O papel das Universidades na Estratégia de Desenvolvimento para Cabo Verde

July 7, 2017 | Autor: Jorge Brito | Categoria: Higher Education, Higher Education Policy
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O papel das Universidades na Estratégia de Desenvolvimento para Cabo Verde1 Jorge Sousa Brito2

O Desenvolvimento de um país como o nosso, requer entre outros, a disponibilidade de quadros qualificados com formação superior em diversas áreas reputadas essenciais, e em outras pertinentes aos rumos e linhas de Desenvolvimento traçados. É pois, hoje, inegável a importância do Ensino Superior para a formação destes quadros, fazendo surgir preocupações atinentes à qualidade desta formação, quer pelos governantes, quer pela comunicação social, quer até por vozes provindas de cidadãos em ocasiões e momentos que se aprestarem para o efeito. Muito já foi e poderá ser dito sobre esta questão, pois, interrogações sobre as áreas mais importantes e pertinentes ao Desenvolvimento, sobre o número adequado de diplomados nestas áreas, sobre o nível de desempenho e as competências adquiridas, são patentes nas mentes dos governantes e de muitos cidadãos comprometidos com o Desenvolvimento do país. Estas questões merecem ser abordadas em profundidade e constituirão certamente objecto de muito debate e de posicionamentos contraditórios e polémicos. Deixaremos para outras ocasiões o nosso ponto de vista nessa matéria, pois não é o objecto desta comunicação. De facto, não intitulamos esta comunicação como “o papel do Ensino Superior na Estratégia…”, mas sim “o papel das Universidades…”. A razão prende-se com o facto do Ensino Superior não se fazer apenas nas universidades e porque estas não se ocupam apenas de Ensino. Deixando então de lado, a componente FORMAÇÃO, cujo contributo para o Desenvolvimento de um país é sobejamente óbvio, dediquemo-nos então a outros contributos e componentes das universidades. Nos finais do século XX, assistimos a uma série de eventos com repercussões mundiais, enformando então o que se chamou de Globalização. As consequências se traduziram e traduzem, numa reviravolta de conceitos e posicionamentos de cariz social, económico, político e militar, que não se compadecem com pensamentos lineares, tradicionalistas e ideológicos. Surgiram então várias “máximas” que se tornaram lugares-comum e chavões sobejamente conhecidos e alegremente adoptados pelos políticos e decisores deste Mundo e, para não variar, pelos nossos próprios dirigentes. Eis dois exemplos:  

“Pensar global e agir local” “Transformar as vantagens comparativas em vantagens competitivas”

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Comunicação apresentada no Fórum Amílcar Cabral, organizado por ocasião do 40º aniversário do desaparecimento físico de Amílcar Cabral – Praia, 19 de Janeiro de 2013 2 Professor Catedrático e Reitor da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde

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Estas “máximas”, aliadas aos “Objectivos de Desenvolvimento do Milénio” conduziram o Governo a estabelecer as linhas mestras e estratégicas de Desenvolvimento de Cabo Verde, centradas em 4 eixos principais, apelidados de “clusters” (o do mar, o do ar, o financeiro, e o das TIC). No entender da classe política e dirigente, é natural que as Universidades sejam chamadas a contribuir (talvez até a participar) na efectivação destes propósitos. E a componente INVESTIGAÇÃO torna-se a principal estrela produtora de resultados e estudos, úteis à tomada de decisões e às soluções técnicas dos problemas inerentes aos referidos eixos. Para que estes resultados da investigação, sejam melhor aproveitados pelos decisores e por outros envolvidos na continuidade das pesquisas, torna-se mister fomentar o terceiro pilar clássico da actuação universitária, a EXTENSÃO, através dos meios de publicação e de divulgação destes resultados: portais, bibliotecas digitais, conferências, palestras, fora, etc.. Ora, esta é a estrutura clássica das funções das universidades no e do século passado! Não acreditamos que “vestir” as universidades de roupas tecnológicas e dotá-las de meios modernos de comunicação, as transformem em universidades do século XXI. Certamente serão, e são, condições necessárias, mas de modo algum serão condições suficientes. Voltaremos adiante sobre esta questão. Os países mais desenvolvidos da Europa, cedo se aperceberam que a Globalização lhes trazia um enorme e inexorável desafio. O da competitividade! Encurralados pelo poderio tecnológico e económico dos Estados Unidos e pela agressividade comercial dos Tigres asiáticos de tecnologia e economia emergente, a sobrevivência geoestratégica e os lugares de liderança do “velho continente” estavam em perigo e medidas teriam de ser equacionadas. Sendo as universidades europeias, muitas quase milenares, um dos principais sustentáculos da hegemonia até então conseguida, é também por ali que passaria a “salvação”. Tornou-se mister trazer as universidades para a ribalta; despi-las do seu carácter hermético e elitista; dotá-las de novos instrumentos, paradigmas e filosofia interventora. Começam as negociações imbuídas de um tal espírito inovador, mais conhecido por “espírito de Bolonha”. Dois novos pilares foram acrescidos às universidades para que elas fossem “do século XXI”. Para além da FORMAÇÃO, INVESTIGAÇÃO e EXTENSÃO, foi introduzido o conceito de DEMOCRATICIDADE/INCLUSÃO que permitiu o alargamento de oportunidades a mais cidadãos, aumentando o nº dos mesmos com formação superior (para captar mentes brilhantes entre os desfavorecidos e competir com a mão-de-obra especializada e abundante dos tais tigres). Mas o pilar mais importante, foi o da INTERVENÇÃO, o que impulsionaria as universidades a opinar e a lançar problemáticas para debate no seio da sociedade e assim poder, em conjunto com ela, delinear soluções e cenários de soluções e resoluções de problemas. Convirjamo-nos agora para a nossa realidade cabo-verdiana. Permitam-nos então partilhar convosco algumas considerações e opiniões: 

Fazendo jus à máxima de Cabral “Pensar com as nossas cabeças”, julgamos ser redutor a utilização exclusiva do lema “Pensar global e agir local”, pois esta forma de pensar tem a tendência de estar a reboque dos interesses globais, o que poderá trazer

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dividendos económicos a curto prazo, mas não valoriza a iniciativa local nem potencia uma das nossas “vantagens comparativas”: a força da cultura crioula mais antiga do mundo. Seria muitas vezes melhor, pensar local e agir global para promover o que é genuíno em Cabo Verde conquanto tenha alto potencial para a Humanidade. A valoração do que nos distingue dos outros deve ser discutida e debatida no seio da sociedade com o envolvimento das universidades (o quinto pilar)

As universidades devem pois promover a discussão pública sobre problemas ligados ao desenvolvimento do país. Não basta coleccionar ou publicar os resultados da investigação conduzida, mesmo que esta seja pertinente à causa do Desenvolvimento. Os académicos e investigadores deverão reflectir sobre problemas do Desenvolvimento cujas soluções, na maior parte das vezes, não são atingidas apenas com estudos sectoriais e unidisciplinares. Dir-me-ão que estas reflexões deviam ser apanágio apenas dos políticos e decisores e que os académicos deveriam cingir-se às conclusões e recomendações provindos dos seus trabalhos de investigação. Bem, não sendo este o entendimento do novo paradigma do papel das universidades, julgamos que as mesmas, para que possam desempenhar o seu papel de INTERVENÇÃO, devem se dotar de instrumentos adequados. Um destes instrumentos é o chamado Observatório. Os observatórios vão analisar, auscultar, e repertoriar não só os problemas advenientes de sectores específicos, como acompanhar a evolução e os resultados das medidas aplicadas no âmbito destes sectores. Devido ao seu carácter científico, isento, transparente, democrático e distante dos interesses políticos e partidários, as universidades que se prezam, são as organizações adequadas para a criação e dinamização de observatórios. Outro instrumento é o dos Centros de Investigação, que conferem fios condutores direccionados para determinados fins, sendo estes preferencialmente sintonizados com os objectivos do Desenvolvimento do país e com os problemas mais candentes da sociedade. Estes centros, zelam também pela complementaridade dos estudos e das investigações levadas a cabo, a fim de melhor sustentarem as reflexões necessárias ao ataque das problemáticas complexas que se apresentam, encarando de melhor maneira o papel de intervenção. Devemos agora trazer à universidade do século XXI para Cabo Verde mais considerações que, a nosso ver, devem enformar os pilares INVESTIGAÇÃO e INTERVENÇÃO: 1. O carácter “estratégico” não deverá ser substituído pelo carácter “prioritário”. No Desenvolvimento, tudo é importante e priorizar o considerado estratégico em detrimento do resto, acabará por esvaziar o carácter estratégico do mesmo. 2. O que é estratégico para o Desenvolvimento de Cabo Verde deverá ser procurado e estudado pelas Universidades independentemente do que os políticos e decisores acharam e/ou elegeram como tal.

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3. O Método do Conhecimento Científico – modo 2, revisto por Helga Nowotny, Peter Scott e Michael Gibbons em 20053, deve ser a inspiração das universidades e dos académicos investigadores no seu exercício de pesquisa e de intervenção. De que se trata este modo 2 do conhecimento científico? Este método assenta em 3 premissas: 1. A abordagem de problemas e estudo em busca de soluções, deve, para além de equipas multidisciplinares, envolver os afectados pelos problemas e/ou os beneficiados pelas eventuais soluções. 2. O rigor científico deve ser escrupulosamente seguido para que haja um alto grau de fiabilidade e credibilidade nas conclusões conseguidas. 3. O pensamento transdisciplinar deve ser a pedra de toque da abordagem adoptada. Assim, os académicos investigadores devem servir-se dos Observatórios para envolver os destinatários das abordagens em curso, manter o rigor científico através dos documentos científicos emanados das pesquisas e manter o diálogo transdisciplinar com os cidadãos através dos diferentes meios de intervenção. Esta metodologia, permitirá que a elite académica não paire acima do cidadão comum, mas que se impregne no seio da sociedade e se embrenhe nas problemáticas em estudo podendo assim em sintonia com essa sociedade, atingir os cernes das questões. Para além de recomendações, a componente “instrumento de apoio às decisões” que habitualmente é solicitada pela classe política, passaria também a ser fornecida por iniciativa das universidades. Naturalmente, não advogamos a exclusividade de intervenção nestas matérias às universidades, mas reafirmamos que pelo seu carácter democrático, livre, transparente, científico e entrosado com a sociedade, este contributo é de um enorme valor acrescentado. As universidades constituir-se-ão assim e de forma democrática, num potencial de sabedoria capaz de disponibilizar soluções claras e lúcidas, passíveis de conduzir a sociedade o cidadão e a Nação, por caminhos de luta e trabalho, em direcção do progresso, consubstanciando a mais nobre das interpretações do famoso lema: “Força, Luz e Guia do nosso Povo”. Obrigado pela vossa atenção.

“Re-Thinking Science: Knowledge and the Public in an Age of Uncertainty”: Helga Nowotny (Swiss Federal Institute of Technology (ETH), Zurich), Peter Scott (Kingston University) and Michael Gibbons (Secretary General Association of Commonwealth Universities) - ISBN-13: 9780745626086 – 2ª edição: 2005 3

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