.uk/crystal/images/lshafe/ Burghley_House_staircase_16thC.jpg

XCV

XCVI

Fig. 76 – Escada da Igreja de Santa Engrácia, Lisboa, após 1683. Fonte: http://www.flickr.com/photos/12388898@N06/2138938267/sizes/o/

Fig. 77 – Escadaria do Palácio-Convento de Mafra, 1717-1730.

Fonte: www.flickr.com/photos/26699416@N06/2533976478/sizes/l/

Fig. 78 – Scala Reggia, Vaticano, 1663-1666. Fonte: http://www.geh.org/fm/mismis/m200115350091.jpg

XCVII

XCVIII

Fig. 79 – Escadaria do Palazzo dei Consoli, Peruggia, c.1332-1341 Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f2/Gubbio_Palazzo_dei_Consoli_z01.jpg

Fig. 80 – Scala dei Giganti, Palácio dos Doges, Veneza, depois de 1483 Giovanni Antonio Canal, dito Canaletto, 1765. Óleo sobre tela. Colecção Privada. Fonte: http://www.lib-art.com/imgpainting/3/5/7953-scala-dei-giganti-canaletto.jpg

XCIX

C

Fig. 81 – Escadaria do Palácio Superior de Belvedere, Viena, 1720-1723.

Fig. 82 – Escadaria da Würzburger Residenz, 1720-1744.

Fonte: http://netal.tripod.com/Staircase_Upper_Belvedere.jpg

Fonte: www.wga.hu/art/t/tiepolo/gianbatt/5wurzbur/2stair1.jpg

Fig. 83 – Villa Farnese, Caprarola, c.1520. Fonte: http://www.flickr.com/photos/marcone_sunday/3079084921/

CI

CII

Fig. 84 – Palazzo Chiericati, c.1547 Fonte: http://www.greatbuildings.com/cgi-bin/gbc-drawing.cgi/Palazzo_Chiericati.html/Palazzo_Chiericati_Plan.jpg

Fig. 85 – Escalier des Ambassadeurs, Versalhes, 1672-1679. Fonte: http://www.wga.hu/art/s/surugue/escalier.jpg

CIII

CIV

Fig. 86 – Santuário do Bom Jesus, Braga Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/40/Bom_Jesus.jpg

Fig. 87 – Solar de Mateus, Vila Real Fonte: http://www.veronicasoares.com/images_content/800px-Palacio_de_Mateus_02.jpg

Fig. 88 – Via Latina, Coimbra Fonte: http://i1.trekearth.com/photos/62240/universidade_de_coimbra.jpg

CV

CVI

ESQUEMAS

Esq. 1 – Reconstituição dos volumes arquitectónicos do Paço da Ribeira nas vésperas do terramoto.

Reconstituído a partir de prova documental visual e escrita Reconstituído a partir de prova documental visual ou escrita Reconstituído a partir da interpretação do fundo documental Desconhecido (reconstruído a partir de plantas da cidade de Lisboa de 1716 e 1757)

CVII

CVIII

Esq. 2 – Reconstituição da planta do Paço da Ribeira.

1.

Arco dos Paços

2.

Arco dos Passarinhos

3.

Arcos dos Pregos

4.

Arco da Tanoaria

CIX

CX

Esq. 3 – Reconstituição do Largo da Campainha.

Esq. 4 – Reconstituição do Pátio da Capela..

CXI

CXII

Esq. 5 – Reconstituição dos volumes arquitectónicos do Paço da Ribeira nas vésperas do terramoto

Pátio da Capela

Aposentos dos Camaristas

Varanda de Pedraria

Casa da Índia

Piso térreo de Torreão de Terzi

Secretaria de Estado/Tribunais

Sala dos Tudescos

Eirado da Casa da Índia/Jardim

Sala dos Embaixadores

Casa da Livraria

Casa da Galé (e Aposentos da Rainha)

A Patriarcal

Sala dos Porteiros da Cana (?)

Aposentos Patriarcais

Aposentos do Rei

Ópera do Tejo

Aposentos da Rainha (e Casa da Galé)

Torre do Relógio

Aposentos dos Príncipes

Torre da Patriarcal

Aposentos dos Infantes e Infantas

Caixa de Escadas

Aposentos da Princesa da Beira e irmãs

Desconhecido

CXIII

CXIV

Esq. 6 – Proposta esquemática para organização dos espaços interiores dos Aposentos do Rei.

Esq. 7 – Proposta esquemática para organização dos espaços interiores dos Aposentos da Rainha.

CXV

CXVI

Esq. 8 – Reconstituição dos volumes a Sul do Largo da Campainha com proposta de área ardida em 1745.

Aposentos da Rainha Aposentos de D. José e D. Mariana Vitória Aposentos dos Infantes e Infantas Aposentos da Princesa da Beira e irmãs Área ardida durante o incêndio de 1745 (proposta)

CXVII

CXVIII

Esq. 9 – Reconstituição dos Aposentos Patriarcais

Esq. 10 – Reconstituição do Largo da Patriarcal

CXIX

CXX

Esq. 11 – Reconstituição da Escadaria da Patriarcal

CXXI

CXXII

Esq. 12 – Escada de lanços rectos paralelos em caixa fechada

Esq. 13 – Escada de lanços rectos paralelos em caixa aberta

Esq. 14 – Escada de lanços rectos paralelos simétricos em caixa aberta

Esq. 15 – Escada de lanços rectos paralelos simétricos “em profundidade”

(modelo-base das Escadarias dos Aposentos Patriarcais?)

(modelo-base das Escadarias do Largo da Patriarcal)

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CXXIV

DOCUMENTOS

DOC. 1: BA – 51-IX-3 Rol dos oficiais das obras destes pacos de S. Mg.de q. Me pede o s.r provedor An.to Cabide Meu amo. c. 1643, f.217.

Rol dos oficiais das obras destes pacos de S. Mg.de/ q. Me pede o s.r provedor An.to Cabide Meu amo./ Item. O Almoxe Balthazar teixra fontoura/ Item. O escrivaõ Bemto pra de miramda/ Item. O Apomtador frco da silva/ Item. O Arquitecto E mididor das obras Matheus do couto o q esta prezo/ Item. O Arquitecto E mestre das obras tiadozio de frias/ Item. O Arquitecto Balthezar dos reis q serve hũa praca de 20 mil reis/ E outra de servemtia por hũa q foi aimdia nas naos q sesperaõ/ Item. O Arquitecto João nunes/ Item. gaspar dalmeida q Apremde Aarq’tatura/ Item. frco cavaleiro q tão bem apremde aarq’tatura/ Item. Valimtim da costa omĕ das obras/ tão bem he meirinho E he portrº do forte/ Item. frco glz da costa omen das obras/ Item. O Mestre das obras Jnasio Luis pedrº/ Item. O Mestre das obras diogo botelho Carpimtrº/ Item. O Relojoeiro pero dias/ CXXV

Item. O pimtor miguel de paiva/ Item. Varedor das salas dos todescos Manoel nunes/ Item. Varedor do coarto do governo Manoel Ribeiro/ Item. Varedor do dito coarto Louremco da costa/ Item. Varedor do beco da moeda q ora serve no coarto da Rainha nosa Sra/ Item. Varedor da Rua dos premdos(?) de fremte da capela E pe da calsada das es/cadas do paco Antonio de mattos/ Item. Ladrilhador dos mesmos pacos domingos martis q não tem ordenado/ Item. Vidradeiro destes pacos Adão Alemão q não tem ordenado.

DOC. 2: BA – 51-IX-3 Rol das cazas dos baixos destes pacos [da Ribeira]. c. 1643, f. 218.

Rol das cazas dos baixos destes pacos Item: No beco da cõfeitaria pegado Ao jardim da Rainha N. S. nas cazas de/ sima Mora o Almox.e/ Item: No segdo sobredo de baixo mora sebastão da costa Carpimtrº/ Item: Na logea gde esta o macho q tira agoa no jardim e o coche de frco de (...?)/ Item: Noutra logea q se chama da nora q he onde Anda o macho tem na/ Acupada hum omẽ q vende Agoa logea e esta alugado/ Item: Adiamte mais esta hũ Almazẽ gde de vinhos e esta alugado/ Item: pegado Antº pra o secretario de guerra hũa cocheira q ocupa marques/ de fereira/ Item: Logo adiamte a estrebaria q (...?) Acupa/ Item: Mais adiamte pasando o coarto do sr primsipe aomde esta a can/sella esta a madrª da emquisisão/ Item: Adiamte no Beco esta hũa taverna/

CXXVI

E logo mais demtro outra q ocupão dous baredoures q barẽ pelos atras/ nomeados q he mel Ribrº e Lco da Costa/ Item: E no mesmo beco mais demtro outra caza q ocupa o moso (...?)/ das damas/ Item: Mais vimdo do forte de baixo da varãda hũa caza q ocupa o neveiro(?)/ Item: Mais outra q serve de estrebaria ao camareiro mor/ Item: pasando a caza da hindia outra q ocupa hũ varedor mel nunes/ Item: Mais adiante pegado ao arco outras q ocupa bento pra o escriuã q as tem/ por carta com o oficio/ Item: De baixo do mesmo arco duas casinhas q tem tendas/ Item: Eoutros (...?) virão de sobre as maõs q tão bem são temdas/ Item: Junto A Ribeira das naus hũa logea q mora hũ coronheiro/ Item: E por sima Agostinho Rgs/ Item: As cazas de luis Sezere q ocupa Acupã os baixos criados seus e/ (...?)/ Item: As cazas q o capelão mor ocupa Acumpã os seus criados os bai-/xos e hestas sã as cazas q sei q ha de (...?).

DOC. 3: BNP: Arquivo Tarouca, n.º 158, vol. VII, 1728. Ofício de Outubro de 1728.

Em 22 de Outro pello meyo dia deu/ S. Magde audiençia publica ao Embaix.or/ Extrº de Malta cuja funçao fes do/ Mar por reprezentar ào mesmo snõr que/ sendo do seu real agrado dezejaua vir/ a dta audiencia do seu Navio./ Foy seu condutor o Mestre de Cam/po general o Conde de Atalaya hindoo bus/car ao dº Navio em hum Bargantim/ da Ribrª das Naos levando mais dous/ Escaleres pª trazerem a familia do dº Em/baixor./ Logo q o Bargantim em que/ hia o condutor chegou a bordo do Navio/ veyo o Embaixor buscar o Condutor e descen/do alguns degraos da Escada sendo vis-/to pello condutor foi Este a Encontrar/se com Elle e subindo ao Navio deu o/ Embaixor o milhor lugar e maõ na Camara//

CXXVII

Ao Condutor e feitos os reciprocos com/primentos se levantaraõ e dando o condu/tor amaõ e milhor lugar ao Embaixor se/ vieraõ embarcar e desembarcando na pon/te da Caza da India sahiraõ ao sagu-/aõ do Forte e subindo pellas Escadas athe/ o Corredor que vem pª a Salla dos Tudes-/cos e desta pella Escada que sobe pª/ o Paço no meyo da primeª Salla es-/perava o Embaixor o veador da Caza Real/ D. Fran.co Xavier Pedro de Souza que/ com o Condutor o levaraõ à Real prezença/ de S. Mage/ Logo q o Embaixor chegou/ aos pes de S. Magde e principiando/ a Sua falla o mandou S. Magde cobrir/ e antes de acabar se descobrio e senão/ tornou a cubrir mais pª o q estava/ prevenido o dº Embaixor.// Acabada a dª audiençia passou/ a da Rajnha nossa Srª, e ultimamte/ a do Principe nosso Sr com os mesmos/ condutores observando em todas o Embai-/xor, o mesmo q praticou na de El Rey nos-/so Sr. Naõ teve audiençia da Srª/ Prinçesa de Asturias por seachar S./ A. com molestia, e sangrada, acabadas/ as referidas audiençias oveyo conduzin/do O mesmo Criador da Caza athe o/ citio da Salla em q o recebeu, e o Conde de/ Atalaya continuou a sua conduçaõ pello/ mesmo tranzito athe o hir embarcar no/ seu Navio, e logo q entraraõ na Cama/ra delle por razaõ de ser acabada a con-/duçaõ deu o Embaixor amaõ e milhor lugar/ ao Condutor, e o veyo a companhan/do na mesma forma, athe o ultimo degrao// da Escada do Navio e nelle esperou athe ver/ partir o Bargantim./ Quando o Embaixor passou pella/ Salla dos Tudescos lhe pegaraõ os soldados q/ estavaõ de Guarda nas Armas, e pª asis-/tirem a suas Mages e A. nestas audiencias foraõ chamados todos os grandes eclezias-/ticos e Seculares e officiaes da caza./ Em 25 do mesmo deu S. A. o sr In:/fante D. Franco audiençia publica ao mesmo/ Embaixor pellas nove horas da manha mandan/doo Conduzir do seu Navio em hum/ Escaler pello seu gentil homem da Cama/ra a Conde de Aveiras Luis da Sylva Te-/lo Levando mais dous Escaleres pª a famil/lia do dº Embaixor./ Vieraõ dezembarcas as Escadas do/ picadeiro de Corte Real Entrandopor/ hum Tranzito que saye ao saguaõ do// do mesmo Paço, e subindo pellas Escadas/ lhe pegaraõ os soldados nas Armas, e a porta da pra salla/ da parte de dentro esperou ao Embaixor/ outro gentil homem da Camara de S./ A. q foi o Conde de Aveiras D. Du:/arte Antº da Camara ecom o Condu:/tor o levaraõ a prezença do S. Infante/ E acabada a audiencia o mesmo gentil/ homem o veyo conduzindo athe o lu:/guar em q o Esperou, e o q o foi buscar ao/ Navio o Conduzio athe Elle observan:/do o Embaixor, e o Condutor o mesmo se:/rimonial q Sepraticou com o Condutor/ de S. Mage E o Embaixor Espe:/rou q o Sr Infante o mandasse cobrir/ E se descobrio na forma em q o havia/ feito na audiençia de S. Magde E pª/ assistirem a S. A. na audiencia/ sefizeraõ avizos a tres Titulos/ q foraõ os Condes de Calheta, Val de Reys// E Valadares D. Miguel Luìs/ de Menezes, E a tres

CXXVIII

officiaes da Caza/ que foraõ D. Franco Xavier Pedro/ de Souza o Almotaçe Mor e D. An:/tonio Alvres da Cunha./ Em 26 teve o mesmo embaixor/ audiencia publica do Sr Infante D. Antº/ pellas honze horas e meya da manha hindoo/ conduzir do Navio emque seachava em/barcado Ayres de Saldanha de Albu:/querque gentil homem da Camara de S./ A. em hum Escaler Levando mais/ dous pª a famillia do dº Embai:/xor. Veyo dezembarcar á ponte da caza/ da India, subio ao corredor que vem a Salla dos Todescos, os soldados que/estavaõ de Guarda lhe pegaraõ nas Ar-/mas e da dª Salla ao quarto do S./ Infante, e a porta da primra Caza// delle da parte de dentro o esperou/ outro gentil homem da Camara do dto/ Sr Infante o Conde de Coculim pra-/ticandosse, em tudo o mesmo serimoni-/al que na audiencia do Sr. Infane D./ Francº; E pª assistirem a S. A. nesta/ audiençia se fizeraõ avisos atres/ Titulos que foraõ os Condes de Val de/ Reys da Ponte e de Valadares/ D. Miguel Luis de Menezes.//

DOC. 4: ANTT – Manuscrito da Livraria n.º 729 CASTRO, Fr. Manoel Bautista de Chronica do Maximo Doutor E Principe dos Patriarchas São Ieronymo Particular do Reyno de Portugal, tomo II. [s.l.], [s.n.], c.1746.

[fl.511] Do Palacio Real desta corte e da/ sua capella erecta em Patri-/ archal.

Cap. 3º/

Parecendo ao senhor Rey D: Manoel, que/ devia ter Palacio decente à sua grandeza, visto os/ senhores Reys de Portugal seus antecessores assisti-/rem em alguns,

CXXIX

que mais erão para vassalos, que para Reys, conforme erão os do Castello, os dos Es-/taos, e outros semilhantes, determinou edificar hum/ Palacio, que pudesse tambem ficar para os seus/ succesores, em que fossem venerados com aquelle/ respeyto, que se deve a tão grandes Magestades./ Para este effeyto escolheo o sitio, em que// [fl.

511v] //hoje se vê, chamado antiguamente ribeyra, de don-/de se lhe deo o nome de

Paços da Ribeyra./ Tem estes na sua entrada hum gran-/de terreyro, chamado do Paço. Tem mais com-/primento, que largura. Tem no meyo hum xa-/faris, que remata em hum Appollo de finis-/simo marmore, e prodigiosa escultura./ Na parte principal deste terreyro dà/ principio a este Palacio hum admirável forte/ quadrangular. Consta de quatro faces, com tres/ andares; O primeyro he de janellas quadradas,/ onde assiste hum camarista, que pellos seus an-/tepassados serem

em

camareyros mores, antes de se/ devedir em camaristas, ou gentil-homens, assis-/tencia dos Reys, se lhe concedeo. O segundo/ andar hè huma sala, que por cada face tem/ sinco janellas de grades de ferro. Serve ho-/je de caza de livros, com outras mais contiguas,/ onde estão os milhores Livros, que se tem empre-/so, nas lingoas Latina, Portugueza, Castelhana, Fran-/ceza, e Italiana e muytos manuscritos, onde eu/ tenho a honra de entre estes se achar o meu/ Pantheon Philosophico em tres Tomos de folha,/ que dediquey ao senhor Rey D: João 5º; O seu/ Epithalamio, Hérmes de Diamante ao Nasci-/mento do Principe D: Pedro seu primeyro fi-/lho, Palladio Luzitano ao felicissimo oros-/copo da senhora Princeza das Asturias (...?)/ Natalicia ao Nascimento do Principe do// [fl. 512] //Brasil o senhor D: Josè, e outros livros mais(?)/ de elogios, q lhe dediquei./ O Terceyro andar he outra sala da/ mesma grandeza, que a segunda, que serve dos Embaixadores. Rematta este forte em/ Uma varanda de Pedra, em que sobre sahe/ hum Zimborio, que termina em forma pyra/midal, tendo na ultima parte huma grande/ esphera que acaba em hum ostensor, que/ demonstra os ventos, em forma de bandeyra,/ com huma Crux em sima./ He cuberto to-/do este Zimborio de pranchas de chumbo./ Continua deste forte huma gala-/ria de muytas janelas de grades de ferro, em/ que estão muytas sallas contiguas a outras/ sallas da obra antigua, e tem janellas mais pequenas,/ e embacho huma varanda, tudo com/ grades de ferro, sendo o fundamento

CXXX

huns degra-/os de pedra, por donde se sobe a huma platafor-/ma, em que assiste huma companhia de sol-/dados Infantes, que entrão de guarda de 24/ em 24 horas. (...?) desta plataforma/ por huns degraos de pedra a huma sala de mayor/ grandeza, chamada do Tudesco, onde assistem/ os soldados de Guarda Tudesca e Alemãa, cha-/mados Archeyros, que tambem se reservão./ Pella parte da cidade deste terrey-// [fl. 512v] //ro correm duas galarias; na debaxo he quarto/ do senhor Infante D: Antonio, ficando mais/ abaycho o Tribunal da Contadoria geral de guer-/ra, e em huma varanda, que tem na entra-/da a Iunta dos tres Estados, que consta de/ conselheyros, ou Deputados fidalgos de primey-/ra qualidade./ Continuão se mais cazas de muy-/tas pessoas com huma varanda sobre arcos de pedra, estando desta parte dois arcos, por/ donde se entra para a cidade adeante dos/ quais esta o asougue; e mais adeante huma larga rua, que vay a hum terrey-/ro, onde està o pelourinho; e outra, que vay/ para huma grande praça; chamada ribeyra/ onde se vendem fruttas, peyche, cassa, e ou-/tros mantimentos./ Na parte fronteyra ao/ Palacio, que de huma a outra parte mal se/ conhecem as pessoas està o terreiro onde se vende o trigo./ Logo se segue huma galaria com huma das mayores cazas, que tem a Europa,/ chamada contos do Reyno, que pertence à/ fazenda real, onde assiste hum contador mõr/ muytos contadores, e seus Escrivaens, e outros/ offeciais./ Segue se nesta mesma corren-/teza a Alfandega, onde està outra caza de/ muyto mayor grandeza, em que se despa-/chão as fazendas, que entrão nesta corte./ A parte deste Terreyro, que fica/ junto do Rio Tejo, nella estão os Almazens// [fl. 513] //do tabaco./ Seguesse hum Baluarte, guarnecido/ de artelharia, para defença deste Palácio, com/ uma muralha, que remata no forte, q fica da banda/ do R. Tejo./ Por baxo da galaria do Palácio/ està a caza da Índia, onde se despachão as fa/zendas, que vem do Oriente. Seguesse huma/ porta, para hum pequeno terreyro cercado das/ galarias do Paço, onde està a torre do Relógio, e/ neste terreyro, està a entrada principal dês-/te Palácio./

CXXXI

He o seu frontespicio de obra/ gótica, devide se a entrada em duas portas, pel/las quaes se entra a hum Claustro quandrangu-/lar de mayor grandeza, o qual consta de colu-/mnas de pedra de ordem Iónica, em que des-/canção arcos de pedraria por todos os quatro/ lanços, e por todos elles, tem dois andares de/ galarias./ No primeyro andar dos dois lanços ser-/ve de Caza Capitular aos Cónegos Patriarchaes,/ e para outros menisterios a elles pertencentes; e os/ outros dois lanços occupa o Secretario de es-/tado, e a sua secretaria que tem serventia/ pella sala do Tudesco. Nos outros andares/ de sima são galarias por honde se servem/ para as Tribunas da Capella. Em/ hum dos lanços deste Claustro está lança-// [fl. 513v] //da huma grande escada de pedra, por don-/de se entra à sala do Tudesco./ Esta he a prin-/cipal entrada deste Palácio, por donde as pesso-/as reaes tem serventia quando sahem fora pu-/blicamente. Neste Claustro não podem entrar/ maes, que os coches das pessoas reae, Embaxa-/dores, Cardeais, e Duques./ Desta sala do Tudesco se en-/tra por hum grande arco, onde se segue huma/ escada de pedra, que sobe para huma va-/randinha em que està a entrada para maes outras cazas,/ que conduzem a huma grande sala, onde estão/ os Porteyros da canna. Por huma parte/ se entra para o quarto del Rey, e por outra/ para o da Rainha./ Este quarto del Rey tem vis-/ta para o Terreyro do Paço. Seguese huma/ sala, que tem janellas, para o Terreyro da/ entrada principal que hé a prinmeyra sala do Docel./ Segue se a segunda sala do Docel, que/ he da galaria, que tem vista, para o Terreyro/ do Paço, a qual he a da audiência. Seguesse/ outras salas maes, hum oratório particular,/ cazas, onde estão escaparates de vestidos, e/ joyas, e algumas peças de ouro, e prata de gran-/de valor, caza dos relógios, e outras cazas de pin-/turas antiquíssimas de grande preço onde està/ huma pintura de N. Maximo Padre de// [fol. 514] //meyo corpo, que se não achava outra em toda/ a Europa./ Todo este Palácio està armado de/ pannos de Arras, alguns tecidos com ouro. Os/ dóceis são de brocado encarnado, franjados de/ ouro, e passamanes com remates de floroens/ de ouro./ As sanefas das portas, e das janellas são/ tambem do mesmo brocado, e cortinados de se-/da dos milhores padroens./

CXXXII

A câmara real tem os mesmo adornos com varias/ relíquias, e laminas de / muyto preço./ Da Sala dos Porteyros da can-/na se entra para outras salas, onde está hu-/ma de mayor grandeza chamada da Galè, por/ donde se entra na primeyra sala do quarto da Rainha. Segue se a primeyra caza de Docel;/ depois a Segunda, que he de bastante/ grandeza, ficando este quarto com vista pa-/ra o mar, diante do qual està hum jardim,/ para donde tambem hà serventia do quarto/ dell Rey./ Nesta segunda Sala dà au-/diencia a Rainha. Segue se hum orato-rio particular, com gravíssimas laminas./ Seguese outra caza a qual tem no meyo/ hum grande candieyro de Crystal, e junto des-// [fl. 514v] //ta outra particular, armada toda de bro-/cado encarnado, e tambem o pavimento he cuber-/to do mesmo brocado, todo guarnecido de/ passamanes de ouro, com huns grandes cor-/doens, e bolas de ouro, por que pendem nas/ paredes placas de prata de obra de Alemanha./ Nas duas paredes fronteyras lhe ser-/ve de adorno dois espelhos, e dois bofetes cada/ hum com sua fonte tudo de prata, aberto ao/ Buril com folhagens, e mais debuxos de obra/ moderna, feytos em Ingleterra, os quaes/ trouche a Rainha de Grãa Bretanha D. Ca-/tharina./ Nesta caza estão cadeyras, guar-/necidas de ouro; e serve pª fallarem as pessoas reaes/ humas com outras. Seguesse o toucador da Rai-/nha N. Senhora, que he huma caza com/ hum repartimento de vidraças, onde estão/ joyas, (...?) de ouro de muyto preço em/ cofres de valor./ Seguesse a câmara, a qual/ se deve supor, ser decente a tanta Mages-/tade./ Segue se mais o quarto do Princípe/ N. Senhor, e da Princesa, que ficão junto deste/ quarto, e o do Senhor Infante D. Pedro to-/dos armados, e adornados, e alcatifados das/ milhores sedas, que produzirão os teares da// [fl. 515] //Itália, França, Aspão, Odiàs, China,/ e Iapão, constituhindo se este Real Pala/cio hum dos milhores, e mais bem adornados/ de todos os Monarchas, para o que tem hum/ thesouro da caza Real, e outro da serenissi-/ma caza de Bragança, onde se achão differentes/ armaçoens de reserva, e peças de ouro, e prata/ de grande valor. Tem outro thesouro, que fica em humas grandes cazas, que estão perto,/ da Sè, onde se guardão

CXXXIII

muytas peças de prata,/ e ouro, que o Senhor Rey D. João 5º mandou/ buscar não só à Itália, mas a Alemanha; e ou-/trás, que lhe mandarão./ Tem no Castello, alem/ dos pannos, que tem nestes thesouros, innume-/ravel multidão de pannos de Arràs, com que/ pode armar todos os paços de Lisboa. Tem/ nos thesouros, a que chamão os Paços do Duque,/ hum thear com mestre, e officinas, onde se/ tecem pannos de Arràs de seda, e ouro./ Nesta mesma parte tem cocheyra com os milhores coches, que os não tem Monar-/cha algum na Europa, de tanta riqueza, fey-/tos em Roma, em França, e em outras partes, muytos dos quaes inda não servirão./ Neste claustro ou Pateo da/ Capella, entrada do real Palácio estão os Tribunaes./ O primeyro he o do Dezembargo do Paço, o qual// [fl. 515v] //era antiguamente no mesmo Paço em huma caza,/ para rezolverem os negócios, que os Senhores Reys/ lhe encommendassem. O Senhor Rey D. Sebas-/tião poslhe Presidente, e lhe mandou fazer o Tri-/bunal, que hoje tem neste lugar. Este Presidente,/ e dezembargadores são conforme sua Magestade os/ nomea. Tem quatro escrivaens e mais offeciaes./ Segue se o Conselho Ultramarino, insti-/tuhido pello Senhor Rey D. João 4º. Tem/ Presidente com seis conselheyros, hum Secreta-/rio, e mais offeciaes, para tudo o que pertence/ a ultramar, excepto o vice Rey da India./ Iunto està A Meza da Consciencia , e ordens,/ instituhida pello Senhor Rey D. João 3º e/ tem hum Presidente com seis Deputados, e/ 4 secretarios, e mais menistros, e offeciaes./ Seguese O Tribunal do Conselho da Fazenda/ tem três vedores, com seis conselheyros, hum/ Procurador da Fazenda, com 4 Escrivaens, e/ correttor da Fazenda, e mais offeciaes. Per-/tence a este Tribunal o dos Contos, Alfande-/ga, Armazens, e caza da India. Os Senhores Reys/ deste Reyno sempre tiverão este Tribunal./ mas o Senhor Rey D. Manoel o pos em milhor/ forma./ O Conselho de Guerra foy eregido pello// [fl. 516] //Senhor Rey D. João 4º, para tudo, o que/ pertence aos cazos de Guerra, e despoziçoens me-/litares./

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Tem diversos conselheyros, conforme/ sua Magestade os nomea, que he Presidente/ deste Tribunal, que tem Docel, e Cadeyra./ Està este Tribunal em huma sala,/ que fica dentro da dos Tudescos. Nesta par/te estõ mais dois Tribunaes, o Conselho da/ Rainha, e o da junta das Missoens. Tem mais/ o Tribunal da Caza de Bragança, que fica no/ Terreyro do Paço debaxo do quarto do Senhor In-/fante D. António./ O Conselho de Estado, que/ he supremo, e sobre todos, que se compõem/ dos fidalgos mais prencipaes do Reyno, costu-/ma se fazer em huma sala do Paço. Nelle/ se determinão os negócios da mayor empor-/tancia do Reyno. Quanto à capella Real a sua/ antiguidade principiou em El Rey Theodomi-/ro, e o primeyro capellão mor foy São Mar-/tinho Dumiense Monge do N. Máximo Padre,/ conforme já dice. Conquistando o senhor/ Rey D. Affonso Henriques este Reyno, a pri/meyra capella Real foy em N. Senhora da/ Oliveira em Guimaraéns, que foy corte na-// [fl. 516v] //quelle tempo, e transferida a Coimbra foy o/ Mosteyro da Santa Crux, e depois a Igreja/ de São Miguel. Seguiose a collegiada de/ Santa Maria de Alcáçova em Santarem./ Em Lisboaa Igreja de São Bartholomeo,/ e São Mamede; N. Senhora da Escada no adro/ de São Domingos; e o Senhor Rey D: Denis eregio/ a sua capella na castello, dedicada a São Miguel./ O senhor Rey D: João 2º teve a sua capel-/la nos Paços de Évora. O senhor Rey D: Mano-/èl a fez nos seus Paços da Reibeyra, e no Claustro,/ que jà tendo referido, situada, onde hoje he o/ Tribunal do conselho ultramarino, e Meza da/ consciencia, que para se dar lugar a estes dois Tri-/bunaes, se devedio. No tempo do senhor Rey/ D: João 3º foy capella Real, onde hoje hè a sa-/la do Tudesco, e foy transferida desta sala/ a capella Real, para o lugar onde hoje existe pello senhor/ Rey D. João 4º, que a edificou, aqual hé de/ tres naves, para ella se sobe por duas escadas/ de pedra, ficando a entrada pellas duas naves, que estão de huma, e outra parte; e anti-/guamente servia huma para molheres, e outra/ para homẽns, devedidas com teas, e pintadas, e dou-/radas de brutescos./ A devisão destas naves he em/ arcos de pedraria, que descanção em columnas/ quadrangulares. Por sima destes arcos na/ nave do meyo està de huma, e outra parte// [fl. 517] //a vida de São Francisco em payneis de/ boa pintura com molduras doyradas./ A capella mõr se fez moderna-/mente com a grandeza que tem, e differentes ca/deyras para a Patriarchal, por que antiguamente/ o coro dos capellaens ficava por de tràs

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do Altar/ mõr. Em huma capella que esta no fim da/ Nave do Evangelho eregio o senhor Rey D: João/ 5º a capella onde està o Eucharistico sacramento/ em hum sacrario com Retabulo, tudo de/ talha dourada, e da outra nave tem outra capel-/la correspondente. Os pulpitos ficão encor-/tados ao arco da Capella mõr, e dentro della es-/tá hum coreto com hum admiravel Orgão, e/ huma tribuna das pessoas reaes. Iunto do Al-/tar mor està a cadeyra do senhor Cardeal Patriar-/cha sobre tres degraos debaxo do Docel; e perto/ deste mesmo lugar se poem o setial, quando sua Magestade vem abaxo./ A sua Tribu-/na, em que ordinariamente asiste fica frontey-/ra à capella mõr, no fim da nave do meyo; e no/ fim das outras duas naves ficão as Tribunas/ dos criados; e das criadas; e Tribu-/na das Damas fica na nave do meyo á imi-/tação de hum coro. Para todos estes criados, e/ criadas tem este Real Palacio cazas, e princi-/palmente para os camaristas, veadores, mo-/ços da Guarda Roupa, e reposteyros, que estão// [fl. 517v] //de semana que representa huma grande/ cidade, tomando muytas ruas a sua circun-/ferencia./ Tem esta capella Altares, por hu-/ma, e outra parte, em cada hum delles estão/ duas tocheyras de prata mais altas, que a estrutura/ humana, as quaes se não chega do pavimento a/ por lhe as velas, feytas em Alemanha; e no Al-/tar seis castiçaes, e huma crux de prata./ e tres lampadas tambem de prata. Os cas-/tiçaes, e a crux do Altar mõr são de extra-/ordinaria grandeza, e de muyto preço, pello/ seu bem obrado lavor./ Todos estes Altares tem Re-/tabulos de talha dourada com pinturas de Ro-/ma, os ornamentos são os milhores, onde/ pode chegar a arte, e a riqueza, que os não tem/ mayor custo a Igreja catholica em os seus mais/ sumptuosos Templos./ A sacristia os guar-/da em preciozos caychoens, onde hà huma ca-/za, que serve de thesouro, em que parece fi-/cou, exhausto o Potossm(?) na muyta prata, que/ nelle se guarda para os menisterios das/ festividades, e exposição do Eucharistico sa-/cramento, fazendo se em dia de corpus Chris-/ti huma procissão, que deychou escurecidos os/ mayores triumphos Romanos, por que não se/ pode fazer mayor obzequio a este Divino mys-// [fl. 518] //terio, assistindo a esta função todos os tres Es-/tados do Reyno, e toda a soldadesca militar des-/trebuhida em bem ordenada forma, festejando-/a com tres salvas toda a artelharia./ Teve esta capella Real capellaens/ mores, cuja Dignidades ainda hoje existe, sendo capellão/ mõr o Emminentissimo Patriarcha, a quem per-/tence o Padroado Real, e

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jurisdicção sobre todos/ os que servem nesta capella Real, que foy sup-/plicada pello senhor Rey D: Manoel, fazen-/do a izenta do ordinario, e esta jusrisdicção lhe foy/ concedida, e a este Reyno por Bullas de Leão 10,/ Clemente 7º, Iulio 3º, e Pio 4º./ Dos capellaens mores, de que/ ha noticia, que tiverão esta dignidade são/ os seguintes: D: Rodriguo de Noronha, Bispo/ de Lamego, D: Fernando Gonçalvez de Miran-/da, Bispo de Viseo, D: Diogo Ortix de Villegas,/ Bispo de Viseo; D: João Manoel Bispo de/ Ceuta, e da Guarda; D: Fernando de Vasconcellos,/ que depois foy Arcebispo de Lixboa; D: João/ de Castro; D: Jorge de Ataide, Inquisidor Geral;/ D: Pedro de Castilho, Inquisidor Geral; D: Aley-/cho de Menezes, Primaz da India; e depois de/ Braga; D: João de Alancastre; Bispo de/ Lamego; D. João da Sylva; D: Fernando/ de Mello; filho de D: Constantino de Bra-/gança; D: Alvaro da Costa, que foy nomeado// [fl. 518v] //Bispo de Viseo, e foy Reytor da uni-/versidade de Coimbra; D: Manoel da Cunha/ Bispo de Elvas; D: Luiz de Souza, Arcebis-/po de Lixboa; e Cardeal; D: Frº Joze de Alan-/castre, que foy Bispo de Miranda, e de Ley-/ria e Inquzidor gal, D: Nuno da Cunha, Cardeal, e Inquisidor/ Geral./ Foy erecta esta capella Real em Sé Pa-/triarchal o anno de 1716 pello santo Padre/ Clemente XI, conforme consta da sua Bulla,/ sendo o primeyro Patriarcha de Lixboa D. Tomaz de Almª que/ depois foy eleyto Cardeal, concedendo lhe para/ esta Sé todas as degnidades, e previlegios conce-/didos aos Perlados domesticos do Papa, e as vestidu-/ras à imitação dos Conegos de Pisa, com prefe-/rencia a todos os mais conegos do Reyno, e uso/ de mitra, semilhantes aos Abades, conforme a porão/ os conegos de Milão, concedendo ao Emminen-/tissimo Patriarcha D: Tomas de Almeyda, pre-/ferencia a todos os Arcebispos, e Bispos do Reyno,/ e aos conegos concedeo sua Magestade os previle-/gios, que tem os grandes do Reyno, com prefe-/rencia a todos, e a todos os ministros dos Tribu-/naes por Decreto de 12 de Ianeyro de 1707;/ e depois na ley novissima dos tratamentos, fey-/ta a 29 de Ianeyro de 1739, ficarão compre-/hendidos entre os grandes do Reyno./ O Pontifi-/ce Benedicto 14 determinou, que tivesse// [fl. 519] //esta sacrosanta Basilica Patriarchal 24/ Principaes; 72 Perlados, que El Rey nomeou/ do seu conselho, devididos pelas suas ordens; e 20/ conegos; e 32 Beneficiados, alem de outros 32 Clerigos Be-/neficiados, que ja havia concedido Inno-/cencio 13 por Bulla de 18 de Mayo de/ 1721. Uniose a este Patriarchado a anti-/gua Cathedral de Lixboa, de que tomou/ posse o Emminentissimo Patriarcha em o primeyro de Setembro de 1741,

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por Bulla do Santo Padre Benedicto 14 dada/ a 13 de Dezembro de 1740; e a 31 de Agosto de 1741 baychou sua Mages-/tade hum Decreto, em observancia da nova concessão Pontificia, abolir a devisão das/ duas Cidades, e que ficassem unidas na mes-/ma forma, em que estavão antes; e desta/ sorte ficou suspendida a antigua sè, e re-/duzida a Collegiada com o titulo de Santa/ Maria./ Contem mais esta santa Basilica/ Patriarchal hum grande numero de mu-/sicos da Tribuna, cantores do coro, sancris-/tas, e outros mais pertencentes aos meniste-/rios desta Basilica./ Tem Irmandade do Senhor dos/ officiaes, e criados da caza Real. Tem confraria da corte, e de N. Senhora da Piedade; e na festa septem do lorum/ tem sermão, e antes septena. Festejase o sor São/Jozé com sermão todos os dias, e o senhor exposto tem toda a Novena.// [fl. 519v] //Sermão todos os domingos, e dias santos, e na/ quaresma todos os dias./ O Emminentissimo Patriar-/cha tem Provisor, e Vigario Geral. O primey-/ro foy João Rodrigues Castello, Arcebyspo de (...?); o Segundo Valerio da Costa de Gouvea/ Arcebispo Coadjutor. Tem relação Eclesiastica com De-/zembargadores Eclesiasticos os milhores letrados do/ Reyno, e Examinadores synodaes, Escriaens, e mais/ officiaes, pertencentes ao Patriarchado, Meyrinho, e/ Aljube. Assiste o Emminentissimo Patriarcha em/ hum dos milhores Palacios desta Corte, adornado de preciosas armaçoens, e huma grande Livraria. Quando sahe fora de Estado, precede adiante o Cruciferario com a Crux Patriarchal levantada./ Seguĕse duas fileyras de Criados com capa,/ com libres roxas apassamanados de vermelho; entre/ os quaes são levados pellas redeas seus cavallos de/ reserva com mantas de veludo carmesim. Se-/guese o coxe, onde vay a Sua pessoa, levando sem-/pre ou liteyra, ou coxe de Estado, os mais ricos, que/ tem a corte. Seguese tres coxes de acompanhamento/ de capellaens, e pagens, vestidos com opas [sic] rochas./ As Freguezias da antigua Sè, que per-/tencem à Patriarchal são as seguintes: São//

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[fl. 520] //Juliaõ, S: Nicolau; S: Justa; A Conceyçaõ no-/va; a Magdalena, os Martyres, o Loreto, a Encar-/naçaõ nova; S: Jorge, S: Martinho, Sam Tiago,/ S: Bartholomeo; S: Crux, S. Thome, Sto: Andre,/ S: Marinha, S: Vicente, S: Engracia, N: Senho-/ra dos Olivaes; o Salvador, S: Estevaõ, S. Miguel/ S: Pedro, S: João da Graça, S: Mamede, S: Chris-/tovaõ; S. Lourenco; o Sacramento; S: Sebastiaõ,/ os Anjos, os Reys; Carnide, Bem fica, S: Jozè, S./ Anna; S: Catharina; S: Paulo; Santos velhos,/ N: Senhora da Ajuda; a Penna; o Soccorro, as chagas,/ as Merces; e a de Santa Maria, as quaues Freguezias tem/ todas irmandades do Santissimo, e muytas confra-/rias.

DOC. 5: ATAÍDE, Tristão da Cunha, Portugal, Lisboa e a Corte nos reinados de D. Pedro II e D. João V. Memórias históricas de Tristão da Cunha de Ataíde, 1o Conde de Povolide. [Lisboa], Chaves Ferreira, 1990, pp. 379-389.

[p. 379] A RAINHA NOSSA SENHORA MANDOU OBSERVAR O REGIMENTO SIGUINTE Eu aRainha faço saber aos que este regimento virem, que atendendo a ser necessário detriminar algũas coisas para o serviço intitior de minha Casa, fui servida ordenar o siguinte, para que todas as pessoas que tocar o exercitem com toda a pontualidade. E que a porta do corredor que fica defronte da do oratório se abra só para se ouvir missa, sendo necessário, e ao tempo que estiver para se principiar para o que o acólito que vem ajudar à missa, chamará o Porteiro da Câmara, o qual acabada a missa fechará a porta. Que as duas portas que saem da segunda antecâmara estejão sempre fechadas com chave, que se tirará da fechadura, a porta por onde se comonica a segunda com a primeira antecâmara, e a port[ta] onde se comonica com a casa em que assiste o Porteiro da Câmara, estará sempre cerrada, no que haverá grande cudado. Que o padre e acólito que vêm ajudar à missa, entrem dispois de saber que estou já a ouvir, e acabado a primeira missa, entre o segundo padre, havendo de a dizer

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imidiatamente à segunda, e o acólito dentro só no tempo em que se disserem as missas, entrando e saíndo sempre com cada um dos padres, e par haverem de entrar os ditos padres e acólito, lhe dará recado o Porteiro da Câmara, recebendo primeiro da dona da câmara. [p. 380] Que a porta do oratório, da parte de cima se não abra antes de eu, ou o Príncipe e Infantes chegarmos para ouvir missa, fazendo primeiro ũa Dona sinal ao acólito para que a abra, e a da parte debaxo se abrirá só quando houvermos de entrar no oratório, e o pano do sitial estenderá e consertará ũa Dona ou moça da câmara, ao tempo que fôr necessário. Que dispois de eu ceiar, e enquanto o Porteiro da Camara fôr jantar, e em todo o tempo em que não estiver na casa de cima em que costumava assistir, se feche com chave por mão do dito Porteiro as portas que saem da primeira antecâmara para a casa em que ele assiste e para a primeira casa grande vaga. Que a mantearia da minha mesa e a do Príncepe e Infantes, ainda quando não comerem em minha companha se ponha sempre na casa em que assiste o Porteiro da Câmara, e que na porta que desta casa entra para a segunda antecâmara, entreguem os moços da câmara as iguarias às donas da câmara, não entrando dentro como no tempo presente estava introduzido, e se abrirá a porta só no tempo em que se entrega cada ũa das iguarias ao que sempre assistirá o Porteiro da Câmara, e quando o Príncipe e Infantes não comerem na minha mesa, as donas que assistirem nos seus quartos sejão as que lhe venhão buscar as iguarias. Que quando fôr tempo de se perparar a mesa para eu jantar ou cear, entre o Porteiro da Câmara, imidiata ao oratório, ou em qualquer outra que eu ordenar, e enquanto os reposteiros e moço de mantearia perparão a mesa, estará assistindo o Porteiro da Câmara, e feita a diligência saírão logo todos para fora, e acabando eu de jantar ou ceiar, tornará o Porteiro da Câmara e entrar dentro com os ditos reposteiros e moço da mantearia para haverem de levantar a mesa, com a qual sairão logo todos. Que dispois de tiradas as iguarias da minha mesa, e postas no lugar para que se devem levar junto à escada que vai para o Calaboiço, entre o Porteiro da Câmara, e em sua companhia dois reposteiros, dos que hão-de servir no meu qoarto, e levão para fora os pratos que pertencerem ao quarto das Alemãs. Que na casa em que hoje assiste o Porteiro da Câmara, não esteja outra pessoa algũa mais que ele e dois reposteiros capazes, e que os assentos dos veadores estejão na

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casa antes da primeira antecâmara, e não haverá na casa em que assiste o Porteiro da Câmara mais assento que um banco para o mesmo Porteiro. Que o Porteiro da Câmara não consinta que as pessoas que vierem falar a portaria do quarto das Alemãs, subão para a casa em que ele assiste. Que as portas que estão na escada da campaínha, se fechem com chave por mão do Porteiro da Câmara, logo que eu acabar de ceiar, e enquanto o Porteiro janta e em todo o mais tempo em que o Porteiro não estiver na casa de cima em que costuma assistir, e que a grande que está no toupo da escada só se abra quando houver de passar algũa pessoa do qoarto das Alemãs para o meu serviçoQue o Porteiro da Câmara sempre assista no Paço de sorte que nele coma e durma. [p. 381] Que a porta e escada da canpaínha servirá somente para virem as iguarias da minha cozinha particular, para o serviço do quarto em que assistem as Alemãs, e para se mandarem alguns recados e cartas pelos soldados da goarda, e de nenhum modo sairão ou entrarão por ela as fidalgas, as damas do Paço, ou outra qualquer pessoa, excepto as damas alemãs, e as mais pessoas assistem no seu quarto na forma que ordeno. Que nas antecâmaras não falem fidalgas não assistentes no Paço com homem algum, ainda que sejão parentes muito chegados, excepto mulher do Camarista que estiver de somana somente com o seu marido, ou mulher do meu veador que estiver de somana tãobém somente com seu marido, saíndo este para fora tanto que estiver falando. Que o Porteiro da Câmara não entre mais que nas casas públicas, com necessidade e nunca nos quartos do Príncipe e Infantes, e que em nenhum casa se detenha a falar, mas dado o recado, saia para fora logo. Quer os moços fidalgos não entrem nas poisadas e casas intiriores, suposto que sejão de parentes mais chegados, nem ainda passem da casa da Galé para diante, os que não forem de assistência da minha casa, não entrarão nas antecâmaras e mais casas, em que eu detriminar que o possão fazer, senão no tempo em que eu o ordenar. Que os fidalgos que vierem acompanhando-me, não sendo títolos ou oficiaes da casa, fiquem na primeira antecâmara, os titolos na segundo, e só meus veadores na casa dos Espelhos, imidiata ao oratório, e tanto que eu estiver recolhida, e as minhas damas, sairão todos para fora, assim da caza dos Espelhos, como da primeira e da segunda antecâmara. Que as damas falem na segunda antecâmara, e só a pais e irmãos, e tios irmãos dos pais, sendo casados ou ordens sacras, e será na presença de ũa Dona da Câmara, a quem o Porteiro da Câmara dará recado à Dona, se porá na parede da parte do mar, e a dama junto

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do bofete da parte da campaínha, e tanto que cada pessoa tiver falando saia para fora da primeira antecâmara. Que quando houver de entrar algũa coisa para dentro, o Porteiro da Câmara dê recado para que se venha receber à porta da segunda antecâmara, e quando pelo peso ou volume deva ser levada por homem, será acompanhado por ũa dona enquanto estiver dentro. Que quando houverem de entrar no meu quarto reposteiros, nos casos primitidos nestes rigimentos, sejão somente dos nomeados para assistência do dito quarto, e na companhia de ũa Dona, excepto nas ocasiões de perpararem a mesa para o que devem entrar com o Porteiro da Câmara, como está detriminado. Que o Porteiro da Câmara não deixe entrar da casa em que ele assiste pessoa algũa para a segunda antecâmara, nem ainda o moço da prata que o costumava fazer, nem o moço da cêra e da ágoa, senão quando lho ordeno neste rigimento, e só entrarão o meu confessor, na forma que eu ordenar, e os médicos da câmara acompanhados na entrada e saída de ũa Dona da Câmara, e os confessores e mestres que forem aos quartos dos Príncipes e Infantes, os quais tãobém entrarão acompanhados de ũa Dona da Câmara, e sairá cada [p. 382] um acompanhado com a Dona da Câmara que assistir naquele quarto em que esteve. Que enquanto se varre a segunda antecâmara, assistirá o Porteiro da Câmara, e desta casa para dentro será carrida por homens somente o oratório, com assistência do mesmo Porteiro da Câmara. Que os castiçaes com cêra se receberão a horas competentes, e se tornem a entregar dispois de servirem pela Ministra da Portaria de cima, não obstante o que até [a]gora se praticava. Que o Reposteiro que houver de trazer ágoa ao meu quarto seja um dos maior idade, e que entre a hora que se pidir a mantearia, e ao jantar índo sempre acompanhado de ũa Dona da Câmara. Que nas portas não fiquem nunca as chaves, ou estejão abertas ou fechadas, as trará sempre o Porteiro da Câmara consigo. Que o Porteiro da Câmara não deixe passar pessoa algũa do quarto das Alemãs para o em que eu assisto, nem deste para o das Alemãs, excepto as damas, asafatas e moças da retrete, quando vierem servir-me, ou de dispois de o terem feito. Que o Porteiro da Câmara abra e feche as portas que estão a seu cargo, nos tempos siguintes de Inverno, as abrirá de manhã às oito horas, e as fecharão dispois de eu ter

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jantado, de tarde as abrirá ũa hora dispois de se acabar o meu jantar, e de tarde as abrirá duas horas dispois do dito jantar, e as fechará logo dispois de ceia. Que o segundo Porteiro da Câmara assista na Casa Grande vaga, em que estão os assentos dos veadores, e a ele se darão os recados necessários para que os dê ao Porteiro da Câmara. Que a dita casa vaga, para dentro não entre pessoa algũa, senão as que vierem acompanhando-me, ou as que forem precisas para o meu serviço, somente no que se ocuparem nele, e saírão logo para fora, assim todas as referidas pessoas, como as que vierem falar às damas. Que o Porteiro da portaria de cima não deixe entrar pessoa algũa pela dita portaria, homem ou mulher, nem ainda crianças ou religiosos excepto o padre que vier dizer missa à Infanta D. Francisca, em companhia do mesmo Porteiro para lhe ajudar, como neste regimento detrimino. Que na dita portaria de cima possão falar somente as damas de honor, quando lhe for necessário, e algũa vez as damas, sendo a criados de sua casa dos graves e maiores de idade, e além das pessoas referidas falarão na dita portaria as assafatas, donas e moças da câmara, com pais, irmãos e tios irmãos de pais, sendo casados, ou de ordens sacras, estando sempre à vista o Porteiro, e nunca falando assim as que estiverem dentro como de fora, e não bastará que as pessoas que vierem para falar na dita portaria, digão que têm o referido parentesco, mas se necessário o saiba o Porteiro, e duvidando-o, os não deixará falar. Que quando houver de falar algũa pessoa na dita portaria bata o Porteiro para dar recado a dona, que sempre estará prompta para esta diligência, a qual se porá à vista da pessoa que de dentro falar. [p. 383] Que quando o Porteiro tiver algũa necessidade de se apartar da casa em que assiste o não fará sem primeiro deixar fechadas com chave as duas portas, assim a em que se fala com a porta onde se entra na casa em que ele assiste para a da portaria, ainda que haja de voltar com brividade, e só no tempo em que se falar estará meia porta de cima aberta, e a de baixo sempre fechada com chave. Que o Padre que disser missa à Infanta D. Francisca entre pela portaria de cima acompanhado do Porteiro que ajudar à missa, e da dona, da porta, e entrarão ao tempo que a dita dona levar recado ao Porteiro que a Infanta está prompta para ouvir missa, e logo que entrarem fecharão a portaria por dentro, assim o Porteiro como a dona cada um a sua fechadura, tendo já fechado o Porteiro a porta por onde se entra da casa em que ele assiste

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para a dita portaria. E logo que se acabar a missa saírão na mesma forma, não se detendo em parte algũa, o que tãobém farão quando entrarem. Que dispois de ordenado o novo oratório junto à portaria de cima, e deitos os confessionários, terá a chave do dito oratório o Porteiro da portaria de cima, e nele, e não na tribuna nem em outra parte, se dirão as missas e somente as que forem precisas para adminestrar a comunhão às pessoas que assistem dentro no Paço, as quais dirão só os padres que tiverem licença para as celebrar no dito oratório, ou para confessarem as referidas pessoas, de que se dará rol ao Porteiro da portaria de cima, e o Padre que houver de dizer a missa entrará quando lhe trouxerem recado que está a gente junta para a ouvir, e não antes, e a todos ajudará um Reposteiro capaz, e de maior idade, a quem se encarregará esta diligência, e o mesmo terá cudado do que for necessário para o dito oratório, mas irá a ele só quando fôr preciso deixando a porta aberta para ser visto do Porteiro enquanto estiver dentro. Que dispois de feitos os confissionários no dito oratório junto na portaria de cima, neles, e não em outra parte algũa, confessarão os padres que têm licença para confessar. Dirão ao Porteiro da portaria de cima que precurão, e este metendo logo o Padre no oratório dará recado à dona para que faça aviso à pessoa procurada para que venha para o confissionário, e nunca entrarão os confessores dentro no Paço, só no caso de ser necessário condessar algũa enferma, e então o farão pela portaria de baxo na forma em que neste regimento detremino. E o Porteiro da portaria de cima terá sempre fechada a porta da escada por onde se vai para os confissionários do dito oratório, e só o abrirá para os ditos confessores e para se dar a comunhão, mas não para falar o Padre que há-de dizer a missa, não sendo dos mesmos que tem licença para confessar nos ditos confissionários. Que o comer das damas se entregue na Ministra da portaria de cima, donde o virá receber a mulher do estado, em presença do Porteiro, o qual feita a diligência fechará logo a porta da Ministra, não deixando falar neste lugar pessoa algũa. Que na dita portaria de cima, da parte de dentro, não fale pessoa algũa que não seja moradora no Paço ainda que esteja nele por algum tempo. Que quando se for à Ministra da portaria de cima buscar os pratos e castiçaes, tenha o Porteiro cudado que não fale pessoa de fora com algũa de den-[p. 384]tro, nem ainda as que fizerem esta diligência mais que a que for precisa para ela. Que a portaria de cima se abra às oito horas da manhã, de Inverno, e se feche dispois de dado todo o comer. De tarde se abra às duas horas, e se feche pelas oito da

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noite. De Verão se abra de manhã às sete horas e se feche dispois de dado todo o comer. E de tarde se abra as três horas, e se feche as nove horas da noite. Que a portaria de baixo seja a única porta por onde entrem e saião as fidalgas, e tãobém as donas de honor e damas não sairão nem entrarão por outra parte, o que não se entende com as damas quando vêm de novo em público. Que excepto as fidalgas que houverem de vir à minha presença nenhũa outra pessoa entrará no Paço sem licença minha, assinada pela Camareira Mor, ou por quem eu ordenar, o que se entende até à primeira casa da portaria de baixo, e ainda para crianças de qualquer idade e calidade que sejão. Que quando as damas sairem do Paço seja em companhia de sua mãi, ou na de algũa de suas irmãs, sendo casadas ou veúvas, ou na de suas cunhadas e tias casadas ou veúvas, ou tãobém de algũa dona de honor. Que excepto as donas de honor, damas e criadas de cada ũa delas em companhia de sua ama, como tãobém as asafatas donas moças da câmara e do retrete, e as criadas destas em companhia de suas amas, nenhũa outra pessoa sairá do Paço sem licença assinada pela Camareira Mor, ou por quem eu ordenar, na forma que detrimino neste rigimento. Que quando sairem as donas da Câmara fora, sejão acompanhadas na forma do estilo por um Porteiro da Câma[ra], e do mesmo modo as asafatas e moças da Câmara, as que irão tãobém na companhia de ũa Dona da Câmara, não índo não de algum de seus pais, cunhada ou irmã, sendo casadas ou veúvas, as moças da retrete serão acompanhadas por um Reposteiro, e de dentro por ũa pessoa daquelas que eu detriminar. Que se não dê licença senão rarríssimas vezes às criadas ou pessoas de qualquer calidade, ou ocupação que sejão para saírem fora do Paço, e quando se derem, se examinará primeiro para onde vão e dispois se saberá se excederão licença, na qual irá sempre declarada a parte para onde vão, e irão sempre acompanhadas. E em todo o tempo que estiverem fora, serão assistidas pelas pessoas que a Camareira Mor julgar convinientes, que tãobém se nomearão e declararão na licença, e que os reposteiros que as acompanharem sejão homens de idade, aprovados pela Camareira Mor, pela mesma Camareira Mora a qual assinará as licenças, declarando nelas tudo o sobredito, e a hora em que se han-de recolher, que não poderá nunca exceder das Ave Marias, e tãobém não poderão nunca prenoitar fora do Paço, e a Camareira Mor lhe não poderá primitir o contrário, e sempre sairão com manto e em carruagem, e o Porteiro da portaria de baixo terá cudado se as referidas pessoas se recolhem à dita hora das Ave Marias.

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Que quando for preciso entrar algum homem, como oficial ou homem de ganhar com peso, que não posão levar as mulheres, chame o Porteiro da Portaria de baxo a Dona da Porta para que os acompanhe enquanto estive-[p. 385]rem dentro, a toda a parte aonde eles forem, e fora dos precisos, não entrará algum, nem ainda para tirar ou levar ágoa, porque este serviço o fará as mulheres. Que os padres que tiverem licença para confessarem no Paço, entrem somente pela Portaria de baxo, dizendo primeiro a pessoa que procurão, ao Porteiro, e este dará recado à dona para que o acompanhe o padre ao confissionário da tribuna de cima e ele falará à pessoa procurada e em nenhũa outra parte, e para que assim se execute, se dará ao Porteiro um rol dos padres que estão aprovados para as pessoas do Paço, de donde os ditos padres sairão às Ave Marias, e o referido se praticará somente enquanto não estiver ordenado o novo oratório, junto à Portaria de cima, porque aos confissionários dele, e não a outra parte irão confessar os padres que têm licença para as pessoas que assistem no Paço na forma que neste rigimento ordeno, e tanto que os ditos confissionários tiverem uso, não deixará o Porteiro da Portaria de baxo entrar padre algum, só no caso de ser necessário confessar algũa enferma. Então entrará o padre pela Portaria de baxo, acompanhado de ũa dona, até a casa da doente sem entrar em outra, será do mesmo modo acompanhado na saída. Que os médicos, surjiões e sangradores entrem pela Portaria de baxo, dando primeiro recado ao Porteiro, e este à Dona, para que os acompanhe na entrada e saída, e em todo o tempo que estiverem dentro. Que na Portaria de baxo não falará da parte de dentro pessoa que não seja moradora no Paço, ainda que seja assistente nele por muito tempo. Que o Porteiro da portaria de baixo se ponha sempre em parte que veja a pessoa que fala na Porta ou Roda. Que o Porteiro de baixo nunca entre, mas chame a dona da porta para o recado. Que quando for tempo de se fechar a Portaria de baixo, e estiver dentro algũa fidalga, ou pessoa que tenha licença, lhe mandará o Porteiro recado para haver de sair, porque nunca fechará a porta, deixando dentro pessoa que não seja moradora no Paço, nem tãobém deixará de a fechar à hora que lhe ordeno, e havendo quem duvide sair, dará o Porteiro parte à Camareira Mora ou a quem seu cargo servir, para que mo faça presente, e o mesmo executará quando soceda não ser recolhida às ditas horas algũa dona de honor, dama, asafata, Dona, moça de câmara, e moça da retrete.

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Que o Porteiro da portaria de baixo durma e coma na casa junto à dita Portaria, e que haja ũa campaínha dentro da mesma casa para ser chamado de dentro oferecendo-se algũa necessidade. Que todas as vezes que o Porteiro da portaria de baixo se apartar do lugar em que assiste, ainda que seja por brevíssimo tempo, fechará com chave assim a portaria, como a porta da roda, porque nunca a portaria há-de ficar só sem ser fechada. Que a fechadura da portaria de baixo, da parte de dentro, de que tem chave a Dona, será fechada pela dita dona com chave, todas as vezes que o Porteiro fechar a portaria, e as mais que for conviniente, e o mesmo fará na porta da roda pela parte de dentro, e o Porteiro da porta de baixo terá cudado de que isto se execute pela ona. [p. 386] Que na portaria de baixo e sua roda, falem as moças da retrete e as mais mulheres que vivem no Paço somente a pais e irmãos, e tios irmãos de pais, sendo casados ou de ordens sacras, e com compradores particulares e comuns, e porque há muita gente que fala nesta portaria e roda, tenha o Porteiro cudado de que as práticas não sejam dilatadas, e parecendo-lhe que o são, despidirá às pessoas, e terá entendido que nesta portaria não podem falar às pessoas que o podem fazer na portaria de cima, que como fica dito, são as donas de honor, damas e moças da câmara. Que na casa da portaria de baixo não esteja mais pessoa algũa que a que falar, o que fará à vista da ona da porta, e as mais esperem dentro, de sorte que não sejam vistas de fora. Que dadas as Ave Marias, não fale na portaria de baixo e sua roda mais pessoa algũa, e se for necessário dar algum escrito ou recado será pelo Porteiro da mesma portaria. Que a meia porta em que se costuma falar na portaria de baixo, esteja fechada em todo o tempo que não for necessário estar aberta, para algũa diligência, e que a de baixo esteja sempre fechada com chave. Que o Porteiro da portaria de baixo não tire a táboa que se pôs no vão da dita portaria, senão quando for preciso abrir-se de todo a porta. Que quando for necessário abrir a porta da portaria de baixo, mande o Porteiro retirar dela as pessoas que estiverem falando assim dentro, como de fora. Que o Porteiro da portaria de baixo não deixe nunca as chaves nas portas, mas as traga sempre consigo, ou estejão abertas ou fechdas. Que a portaria de baixo se abra pelo Inverno de manhã às oito horas e se feiche ao meio dia, e de tarde se abra às duas horas e se feiche às nove, e deverão-se-abr[ir] de manhã

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às sete e se feiche ao meio dia, e de tarde se abra às três horas, e se feiche as dez, e no Inverno e Verão para se abrirem e fecharem todas as portas seja regulado segundo o estilo dos tribunaes. Que as duas jenelas da câmara do Infante D. Carlos, que olhão para o eirado, e a imidiata a estas que olha para o mar, se fechem com chave, e se abrão só no tempo que eu ditriminar. Que todas as jenelas das casas de passagem que olham para o eirado, sejão fechadas pelas donas da câmara, com chaves, de noite à hora que eu detriminar, o que executará aquela a quem eu ordenar, e trará consigo sempre as chaves. Que ũa das damas da câmara dê recado ao Porteiro da Câmara para que entre cada um dos padres e acólito quando eu ou o Príncepe e Infantes estivermos já a ouvir missa, e fará sinal quando entrarmos na casa do sitial, para que se abra de dentro a meia porta do oratório. Que a jenela do canto da segunda antecâmara que fica junto à primeira antecâmara, se pregue de sorte que não possa abrir, e que a todas as mais da mesma segunda antecâmara não chegue pessoa algũa. Que os pratos que sairem da minha mesa para se repartirem as pessoas que tocão, os porão as damas e moças, no lugar destinado, perto da escada, ao qual, acabada a mesa, os virá a mulher do estado tirar, e pondo-[p. 387]-os no corredor de baixo em um bofete, os repartirá às criadas das pessoas a quem se houverem de levar, excepto os que pertencerem ao quarto das alemãs, porque estes ficarão no lugar em que os puserem as donas e moças da câmara, até que os reposteiros os venhão buscar na companhia do Porteiro da Câmara, como detremino deste rigimento. Que as donas da câmara estejão na casa dos espelhos imidiata ao oratório em todo o tempo que as portas que feicha o Porteiro da Câmara, na escada da campaínha não estiverem fechadas com chave, e não deixarão ir pessoa algũa à segunda antecâmara, porque sendo necessário algum recado o irão levar somente as ditas donas. Que as donas da câmara metão luzes na segunda antecâmara e nas mais casas, as metão as mesma donas e moças da câmara. Que a porta que do corredor sae para a segunda antecâmara defronte do dossel se conserve sempre fechada, com chave, como costuma estar. Que a porta que está em baixo junto à escada do corredor que vem do calaboiço esteja fechada com chave enquanto eu estiver na mesa, assim ao jantar como à ceia, e no mais tempo estará sempre fechada.

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Que no mesmo tempo do jantar e ceiar esteja tãobém fechada com chave a porta que há no corredor dos quartos do Príncepe e Infantes que pela escada do corredor que vem dar nos ditos quartos do Príncepe e Infantes não suba pessoa algũa que não pertença aos ditos quartos. Que havendo necessidade de entrar no Passo algũa pessoa das que não assistem nele se lhe não primitirá sem licença assinada pela Camareira Mor, ou por quem eu ordenar, e não se lhe dará a dita licença mais que por ũa vez, porque sendo para outra precisa a tornará a pidir à Camareira Mor ou a quem eu ordenar e antes que dê a dita licença se enformará da pessoa que houver de entrar. Que as portas que mando fazer nas tribunas se abrão quando se começar a rezar no coro, e se fechem com chave quando se acabar de rezar no dito coro, excepto no dia santo de manhã, que estão abertas té o meio dia que se acabão as missas, e isto executará a pessoa que a Camareira Mor detriminar. Que as donas, damas e moças da câmara, quando sairem fora do Paço se recolhão a ele antes da hora em que segundo as ordens se devem fechar as portarias, de sorte que nunca os porteiros esperem por elas. Que toda a pessoa que houver de entrar de novo para assistir no Paço seja com licença, por escrito, do meu Mordom Mor, ou de quem seu cargo servir, tiradas primeiro as informações do istilo e a dita licença será registada nos livros da minha secretaria, e nela se fará menção de que se tirarão as ditas informações do monistro que fizer a diligência, e isto mesmo se praticará inteiramente com todas as pessoas que houverem de entrar para assistirem no quarto das Alemãs. Que assim a fechadura da portaria d baixo, como a porta da roda da parte de dentro, fecharão a dona naquele tempo em que o Porteiro tiver fechada na parte de fora, e sempre terá consigo a chave, estejão as portas abertas ou fechadas, como fica ordenado aos porteiros. [p. 388] Que assim como na portaria de cima como na de baixo e sua roda, fechem as de fora e tragam sempre consigo as chaves, estando as portas abertas ou fechadas. Que os pratos que da minha mesa forem para algũa pessoa se entreguem despois de despejados à mulher do estado a certa hora, e esta os entregará tãobém a certa hora ao moço da prata, o qual nunca entrará para os receber.

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Que os castiçaes e a cêra receba a mulher do estado pela portaria de cima, como tenho ordenado, e os irá pôr nos lugares que se deputarem em cima das escadas que vêm do calaboiço, e do mesmo lugar os levará para no outro dia os entregar pela dita portaria. Que quando houver obras no Paço nunca de noite fiquem as escadas levantadas, e tendo a obra comonicação para a parte que fique de fora das portarias se recolhão as escadas em lugar fechado, o que se lhe advirtirá na casa das obras. Que na portaria do quarto das Alemãs para dentro não passe homem algum, que a ela venhão as mulheres buscar as coisas necessárias, e quando seja preciso que as leve homem em rezão de peso ou volume será acompanhado de ũa dona da port, que sempre assistirá com ele enquanto estiver dentro, e na falta desta irá o Porteiro fechando primeiro a porta por dentro com chave. Que o Porteiro da portaria das Alemãs para os recados que forem de palvra chame a Dona, e que esta os leve. Que as mais portas em que se fala da parte de cima se abra somente quando for necessário para nelas se falar. A de baixo estará sempre fechada com chave em todo o tempo que estiverem as portas abertas que estão na escada da campaínha, trazendo sempre o Porteiro a chave, e abrirá somente quando for preciso. Que as damas Alemãs falem na segund antecâmara sendo pessoas pela sua calidade capazes de virem deste lugar, e as mais pessoas a quem puderem falar com licença minha o farão na portaria do mesmo quarto em que assistem, e na dita portaria falarão tãobém as assafatas. Que as donas Alemãs, assafatas e mais pessoas que assistem no quarto das mesmas Alemãs, quando sairem fora irão acompanhadas das pessoas que eu detriminar, e se recolherão às Ave Marias excepto as damas e assafatas, porque estas basta que se recolhão de Verão às nove horas, e de Inverno às oito, e que nas poisadas do quarto das Alemãs não entre pessoa algũa nem ainda padres e médicos, e só quando por rezãode doença forem necessários estejão sempre dentro acompanhadas da Dona. Que o Porteiro da dita portaria das Alemãs não deixe estar na casa da dita portaria mais que a pessoa que se achar falando, e que as outras mande que esperem em baixo, enquanto não forem chamadas. Que quando for preciso abrir a portaria toda mande o Porteiro tirar dela todas as pessoas que estiverem falando assim de fora como de dentro. Que o Porteiro da dita portaria das Alemãs se ache sempre no Paço quando o Porteiro da Câmara houver de abrir as portas, a saber, de Inverno pela [p. 389] manhã, às

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oito horas, e de tarde ũa hora despois de se acabar a minha mesa e de Verão pela manhã às sete horas, e de tarde duas horas despois de se acabar a minha mesa. E assim de Inverno como de Verão não sairá da casa da portaria mais que ao tempo que o Porteiro da Câmara quizer fechar as portas que estão na escada da campaínha. Que as pessoas que assistem no Paço não vão ao quarto das Alemãs, nem as de este quarto ao Paço, excepto as que forem precisas para o meu serviçoQue estando algũa Dama Alemã doente as possão visitar as damas portuguesas, índo em companhia de ũa Dona de Honor. Que as donas da câmara, Porteiro da Câmara e outros porteiros e donas, vendo algũa coisa digna de reparo, por mínima que seja, dêm parte ao meu Mordom Mor ou Camareira Mor, segundo a cada um tocar ou a quem seus cargos servirem para que mo façam presente. Que constando-me judicial ou extrajudicialmente que algũa destas ordens se não goardão inteiramente, serão castigadas as pessoas culpadas como me parecer, e lhe tirarei os ofícios, e para que em nenhum tempo possa algum dos porteiros alegar esquecimento ou costume em contrário que extrairá este regimento em papel à parte que assinará o Duque meu Mordom Mor a obrigação particular de cada um dos porteiro, o qual papel dispois de registado na minha secretaria se fechará em ũa táboa que os porteiro terão em seu poder, e serão obrigados a entregá-la a qualquer companheiro subestituto, ou sucessor que tiverem, e ao meu Mordomo Mor e Camareira Mor, ou às pessoas que seus cargos servirem. Mando que segundo o que pertencer aos seus ofícios façam executar exactamente, agora e sempre, tudo o que neste rigimento detrimino. Gregório Lorenço de Magalhães o escrivi aos 16 de Fevereiro de 1725.//

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

FONTES MANUSCRITAS

Abreviaturas BA – Biblioteca da Ajuda BNP – Biblioteca Nacional de Portugal ANTT – Arquivo Nacional Torre do Tombo

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FONTES IMPRESSAS

Auto do levantamento & juramento qve os grandes titvlos secvlares ecclesiasticos & mais pessoas que se achárão presentes, fizerão ao... senhor Elrey D. Joam V... Lisboa, Officina de Valentim da Costa Deslandes, 1707.

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Relaçam curiosa da varanda, em que se celebrou a acclamaçam, e exaltaçam ao trono do sempre inclyto, e augusto monarca D. Joseph I... Lisboa, Off. de Pedro Ferreira, 1750. Auto do levantamento e juramento que os grandes titulos seculares, ecclesiaticos fizeram... [a] El Rey D. Josepho I... em... 7 de Setembro 1750. Lisboa, Offic. de Francisco Luiz Ameno, 1752. Relaçam da magnifica, e pompoza entrada, que fez nesta Corte de Lisboa no dia 11 de Junho este anno de 1755 o Excellentissimo Senhor Marquez de Baschi, embayxador de El-Rey Christianissimo. Lisboa, [s.n.], 1755. ALBUQUERQUE, Diogo Rangel de Macedo e Elogio historico, e panegyrico do muito alto, muito poderozo, e fidelissimo rey D. João V. Lisboa, Off. de Jozé da Sylva da Natividade, 1751. AQUINO, Fr. Thomaz de Oração funebre, e panegyrica nas exequias do Augusto, Magnifico, e Fidelissimo Rey, e Senhor D. João V. celebradas pela Irmandade de nossa Senhora de Monserrate da Nação Hespanhola no dia 23. de Outubro de 1750. na Igreja do Mosteiro de S. Bento da Saude de Lisboa... Lisboa, Officina Monravana, [1751]. ATAÍDE, Tristão da Cunha Portugal, Lisboa e a Corte nos reinados de D. Pedro II e D. João V. Memórias históricas de Tristão da Cunha de Ataíde, 1o Conde de Povolide. [Lisboa], Chaves Ferreira, 1990. BARBOZA, Fernando Antonio da Costa de Elogio funebre do Padre João Baptista Carbone. Lisboa, Off. de Miguel Manescal da Costa, 1751. BARRETO, J. A. da Graça, ed. Monstrvosidades do tempo e da fortvna : diário de factos mais interessantes que succederam no reino de 1662 a 1680, até hoje attribuido infundadamente ao benedictino fr. Alexandre da Paixão. Lisboa, Typ. da Viúva Sousa Neves, 1888. BLUTEAU, Raphael Vocabulario portuguez e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico, brasilico, comico, critico, chimico, dogmatico, dialectico, dendrologico, ecclesiastico, etymologico, economico, florifero, forense, fructifero... autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses, e latinos... Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712-1728. BRANCO, Camilo Castelo "O Paço Real da Ribeira". In Noites de Insomnia offerecidas a quem não póde dormir. Porto, Braga, Livraria Internacional, n.º 8, Agosto de 1874, pp. 28-34. BRASÃO, Eduardo Diário de D. Francisco Xavier de Menezes, 4o Conde da Ericeira (1731-1733). Coimbra, Coimbra Editora, 1943. BROCHADO, José da Cunha “Extractos das Cartas de Joze da Cunha Brochado escriptas de Lisboa ao Conde de Viana”. In O Investigador Portuguez em Inglaterra, ou Jornal Literario, Politico, &c, vols. XIII-XVI. Londres, T. C. Hansard, 1815-1816. BROCHADO, José da Cunha Memorias de José da Cunha Brochado extrahidas das suas obras ineditas por Mendes dos Remédios. Coimbra, França Amado, 1909.

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