O papel de atores internacionais na prevenção de conflitos violentos: silêncio no Kosovo, vozes na Macedônia

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Eduarda Passarelli Hamann

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

O PAPEL DE ATORES INTERNACIONAIS NA PREVENÇÃO DE CONFLITOS VIOLENTOS: silêncio no Kosovo, vozes na Macedônia (1989-2001)

Tese de Doutorado Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de PósGraduação em Relações Internacionais da PUC-Rio. Orientador: Nizar Messari

Rio de Janeiro Abril de 2007

Eduarda Passarelli Hamann

O papel de atores internacionais na prevenção de conflitos violentos:

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silêncio no Kosovo, vozes na Macedônia (1998-2001).

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Nizar Messari Orientador PUC-Rio Andrea Ribeiro Hoffmann PUC-Rio João Franklin Abelardo Pontes Nogueira PUC-Rio Reginaldo Mattar Nasser PUC-SP Paulo Luiz Moreaux Lavigne Esteves PUC-Minas João Franklin Abelardo Pontes Nogueira Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais - PUC-Rio Rio de Janeiro, 26 de abril de 2007

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.

Eduarda Passarelli Hamann

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Graduou-se em Direito (PUC-Rio). Mestre em Relações Internacionais (IRI/PUC-Rio). Interesse em segurança internacional, sobretudo na resolução e na prevenção de conflitos violentos.

Ficha Catalográfica Hamann, Eduarda Passarelli

O papel de atores internacionais na prevenção de conflitos violentos: silêncio no Kosovo, vozes na Macedônia (1989-2001) / Eduarda Passarelli Hamann; orientador: Nizar Messari. – 2007.

300f.: il.; 30cm

Tese (Doutorado em Relações Internacionais). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

Inclui bibliografia.

1. Relações internacionais – Teses. 2. Prevenção de conflitos violentos. 3. Prevenção estrutural e multissetorial. 4. Kosovo. 5. Ex-República Iugoslava de Macedônia. 6. Europa/Bálcãs/Ex-Iugoslávia. 7. Atores internacionais. 8. Preventores internacionais. I. Messari, Nizar. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Instituto de Relações Internacionais. III. Título.

CDD: 327

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Agradecimentos

Ao namorado-que-virou-noivo-que-virou-marido, pelo companheirismo na hora da glória e, sobretudo, na hora do desespero; Aos familiares e amigos que durante anos ouviram (com diferentes graus de paciência) as minhas idéias sobre prevenção e as minhas histórias sobre os Bálcãs; A meu orientador, Nizar Messari, pelo apoio integral e incondicional desde o início do processo; Aos membros da banca, por aceitarem a proposta de contribuir para a construção do conhecimento sobre prevenção de conflitos violentos; Aos meus entrevistados, tanto nos Países Baixos como no Kosovo e na Macedônia, por compartilharem seu tempo e seu conhecimento; À equipe da Biblioteca do Palácio da Paz e do Clingendael, ambos nos Países Baixos, pela disponibilidade, boa vontade e colaboração; À CAPES e ao CNPq, pelo financiamento da pesquisa, sem o qual não teria sido possível realizar este trabalho.

Resumo

Hamann, Eduarda Passarelli; Messari, Nizar. O papel de atores internacionais na prevenção de conflitos violentos: silêncio no Kosovo, vozes na Macedônia (1989-2001). Rio de Janeiro, 2007. 300p. Tese de Doutorado – Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. A literatura de prevenção de conflitos violentos que trata de “eficácia da ação preventiva” ressalta que as chances de sucesso tendem a aumentar quando a prevenção é estrutural e quando a abordagem é multissetorial. A pesquisa realizada indica que, antes de se falar na eficácia da ação preventiva, deve-se

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verificar a existência das condicionantes da ação preventiva, que limitam ou favorecem o envolvimento de atores internacionais. Argumenta-se que a ação preventiva internacional está condicionada a três elementos: (i) a construção de um conceito de prevenção; (ii) a criação de mecanismos que visem à implementação de tal conceito; e (iii) a interpretação do contexto local como sendo passível de interferência com objetivos preventivos. A pesquisa conclui que, nos casos do Kosovo e da ex-República Iugoslava da Macedônia, a promoção do discurso de prevenção por atores internacionais não leva necessariamente à sua adaptação institucional. Além disso, ainda que mecanismos estejam disponíveis aos potenciais preventores internacionais, só serão implementados se a situação concreta for interpretada como passível de prevenção. Destaca-se ainda que os casos em estudo reforçam o entendimento da literatura ao demonstrar que as chances de sucesso das medidas preventivas foram menores no Kosovo devido à inação e à ação superficial, tardia e descoordenada de alguns atores internacionais. A ação preventiva na Macedônia, por sua vez, teve maiores chances de sucesso porque teria sido estrutural e multissetorial – devido à interpretação que se fez do contexto local na época da iminência das crises.

Palavras-chave Prevenção de conflitos violentos; prevenção estrutural e multissetorial; Kosovo; ex-República Iugoslava da Macedônia; Europa/Bálcãs/ex-Iugoslávia; atores internacionais; preventores internacionais.

Abstract

Hamann, Eduarda Passarelli; Messari, Nizar. The role of international actors in the prevention of violent conflicts: silence in Kosovo, voices in Macedonia (1989-2001). Rio de Janeiro, 2007. 300p. PhD Dissertation – Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. According to the literature of conflict prevention who deals with the effectiveness of preventive action, chances of success tend to rise when prevention is structural, and when it occurs within a multitrack framework. The results of this research indicate that, before dealing with the effectiveness of

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preventive action, one must verify the conditionalities of preventive action, which limit or encourage the involvement of international actors in the prevention of violent conflicts. It is argued that international preventive action is conditioned by three elements: (i) the construction of a concept of conflict prevention; (ii) the creation of mechanisms to implement the concept; and (iii) the interpretation of the local context as being preventable by international interference. In the cases of Kosovo and of the former Yugoslav Republic of Macedonia, the promotion of a preventive discourse by international actors is not enough to induce to institutional changes. Besides, even when mechanisms are available to potential international preventors, they would only be implemented if the situation in loco is interpreted as being preventable. The cases under analysis reinforce the main argument of the literature and demonstrate that chances of success of preventive action were lower in Kosovo because of inaction and also superficial, late and uncoordinated action of the few relevant actors. In its turn, preventive action in Macedonia had higher chances of success because it was a structural and multitrack effort of different actors, thanks to the interpretation of the situation in loco on the very edge of the crises.

Key words Prevention of violent conflicts; structural and multitrack prevention; Kosovo; former-Yugoslav Republic of Macedonia; Europe/Balkans/formerYugoslavia; international actors; international preventors.

Sumário

Introdução

13

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PARTE I - ASPECTOS TEÓRICOS 1. Prevenção de conflitos violentos: um conceito em consolidação

28

1.1. O atual conceito de prevenção

28

1.2. O objeto da prevenção

35

1.3. O instrumental da prevenção

44

a) Previsão e prevenção

44

b) Estratégias: prevenção estrutural e operacional

46

c) Mecanismos

50

2. O preventor internacional e o discurso de prevenção

61

2.1 Organização das Nações Unidas (ONU)

68

2.2 Organizações regionais européias

72

2.2.1. Conselho da Europa (CoE)

72

2.2.2. União da Europa Ocidental (UEO)

73

2.2.3. Organização para a Segurança e Cooperação na Europa

74

2.2.4. Comunidade Européia (CE)/União Européia (UE)

76

2.3. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)

80

2.4. Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

81

2.5. Instituições financeiras internacionais (IFIs)

83

2.6. Grupo dos Sete (G7)/Grupo dos Oito (G8)

85

2.7. Setor empresarial

87

2.8. Organizações não-governamentais (ONGs)

88

3. O preventor internacional e a implementação do conceito de prevenção

93

3.1. Organização das Nações Unidas (ONU)

94

a) Adaptação da estrutura em relação ao discurso de prevenção

94

b) Interação dentro do sistema ONU, e da ONU com outros atores c) Limites institucionais em relação a atividades de prevenção

97 100

3.2. Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)

108

3.3. Comunidade Européia (CE)/União Européia (UE)

113

3.4. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)

117

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3.5. As organizações não-governamentais e seus mecanismos de prevenção

120

3.5.1. Human Rights Watch (HRW)

120

3.5.2. Search for Common Ground (SFCG)

121

3.5.3. European Centre for Minority Issues (ECMI)

122

3.5.4. International Crisis Group (ICG)

123

PARTE II - ASPECTOS EMPÍRICOS 4. O contexto local e sua interpretação: como o Kosovo e a Macedônia chegam à década de 1990

128

4.1. As origens da Iugoslávia de 1990

128

4.2. O contexto nacional/local iugoslavo visto por atores internacionais

142

4.3. O contexto específico do Kosovo e da Macedônia na iminência da crise

152

4.3.1. Kosovo – a iminência da 1ª crise

152

4.3.2. Macedônia – a iminência da 1ª crise

156

a) Os desafios externos

156

b) Os desafios internos

163

5. A prevenção estrutural e multissetorial no Kosovo e na Macedônia: o sociograma de cada crise

166

5.1. Kosovo – 1ª crise (1989-1992)

168

O contexto da 1ª crise do Kosovo (1989-1992)

168

A 1ª crise do Kosovo e a resposta internacional (1989-1992)

173

5.1.1. Comunidade Européia – Parlamento Europeu

174

5.1.2. Comunidade Européia – Conferência Internacional sobre a ex-Iugoslávia

175

5.1.3. ONU – órgãos e agências com preocupações humanitárias

175

5.1.4. A influência da política doméstica e a ação das grandes potências

176

5.1.5. OSCE – Alto Comissário para Minorias Nacionais (ACMN)

178

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5.1.6. OSCE – Missão de Longa Duração no Kosovo, Sandžak e Vojvodina

179

5.1.7. ONU – Conselho de Segurança

181

5.1.8. Atores internacionais não-tradicionais

181

5.2. Macedônia – 1ª crise (1992/1993)

182

O contexto da 1ª crise da Macedônia (1992/1993)

182

A 1ª crise da Macedônia e a resposta internacional (1992/1993)

183

5.2.1. OSCE – Alto Comissário para Minorias Nacionais (ACMN)

183

5.2.2. OSCE – Spillover Monitor Mission to Skopje (SMMS)

184

5.2.3. ONU – Missão de paz preventiva (UNPROFOR/UNPREDEP)

188

5.2.4. ONU – Escritório do Alto Comissário para Direitos Humanos

192

5.2.5. Grandes potências

193

5.2.6. Atores internacionais não-tradicionais

193

5.3. Kosovo – 2ª crise (1997/1998)

196

O contexto da 2ª crise do Kosovo (1997/1998)

196

Exército pela Libertação do Kosovo (Ushtria Çlirimtare e Kosovës)

198

A 2ª crise do Kosovo e a resposta internacional (1997/1998)

200

5.3.1. Conferência Internacional sobre a ex-Iugoslávia e as grandes potências

202

5.3.2. Acordo Holbrooke-Milošević e suas conseqüências imediatas

204

5.3.3. OSCE – Missão de Verificação do Kosovo (KVM)

204

5.3.4. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)

206

5.3.5. ONU – Conselho de Segurança

210

5.3.6. Atores internacionais não-tradicionais

211

5.4. Kosovo – 3ª crise (1999)

214

O contexto da 3ª crise do Kosovo (1999)

214

A 3ª crise do Kosovo e a resposta internacional (1999)

215

5.4.1. OSCE – Conselho Ministerial

215

5.4.2. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)

216

5.4.3. Raçak enquanto símbolo do fracasso internacional

216

5.4.4. Rambouillet – Grupo de Contato

217

5.4.5. União Européia (UE)

219

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5.4.6. Os bombardeios e a reorganização internacional para lidar com o Kosovo

220

5.4.7. Atores internacionais não-tradicionais

222

5.5. Macedônia – 2ª crise (1999)

222

O contexto da 2ª crise da Macedônia (1999)

222

A 2ª crise da Macedônia e a resposta internacional (1999)

225

5.5.1. ONU – Alto Comissariado da ONU para Refugiados

226

5.5.2. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)

226

5.5.3. Atores internacionais não-tradicionais

228

5.6. Macedônia – 3ª crise (2001)

229

O contexto da 3ª crise da Macedônia (2001)

229

Exército pela Libertação Nacional (Ushtria Çlirimtare Kombëtare)

231

A 3ª crise da Macedônia e a resposta internacional (2001)

232

5.6.1. Grandes potências e organizações intergovernamentais ocidentais

232

5.6.2. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)

236

5.6.3. Atores internacionais não-tradicionais

237

6. Conclusão

241

7. Referências bibliográficas

254

Anexos

289

Lista de figuras e tabelas

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MAPAS Mapa 1: Ex-Iugoslávia - Maiorias étnicas (1992)

289

Mapa 2: Principais populações da ex-Iugoslávia (1999)

290

Mapa 3: Geografia militar da ex-Iugoslávia (1998)

291

Mapa 4: Kosovo (1998)

292

Mapa 5: República da Macedônia (1994)

293

Mapa 6: Europa (1815) [Império Otomano]

294

Mapa 7: As fronteiras da Sérvia – de 1196 até 1998

295

Mapa 8: Fronteiras históricas do Kosovo (1913-1992)

296

Mapa 9: A “Questão Macedônia” (de 1914 a março de 1992)

297

TABELAS Tabela 1: Genocídios, ‘Politicídios’ e outros assassinatos em massa desde 1945

298

Tabela 2: Número de mortes dos maiores massacres do século XX

298

Tabela 3: VINC – Violent, Intrastate Nationalist Conflicts

299

Tabela 4: Mortes em guerras e em conflitos desde o fim da 2ª Guerra Mundial: 1945 a 2000

299

Tabela 5: Intervenção internacional na consolidação institucional da ex-Iugoslávia (1991-2002)

300

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“Estou impressionado com os indícios. A guerra, parece-me, depois de uma vida lendo sobre o assunto, convivendo com soldados, visitando os locais de guerra e observando seus efeitos, pode estar deixando de ser recomendada aos seres humanos como um meio desejável ou produtivo e, evidentemente, racional, de resolver seus descontentamentos. Não se trata de mero idealismo. A humanidade tem a capacidade de, ao longo do tempo, correlacionar os custos e benefícios de empreendimentos grandes e universais. Em boa parte do tempo para o qual dispomos de registros do comportamento humano, pode-se ver que a humanidade julgou que os benefícios da guerra eram maiores que seus custos, ou pareciam maiores quando se chegava a um suposto equilíbrio. Agora, a computação trabalha na direção oposta. Os custos claramente superam os benefícios”. John Keegan, Uma História da Guerra.

Introdução

Esta tese tem por objetivo geral o de verificar que papéis podem ser desempenhados por atores internacionais na prevenção contemporânea de conflitos violentos, ainda que a maioria desses seja de natureza intraestatal. Em termos mais específicos, pretende-se observar: (i) de que forma atores políticos internacionais se comportam frente à consolidação do conceito de prevenção; e (ii) em que medida o envolvimento de tais atores é relevante para aumentar as

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chances de sucesso em um caso concreto. Por hipótese, tem-se que alguns atores internacionais participam do processo de construção do conceito em estudo e têm à sua disposição recursos que, a depender de como são empregados, podem aumentar ou diminuir as chances de eficácia da ação preventiva. Para auxiliar a verificação prática da hipótese, foram selecionados os casos do Kosovo e da antiga república iugoslava da Macedônia, no período de 1989 a 2001. A seguir, dá-se início à clarificação conceitual de expressões relevantes ao argumento de modo a esclarecer as linhas do debate, para então prosseguir com a estrutura e os objetivos mais detalhados da tese.

Conceitos básicos Na literatura de segurança internacional, o conceito de conflito é com freqüência utilizado como sinônimo de conflito armado e, no entanto, conflito envolve um fenômeno mais abrangente, que representa uma incompatibilidade de necessidades, interesses ou objetivos a ser resolvida com uma gama de possibilidades que englobam o recurso à força armada e o emprego de soluções não-violentas (Michael S. Lund 1996b/2004; Christian P. Scherrer 2002; Johan Galtung 1999; Hugh Miall, Oliver Ramsbotham e Tom Woodhouse 2005; I. William Zartman 2005; Alice Ackermann 2000/2003). Esta ampla abordagem é cada vez mais defendida pela literatura de prevenção de conflitos e de estudos para a paz, para quem os conflitos não são socialmente indesejáveis: o conflito de

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interesses é inerente à vida social e, com ele, pode-se reverter situações injustas ou imorais de status quo (Miall et alli. 2005:15). Nesse sentido, um dos objetivos da tese é demonstrar o argumento de que a eliminação da violência não implica na eliminação dos conflitos (Mahendra Kumar 1975:158). Tal argumento parece confundir alguns críticos da prevenção, como Stephen John Stedman, para quem “o foco na prevenção ignora o papel que o conflito tem na mudança política das sociedades” (Stephen John Stedman

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1995:20). Sobre esse aspecto, Johan Galtung sustenta: “Não há como evitar conflitos. Conflitos são encontrados em sistemas com contradições e objetivos incompatíveis; eles surgem, crescem, diminuem e desaparecem e isso aumentará de freqüência já que os seres humanos estão cada vez mais expostos a sistemas de valores diferentes e interagem com outros seres humanos em um mundo cada vez mais interconectado. Por essas duas razões, teremos mais conflitos que antes. O que pode ser evitado não é o conflito, mas a violência, o fato de o conflito passar para uma fase violenta. Por essa razão, eles devem ser extraídos pela raiz, em um estágio inicial” (Galtung 1999 – grifou-se)1.

O que caracteriza os conflitos de interesse como gênero e os conflitos violentos como espécie é o fato de a violência ocorrer em uma fase específica da relação. Michael Lund, por exemplo, sustenta que um conflito segue um ciclo não necessariamente linear, com as seguintes fases, enumeradas em ordem crescente da violência: paz durável, paz estável, paz instável, crise e guerra (Lund 1996:38). Outros autores preferem uma imagem circular que engloba uma progressão não necessariamente cíclica que passa pelas seguintes fases: mudança social pacífica, formação do conflito, conflito violento, transformação do conflito e novamente mudança social pacífica (Miall et alli. 2005:15). Outro modelo é o elaborado por Eric Brahm, que inclui as mínimas etapas elencadas por vários autores: ausência de conflito (violento), conflito latente, ascensão, escalada, impasse, desescalada, resolução, reconstrução pós-conflito e reconciliação (Eric Brahm 2003). De uma forma ou de outra, pode-se afirmar que a violência é apenas uma dentre as várias formas de manifestação ou externalização de um conflito mais profundo (Jorgen Johansen 2005, Kumar 1975:159). 1

Tradução livre de: “There is no way in which conflicts can be prevented. Conflicts are found in systems with incompatible goals, contradictions; they arise, grow, wane, disappear, and more often so the more human beings are exposed to diverse value-systems and interact with other human beings in an increasingly inter-connected world. We shall get more conflicts than ever before for those two reasons alone. What can be prevented is not conflict but violence, that conflicts slip into a violent phase. For that reason they have to be nipped in the bud, at an early stage” (Johan Galtung 1999).

15

Assim, as relações entre as partes são mais amplas do que a fase violenta e compreendem ações anteriores e posteriores a esta fase. A essa dinâmica da relação é inerente a possibilidade de transformação, tanto em direção à violência como em direção à reconstrução pacífica de uma situação menos violenta, a depender de como ela é direcionada pelos atores envolvidos. Ou seja, além de ser um fato social, o conflito também desempenha uma função social quando carrega o embrião da mudança e, nesse sentido, não pode nem deve ser eliminado. A sua manifestação violenta, porém, pode ser controlada e gradualmente canalizada, com o objetivo não de harmonizar interesses, mas de criar mecanismos para evitar que o recurso à violência seja utilizado como método de resolução de conflitos. Autores da área de prevenção argumentam que não é invenção

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contemporânea a idéia que dá fundamentos ao conceito atual; contemporânea é a abordagem e não a idéia em si. De fato, estratégias para evitar crises e confrontos diretos estão presentes na dinâmica política de instituições tão diferentes como o Concerto de Viena, a Carta da ONU e a lógica dissuasiva da Guerra Fria (Mohammed Bedjaoui 2000:30, Lund 1996b, Ackermann 2003:340). Tais mecanismos precursores da prevenção, em suas respectivas épocas, refletiam as ambições do interesse nacional e faziam parte da busca permanente de reorganizar sociedades (Bruce W. Jentlenson 2000:5). No começo dos anos 1990, o entendimento dominante sobre prevenção passa a seguir uma linha de interpretação mais restrita e tem foco original na “diplomacia preventiva”. O termo “diplomacia preventiva” é utilizado pela primeira vez em um documento oficial com a apresentação da Agenda para a Paz (1992)2, em parte como resposta à “globalização” dos conflitos armados em que a violência em determinada região causa impacto e repercussão em outras partes do mundo, com o auxílio dos meios de comunicação (Ackermann 2003:340, John Stephen Moolakkattu 2005:2). Além da discussão sobre a idéia de que o conflito é um fato social e de que é possível evitar sua manifestação violenta, deve-se mencionar ainda a história da guerra no sistema de Estados modernos. Até meados do século XX, com a

2

An Agenda for Peace - Preventive diplomacy, peacemaking and peacekeeping (A/47/277 S/24111, de 17.06.1992). Relatório do Secretário-Geral da ONU em cumprimento à declaração do Conselho de Segurança (S/23500), adotada na sessão especial de 31.01.1992, quando pela 1ª vez o Conselho se reúne com a presença de chefes de Estado e de governo.

16

formalização da Carta da ONU (1945), o recurso à força e o jus ad bellum eram formas

legítimas

de

se

resolver problemas e

conflitos

de

interesse

internacionais/interestatais, ou seja, o ato de guerrear não era “equivocado”, a não ser de um ponto de vista exclusivamente moralista (Kumar 1975:80). Isso reflete a função que se supunha ser desempenhada pela guerra – a de ser o principal mecanismo de revisão da ordem e de reconstrução do sistema internacional. A partir da Segunda Guerra Mundial, especialmente após as guerras de libertação nacional na África e na Ásia e, mais ainda, após o fim da Guerra Fria, o “padrão” do conflito armado sofreu transformações em sua natureza e em suas características. Apesar das especificidades de cada contexto social, político e econômico, a maioria dos conflitos contemporâneos compartilha determinados

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aspectos, sobretudo quanto à natureza intraestatal, e são também denominados de guerras do 3º tipo (Kalevi J. Holsti 1996), ou novas guerras (Mary Kaldor 1999). Os dois argumentos acima podem ser articulados da seguinte maneira: (i)

De acordo com o primeiro argumento, o conflito é inerente às relações sociais e pode ser canalizado por meio não-violentos;

(ii)

De acordo com o segundo argumento, a violência pode ser empregada como instrumento de pressão e de mudança;

(iii)

A articulação de ambos os argumentos leva à conclusão de que é preciso alterar o instrumento por meio da qual a mudança pode ser realizada (Kumar 1975:157).

Por outras palavras, a possibilidade de mudar não é negada a indivíduos ou a grupos, mas tal mudança tem alternativas não-violentas para serem exploradas. Pelo menos em tese, é possível verificar qual o objetivo a ser alcançado com a mudança e criar formas de alcançá-lo que substituam a função desempenhada pela violência enquanto solução de conflitos de interesses (Luc van de Goor e Suzanne Verstegen 2003:275; Kumar 1975:122). A tese pretende revelar a existência de alternativas à violenta como solução para conflitos de interesse e também os obstáculos para sua implementação. Nesse sentido, a demanda normativa contida no discurso da prevenção é repetida em uníssono por acadêmicos e profissionais que acreditam na idéia e promovem-na entre seus pares. Paradoxalmente, é essa pluralidade de vozes e de definições voltadas para uma mesma direção – a de que é desejável evitar a violência – que denuncia a falta de diálogo e de consenso entre conceitos

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supostamente básicos relacionados à prevenção, tais como o seu objeto, além de outras lacunas elencadas no Capítulo 1. No que se refere precisamente ao objeto, alguns defendem a prevenção de conflitos armados, outros tratam da prevenção de guerras, e outros, ainda, preferem a prevenção de conflitos violentos ou conflitos letais, com diferentes definições para cada conceito, o que exige um rápido esclarecimento de cada um e também da posição adotada nesta tese. A definição de conflito armado mais utilizada por autores que se identificam com esta percepção foi cunhada por Peter Wallensteen e Margareta Sollenberg (2001): o conflito armado é uma incompatibilidade sobre governabilidade e/ou território, em que há o uso da força armada entre duas partes (pelo menos uma delas deve ser governo de um Estado) e que disso resultem pelo menos 25 mortes

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relacionadas ao combate. O Uppsala Conflict Data Program, da Universidade de Uppsala, na Suécia, produz dados sobre conflitos armados importantes (major armed conflicts) desde 1988 e sua definição substancial é a mesma de Wallensteen e Sollenberg, mas com um aumento significativo no número de mortes em combate por ano: de 25, característica do simples conflito armado, passa-se para 1.000, como característica do grande conflito armado. Nem todos os autores exigem um número mínimo de mortos para sua classificação, e Hugh Miall, entre outros, define conflito armado de maneira mais ampla, como um conflito em que ambas as partes recorram ao uso da força (Miall et alli 1999:20). No que se refere ao termo guerra, são bastante variadas as abordagens utilizadas, a depender da área do conhecimento. Na área da política internacional, mais precisamente no que se refere à prevenção, diversos autores preferem identificar o sucesso ou o fracasso das medidas preventivas a partir do número de 1.000 mortes em combate por ano, como idealizado originalmente por J. David Singer, no projeto Correlates of War (1994). Vê-se que o mesmo elemento quantitativo significa guerra para uns e conflito armado importante para outros. Tal base numérica é igualmente empregada por economistas preocupados com a recorrência de guerras civis, a exemplo de Paul Collier (Paul Collier 2000:5). Vale ratificar que essa preferência também existe entre os autores e os projetos que buscam lidar com a prevenção de guerras. Ou seja, a definição de 1.000 mortes em combate por ano facilita a comparação de casos para fins estatísticos, apesar de não ser uma definição enriquecedora e de não questionar as diferentes causas e

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a dinâmica inerente a um fenômeno interpretado e definido por uma pluralidade de abordagens. A principal definição de conflito violento, por sua vez, inclui a possibilidade de apenas uma das partes recorrer à violência, como nos casos de massacres contra civis desarmados (Miall et alli 1999:21) ou de genocídio (Christian P. Scherrer 2002). Para Miall ou Scherrer, não se exige que uma das partes seja o governo de um Estado, como acontece na definição de conflito armado de Wallensteen e Sollenberg. O conflito letal, ou deadly conflict, termo utilizado por Zartman e pela Carnegie Commission, entre outros, refere-se a uma situação em que incompatibilidades políticas tornam-se violentas e resultam em mortes ou graves ferimentos (I. William Zartman 2005:6).

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O foco desta tese está na prevenção da violência em larga escala, seja ela tecnicamente considerada um conflito violento, um conflito armado, uma guerra ou congênere. Mais especificamente, adota-se a definição de Michael Lund (2004:122), segundo a qual a prevenção de conflitos violentos inclui quaisquer medidas estruturais ou operacionais3 que sejam adotadas em tensões intraestatais ou interestatais com o objetivo de (i) evitar que a disputa entre em uma fase de violência significativa; (ii) fortalecer a capacidade das partes de um potencial conflito violento em resolver suas disputas de maneira pacífica, ou seja, criar ou reformar espaços de discussão e mecanismos de resolução pacífica de controvérsias; e (iii) reduzir de maneira progressiva os problemas subjacentes que possam gerar tensões ou disputas, isto é, procurar maneiras de aliviar as causas estruturais das divergências que podem se tornar violentas. Ao utilizar a definição de Lund, a tese coloca o foco na primeira palavra da expressão, prevenção, como se não diferissem os termos inseridos em seguida. Por essa razão, apesar de reconhecer e destacar os esforços dos autores em estabelecer as distinções entre os termos, o objetivo da tese é o de lidar com a violência em massa, que é um aspecto comum a todas as definições, e é por isso que são consideradas quase intercambiáveis. Esta violência em massa não é dada: ela resulta de um processo e, por isso, não ocorre sem aviso prévio. Assim, a violência visível, aí incluída a violência em 3 Há duas estratégias de prevenção, a prevenção estrutural e a prevenção operacional, com objetivos de lidar, respectivamente, com elementos relacionados à origem do conflito de interesses e com elementos catalisadores da violência (ver o Capítulo 1).

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massa, representaria a ponta aparente de um iceberg cujas origens são latentes ou podem não ser evidentes. Nesse sentido, é relevante utilizar na tese uma categorização criada por Johan Galtung que trata de três aspectos da violência, com diferentes graus de manifestação: a violência direta, a violência estrutural e a violência cultural. A violência direta é um evento ou uma situação de violência física, ou a parte aparente do iceberg. A violência estrutural ou indireta é um processo que se manifesta geralmente sob a forma da repressão ou exploração e está presente na estrutura social existente entre indivíduos, grupos e Estados. A violência cultural, por sua vez, manifesta-se de maneira mais constante e subliminar, vez que implica no discurso que justifica e legitima a lógica por trás da violência estrutural e da violência direta (Johan Galtung 1998:2/196/199)4.

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Vale acrescentar ainda que os três tipos de violência estão conectados, de maneira geral, em um “ciclo vicioso” cuja origem pode ser qualquer uma das três violências (Galtung 1998:200-201). Tais conceitos de violência direta, estrutural e cultural serão retomados ao longo da tese. Se o principal objetivo da prevenção é impedir a manifestação da violência direta, sobretudo da violência em massa, e se tal manifestação não é dada mas sim decorre de um processo que segue do “conflito latente” ao “conflito aberto” no chamado “ciclo do conflito” (Lund 1996b:38, Miall et alli. 2005:12-13), então é possível aferir que há uma série de etapas do conflito a serem administradas com outra série de medidas de prevenção. Esta abordagem também é adotada na resolução de conflitos e na administração de crises, não sendo portanto exclusiva da prevenção, e a partir da noção deste processo pode-se falar na escalada da violência (Miall et alli. 2005:13/16, Janie Leatherman, William DeMars, Patrick D. Gaffney e Raimo Väyrynen 1999:74-75). Tal escalada da violência é analisada em dois eixos, vertical e horizontal: a escalada vertical envolve o aumento na intensidade da disputa em relação ao comportamento e aos meios utilizados pelas partes, enquanto a escalada horizontal significa a disseminação geográfica dos objetivos do conflito, trazendo novos atores para compor a dinâmica do conflito

4 Os conceitos de violência direta e estrutural de Johan Galtung têm inspiração na ascensão dos movimentos pacifistas e anti-nucleares, sendo publicados em “Violence, Peace, and Peace Research”, Journal of Peace Research vol. 6, n. 3 (1969); pp. 167-191. A violência cultural é inserida no debate em 1990 com o artigo “Cultural Violence”, Journal of Peace Research, vol. 27, n. 3, pp. 291-305. Desde então, as expressões são utilizadas por profissionais e por acadêmicos, mantendo-se sua definição original (Emma Stewart 2003:6, Cordula Reimann 2001:9).

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(Leatherman et alli 1999:75-76, Raimo Väyrynen 2000:13 e 2003:47-48)5. Algumas situações de escalada e desescalada serão identificadas ao longo da tese, sobretudo no Capítulo 5, que trata dos estudos de caso. Um elemento relevante para frear ou estimular uma situação de escalada é a liderança doméstica. Este é também um fator extremamente importante para frear ou permitir a própria participação internacional em um contexto de violência doméstica (como é o dos casos em análise). Ainda assim, apesar de reconhecer o impacto de tal elemento na ação preventiva e, sobretudo, na eficácia da ação preventiva, trata-se de uma variável que está além do que se propõe esta tese. A contribuição desta restringe-se à mobilização de atores internacionais em relação à prevenção, tanto no âmbito do discurso como no âmbito da prática, e a análise

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de sua atuação em dois estudos de caso, o que já é um amplo objeto. Atualmente, na política internacional contemporânea há uma grande gama de atores que vai além dos Estados propriamente ditos: são 60 mil empresas multinacionais (Shell, Coca Cola, Ford, Microsoft, etc.), 250 organizações intergovernamentais (ONU, OTAN, União Européia, Organização Internacional do Café, etc.) e 5.800 ONGs internacionais (Cruz Vermelha, Anistia Internacional, etc.)6. Assim, a proposta deste trabalho é demonstrar, mais em extensão que em profundidade, de que maneira alguns desses variados atores se envolveram com esforços de prevenção no sul da ex-Iugoslávia na década de 1990 e quais as dificuldades encontradas durante o processo.

Objetivos e estrutura da tese Esta tese tem um objetivo geral que se subdivide em dois objetivos específicos.

Como

objetivo

geral,

pretende-se

compreender

o

papel

desempenhado por atores internacionais na prevenção de conflitos, ainda que domésticos. Os objetivos mais específicos são o de observar a participação de tais atores na consolidação do conceito de prevenção e o de verificar a influência que

5 Raimo Väyrynen desenvolve um conceito amplo de prevenção, que abrange três fases: (i) a prevenção de conflitos propriamente dita, que impede a ocorrência da violência; (ii) a prevenção da escalada vertical e/ou horizontal; e (iii) a prevenção pós-conflito, que engloba os esforços relacionados à reconstrução da paz e impede o ressurgimento da violência (Väyrynen 2000/2003). Como já mencionado, tal tipo de conceito é amplo demais e não será utilizado nesse trabalho. 6 Peter Willetts 2001.

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seu envolvimento pode ter na eficácia de um processo de prevenção na prática. A literatura de prevenção de conflitos violentos que trata da eficácia ressalta que as chances de sucesso da ação preventiva tendem a aumentar quando a prevenção é estrutural – lida com as causas do conflito de interesses – e quando a abordagem é multissetorial - envolve diferentes atores, estatais e não-estatais (Lund 1996b:169 e 2004:123, International Commission on Intervention and State Sovereignty ICISS - 2001b:37/43, Cordula Reimann 2001:6, Miall et alli 2005:109). No entanto, a pesquisa realizada demonstra que, antes de se falar na eficácia da ação preventiva, deve-se verificar a existência do que se convencionou chamar de condicionantes da ação preventiva, que são fatores que limitam ou favorecem o envolvimento de atores internacionais na prevenção de conflitos violentos. Nesse

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sentido, tais condicionantes da ação apresentam-se como uma das principais contribuições da tese. Argumenta-se que a ação preventiva internacional está condicionada a três elementos: (i) a construção e clarificação de um conceito de prevenção; (ii) a criação de mecanismos que visam à implementação de tal conceito; e (iii) a interpretação do contexto local como sendo passível de interferência internacional com objetivos preventivos7. Foram escolhidos dois casos aparentemente semelhantes, mas com resultados diferentes, para verificar de que maneira o envolvimento de atores internacionais foram limitados ou favorecidos por tais condicionantes. Para verificar tal questão, o primeiro passo envolve o mapeamento do universo de atores (e autores) envolvidos na consolidação do conceito contemporâneo de prevenção de conflitos. Em seguida, verificam-se quais desses atores, já envolvidos com a retórica, buscaram institucionalizar o discurso de prevenção a partir da modificação de sua estrutura, criando ou adaptando mecanismos que viabilizassem a implementação de um conceito em construção. O passo seguinte oferece uma ligação entre a teoria e a prática, vez que envolve a interpretação da situação concreta feita por tais atores, no sentido de ela ser enquadrada, ou não, naquilo que vem sendo construído como o “tipo de violência a ser evitada”. Por fim, foram selecionados dois casos aparentemente semelhantes, 7 Não se verifica na pesquisa a vontade política como uma das condicionantes da ação vez que ela é necessária, embora não suficiente, para motivar qualquer ação política internacional, não sendo peculiar da prevenção.

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com resultados diferentes, em um mesmo período de tempo (década de 1990, ou de 1989 a 2001), localizados no sul da ex-Iugoslávia: os casos do Kosovo e da Macedônia. Em cada caso foram identificadas três crises durante o período escolhido, que podem ser consideradas “janelas de oportunidade” para o maior envolvimento de atores internacionais. A análise detalhada da história e das crises da década de 1990 demonstra que os casos, em si, não são semelhantes em termos formais, mas sim em termos substanciais, isto é, a forma de organização política formal é diferente nos casos, mas a composição multiétnica e as demandas por mais inclusão de atores domésticos são inicialmente semelhantes. A tese pretende demonstrar que a diferença do aspecto formal, manifestada pela presença ou ausência de soberania,

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juntamente com a conseqüente interpretação do contexto por atores internacionais, fizeram com que esses atores aproveitassem mais, ou menos, algumas oportunidades de envolvimento na prevenção da violência, o que teve impacto nas chances de eficácia do processo preventivo em cada caso. Em termos de estrutura, a tese está dividida em duas partes. A Parte I visa a apresentar as discussões sobre a evolução do conceito de prevenção e as tentativas de implementação da retórica por parte de atores internacionais, lidando portanto com as duas primeiras condicionantes da ação preventiva: a construção do conceito e a adaptação institucional. Na Parte II, há a inserção de um elemento empírico no debate, com a descrição do contexto regional da Iugoslávia à luz dos acontecimentos do Kosovo e da Macedônia e, depois, com a apresentação da resposta internacional às crises ali ocorridas nos anos 1990. Assim, na Parte II, tem-se a análise da terceira condicionante da ação preventiva - a interpretação do contexto como sendo passível de prevenção – para concluir com o capítulo específico sobre as seis crises nos casos em análise. Mais especificamente, o Capítulo 1 tem por objetivo o de delinear a evolução do conceito de prevenção de conflitos bem como as limitações inerentes a esse processo. A discussão de prevenção tem início durante a Guerra Fria mas seu conceito atual ganha robustez somente após a quebra do padrão bipolar. O debate atual é então iniciado por atores políticos no âmbito da ONU e começa a ser inserido em alguns ciclos acadêmicos de relações internacionais. A substancial alteração na natureza da maioria dos conflitos contemporâneos revela-se como um fator essencial para a mudança também na percepção de como evitar a sua

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manifestação violenta, causando um forte impacto na discussão e, sobretudo, na tentativa de consolidação do conceito. Apesar do avanço na discussão, é evidente a ausência de clarificação conceitual, o que dificulta o diálogo entre os autores da área e torna problemática a própria construção do conhecimento. O Capítulo 2 apresenta exemplos proeminentes de atores internacionais de prevenção – ou preventores internacionais - que desenvolveram um conceito de prevenção, na tentativa de demonstrar não apenas as diferenças entre as definições, mas também a própria evolução do conceito nos últimos 15 anos. O Capítulo 3, por sua vez, trata das tentativas de implementação do discurso de prevenção entre esses mesmos preventores internacionais. A dificuldade de criar instrumentos ou mecanismos voltados para institucionalização do discurso reflete,

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em parte, a ausência de consenso em relação ao conceito de prevenção. Por um lado, se não se sabe exatamente o que é prevenção, que tipo de situação deve ser evitada e como isso pode ser feito, então torna-se complexa e pouco atraente a possibilidade de desenvolver centros, órgãos, fundos e outros mecanismos especialmente voltados para a implementação de um conceito maleável. Por outro lado, tal maleabilidade permitiu que diferentes atores, na tese exemplificados pelas organizações internacionais, desenvolvessem conceitos próprios e mecanismos também bastante específicos sobre prevenção. Este capítulo, comparado ao Capítulo 2, deixa claro que o número de atores que sustenta a retórica de prevenção é maior do que aqueles que efetivamente mobilizam esforços para implementá-la. O Capítulo 4, já na Parte II, está subdivido em três seções. Pretende-se com ele construir uma narrativa da história recente da Iugoslávia, à luz de acontecimentos que tiveram repercussão na história específica do Kosovo e da Macedônia. Após apresentar o contexto iugoslavo, busca-se também conferir destaque às interpretações que atores políticos internacionais fizeram desse contexto durante as crises dos anos 1990, o que exerce indubitável influência no tipo e no timing das respostas a cada crise. Por fim, o Capítulo 5 identifica três crises ocorridas no Kosovo e na Macedônia durante o período de 1989-2001, chamado por conveniência de década de 1990. As crises nos casos são interpretadas como janelas de oportunidade para a interferência de atores internacionais, abrindo-se como possibilidades de ação em direção à escalada ou desescalada da violência em uma situação de conflitos

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de interesse. A tese não tem por objetivo o de comparar os casos do Kosovo e da Macedônia, mas sim de relacioná-los. Comparáveis são os papéis desempenhados por diferentes atores internacionais na mesma época (1989-2001) e na mesma região (sul da ex-Iugoslávia). São respostas diferentes, influenciadas pela história e pela política doméstica dominante na época da crise. As três crises identificadas no Kosovo ocorrem em 1989-1992, em 19971998 e em 1999. O período entre-crises também será inserido na análise sempre que for relevante para o argumento sobre o papel de atores internacionais na prevenção. A maior parte da literatura ocidental que estuda o caso do Kosovo escolhe o recorte temporal da época dos bombardeios da OTAN (de março a junho de 1999), ou da reconstrução pós-violência (Besnik Pula 2004:797). Este,

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porém, é um trabalho que privilegia a prevenção, o que torna diferentes tanto o recorte temporal como a abordagem utilizada. Exatamente por se tratar de um trabalho sobre o papel de atores internacionais na prevenção da violência, conferese especial destaque ao movimento de resistência pacífica organizado por kosovares albaneses durante cerca de 9 anos, que contou com a baixa participação de atores internacionais de segurança. As discussões internacionais na época mantinham-se no nível das violações de direitos humanos, não procurando identificar a causa política essencial ao conflito de interesses do Kosovo: a busca pela auto-determinação. A omissão de tais atores nessa fase, e também na crise do pós-Dayton, descarta a possibilidade de emprego de medidas de prevenção estrutural, o que diminui desde então as chances de eficácia de outras medidas preventivas adotadas só na iminência da crise mais grave, em 1998. O caso da Macedônia tem elementos diferentes e, portanto, a resposta de atores internacionais também é diferente. As três crises analisadas ocorrem em 1992/1993, 1999 e 2001. É possível identificar a presença de atores internacionais de segurança desde a primeira crise da Macedônia, dentre os quais se destaca o papel desempenhado pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e o da missão de paz preventiva da ONU (UNPROFOR/UNPREDEP). Outros atores também foram essenciais para criar um contexto favorável à prevenção da violência em massa no país, o que também será analisado no Capítulo 5. Embora as duas últimas crises da Macedônia estejam vinculadas à última crise do Kosovo, todas essencialmente domésticas, e embora as demandas de macedônios albaneses fossem semelhantes às de seus pares kosovares – a

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busca por mais autonomia –, o ingresso de atores internacionais na situação de conflito e os meios por eles empregados foram diferentes do ocorrido no Kosovo. A parte referente à Macedônia também pretende confrontar o argumento de alguns autores de prevenção de que não se pode falar em sucesso do caso macedônio depois da última crise, em 2001, onde teria eclodido uma guerra segundo uns, e um conflito armado segundo outros (Emeric Rogier 2001, John Phillips 2004, Lund 2005). A análise da crise demonstra que a violência foi territorializada, confinada a cidades próximas à fronteira com o Kosovo, não tendo alcançado a capital macedônia, Skopje. Estatísticas da crise também demonstram que, em 2001 (ver Tabelas 1, 2, 3 e 4, em anexo), o número de mortes não ultrapassou a marca dos 1.000, durante os seis meses em que durou a

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tensão. Ora, no município do Rio de Janeiro, só no ano de 2002, houve 3.231 homicídios, tal como a estatística oficial publicada recentemente pelos Ministérios da Saúde e da Justiça brasileiros8. Nem todas as mortes têm relação com a disputa ou “combate” entre as facções de droga, ou entre essas e a polícia militar, mas o senso comum indica que maioria dos confrontos desta cidade é igualmente territorializada, tal como foi na Macedônia, e que o número de homicídios na situação específica da capital fluminense ultrapassa a barreira dos 1.000 mortos por ano. Pergunta-se: isso é suficiente para afirmar que há uma guerra na cidade? A contrario sensu, questiona-se se os números e a análise da crise da Macedônia de 2001 são suficientes para afirmar que não houve sucesso, ainda que parcial, na implementação das medidas de prevenção, iniciadas em 1992, naquele país. Pelo exposto, pretende-se argumentar que os atores internacionais têm um papel a desempenhar na prevenção da violência em massa, ainda que ela ocorra dentro de territórios de Estados soberanos. Sendo esse o caso da maioria dos conflitos contemporâneos, não se pode mais ignorar o problema, que deve ser seriamente enfrentado pela academia e pelos profissionais interessados na prevenção de conflitos violentos.

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Ministério da Saúde. Regiões Metropolitanas do Brasil. Região Metropolitana do Rio de Janeiro – distribuição do número de vítimas de homicídios registrados pelo Ministério da Saúde nos Municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, entre 1998 e 2002. Disponível em: . Acesso em: 10/03/2007.

Parte I

A Parte I tem o objetivo de apresentar duas dimensões do conceito de prevenção: o discurso e a prática. No Capítulo 1, pretende-se demonstrar como tem se desenvolvido o processo de consolidação do conceito entre profissionais e acadêmicos. Com o Capítulo 2, busca-se oferecer diferentes exemplos de preventores internacionais que, nos últimos 15 anos, se apropriaram do conceito de prevenção em seus discursos e, dessa forma, contribuíram para a produção do

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conhecimento sobre prevenção. No Capítulo 3, ainda na Parte I, fica evidente a dificuldade de se modificar a estrutura organizacional de tais atores, de modo a incorporar o discurso e a facilitar sua implementação. Ainda assim, é possível encontrar diversos exemplos de atores internacionais que tenham obtido um certo grau de sucesso na adaptação de seu desenho institucional, com a criação de fundos, centros de pesquisa, equipes especializadas, etc., voltados para a interpretação de “prevenção” predominante no discurso daquele ator. Inicia-se o Capítulo 1 com a evolução do conceito realista de “gestão de crises”, passa-se por suas releituras acadêmicas das décadas de 1960 e 1970, alcança-se o conceito de “prevenção de conflitos” do início dos anos 1990 para, então, concluir com a modificação do conceito ao longo da década de 1990. É relevante notar que, atualmente, há pouco consenso entre o que tem sido produzido sobre prevenção tanto na academia como entre profissionais. Os autores tendem a concordar com a idéia de que “prevenir é melhor do que remediar” e, em termos conceituais, identifica-se uma direção mais ou menos comum somente em relação ao potencial da prevenção estrutural e multissetorial para aumentar as chances de sucesso das medidas preventivas. Como deverá ficar claro ao final dos Capítulos 1 e 2, não parece haver um consenso em relação ao termo empregado para abordar o assunto e, menos ainda, em relação ao tipo de fenômeno da realidade sócio-política que tem sido denominado de “prevenção”. A falta de consenso e, às vezes de diálogo, dificulta a implementação do discurso na prática, sendo este o objeto do Capítulo 3.

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No Capítulo 3, faz-se uma análise – mais em extensão, menos em profundidade – dos atores internacionais que tiveram suas estruturas alteradas com a finalidade de incorporar o discurso de prevenção entre os seus objetivos, procedimentos e regras. Ao longo da década de 1990, foram poucos os atores que tiveram seu desenho institucional efetivamente modificado pelo discurso de prevenção. Entre os que sofreram alguma modificação, são variados os graus de alteração e a tentativa de homogeneizá-los em categorias rígidas não auxiliaria a compreensão da riqueza do tópico analisado. Com isso, preferiu-se estruturar o capítulo a partir dos mais proeminentes exemplos de mudanças institucionais, dando-se destaque à existência de mecanismos criados ou alterados no âmbito de

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tais atores com a finalidade específica de lidar com a prevenção.

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1 Prevenção de conflitos: um conceito em consolidação

“— Quando eu uso uma palavra – disse Humpty Dumpty num tom escarninho – ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique ... nem mais nem menos. — A questão – ponderou Alice – é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes. — A questão – replicou Humpty Dumpty – é saber quem é que manda. É só isso” (grifos no original).

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(Lewis Carroll, Alice Através do Espelho, Cap. 6. Editoras Fontana/Summus, 1977 - original de 1872)

1.1 O atual conceito de prevenção O conceito de “prevenção de crises”, e não propriamente o de “prevenção de conflitos”, é debatido com mais afinco por acadêmicos de relações internacionais e ciências afins a partir da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, por causa da Guerra Fria, as principais discussões envolviam estratégias e elementos caros aos realistas, em que os mecanismos eram menos de prevenção, e mais de manutenção do status quo, incluindo alternadamente o equilíbrio de poder e a distensão como formas de administrar o sistema internacional e manter a situação de não-guerra. O objetivo maior era o de evitar que tais crises se transformassem em confronto direto entre as superpotências, fosse com armas convencionais, fosse com armas nucleares (Emma Stewart 2003:3-4). A violência internacional não-nuclear era essencialmente interestatal e as dimensões intelectual e política estiveram dominadas pela percepção de que o confronto armado seguia uma dinâmica própria, e de que seu início era praticamente inevitável. No que se refere à questão nuclear, os acadêmicos da época debatiam meios de reduzir o número de armamentos e sugeriam maneiras de se aumentar o contato, a troca de informação e, consequentemente, o nível de confiança entre as superpotências para, com isso, minimizar a ameaça nuclear (Carnegie

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Commission on Preventing Deadly Conflict – CCPDC 1997:119). O argumento dominante era o de que a guerra nuclear, sim, deveria ser evitada porque o armamento atômico simplifica as estimativas dos resultados devido às especulações sobre a enormidade da destruição (Fred Charles Iklé 1991:107). Nesse contexto de gestão de crises, a expressão “diplomacia preventiva” começa a ser empregada oficialmente em 1960, pelo então secretário-geral da ONU, Dag Hammarskjöld, na tentativa de justificar o papel das Nações Unidas em um mundo de superpotências. Segundo ele, em discurso na Assembléia Geral, a diplomacia preventiva seria adotada pela ONU e seus representantes para administrar crises localizadas, de maneira a evitar que novos conflitos se transformassem em proxy wars1 pelas duas superpotências. Por outras palavras, a

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preocupação com a prevenção alcança o nível governamental, mas se mantém limitada a operações de curto prazo e curto alcance. Também na década 1960 recebe maior destaque na academia o campo de estudo relacionado aos estudos sobre guerra e paz. Os fenômenos e as discussões que se resumiam a “gestão de crises” passam a incorporar elementos de prevenção a partir do aparente sucesso em lidar com a crise dos mísseis de Cuba (1962) e, sobretudo, após o estabelecimento da détente, quando as superpotências optam por estabelecer uma relação de conveniente cooperação devido à necessidade de coexistência. Assim, a nova abordagem relacionada à “prevenção de crises” envolve um prazo mais longo que a simples atenção durante ou na iminência de uma crise, mas os instrumentos não são aprofundados uma vez que não visam a lidar com a causa do problema. A onda de estudos e publicações do pós-Segunda Guerra Mundial traz à baila pesquisadores como Quincy Wright, Lewis Richardson e Kenneth Boulding, cujos argumentos rejeitam a idéia de prevenção de guerra via dissuasão e corrida armamentista e, em seu lugar, defendem a prevenção por meio da informação, da criação de mecanismos e sistemas globais de aviso prévio e da reorganização das relações internacionais (Stewart 2003:5, Miall et alli 2005:42-43/95). A pesquisa para a paz defende argumentos semelhantes aos da pesquisa sobre conflitos, e seu processo de institucionalização tem início em 1960, quando 1 As proxy wars envolvem a utilização de terceiros como substitutos e/ou aliados de partes mais poderosas. Durante a Guerra Fria, as superpotências apoiavam e manipulavam a agenda de partes locais e, assim, não provocavam o confronto direto, o que poderia levar à guerra total.

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Johan Galtung propõe a criação do Peace Research Institute of Oslo (PRIO)2 dentro da Universidade de Oslo, Noruega. Na mesma época, são criadas instituições similares, para o estudo da guerra e/ou da paz, nas universidades inglesas de Lancaster e Bradford, e em universidades norte-americanas, como as de Nova Iorque e Michigan (Ian M. Harris, Larry J. Fisk e Carol Rank 1998). São produzidas e disseminadas na Europa e nos Estados Unidos idéias que tornam mais ampla a análise dos conflitos, incluindo no debate questões relacionadas a direitos humanos e a justiça, no mesmo tom dos movimentos pacifistas e antinucleares dos anos 1970 e 1980 (Stewart 2003:6). O fim da Guerra Fria e a redução da ameaça nuclear – que se mostrou temporária – contribuem para a criação de um contexto favorável à prevenção no

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início dos anos 1990, com os seguintes elementos: (i) o descongelamento do Conselho de Segurança e o otimismo em relação à ação coletiva; (ii) o avanço dos meios de comunicação e da tecnologia da informação; e (iii) o fortalecimento da opinião pública e a decorrente pressão político-normativa exercida por entidades não-governamentais nacionais e internacionais (ICISS 2001b:29, Stewart 2003:6, Elizabeth Cousens 2004:103). A urgência e o desejo moral de evitar a violência em massa são inseridas na agenda da única organização que se pretende universal (ONU) e de certas organizações regionais de segurança. Ainda no início da década de 1990, com o objetivo de sofisticar o conhecimento produzido, o conceito foi incluído em alguns círculos acadêmicos de relações internacionais que analisavam estratégias debatidas por profissionais (John Stephen Moolakkattu 2005:1, Marianne de Kwaasteniet 1999:5). É assim que no imediato pós-Guerra Fria o conceito ganha novo interesse e nova roupagem graças às organizações intergovernamentais e nãogovernamentais. O documento-chave para essa nova abordagem é a Agenda para a Paz, de 1992, do Secretário-Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, elaborado a partir da demanda do Conselho de Segurança. Na Europa, a liderança é exercida pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que é institucionalizada e tem seus objetivos expandidos no início da década de 1990 para se tornar a principal organização européia de prevenção. Ao longo dos anos,

2

Hoje, denominado International Peace Research Institute, Oslo (www.prio.no).

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o discurso da prevenção alcança organizações regionais e não-governamentais, como se pretende demonstrar com detalhes nos próximos capítulos. Na agenda acadêmica de segurança, o assunto só é discutido com afinco depois da Agenda para a Paz, mas seu debate nos termos contemporâneos tem início em abril/1989, quando o acadêmico e profissional John Burton enfatiza a necessidade de se voltar para a prevenção, o que significaria remover as causas e promover as condições que eliminem o contexto de um conflito violento. Burton também dá início ao questionamento sobre a utilização da palavra prevenção, que não seria a mais adequada para designar o fenômeno devido à forte relação semântica, política e normativa com a contenção e gestão de crises por meio da deterrência e da coerção (John Burton 1989:2).

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A ausência de uma palavra apropriada também preocupa autores como Johan Galtung, para quem a expressão “prevenção de conflitos” é tradicional do sistema de Estados modernos (Galtung 1999). A necessidade de encontrar uma palavra ou expressão que refletisse a dinâmica das medidas designadas a evitar a complexa violência contemporânea gerou a reinterpretação de conceitos já explorados durante a Guerra Fria, como a diplomacia preventiva, além da utilização de neologismos – como segurança preventiva (Peter Wallensteen 1998:9), transformação de conflitos (John Paul Lederach 1995, Cordula Reimann 2001) e expressões de difícil tradução como conflict provention (Burton 1989) e preventive statecraft (Bruce W. Jentleson 2003). A despeito das credenciais dos autores e de sua “autoridade no assunto”, tais adaptações praticamente não foram incorporadas por outros autores, o que contribui para a falta de diálogo e de consenso sobre não apenas a palavra a ser utilizada, mas também sobre a definição de prevenção e a conseqüente dificuldade em fazer com que um conceito contestado seja politicamente implementável e analiticamente viável (Stephen John Stedman 1995). Ou seja, se por um lado a proliferação de publicações sobre o tema na década de 1990 reflete a diversidade e auxilia a sistematização do conhecimento produzido por profissionais, por outro lado, as palavras empregadas dificilmente eram as mesmas, o que levou e ainda leva a imprecisões no debate e a errôneas interpretações por parte dos tomadores de decisão (Stewart 2003:14). A despeito da imprecisão das palavras empregadas e de suas definições, três aspectos da prevenção parecem estar perto do consenso:

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(i) o debate sobre a necessidade de impedir a violência em massa, que é justamente o argumento central da idéia de prevenção; (ii) a partir da publicação do Relatório da Carnegie Commission on Preventing Deadly Conflicts, em 1997, também caminha para o consenso a distinção entre duas estratégias de prevenção, designadas pela Comissão de prevenção estrutural e prevenção operacional (Capítulo 1, item 1.3); e (iii) a abordagem multissetorial do problema, devido à abundância de causas e a conseqüente exigência de variados instrumentos para lidar com a complexa dinâmica da violência contemporânea (Capítulos 2 e 3). Aspectos relacionados aos dois últimos elementos são levantados por

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autores preocupados com a eficácia da ação preventiva: afirma-se que as chances de sucesso da ação são maiores quando a prevenção é estrutural e multissetorial – premissa também adotada nesta tese (Lund 1996:169 e 2004:123, ICISS 2001:37/43, Reimann 2001:6, Miall et alli 2005:109). O ponto será retomado mais adiante. Em suma, pode-se argumentar que os elementos consensuais no debate atual envolvem a estratégia de prevenção (prevenção estrutural e operacional), de maneira a considerar também medidas de longo prazo, e o sujeito da prevenção (abordagem multissetorial), com demandas de autores renomados pela inclusão de outros preventores não restritos à alta política (ICISS 2001b:37). As questões mais contestadas, por sua vez, dizem respeito ao objeto da prevenção (item 1.2). No que se refere às publicações sobre prevenção no pós-Guerra Fria, apesar das diferenças substanciais entre acadêmicos e profissionais, nem sempre é possível identificar o que é produzido pela academia e o que é publicado por profissionais. De fato, os principais estudiosos da área lidam com elementos provenientes tanto da dimensão acadêmica como também da prática e, por conseqüência, rechaçam as tentativas de serem enquadrados em uma classificação específica, seja como acadêmicos ou como practitioners, sob o argumento de que o trabalho produzido não se encaixaria em uma única dimensão (Reimann 2001:1). Vale ainda ressaltar que, embora na década de 1990 o conceito de prevenção tenha recebido mais atenção de intelectuais e de profissionais, a quantidade de publicações nesse período não foi linear devido a acontecimentos políticos na esfera internacional: em meados da década de 1990, por exemplo, não

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há tantas publicações sobre o tema como no início e no fim da mesma década. Os fracassos em evitar o genocídio em Ruanda (1994) e a limpeza étnica na Bósnia (1995), apesar dos avisos de que a violência indiscriminada era iminente, juntamente com a intervenção humanitária da OTAN no Kosovo (1999), cujo caráter humanitário foi questionado por alguns autores, contribuíram para uma nova onda de publicações a partir de 1999 (Stewart 2003:7), seguida de temporária suspensão em 2001/20023. Pamela Aall, por exemplo, afirma que no imediato pós-11 de setembro, as dificuldades já existentes quanto ao discurso e à implementação são potencializadas pela luta contra o terror, em um contexto onde “não se fala mais em prevenção de conflitos”. Por isso, continua Aall, atores internacionais até então envolvidos com a prevenção estariam voltando a ser

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reativos ao conflito violento (Pamella Aall 2004). De qualquer maneira, não se pode deixar de destacar o novo aumento do número de publicações nos últimos cinco anos, a partir de 2003, sinalizando que o conceito continua em discussão. A criação e a reforma de mecanismos preventivos em organizações internacionais a partir de 2001, como é o caso da União Européia, também evidenciam que o debate não terminou, apesar dos limites políticos, financeiros e normativos que a agenda monotemática de terrorismo impõe à eficácia das medidas de prevenção. Na área específica de segurança internacional, a maioria dos analistas dá preferência à resolução de conflitos armados, com baixa atenção à prevenção. Em relação ao que existe voltado para a resolução de conflitos, são poucos os centros de pesquisa e as universidades que se dedicam ao estudo da prevenção. Também são relativamente poucos os acadêmicos que prestam serviços de consultoria para entidades governamentais ou instituições de coleta e análise de avisos prévios (Marc Cogen 2004:231). Além da maior dedicação a temas sobre guerra/paz e sobre resolução de conflitos, aquilo que se produz sobre prevenção nem sempre é expressamente identificado como tal (Lund 2004:121). Por fim, vale ainda destacar que a maioria das publicações da área envolve estudos de caso ou reflexões ontológicas, havendo pouca análise crítica sobre o presente estado da pesquisa de prevenção (Karin Aggestam 2003:12). Pelo exposto, percebe-se que o debate da prevenção não está inserido na agenda de segurança internacional. Políticos e acadêmicos não reconhecem o 3

Essas informações foram deduzidas pela autora a partir do número de publicações (livros,

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conceito de prevenção como prioridade estratégica devido à falta de consenso em relação à terminologia e, sobretudo, em relação ao que é uma ação preventiva, também problemática já que a natureza de uma abordagem preventiva nem sempre é compatível com a estrutura do sistema internacional (Stewart 2003:8). Além disso, o conhecimento acadêmico em relação à prevenção está subexplorado, embora fosse pertinente fazê-lo por causa da capacidade analítica dos acadêmicos de decifrar as causas e a dinâmica dos conflitos contemporâneos, atreladas às teias sociais, culturais, políticas e econômicas do pós-Guerra Fria. Uma análise cuidadosa de informações políticas, dentro de pouco tempo, é essencial para a eficácia da tomada de decisão, sobretudo na área de prevenção. John Burton argumenta que a liderança política não pode se basear em previsões

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infundadas ou mal analisadas, e que, por isso, existe uma responsabilidade e um papel inquestionáveis da academia em colaborar através de sua visão crítica da realidade

(Burton

1989:12).

Elisabeth

Cousens

sustenta

haver

uma

responsabilidade social por parte da academia em desempenhar um papel mais pró-ativo na prevenção da violência, com o apoio financeiro e político de instituições regionais, a exemplo da União Européia (Cousens 2004:228). Galtung, por sua vez, sustenta que o foco apenas na resolução de conflitos armados torna problemáticos alguns “intelectuais de relações internacionais por seu papel enquanto legitimadores da violência, i.e., enquanto instrumentos da violência cultural” (Galtung 2000:869)4. Nesse sentido, vê-se que alguns acadêmicos

fazem

uma

análise

crítica

acerca

do

papel,

por

vezes

subdimensionado, que podem desempenhar na prevenção. A relevância da academia para a produção e disseminação de idéias e análises sobre as mudanças inerentes ao pós-Guerra Fria também foi ressaltada por Boutros Boutros-Ghali em sua Agenda for Democratization, de 1996: § 93: “Nesse momento de profunda mudança, a academia, incluindo universidades, institutos de pesquisa e centros de políticas públicas, tem cada vez mais relevância nas questões internacionais por colaborar em desmistificar as dimensões da mudança e por construir uma plataforma intelectual sobre a qual serão construídos os futuros esforços”5.

capítulos e artigos) sobre prevenção entre os anos de 1999 e de 2005. 4 Tradução livre de: “More problematic are IR intellectuals taking over the role as legitimizers of violence; i.e., as carriers of cultural violence” (Galtung 2000:869). 5 Tradução livre de: “At this time of profound change, academia, including universities, research institutes and public policy centres, has taken on increased importance in world affairs by

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O conceito de prevenção trespassa o debate acadêmico-profissional para alcançar também o discurso de profissionais, tanto de governos como de organizações intergovernamentais, sob orientação de acadêmicos ou não. Alguns atores governamentais começam a incluir no discurso oficial argumentos morais vinculados à prevenção de conflitos, devido à conveniência política de tal discurso e também à pressão existente por parte da sociedade civil organizada para que tais atores assumam maior responsabilidade em relação à prevenção (Cogen 2004:228). A participação de profissionais no debate sobre prevenção, apesar de ser enriquecedora devido à pluralidade de opiniões, termina por inserir diferentes abordagens e elementos a um já indefinido conceito, o que dificulta o diálogo e

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prejudica a coordenação entre atores de prevenção. Nesse sentido, a prevenção recebe o status de prioridade no discurso mas nem sempre o mesmo acontece na implementação, sendo inegável a existência de uma “lacuna entre as posições verbais e o apoio político e financeiro voltado para a prevenção”6 (Relatório Brahimi 2000). Em suma, a prevenção não é totalmente evidente na agenda de segurança por três motivos: (i) o conceito de prevenção não é amplamente enquadrado enquanto prioridade política ou estratégica (ou seja, mantém-se o debate no nível da prioridade moral), o que dificulta sua inserção na agenda de determinados círculos de acadêmicos e de políticos; (ii) o papel dos intelectuais na área de prevenção é subestimado; e (iii) há diversos limites no atual diálogo entre intelectuais e tomadores de decisão. Enquanto tais obstáculos não são superados, dificilmente o conceito conseguirá mais espaço no meio acadêmico e profissional. 1.2 O objeto da prevenção Até o fim da Guerra Fria, a idéia de evitar conflitos envolvia elementos essencialmente realistas, como a balança de poder e a dissuasão, e estava restrita à

helping to uncover the dimensions of change and to construct an intellectual platform upon which future efforts may be built” (Agenda for Democratization, A/51/761, de 20.12.1996). 6 Tradução livre de: “(...) gap between verbal postures and financial and political support for prevention” (Report of the Panel on United Nations Peace Operations, Brahimi Report, 2000, §33. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2007.

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manutenção da segurança e à sobrevivência nacional das unidades formadoras do sistema de Estados. Com o fim da lógica estática da bipolaridade, as idéias relacionadas à prevenção tomam nova forma e começam a ser readaptadas à medida que a percepção sobre a natureza dos conflitos passa por transformações substanciais. As guerras do 3º tipo ou novas guerras, chamadas de conflitos contemporâneos nesta tese, têm como sua mais recorrente característica a natureza intraestatal: nesse sentido, não se questiona a relação entre Estados, mas sim as características do próprio Estado (Kalevi J. Holsti 1996:37; ver também Mary Kaldor 1999; Ted Robert Gurr 2000; Christian P. Scherrer 2002:15). Tais conflitos, em sua maioria, não se limitam a áreas rurais ou urbanas nem se restringem ao território de um único Estado e, por causa disso, envolvem um

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número cada vez maior de civis (vítimas e opressores): estima-se que os civis representem cerca de 80-90% dos mortos (PNUD 2002:16). São geralmente conflitos de longa duração devido à ausência de objetivo militar específico, à juventude alienada, ao fácil acesso a armas e munições, à infra-estrutura doméstica comprometida e discriminatória e à dependência das elites do recurso militar para manter a legitimidade de seu governo (Eugenia Date-Bah 2003:3-5). As causas estruturais e imediatas dos conflitos contemporâneos são variadas, assim como as demandas das partes, o que já tem sido explorado pela literatura de segurança internacional (Kumar 1975:168, Lund 2004:123). Apesar de terem suas especificidades, a maioria dos conflitos contemporâneos tende a compartilhar certas causas e características que podem levar à violência, dentre as quais as mais recorrentes são as seguintes, de acordo com o relatório final da Carnegie Commission on Preventing Deadly Conflict (CCPDC 1997:29): (i) Estados fracos, falidos ou corruptos; (ii) regimes opressores ou ilegítimos; (iii) discriminação acirrada contra grupos específicos; (iv) ação política de grupos ou indivíduos com mensagens hostis; (v) heranças do colonialismo político e econômico da Guerra Fria; (vi) mudança repentina e radical na política ou na economia; (vii) escassez de recursos naturais; (viii) disponibilidade de armas e munições em grande quantidade; e (ix) rivalidades e disputas regionais.

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As questões acima mencionadas são geralmente categorizadas pela literatura como governabilidade e desenvolvimento humano, ambas sendo ressaltadas como causas profundas ou estruturais de um conflito de interesses com potencial para violência (ICISS 2001b:38, CCPDC 1997:69). Estudos de caso demonstram que a corrupção, a falta de transparência e a ausência de sistemas jurídico e legal apropriados, entre outros, são fatores relevantes para o início da violência armada. Se essas estão entre as causas estruturais da violência armada, então os instrumentos internacionais para lidar com elas têm sido cada vez mais voltados para a promoção da “boa governabilidade” enquanto aspecto central de políticas de assistência ao desenvolvimento (ICISS 2001b:38). Assim, governos e organizações internacionais, em suas políticas voltadas para o desenvolvimento de

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terceiros países, passaram a englobar não apenas medidas de assistência técnica, como tradicionalmente faziam, mas também reformas judiciais e da polícia, estímulos à descentralização, criação e/ou fortalecimento de representantes da sociedade civil, entre outras (ICISS 2001b:38). Por sua vez, certas ONGs de desenvolvimento, apolíticas por natureza, passaram a incorporar em suas atividades questões relacionadas à prevenção e à resolução de conflitos, a partir de uma abordagem conhecida por do no harm (Mary B. Anderson 1999). As críticas a essa relação sustentam que o conceito teria se tornado amplo demais e, com isso, seria inaplicável. Isso faz com que esforços de prevenção não sejam concentrados naquilo que Michael Lund chama de “essência” do conceito (Lund 1996b:35). Segundo ele, embora várias dessas condições sócio-econômicas, políticas e psicológicas sejam identificadas como causas estruturais da violência, elas não necessariamente produzem a violência, ou seja, o nexo causal nem sempre existe. Além disso, medidas voltadas à promoção de um rápido desenvolvimento sócio-econômico podem desestabilizar uma sociedade e, assim, aumentar as chances de eclosão do conflito violento. Lund também defende que certas experiências não podem ser eliminadas da vida social, tais como o conflito de interesses que surge da competitividade do mercado, da diversidade cultural ou de sentimentos nacionalistas. Nessa lógica, argumenta o autor, “o que pode e deve ser eliminado não são as fontes subjacentes do conflito, que surgem naturalmente, mas sim a perseguição de interesses divergentes por meio do uso da força ou de alguma forma de coerção” (Lund 1996b:35-36).

38

Há ainda outras críticas quanto à relação da prevenção com o desenvolvimento, que refletem as interpretações dominantes no hemisfério norte e no hemisfério sul quanto à possível arbitrariedade da intervenção e da ajuda internacional. Devido a percepções de falta de legitimidade por parte do ator internacional em relação à intervenção em nome do desenvolvimento, alguns autores sustentam que começa a haver uma realocação de recursos públicos na busca por atores mais legítimos ou, por outras palavras, parece haver um movimento em direção à privatização de atividades voltadas ao desenvolvimento (Aggestam 2003:17-18, Stewart 2003:12). O primeiro aspecto da privatização que chama a atenção é a “sub-contratação” de ONGs, por parte de governos ou de organizações

intergovernamentais,

para

a

promoção

da

assistência

ao

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desenvolvimento. Esse elemento faz com que a atividade de assistência ao desenvolvimento continue a ser pública no objetivo, mas passe a ser privada em sua forma (Aggestam 2003:17). Com isso, abre-se a possibilidade tanto para a despolitização do fenômeno da prevenção como para a politização das atividades de algumas ONGs, o que é questionável devido à relação que as ONGs passam a ter com o dinheiro público. Como conseqüência de um ou outro caso, tem-se a competição entre ONGs por financiamento, o que leva algumas à dramatização dos conflitos e à criação de mecanismos que mobilizem mais doadores para a causa, num movimento de reforçarem a sua necessidade de receber mais fundos (Aggestam 2003:18). Um segundo aspecto da privatização da prevenção via desenvolvimento envolve a substituição da ajuda econômica para países subdesenvolvidos pela promoção da economia de mercado, na presunção de que isso trará estabilidade econômica e, por conseguinte, estabilidade social e política. Emma Stewart questiona tal interpretação porque deixa nas mãos de empresas privadas a definição e a implementação de estratégias de longo prazo para situações vulneráveis (Stewart 2003:12-13). Observa-se que hoje não há códigos de ética, no nível regional ou global, que ditem a conduta e a responsabilização do setor empresarial, mas tal indício não implica necessariamente em um julgamento negativo das atividades do setor privado em prol do desenvolvimento. Voltando para a questão das causas estruturais dos conflitos atuais, a despeito dos estudos sobre a relação da violência com elementos de governabilidade e desenvolvimento, há quem diga que a principal causa dos

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conflitos contemporâneos é econômica (Paul Collier 2004; Gen. Raul Cunha 20067). Elas envolveriam a disputa por recursos essenciais escassos, o aumento do desemprego e o fracasso de políticas monetárias e fiscais que acabariam por criar ou reforçar sistemas econômicos discriminatórios contra grupos específicos (CCPDC 1997:27). Em uma análise sobre as causas dos conflitos ocorridos entre 1965 e 1999, Paul Collier conclui que o risco da ocorrência de uma guerra civil, durante esse período, esteve relacionado com condições econômicas, sobretudo com a dependência da exportação de bens primários e a porcentagem que esta taxa representa no produto interno bruto do Estado. O estudo também conclui que “as injustiças sociais, como a desigualdade, a falta de democracia e as divisões étnicas ou religiosas, não tiveram efeito sistemático no risco”. Isso ocorreria, segundo

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Collier, porque as guerras civis só têm início onde a organização dos rebeldes é viável em termos financeiros, o que envolve não apenas a mobilização de pessoas e recursos in loco mas também o tamanho e a força da diáspora (Collier 2000:2/6). Um contraponto político ao aspecto economicista do argumento de Collier é levantado por Ted Robert Gurr, em seu estudo sobre as origens da rebelião etnopolítica (Gurr 2000)8. O argumento de Collier parece compor a lista elaborada por Gurr, com três elementos que indicam a iminência da rebelião etnopolítica: (i) O início da ação coletiva: perda de autonomia, discriminação política e econômica e histórico de repressão; (ii) A manutenção da ação coletiva: identidade coletiva e capacidade de mobilização militar; e (iii) As oportunidades para a ação coletiva: número de países vizinhos em que haja conflito armado e apoio de grupos simpatizantes residentes em países vizinhos. Ambos os argumentos têm legitimidade enquanto amostras de pequenas partes de um quadro mais amplo que é o da iminência da violência contemporânea. Enquanto Collier ressalta aspectos econômicos relacionados à

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General Raul Cunha, em entrevista concedida à autora (março/2006). Nesse mesmo sentido, uma análise sobre as causas de conflitos em países subdesenvolvidos sugere que o início da violência foi determinado pela dimensão política da relação entre as partes, e não pela dimensão econômica (P. Douma, G. Frerks e L. Goor 1999). 8

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segurança internacional e aos conflitos contemporâneos, Gurr e outros preferem uma análise política das questões de segurança. Dessa forma, percebe-se que as diferentes abordagens ressaltam diferentes elementos relacionados à causas da violência em massa, o que não enfraquece o debate, mas dificulta a criação de medidas preventivas que visem a lidar com tais causas antes que elas se mobilizem e se transformem em violência significativa. Como já mencionado, a tese adota o posicionamento de que a violência contemporânea revela múltiplas facetas e que, por isso, a solução eficaz deve também envolver múltiplos instrumentos e diferentes atores. Assim, não se pode priorizar uma única forma de abordagem, ou seja, deve-se incluir tanto political spoilers como economic spoilers, vez que ambos os grupos estariam interessados

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não em vencer o conflito, mas em prolongá-lo de modo a maximizar seus interesses políticos ou seu lucro (Timothy Donais 2003:375). As demandas das partes, da mesma maneira que as causas da violência contemporânea, parecem também ter relação com questões de governabilidade e/ou desenvolvimento humano (ICISS 2001b:38, PNUD 1994). Christian Scherrer sugere que os grupos envolvidos nos conflitos contemporâneos costumam seguir a seguinte tendência, ordenadas por quantidade de ocorrências (1985-2000)9: (i) conflitos violentos de cunho etnonacionalista (38,1%); (ii) conflitos interétnicos, sem o envolvimento de um ator estatal (23,3%); (iii) guerras anti-regimes (19,6%); e (iv) guerras entre gangues ou warlords, aí incluídos o terrorismo e o crime organizado (14%) (Scherrer 2002:41). Para atingir seus objetivos, tais grupos utilizam-se da via institucionalizada ou da via violenta, ou de uma e outra, em diferentes fases do mesmo conflito (Ted Robert Gurr e Barbara Harff 1994; Leatherman et alli. 1999; Miall et alli. 1999; Gurr 2000; Scherrer 2002). Assim, embora as causas dos conflitos possam ser tanto políticas como econômicas, são geralmente políticas as demandas das partes, correspondendo a maiores oportunidades de inclusão e participação política, maior representação e/ou mais autonomia de um grupo étnico em relação à determinada organização política.

9

Scherrer adota como referência os resultados da base de dados do Projeto de Pesquisa sobre Conflitos Étnicos (Ethnic Conflict Research Project – ECOR). O objetivo foi o de analisar as tendências globais da guerra e de outros tipos de violência em massa. Para tanto, foram publicadas duas séries de dados, a primeira com 102 casos (1985-1994), publicada pela ECOR em 1995, e a segunda com 107 casos (1995-2000), publicada em 2001.

41

Após apresentar o que é ressaltado pela literatura como causas estruturais mais prováveis e como demandas mais recorrentes nos conflitos contemporâneos, percebe-se que, por si, elas não são suficientes para compor a dinâmica que dá origem à escalada da violência. É relevante também incluir no debate as causas imediatas da violência, que funcionam como elemento catalisador para o início da violência em massa. Ulrike Joras e Conrad Schetter sustentam que as causas imediatas

“representa[m]

uma

âncora

emocional

artificialmente

criada,

semelhante a outras âncoras decorrentes de crenças religiosas ou identidades regionais” (Ulrike Joras e Conrad Schetter 2004:326)10. A causa imediata mais mencionada por autores que tratam desse assunto é a exploração política de aspectos ou condições pré-existentes, que tende a ser realizada tanto por políticos

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cujo objetivo é o de manipular a população através das emoções, como por rebeldes/criminosos que visam a mobilizar e motivar seus seguidores (CCPDC 1997:29, Joras e Schetter 2004:326). Nas últimas décadas, devido às crises dos Estados e à quantidade de minorias étnicas residentes em um único Estado, são inevitáveis os conflitos de interesse etnopolítico. No entanto, é possível impedir ou redirecionar sua manifestação violenta graças à identificação dos indicadores que levam à escalada da tensão, tais como a radicalização da retórica política ou a adoção de medidas repressoras e discriminatórias por parte do grupo dominante (Sophia Clément 1997; Scherrer 2002). Como reação, representantes de grupos não-dominantes costumam resistir e/ou demonstrar sua frustração sob forma de protestos, antes que a violência em massa tenha início, ou antes que se espalhe (Gurr 2000:50). Apesar da lógica do argumento, na prática, a questão se apresenta de maneira mais complexa, devido à dificuldade de prever e antecipar a ação política e social em momentos de iminente tensão, em que caprichos imprevisíveis da liderança ou eventos externos até então imprevisíveis geralmente causam um impacto fundamental no início ou na escalada da violência (ICISS 2001b:34). Assim, uma análise da literatura demonstra que há um extenso catálogo de medidas e de causas estruturais, embora haja lacunas na pesquisa quanto à identificação das causas imediatas, ou dos catalisadores, dos conflitos domésticos (Michael Brown 1996:13 apud ICISS 2001b:33). 10

Tradução livre de: “represents a manufactured emotional anchor, similar to other such

42

Como acima referido, no início dos anos 1990, o argumento de que é possível evitar a violência em massa encontra momento propício para sua disseminação graças ao temporário retorno do multilateralismo, à ascensão do otimismo do pós-guerra e à perplexidade diante da intensidade da violência nos conflitos domésticos. Isso contribui para a abundância de conferências, periódicos e papers sobre o conceito de prevenção e também sobre o mais recorrente dos conflitos atuais – os conflitos de natureza étnica. Segundo Walker Connor, tal proliferação intelectual impediu que os academic entrepreneurs11 da época declarassem total controle e familiaridade com o tema que coloca a etnia como base da maioria dos conflitos contemporâneos (Walker Connor 2004:25). Por causa disso, eram raras as publicações e os estudos sobre etnia que continham

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sugestões ou recomendações políticas, o que dificultava e dificulta até hoje o aproveitamento das idéias por parte de tomadores de decisão. O hiato que separa intelectuais e tomadores de decisão na área da prevenção torna-se ainda maior quando se identifica as posições de ambos os grupos no que se refere à definição e às formas de administração dos “conflitos étnicos”. Joras e Schetter defendem que a influência da academia na tomada de decisão – quando acontece – não é imediata, mas sim no longo prazo. Quem teria mais mérito entre certos tomadores de decisão é a linguagem de jornalistas, o que faz com que as idéias desses últimos, por vezes não aprofundadas, sejam mais facilmente inseridas na realidade política: “Bill Clinton, por exemplo, ficou tão impressionado com o artigo de Robert Kaplan ‘The Coming Anarchy’12 - que explicava os conflitos contemporâneos como resultado de lealdades étnicas ancestrais - que ordenou que sua administração considerasse a opinião de Kaplan como base para decisões futuras” (Joras e Schetter 2004:316)13.

Ainda no que se refere à incorporação, por parte de tomadores de decisão, de conceitos relacionados a “conflitos étnicos” criados e fomentados pela grande

anchors derived from religious belief or regional identities” (Joras e Schetter 2004:316). 11 A expressão academic entrepreneurs visa englobar o fenômeno do oportunismo no mundo acadêmico: trata-se de pesquisadores que enquadram seus projetos de pesquisa aos financiamentos oferecidos por institutos de pesquisa, governos ou empresas – e não o contrário. 12 O jornalista norte-americano publicou o “The Coming Anarchy” no Atlantic Monthly, em fevereiro de 1994. 13 Tradução livre de: “Bill Clinton, to give an example, was so impressed by Robert Kaplan’s article ‘The Coming Anarchy’, which explained current conflicts as the outcome of ageold ethnic loyalties, that he ordered his administration to take Kaplan’s assessments as a basis for future policymaking” (Joras e Schetter 2004:316, ver também McHugh 2001:54).

43

mídia, dá-se outro exemplo relacionado aos Estados Unidos – o potencial preventor das guerras da Iugoslávia nos anos 1990. Predominava no governo norte-americano a percepção de que conflitos étnicos “não eram compreensíveis” de maneira racional por serem oriundos de um passado indefinido e, portanto, difícil de ser controlado por atores do presente. Warren Christopher, ex-Secretário de Estado norte-americano, teria argumentado que a morte de Tito e o fim do comunismo levaram ao ressurgimento de “ódios étnicos ancestrais” na Iugoslávia, o que conferia legitimidade à não-intervenção de atores internacionais, frente a uma situação de eventos tidos como inevitáveis e não-influenciáveis. Tal discurso era repetido com freqüência pela mídia, que empregava termos discriminatórios e estereotipados como “tribos”, “ódio centenário”, “bárbaros” etc. para tratar dos

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conflitos armados na Iugoslávia (Joras e Schetter 2004:319-320, ICISS 2001b:34). Além da falta de consenso entre a maioria dos acadêmicos sobre o que seja a prevenção e sobre o que sejam os conflitos étnicos, o que também favorece este distanciamento é o fato de alguns acadêmicos e profissionais evitarem, de maneira intencional, definições precisas dos conflitos com os quais visam lidar. Por exemplo, A Agenda para a Paz (1992) e o Relatório Brahimi (2000), dois relevantes documentos da ONU que versam sobre conflitos contemporâneos, não mencionam explicitamente a dimensão étnica de tais conflitos (Joras e Schetter 2004:325), embora este seja o contexto mais recorrente entre os que buscaram a violência nos últimos 15 anos. O problema no diálogo entre acadêmicos e tomadores de decisão não é apenas a ausência de termos claros e bem definidos, mas também a falta de comunicação efetiva entre os grupos, ainda quando ambos empregam o mesmo termo – “conflito étnico” (John Bowen 1996). Parece haver problemas estruturais reforçados pelos estereótipos desenvolvidos por cada grupo em relação ao outro. Os políticos são geralmente interpretados pelos acadêmicos como impacientes, idealistas e com visão de curto alcance em relação à tomada de decisão. Como conseqüência, os políticos não compreenderiam o conteúdo das pesquisas acadêmicas e utilizariam os resultados dos estudos para racionalizar e legitimar o que já teriam decidido fazer. Os intelectuais, por outro lado, são vistos pelos políticos como arrogantes e lentos demais para a dinâmica da tomada de decisão, além de apresentarem dificuldades de cooperar com outros pesquisadores (OCDE 1995, Miall et alli 1999:172, Mari Fitzduff 2000 apud Joras e Schetter 2004:316).

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Suas idéias e recomendações são geralmente interpretadas como prescritivas e ambiciosas, o que deixa evidente o hiato existente entre estes e os tomadores de decisão e, juntamente com a ausência de um termo e um conceito preciso tanto de prevenção como de conflitos étnicos, causam reflexos na elaboração de políticas e na conseqüente implementação do discurso de prevenção.

1.3 O instrumental da prevenção a) Previsão e prevenção

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O conceito de prevenção possui, por natureza, um lado descritivo e outro prescritivo. O ato de prevenir tem relação com a capacidade de prever; e prever, por sua vez, significa aferir a probabilidade de um evento se realizar. Não ocorre sem dificuldades a análise de informações e a tomada de decisão baseadas na expectativa de um comportamento que condiz com a lógica do sistema dentro do qual ele se insere (John Burton 1989:2). Ainda assim, a previsão é uma peça fundamental no processo de prevenção e, para que tenha relevância política, “precisa ser diagnóstica, descrevendo como e por que as coisas funcionam de certa maneira, e prescritiva, oferecendo recomendações explícitas a tomadores de decisão que enfrentam certos tipos de problemas”14 (David Carment 2004:107 n80 – grifou-se). A ausência de previsão entre a maioria dos intelectuais e políticos quanto ao fim da Guerra Fria é um exemplo da dificuldade de se prever em ciências sociais, entre outros tantos exemplos empíricos que não constituem uma base para otimismo (Stedman 1995:16). A previsão de indicadores sobre a iminência da violência em conflitos intraestatais, mais especificamente, é ainda mais complexa e pode levar a alarmes falsos e a políticas incoerentes, com resultados eventualmente contraproducentes (Stewart 2003:8). Há três etapas relacionadas à previsão e possível prevenção da violência em massa, designadas a aumentar a eficácia das medidas preventivas pela via da 14

Tradução livre de: “To be policy relevant, forecasting (…) must be diagnostic, by which emphasis is on describing how and why things work as they do, and it must be prescriptive,

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inteligência: (i) seleção e análise de informações relevantes; (ii) sugestão de políticas preventivas; e (iii) efetiva adoção de medidas preventivas por tomadores de decisão15. É chamado de early warning, ou aviso prévio, o conjunto de dados derivados da coleta e da análise de informações relacionadas às partes, à situação local e às questões sensíveis (ICISS 2001b:33-42). O aviso prévio demonstra que a violência tem potencial para acontecer caso a situação não seja revertida. O passo seguinte é a conversão do aviso prévio em linguagem inteligível aos responsáveis pela tomada de decisão, sendo a etapa final a efetiva implementação das políticas sugeridas, o que envolve a aprovação do financiamento e a mobilização de pessoal, entre outros investimentos. A coleta e análise da informação que pode ser traduzida como indicador de

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potencial violência vem sendo realizada sobretudo, mas não somente, por organizações não-governamentais. A principal crítica é feita no sentido de faltar um sistema de avisos prévios, com mecanismos ou espaços interconectados que favoreçam a coleta e análise de informações relevantes a partir de fontes confiáveis e permanentes, que promovam a articulação das fontes e que sugiram políticas preventivas implementáveis (Lund 1996b:109). A idéia de tal sistema não é nova. Um “regime de dados sociais” e um “centro mundial de inteligência” foram imaginados por autores de resolução de conflitos entre as décadas de 1950 e 1970, tais como Quincy Wright e Kenneth Boulding (Miall et alli 2005:42). Na ausência de um sistema efetivo de avisos prévios, confere-se destaque a um conjunto de atores de prevenção que tem se organizado em redes, movimento este que se fortalece nos últimos anos com o intuito de promover avisos prévios e de provocar a reação dos atores considerados apropriados. Até o momento, indicadores de aviso prévio têm sido elaborados de maneira ad hoc e envolvem uma grande variedade de atores, tais como embaixadas, agências de inteligência, ONGs, grupos de direitos humanos, intelectuais e representantes da mídia (ICISS 2001b:35). Dos atores mencionados,

offering explicit recommendations to policymakers faced with certain kinds of problems” (David Carment 2004:107, n.80). 15 Essa é a essência do serviço de inteligência. Diferentes autores adicionam ou retiram algum item, mas os componentes essenciais permanecem nas entrelinhas. John Keegan, por exemplo, sugere a existência de cinco estágios fundamentais: (i) a aquisição da informação; (ii) a entrega a seu usuário potencial; (iii) a aceitação da informação, depois de checada a credibilidade da fonte; (iv) a interpretação de informações fragmentadas; e (v) implementação pelos tomadores de decisão (Keegan 2006:21-22).

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são as agências de inteligência dos governos que têm acesso a algumas das mais relevantes informações para a análise da situação, por vezes inalcançáveis a ONGs, à ONU e a outros atores. Há no entanto três limites em relação a esse tipo de fonte: (i) somente em alguns casos os dados produzidos por tais agências, sobretudo as das grandes potências, são efetivamente compartilhados com outros integrantes da rede de aviso prévio; (ii) não havendo interesse estratégico ou político em determinada situação ou região, não haverá também produção de informação (ICISS 2001b:36); e (iii) por estar vinculada ao interesse nacional, a informação produzida pode sofrer manipulações ou abusos, representando riscos para a liberdade individual. Portanto, apesar da relevância da fonte, sua utilização

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e disseminação são limitadas e contingentes.

b) Estratégias: prevenção estrutural e operacional Para se lidar com uma situação de potencial violência têm sido formuladas estratégias, princípios e mecanismos, tanto na teoria como na prática. Existe na literatura a idéia de que é preciso utilizar uma escala cronológica para lidar com (i) o ciclo ou tendência do conflito em direção à fase violenta ou (ii) a evolução do grau de hostilidade entre as partes (G8 Miyazaki Initiative for Conflict Prevention, Lund 1996b:45). Michael Lund, por exemplo, propôs em 1996 a criação de medidas para enfrentar o que ele designou de três fases da prevenção de conflitos, também em escala cronológica: o peacebuilding pré-conflito, o envolvimento preventivo e a prevenção de crise (Lund 1996b:47). A despeito do mérito do autor, tais categorias não foram incorporadas por praticamente nenhum outro autor. Também não foi incluído na literatura o neologismo de conflict provention de John Burton, nem a sua definição para o termo (Burton 1989). Para Burton, uma abordagem superficial lidaria com uma situação de violência iminente, cujo foco estaria na adoção de medidas voltadas para a gestão de crises. A conflict provention é mais complexa que isso pois envolve uma dinâmica ampla e multilateral, com a adoção de mecanismos relevantes aos âmbitos local, regional, empresarial, legal, administrativo e parlamentar, e também no nível das organizações internacionais. Com isso, a conflict provention exige um

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conhecimento prévio e aprofundado da situação, das origens do conflito e das mudanças necessárias para se evitar a violência (Burton 1989:13). O esforço do autor em apresentar tal definição em 1989 confere-lhe legitimidade devido à sua relevância histórica, já que procurou inserir o assunto na agenda cerca de 2 anos antes da ascensão do debate. Outra expressão de relevância histórica e conceitual ligada a estratégias de prevenção tem sido utilizada por John Paul Lederach e outros autores desde o fim da década de 1980: a transformação de conflitos. A estratégia da transformação de conflitos pretende modificar a percepção de indivíduos e comunidades sobre suas diferenças na tentativa de melhor acomodá-los, por meio da canalização de sentimentos negativos e estereotipados de desconfiança e medo, realizados por

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mecanismos que empregam uma abordagem mais cooperativa (win-win) e multissetorial. Trata-se de um processo de longo prazo que envolve a sociedade em múltiplos níveis com o objetivo final de redefinir as relações sociais. A relevância deste conceito está voltada ao fortalecimento da idéia da pirâmide social e da utilização da abordagem multissetorial na adoção de mecanismos de prevenção, administração ou resolução de conflitos. O modelo da pirâmide, também adotado por outros, é composto por três níveis: no primeiro está a elite civil e militar de um país, o segundo é composto pela classe média dominante (negócios, igreja, mídia, etc.) e o terceiro é o grass-root domain, onde estão pessoas influentes e relevantes para a sociedade (líderes locais, exemplos da sociedade civil organizada, etc.) (Lederach et alli 2002, Heinz-Jürgen Axt e Antonio Milososkiand Oliver Schwarz 2006:17). Mais detalhes sobre a abordagem multissetorial serão analisados no próximo Capítulo. A maioria dos autores prefere utilizar, enquanto estratégias de prevenção, a classificação do relatório da Carnegie Commission (CCPDC 1997) entre prevenção estrutural e prevenção operacional. As duas estratégias visam a lidar tanto com os elementos relacionados à origem do conflito de interesses, como com os catalisadores da violência em potencial. Tais expressões vêm sendo cada vez mais adotadas pela literatura de prevenção, com pequenas variações de terminologia e de definições. A estratégia da prevenção estrutural (deep ou structural prevention) não tem por objetivo o de eliminar o conflito de interesses que pode se tornar violento, mas tão somente de reduzir a probabilidade da violência através da eliminação dos

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aspectos latentes de determinada situação que podem transformar um conflito de interesses em violência em massa (Scherrer 2002:xv, Miall et alli 2005:97). Ou seja, não se pode negar sua ambição normativa (Wallensteen 1998:11). Com freqüência, a prevenção estrutural é sugerida e adotada no estágio inicial da relação que seja fonte de frustração para certo(s) grupo(s). No estágio inicial, as partes não optaram pela violência para resolver suas divergências, embora também não estejam em harmonia. Vale ressaltar que o conceito de prevenção estrutural elaborado pela CCPDC equipara a prevenção estrutural ao peacebuilding e engloba explicitamente não apenas esforços de lidar com as causas remotas antes que a violência aconteça mas também esforços para evitar que a violência ressurja (CCPDC 1997:69). Essa definição é adotada por alguns

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autores por designar a prevenção de violência lato sensu, mas é rechaçada por outros justamente por tornar o conceito amplo demais (Lund 2004:122, Ackermann 2000; Leatherman et alli. 1999; Väyrynen 1995). Por sua vez, a prevenção operacional (operational, light ou direct prevention) está expressamente vinculada ao momento de iminente violência e as medidas nesse estágio estão voltadas para objetivos de curto e médio prazos. A estratégia de prevenção operacional visa a lidar com uma relação mais polarizada, com posições bem definidas e, por vezes, radicais, o que diminui as chances de concessão e aumenta a ocorrência de incidentes violentos em baixa escala (Janie Leatherman et alli 1999:50, Miall et alli 2005:97). Alguns autores sustentam que as medidas de prevenção operacional são, na verdade, atividades de gestão de conflitos, uma vez que, na iminência da violência em massa, incidentes de violência direta já teriam ocorrido e que, por isso, não mais se poderia falar em prevenção (Emeric Rogier 2001:81; Alex P. Schmid 2000:26). Esta tese adota a postura de que é impossível, embora desejável, a prevenção absoluta de todo e qualquer tipo de violência. A tese assume a posição de outros autores, não menos proeminentes, para quem a gestão de conflitos, e não a prevenção de conflitos, ocorre quando somente medidas de dissuasão são empregadas para estancar a violência em seu grau inicial ou para evitar a escalada (Peter Wallensteen e Frida Möller 2003:10). Independente da estratégia, a maioria dos autores de prevenção é favorável à intervenção, ainda que rápida, superficial e operacional, o que suscita debates sobre o papel da prevenção na relação entre soberania e não-intervenção. Vale

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ressaltar que diversos mecanismos de prevenção são pouco ou nada intrusivos. As medidas de prevenção estrutural que visam a lidar com o desenvolvimento social, por exemplo, têm mais chances de sucesso com o consentimento e a participação dos governos e das partes envolvidas, o mesmo sendo mencionado para alguns mecanismos de prevenção operacional, como a mediação e os bons ofícios. Porém, há formas de prevenção operacional que são essencialmente intrusivas, como sanções econômicas, embargo de armas, envio de tropas em missão preventiva, entre outras, o que faz com que a prevenção por vezes esteja no cerne do debate entre intervenção e soberania (CCPDC 2001b:28). Ainda assim, e apesar da dificuldade de julgar um autor por seu complexo trabalho, pode-se falar em uma divisão entre autores que preferem a prevenção

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estrutural e outros que defendem mais a prevenção operacional. Para os defensores da prevenção operacional, intervém-se apenas para evitar que a situação de violência óbvia se deteriore – logo depois, os esforços intervencionistas devem se retirar (Lund 1996a). Tais autores submetem a prevenção ao princípio da soberania vestfaliana e, com isso, tendem a relativizar o conceito de não-intervenção em favor da prevenção desde que a intervenção seja pouco abrangente, pouco custosa e rápida. Os que defendem a intervenção rápida têm geralmente foco na primazia do tradicional aspecto político-militar, ou seja, parecem vinculados ao instrumental teórico relacionado à força do Estado. Outros autores sustentam a necessidade de instrumentos de “prevenção estrutural” para aumentar as chances de eficácia e, assim, aumentar a probabilidade da não-violência. Esses mecanismos envolvem mais recursos, mais tempo e mais ações integradas de peacebuilding para evitar o início da violência em um primeiro momento, ou o retorno da violência no contexto futuro (Ackermann 2000; Leatherman et alli. 1999; Väyrynen 1995). Tais autores defendem um conceito amplo de prevenção, que engloba a prevenção da crise inicial, da escalada e da retomada da violência após a resolução. Nesse caso, o princípio da não-intervenção não chega a ser questionado. Talvez porque seus estudos são baseados em casos em que a intervenção tenha de fato ocorrido, esses autores não questionam a validade e a força teórica da não-intervenção, o que evidencia a falta de diálogo com o outro grupo. Embora as estratégias de prevenção estrutural e operacional tenham sido adotadas pela maior parte da literatura a partir de 1997, há dificuldades

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conceituais a serem contornadas, sobretudo em relação ao timing da medida adotada e quanto à correlação existente entre as duas estratégias. Nesse sentido, Alice Ackermann sustenta que a prevenção operacional não é necessariamente aplicada depois da prevenção estrutural, ou seja, medidas de ambos os tipos também podem ser implementadas concomitantemente, cada qual em seu ritmo, com seus objetivos e seus instrumentos (Ackermann 2003:341). Este trabalho compartilha essa visão e sustenta que: (i) as chances de eficácia da ação são maiores quando o envolvimento de terceiros se dá no estágio inicial da situação de potencial violência (por meio dos mecanismos da estratégia estrutural); e que (ii) ambas as estratégias, estrutural e operacional, com suas diferentes abordagens, são necessárias à canalização do conflito de interesses de modo que não se transforme

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em violência em massa.

c) Mecanismos A maioria dos autores concorda com a legitimidade do apelo pela prevenção de violência e com as duas maiores linhas estratégicas, mas não há consenso quanto aos mecanismos de prevenção. O foco principal e tradicional reside nos aspectos políticos e militares de uma situação de conflito e, assim, os instrumentos empregados para lidar com tais dimensões tendem a permanecer no mesmo nível. Nesse caso, haveria duas formas de evitar a violência em massa: (i) pela eliminação das fontes do conflito que levariam as partes à guerra, o que envolve mecanismos de negociação, conciliação e concessão, aliados a políticas de desarmamento; ou (ii) pela criação de fortes restrições ao emprego das armas de modo que as partes não se sintam por elas atraídas e prefiram tolerar as frustrações em vez de iniciar a guerra, o que envolve mecanismos de dissuasão aliados a políticas de controle de armas (Iklé 1991:108). Outros autores preferem argumentar que, para aumentar as chances de sucesso e para lidar com as complexas causas dos conflitos contemporâneos, é preciso utilizar uma abordagem multidimensional, de modo a verificar o impacto que as medidas de prevenção estrutural e operacional têm em diferentes dimensões do conflito. Listas de mecanismos de prevenção estrutural e operacional têm sido publicadas, dentre as quais destacam-se duas diagramações:

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Exemplo 1: Opções de Prevenção Estrutural e Direta16 Prevenção estrutural Consensual Não-consensual Redução da pobreza – Investimentos e crescimento econômico Desenvolvimento de instituições democráticas Instituições de capacitação Reforma do setor de segurança



Prevenção direta (operacional) Consensual Não-consensual Bons ofícios, Sanções diplomáticas enviados especiais Incentivos Sanções econômicas econômicos



Mediação e arbitragem

– –

– Envio preventivo de tropas

Tribunais para a punição de crimes de guerra Embargo de armas Ameaça de uso da força militar

As opções acima mencionadas procuram elencar medidas que podem ser

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identificadas com as estratégias de prevenção estrutural e operacional. Embora a tabela seja simples e não tenha a pretensão de representar a realidade, ela é útil enquanto sistematiza o conhecimento e facilita a compreensão das possibilidades e combinações existentes. Observa-se que a maioria das medidas sugeridas na tabela tende a se manter no nível da diplomacia tradicional, ou seja, no nível das relações entre Estados. Mesmo assim, é possível concluir que são diversos os atores envolvidos, ainda que mantidos no nível interestatal. O Exemplo 2 aborda uma tipologia mais dinâmica dos mecanismos de prevenção, dividindo-os entre pacíficos e coercitivos. A tabela abaixo é mais abrangente pois, em vez de enumerar os mecanismos específicos, apenas indica as direções e, neste sentido, parece não se restringir ao nível estatal.

16

Fonte: “Table 3.1 - Structural and Direct Prevention Options” da ICISS 2001b:28.

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Exemplo 2: Tipologia das Medidas de Prevenção de Conflitos17 Mecanismos pacíficos

Advertência verbal

Assistência

Facilitação

Propostas

Coordenação de terceiros

Em relação à incompatibilidade

Em relação a outras questões

Decisões

Em relação à incompatibilidade

Em relação a outras questões

Mecanismos coercitivos

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Medidas condicionantes

Incentivos (carrots)

Ameaças (sticks)

Medidas do Capítulo VII

Ameaça das medidas do Cap. VII

Implementação das medidas do Cap. VII

A comparação entre ambos os exemplos permite retomar um ponto já ressaltado: a dificuldade de diálogo entre os autores de prevenção por causa da proliferação de nomes, mecanismos e expressões que visam a caracterizar fenômenos semelhantes – o que enriquece mas também prejudica o debate. A comparação superficial das tabelas indica que, enquanto o Exemplo 1 divide as duas estratégias de prevenção entre mecanismos consensual e não-consensual, o Exemplo 2 decompõe os mecanismos de prevenção entre pacíficos e coercitivos. À primeira vista, poder-se-ia argumentar que os mecanismos consensuais do primeiro exemplo são equivalentes aos mecanismos pacíficos do segundo, da mesma forma que os não-consensuais do primeiro são equivalentes aos coercitivos do segundo. Porém, tal avaliação é incorreta. Os mecanismos pacíficos do Exemplo 2 não são equiparáveis aos mecanismos consensuais do Exemplo 1 o mecanismo do envio preventivo de tropas é tratado como mecanismo consensual da estratégia operacional de acordo com o Exemplo 1, mas no Exemplo 2 está entre os mecanismos coercitivos, por se tratar da implementação de uma medida do Capítulo VII da Carta da ONU. Assim, vê-se como é complicado o diálogo no caso dos autores e dos estudos de prevenção.

17

Frida Möller, Magnus Öberg e Peter Wallensteen. (2005), Conflict Prevention in Ethnic Conflicts, 1990-1998, p. 6.

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Os mecanismos de prevenção são melhor identificados a partir das estratégias em que se inserem. Estudos recentes demonstram ser mais fácil influenciar o resultado no estágio inicial da situação de um potencial conflito violento, e não depois que já tenham se tornado destrutivos (Galtung 1999, Ackermann 2000, Carment e Albrecht 2001, Max van der Stoel 2002:17, Wallensteen e Möller 2003:3, Lund 2004:122, entre outros). No estágio inicial, embora a relação entre as partes não seja harmoniosa, persiste a vontade de se resolver problemas de maneira não-violenta na maioria dos casos. As oportunidades de intervenção de atores externos são maiores do que em momentos subseqüentes, assim como as alternativas à disposição das partes. Em tal estágio inicial, as partes não estão tão polarizadas e geralmente há maior facilidade em

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serem influenciadas a aceitar e fazer concessões, o que aumenta as chances de eficácia da ação preventiva (Lund 2004:138, CCPDC 1997). De acordo com Janie Leatherman et alli (1999:99), “a prevenção estrutural é preferível porque é executável; neste estágio [inicial], as questões são mais específicas e mais sensíveis à transformação, o número de partes é limitado, o que reduz sua complexidade, e as medidas estruturais são menos custosas”18.

Assim, a adoção de mecanismos de prevenção estrutural no estágio inicial dos conflitos geralmente favorece o trancamento da via militar e a criação de um espaço político onde as partes podem buscar soluções para suas demandas sem o recurso à violência (Ackermann 2000). Quando mecanismos de prevenção estrutural são adotados e obtêm alguns dos resultados planejados a médio ou longo prazo, aumentam-se as chances de o conflito violento não se desenvolver, já que as frustrações e as demandas dos grupos envolvidos passam a ser negociadas pela via política. A dimensão política do conflito é afetada por medidas de prevenção estrutural quando lidam com a participação e inclusão política de minorias através de eleições, e também com a representação proporcional de minorias em cargos públicos. A mudança na composição e na mentalidade da força policial e das forças armadas também pode surtir efeitos positivos, especialmente nos casos em

18

Tradução livre de: “‘early prevention’ of conflicts is preferable because it is more feasible; at this stage issues are still specific and more amenable to transformation, the number of parties to the conflict is limited, this reducing its complexity, and early measures are costeffective” (Leatherman et alli 1999:99).

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que o governo é parte opressora, direta ou indiretamente. Também faz parte dos instrumentos de prevenção estrutural a adoção de medidas que visam a modificar substancialmente a constituição e a legislação ordinária, criando mecanismos para que tais mudanças venham a ser implementadas e, se possível, certificando-se de que foram efetivamente implementadas. Alterações nas regras e nas políticas de aquisição de nacionalidade são outro instrumento central entre as soluções alternativas à violência para a maioria dos conflitos contemporâneos, de modo a lidar com as demandas etnonacionalistas, que hoje constam como a mais freqüente causa de conflitos violentos (Scherrer 2002). No estágio inicial do conflito, um mínimo de espaço político persiste, o que favorece por vezes a criação de instituições e mecanismos para a canalização

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da relação. Embora as agendas políticas domésticas tendam a se restringir a iniciativas de gestão de crises, maior ênfase pode ser dada a medidas de prevenção estrutural com objetivos mais amplos durante o chamado período de gestação (Charles K. Cater e Karin Wermester 2000). Ardian Arifaj (2006) esclarece que no estágio inicial do conflito, grupos radicais não oferecem grandes ameaças, vez que não conseguem apoio nem espaço para espalhar suas idéias ou para fortalecer suas atividades19. Observa-se a necessidade de incorporar na estratégia estrutural alguns mecanismos de prevenção operacional à medida que se aproxima do início da violência, quando a presença e a atuação de warlords pode indicar que a liderança política tenha perdido o controle da governança (Zartman 2005:218). No momento em que o grau de hostilidades é maior, a incorporação de mecanismos da estratégia operacional é indispensável porque a relação entre as partes fica mais complexa em termos substantivos e mais polarizada em termos posicionais. Nesse contexto, a violência estrutural é a regra, mas os incidentes esporádicos de violência direta favorecem a criação de um ambiente cada vez mais instável, no qual as partes não se constrangeriam em usar mais violência para resolverem suas controvérsias20. Quando medidas de prevenção operacional são

19 20

Ardian Arifaj, em entrevista concedida à autora (março/2006). Para conceitos de violência estrutural e violência direta, ver a Introdução da tese.

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adotadas, impede-se que a já existente violência direta alcance níveis maiores tanto em intensidade como em extensão territorial21. Há obstáculos a serem contornados na criação de instituições que protejam e promovam o desenvolvimento humano e a governabilidade, seja a partir da estratégia estrutural ou da operacional. Constrangimentos burocráticos demoram bastante para serem contornados, e mais ainda para serem modificados, e nem sempre é possível adotar o caráter de urgência, a menos que se tenha infraestrutura para tanto. Como conseqüência, essa dificuldade pode agravar as frustrações e criar uma situação sujeita à manipulação por parte de oportunistas. As “janelas de oportunidade” para a ação de atores externos geralmente ocorrem durante o período de gestação, tornando-se cada vez menores e mais raras em

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momentos de crise, assim como os recursos de barganha a eles disponíveis. Nesse contexto, oportunistas políticos conseguem explorar argumentos e manipular justificativas para incitar a violência e alcançar ou se manter no poder. A dimensão militar tende a ser enfatizada na gestão e na resolução de conflitos, sendo também essencial para as estratégias de prevenção – sobretudo para a prevenção operacional, como se verá no próximo parágrafo. Por ora, ressalta-se a dificuldade de se relacionar a prevenção estrutural com a dimensão militar. Observa-se a necessidade de reconstruir o militar a partir da desvinculação de duas expressões tradicionalmente empregadas como sinônimas: o recurso militar e o uso da força. O instrumental militar investe cada vez mais em logística, sistemas de comunicação e em tecnologia da informação. Os resultados dessas pesquisas são compatíveis com objetivos que tentem evitar o início da violência em massa e, neste sentido, é relevante notar que a ação militar é contingente e está condicionada à política (Leatherman et alli 1999:105). Já que apenas governos ou organizações intergovernamentais têm acesso legal ao recurso militar, cabe ao tomador de decisão verificar não apenas se e quando servir-se do militar, mas especialmente como se utilizar desse instrumental. Mecanismos de prevenção operacional, por sua vez, são mais comumente empregados na dimensão militar porque, em regra, a prevenção operacional é implementada na fase imediatamente anterior ao início da violência direta. Assim, 21 O aumento da violência em intensidade e em extensão territorial também é chamado de “escalada vertical” e “escalada horizontal”, respectivamente, como mencionado na Introdução (Väyrynen 2000:13 e 2003:47-48; Leatherman et alli 1999:75-76).

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há clara mudança de mentalidade da prevenção estrutural para a operacional no que se refere ao emprego do aparato militar, e o objetivo principal passa a ser o da dissuasão pela ameaça do uso da força. Isso implica na utilização de material bélico pesado para evitar o início ou a escalada da violência. O tempo é um componente relevante. É preciso obter autorização para mobilizar tropas para, só então, enviá-las ao local desejado. A duração das negociações depende do desenho institucional e do jogo de interesses dentro da burocracia estatal ou organizacional. Em uma situação instável, o tempo é escasso, sendo este um dos maiores desafios ao sucesso das operações militares com objetivo de deterrência e de prevenção da violência em massa. Além disso, a decisão de enviar tropas preventivas depende dos interesses dos tomadores de

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decisão e/ou da complexidade da situação local (Lund 1996b). No caso da operação preventiva, a dificuldade está na mobilização do financiamento, vez que medidas de prevenção nem sempre são prioritárias no interesse nacional ou na agenda internacional e que seu financiamento geralmente é obtido depois do primeiro disparo e depois da cobertura pela mídia (Stewart 2003:10). No que se refere aos custos de uma operação militar com objetivos preventivos, destacam-se os exemplos das operações de paz na Macedônia e na Bósnia, no mesmo ano, já que a primeira foi preventiva e a segunda, reativa/repressiva. Em 1996, quando a missão preventiva das Nações Unidas na Macedônia (UNPREDEP) ficou independente da UNPROFOR, os custos de manutenção da operação eram de 60 milhões de dólares por ano (Bradley Thayer 1999:139). Também em 1996, o primeiro ano após o fim da guerra na Bósnia, os custos de manutenção da operação OTAN-ONU Stabilization Force (SFOR) em território bósnio eram de 2 bilhões de dólares por ano (Thayer 1999:140). Ainda que se considere que a Bósnia tem o dobro da população e do território da Macedônia, a diferença que existe entre 60 milhões e 2 bilhões de dólares é maior que 50%, e permitiria a manutenção anual de outras 40 operações de porte semelhante ao da UNPREDEP. Há ainda desafios relacionados à dificuldade de se definir quais as situações que necessitam de operações militares e de estabelecer como essas operações devem ser conduzidas para obter o resultado desejado. Tais dificuldades, porém, são inerentes às operações de paz em geral, e não somente às operações de paz com objetivos de prevenção. No caso das missões de prevenção

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mais especificamente, a gestão da informação é o tema mais relevante que, apesar de não ser monopólio dos militares, são eles que têm acesso rápido a informações em quantidade e qualidade nem sempre disponíveis a organizações nãogovernamentais ou a outros preventores (e vice-versa), graças ao investimento em pesquisa, tecnologia da informação e meios de comunicação. As estratégias de prevenção também visam a causar um impacto na dimensão econômico-financeira do conflito. Mecanismos de prevenção estrutural tendem a ser empregados para reequilibrar a relação econômica entre os grupos, a exemplo da adoção de políticas que estimulem a geração de empregos. A atração de investimento estrangeiro para o local onde há uma relação economicamente assimétrica também é considerada instrumento de prevenção estrutural. Atenta-se

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para o impacto de se investir em grupo cuja posição já seja superior em relação a outro(s) grupo(s), por favorecer a degradação de uma situação já instável, embora não violenta. Além disso, também não se pode ignorar a possibilidade de desvio ou má administração dos recursos investidos (Christine Ebrahim-zadeh 2003). Medidas de prevenção operacional têm impactos menores, mas não menos relevantes, na iminência da violência em massa, quando há geralmente um índice de inflação fora do controle e o mau funcionamento do sistema financeiro. Os recursos para evitar o início da violência em massa precisam ser liberados em caráter de urgência, o que nem sempre é possível por causa da lentidão burocrática e da rigidez orçamentária da maioria dos eventuais interventores, sejam governos ou organizações intergovernamentais. Devido à predominância de um mindset reativo, e não pró-ativo, é mais fácil obter a liberação de recursos depois do primeiro disparo por arma de fogo (Wallensteen 1998), o que tende a ser modificado com a presença de uma forte liderança política com interesses na prevenção (Brown e Rosecrance 1999:6). Caso recursos sejam disponibilizados, permanece o objetivo de reequilibrar a relação entre as partes, o que é mais complexo de ser alcançado nessa fase por envolver maiores concessões tanto das partes como dos próprios interventores. A dimensão social do conflito, sua dimensão política e também sua dimensão econômica são os principais focos da prevenção estrutural. Oportunidades limitadas ou atos de discriminação são sinais de que há desarmonia entre grupos, muitas vezes materializada sob a forma de protestos (Gurr 2000:50; Jan Eliasson 2000; PNUD 1994:32). Uma das maneiras de se lidar com esse

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fenômeno de modo a evitar a deterioração da situação é através da criação ou alteração de instituições sociais que busquem a promoção do desenvolvimento humano, o que reforça a já discutida relação entre prevenção, governabilidade e desenvolvimento. Atenta-se para a relevância da participação eqüitativa de raças/etnias, gênero e religião nos diversos níveis e setores sociais, em especial no setor educacional e em cargos públicos, que são questões sensíveis nos conflitos contemporâneos. Vale ainda destacar que questões ambientais podem estar no cerne das múltiplas causas de um conflito com potencial para a violência. A finitude dos recursos naturais e a divergência de interesses são ambos fenômenos inerentes à vida social e, em vez de ignorá-los até que se desenvolvam de maneira

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desgastante, buscam-se mecanismos para lidar com eles de forma construtiva, evitando a violência, o que faz com que a dimensão ambiental seja uma área também sensível ao estudo das estratégias de prevenção (Bart Klem 2003:25). Medidas de prevenção relacionadas ao meio ambiente envolvem a nãodestruição, a proteção e, sobretudo, a melhor distribuição de recursos naturais vitais que estejam em escassez, especialmente em regiões em que a posse ou a propriedade de tais recursos sejam retidas por determinado(s) grupo(s) em detrimento de outro(s) (Homer-Dixon 1999:75). O uso e o abuso dos recursos pode ser intencional ou planejado, para consumo próprio ou, ainda, como fonte de pressão para obrigar a outra parte a fazer as concessões desejadas. De toda forma, não se pode negar a relevância das medidas de prevenção na área ambiental e a possibilidade de evitarem o início ou a escalada da violência. Há diversas dificuldades na elaboração dos mecanismos preventivos e também na implementação dos mesmos, sendo que as mais ressaltadas envolvem o timing ideal para a ação do terceiro, a adequação ou precisão das medidas escolhidas e a falta de questionamento no que se refere à eficácia das estratégias. Este último aspecto é extremamente relevante para a evolução do conceito e, sobretudo, para a análise sistemática da elaboração e implementação de medidas preventivas. Lund ressalta que a maioria dos autores, até 2003-2004, pouco questionava ou se preocupava com questões de eficácia (Lund 2004:123). Para medir a eficácia da implementação de medidas relacionadas a acordos de paz, pode-se destacar alguns indicadores como o cumprimento do mandato, a desmobilização de combatentes, a repatriação de refugiados e o monitoramento de

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eleições (George Downs e Stephen J. Stedman 2002). No que se refere ao sucesso de medidas preventivas, no entanto, parece não haver grandes precedentes na literatura sobre o tempo necessário para julgar o sucesso da ação de prevenção, sendo esse um campo a ser pesquisado (Masako Yonekawa 2006:11). Um período de 5 anos, no mínimo, tende a ser mencionado para a medição do sucesso de acordos de paz, devido às estimativas de que a violência teria cerca de 50% de chances de ressurgir durante esse período (Colin Scott e Ian Bannon 2003:2)22. Apesar dos esforços, é sempre difícil estimar qual seria o prazo “apropriado” para se aferir o sucesso das medidas de prevenção, sobretudo operacionais.

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Conclusão Pelo exposto, conclui-se que o conceito de prevenção está em fase de consolidação mas já teria alcançado a “adolescência” (Lund 2004:123). Como conseqüência da imaturidade, não há propriamente consenso entre os termos e modelos desenvolvidos por acadêmicos e profissionais da área de prevenção, o que dificulta que as abstrações acadêmicas ou as praticidades dos profissionais sejam transformadas em medidas políticas preventivas (Carol Weiss 1977). A falta de consenso entre acadêmicos e profissionais não se limita ao termo utilizado mas também alcança a própria definição daquilo que se entende por prevenção, o que evidencia limites conceituais que, só depois de ultrapassados, permitirão a efetiva evolução do conceito e a implementação de mecanismos de prevenção com maiores chances de eficácia. Para superar essa dificuldade, alguns autores sugerem que, para lidar com os desafios inerentes dos conflitos contemporâneos, é necessária a adaptação de mecanismos já existentes (Owen Philip Lefkon 2003:737, Aggestam 2003:21), ou a adoção de um novo instrumental que reexamine as presunções tradicionais (Schnabel Albrecht 2004:110, Hume 2000:24). De uma maneira ou de outra, deve-se elaborar uma reforma na mentalidade dominante, de modo a incorporar duas mudanças que até pouco tempo atrás eram praticamente inquestionáveis: (i) a 22 Outras pesquisas que seguem a mesma estimativa, a exemplo de Mary Chinery-Hesse, “Crafting the UN High-level Panel Report: An Insider’s Perspective” in Adekeye Adebajo e Helen Scanlon (eds.), A Dialogue of the Deaf. Fanele: Centre for Conflict Resolution, 2006, p.53.

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agenda de segurança internacional em geral obriga os estudiosos do pós-Guerra Fria a se voltarem para as mazelas dos conflitos intraestatais, e não apenas dos interestatais; e (ii) a agenda específica de prevenção provoca uma mudança quanto ao timing de reação do terceiro interessado: a regra de ser reativo sofre cada vez mais pressões para ser pró-ativo ou, por outras palavras, busca-se transformar a cultura de resolução em uma cultura de prevenção (Lefkon 2003:737). O conceito de prevenção de conflitos continua “subdesenvolvido, subvalorizado, efêmero e altamente vago” e, na prática, quando se fala em medidas preventivas implementadas, têm-se resultados geralmente mesclados, sendo poucos e ambíguos os casos de sucesso no pós-Guerra Fria, enquanto é extenso o catálogo de ações fracassadas ou de oportunidades perdidas (CCPDC

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2001b:27)23. Apesar disso, não se pode negar a relevância da evolução e consolidação do conceito de prevenção, o que deixa patente a preocupação de alguns atores internacionais com o apelo moral e eventualmente político da questão. Nesse sentido, a despeito da falta de consenso entre os autores, saber que há métodos plausíveis e implementáveis de prevenção aumenta o nível de conforto dos tomadores de decisão, assim diminuindo o risco e o problema da falta de vontade política (Lund 2004:137). O avanço do discurso de prevenção também dá origem a uma cultura ou mentalidade que pode permitir que o conceito venha a se transformar em norma: “A retórica que rodeia as normas pode ser tão importante quanto à prática. A retórica dá apoio a uma norma quando as prescrições contidas na norma se tornam o foco da atenção política, através das mudanças na retórica, no discurso ou no comportamento. Então, atores podem se referir a uma norma para motivar e mobilizar ações coletivas, e para justificar ações” (Annika Björkdahl 2002:137)24.

Assim, embora haja diferentes expressões para um conceito que é promovido por uns e contestado por outros, as discussões são relevantes pela produção do conhecimento e pela possibilidade de serem consideradas um passo em direção a uma ação mais concreta.

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Tradução livre de: “Yet, in practice, conflict prevention has remained underdeveloped, undervalued, ephemeral, and largely elusive” (CCPDC 2001b:27). 24 Tradução livre de: “The rhetoric surrounding norms may often be as important to study as actual practice. Rhetorical support is given to a norm when the prescriptions embodied in the norm become, through changes in rhetoric, discourse or behavior, a focus of political attention. Actors may then refer to a norm to motivate and mobilize joint actions, and to justify actions” Björkdahl 2002:137).

2 O preventor internacional e o discurso de prevenção

“Contemporary preventive diplomacy relates to and implies a role for other protagonists, from the stateman to the businessman, from the journalist to the international organization, and from the banker to the NGO. World public opinion is itself concerned, and should be even more concerned – given what is at stake in the achievement of peace”.

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(Mohammed Bedjaoui 2000:47).

Como mencionado no capítulo anterior, as chances de sucesso aumentam quando “vários instrumentos são empregados para lidar com várias dimensões do conflito e (...) com vários níveis da cronologia do conflito” (ICISS 2001b:37)1. Assim, as chances de sucesso parecem ser maiores com o envolvimento de diferentes atores, “já que um único ator não possui todos os mecanismos necessários para um esforço preventivo específico” (Lund 1996:169)2. Esta tese segue a linha de Miall et alli (2005:109), entre outros, para quem, apesar de reconhecer

explicitamente

que

a

prevenção

de

conflitos

é

tarefa

e

responsabilidade primária dos governos, deve-se admitir a incorporação de discursos de outros atores, internacionais e domésticos, nas áreas com violência em potencial. A tese concentra-se na participação de atores internacionais na consolidação e implementação do conceito, o que será analisado a seguir.

O sujeito da prevenção (preventor) Os termos track-I diplomacy e track-II diplomacy são criados em 19811982 por William D. Davidson e Joseph Montville, em artigo publicado na 1

Tradução livre de: “Success is also improved when several different tools are employed to address different dimensions of a conflict and when they are chosen to match different levels in the chronology of a conflict (...)”. (ICISS 2001b:37). 2 Tradução livre de: “Given that no single actor is likely to possess all the tools required for a specific preventive effort (…)” (Michael S. Lund 1996:169).

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Foreign Affairs, intitulado Foreign Policy According to Freud. Não há tradução para o português – em livros ou artigos nesta língua, a expressão é utilizada em inglês. Segundo tais autores, e para os que se utilizam das expressões, a track-I diplomacy envolve os canais diplomáticos oficiais dos Estados enquanto a track-II diplomacy faz referência a métodos não-tradicionais, isto é, às ações de organizações não-governamentais, de indivíduos, de instituições privadas, etc. Em 1993, Louise Diamond e Arthur McDonald criam a expressão multitrack diplomacy – ou diplomacia multissetorial3 –, e elaboram uma lista com nove tracks que fazem parte de maneira integrada de uma ampla conduta diplomática. A diplomacia multissetorial englobaria a track-I e a track-II diplomacies de maneira simultânea, sendo realizada no setor governamental e em setores além do PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

governamental. De acordo com tais autores, os setores são os seguintes: (1) atores governamentais; (2) profissionais da área de resolução de conflitos; (3) pessoas relacionadas a negócios; (4) cidadãos comuns; (5) pesquisa, treinamento e educação; (6) ativistas; (7) religiosos; (8) financiamento e filantropia; (9) opinião pública e meios de comunicação. A ONG European Platform for Conflict Prevention adiciona outros três setores a essa lista, quais sejam: artes, esportes e mulheres, setores igualmente relevantes por exprimirem novas formas de diálogo entre grupos cujos interesses são conflitantes e que podem adotar a violência como manifestação de suas diferenças. Paralela à questão da diplomacia multissetorial está a diplomacia preventiva. Desde sua concepção oficial, em 1960, até a revitalização do conceito nos anos 1990, a diplomacia preventiva tinha por foco ações pontuais e de curto prazo, e envolvia medidas preventivas exclusivas de track-I diplomacy: “(...) apesar do uso original do termo “diplomacia preventiva”, a prevenção de conflitos não pode se restringir a certos meios de intervenção ou a atores específicos, como os diplomatas. Em princípio, ela pode envolver métodos e mecanismos de qualquer setor governamental ou não-governamental, seja ele rotulado como prevenção ou não (...). É claro que nenhum desses meios é eficaz de maneira automática, pela mera intenção e aplicação, pois isso vai depender de como eles são aplicados e dos resultados obtidos” (Lund 2004:139 – grifou-se)4. 3

Antes de empregar o termo em português, pedi permissão para o Institute of Multi-Track Diplomacy, fundado pelos criadores da expressão “multi-track diplomacy”. Expliquei-lhes, em um e-mail, o problema da tradução da palavra “tracks” e sugeri, como alternativa para a versão em português, o emprego do termo “setor”. A expressão em português seria, portanto, “diplomacia multissetorial”. A sugestão foi aceita pelo então Diretor Executivo Stan Siver, em maio/2004. 4 Tradução livre de: “Thus, despite the earlier use of the term ‘preventive diplomacy’, conflict prevention cannot be restricted to any particular means of intervention or implementing

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Esse conceito tem sido ampliado por alguns autores para incluir também a prevenção estrutural e para abranger iniciativas de diversos atores, em uma abordagem multissetorial, já que limitar a ação no nível da track-I, segundo Galtung, não é criativo tampouco não-violento (Galtung 1999, Scherrer 2002, Ackermann 2000, Leatherman et al. 1999 e Väyrynen 1995). Para lidar com atores de prevenção, esta tese emprega o nome preventores, já utilizado para indicar os fatores que evitam a violência (Hugh Miall et alli 2005:96) e também para indicar as atividades de prevenção (Aggestam 2003:14). Na tese, tal terminologia será empregada para designar os atores – domésticos e internacionais – envolvidos no processo de prevenção e

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seus níveis de atuação (Lund 1996b:44). Neste sentido, quando se fala em “abordagem multissetorial”, pretende-se englobar não apenas setores ou níveis de atuação, mas também os diferentes atores de prevenção, isto é, os preventores. As principais questões debatidas pelos autores no que se refere à abordagem multissetorial dizem respeito à (i) vontade política; (ii) ao processo de institucionalização do conceito; e (iii) à resposta coerente em timing adequado (Lund 2004:123). Os três aspectos estão interligados e têm íntima relação com as estratégias e mecanismos já explorados. A vontade política condiciona qualquer ação na esfera internacional e não apenas a que se refere à prevenção, mas é inegável a complexidade da mobilização de atores relevantes para que atuem de maneira efetiva antes da ocorrência de um evento que pode não se realizar. Nesse sentido, o contexto multilateral pode oferecer a vantagem de convencer ou “cooptar” diferentes preventores a incorporar no discurso e na prática algumas questões relativas à prevenção (Lund 2004:137), mas é preciso haver estrutura e informação adequadas sobre como a atividade multilateral se desenvolve em diferentes setores, sob pena de a ação ser ineficiente mesmo que exista vontade de adotar a diplomacia multissetorial (Miall et alli 2005:172).

actors, such as diplomats. In principle, it could involve the methods and means of any governmental or nongovernmental policy sector, whether labeled prevention or not (…). Of course, whether any such means are in fact conflict preventive (ie, effective) is not automatic from their mere intent and application, but depends on how they are applied and the results they actually obtain” (Lund 2004:139).

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Para lidar com a questão da estrutura “adequada”, alguns autores sugerem uma abordagem voltada para a internalização do conceito na estrutura do preventor, através de diferentes mecanismos de institucionalização. Tal movimento começa a ser debatido na academia em 1998-1999, ou seja, trata-se de uma discussão recente no meio intelectual embora já venha sendo implementada em organizações européias desde o início dos anos 1990, sendo o principal exemplo desse processo o da OSCE (Lund 2004:123). Por fim, no que se refere à resposta do preventor, ela precisa ser coerente com a realidade institucional e também com a situação de potencial violência para que aumente as chances de eficácia da medida de prevenção. A resposta está integralmente condicionada às etapas de um sistema de avisos prévios: a resposta

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apropriada depende da quantidade e qualidade da informação recebida a tempo de elaborar uma correta análise da situação in loco. Além disso, a resposta também está condicionada à efetiva transformação da análise da situação em uma recomendação política implementável. Segue-se, daí, à fase da implementação da política sugerida que, para aumentar as chances da eficácia, precisa ser empregada no momento propício do ciclo do conflito. Ou seja, a interpretação negligente ou o atraso no repasse da informação pode condenar todo o processo, deixando evidente que se trata de uma complexa dinâmica de procedimentos dentro de um espaço curto de tempo e para lidar com uma teia multidimensional das causas potenciais da violência, o que exige da resposta uma “precisão cirúrgica” quase impossível na prática. Assim, no contexto atual, “a capacidade para a resposta é descentralizada e multilateral, e tende a assim permanecer” (ICISS 2001b:43/37). Há diversas vantagens na abordagem multissetorial. Desde os anos 1990, a questão da inter-relação/interdependência entre as causas e entre as soluções passa a dominar a agenda de gestão e resolução de conflitos, o que tem reflexos no pensamento relacionado à prevenção. A prevenção de conflitos é considerada, por natureza, uma atividade multilateral, com diversas estruturas e organizações desempenhando papéis diferentes ao mesmo tempo (ICISS 2001b:41). Tais abordagens multidimensionais e multissetoriais conseguem integrar de maneira diferente e não-excludente as estratégias de track-I e de track-II e fortalecem a combinação de atividades e mecanismos pré-selecionados provenientes de diferentes atores (Cordula Reimann 2001:6).

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Apesar das vantagens, não acontece sem discussão a inclusão de diferentes atores em um esforço de prevenção. Os debates são variados nos governos dos hemisférios norte e sul, o que reflete as perspectivas e as desconfianças de cada Estado em relação a questões sobre intervenção com finalidades de prevenção. Entre alguns governos do sul predomina a ambígua visão de que, por um lado, os Estados ocidentais não investiriam recursos nem soldados para salvar vidas em países subdesenvolvidos e, por outro lado, haveria a suspeição de que a justificativa da prevenção pudesse acobertar interesses ocultos na prática da intervenção (Cousens 2004:105, Aggestam 2003:19). Este último tem sido o argumento de governos como os da Índia, Paquistão, Argélia e Egito para não conferir legitimidade à interferência externa fundamentada no princípio da

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prevenção (Stewart 2003:13). Há problemas inerentes à ação coletiva, o que torna difícil a coordenação. São vários os objetivos e os interesses dos diferentes atores – governos, OIGs, ONGs, instituições financeiras internacionais, mídia, entre outros – já que respeitam os interesses de suas próprias constituencies. Enquanto as OIGs e os governos estão limitados a questões relacionadas ao interesse nacional de quem representam, as ONGs geralmente se atêm aos interesses de seus fundadores, de seus diretores, de seus principais financiadores, devido à elaboração dos objetivos e pela definição da agenda e das políticas a serem adotadas. Como conseqüência, a interação é complexa e a coordenação tende a ser fraca na prática, embora seja altamente desejável por evitar o duplo trabalho e a superposição de mandatos. Com isso, a política de prevenção tem sido frequentemente reativa e sem coordenação com outras políticas, o que leva ao desperdício de recursos e a eventuais ações contraproducentes (Stewart 2003:17). Um “casamento por conveniência” sugere uma divisão de trabalho em que cada ator segue o seu mandato e se envolve na atividade que sabe desempenhar. Nessa linha, pode-se afirmar que as OIGs tendem a se limitar às regras da soberania e não-intervenção e restringem seu trabalho aos níveis mais altos da política, como os dos poderes executivo e legislativo, o que as deixa distante geralmente das atividades de campo e faz com que tenham maior hesitação em criticar os governos. Dentre as ONGs que se envolvem com a violência em potencial, a maioria não se preocupa com a violação da soberania, trabalha em campo com questões voltadas à promoção do bem estar e do desenvolvimento e, com isso, podem sugerir soluções

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nos níveis mais baixos da sociedade. A dificuldade do acesso aos níveis da alta política permite que as ONGs tenham geralmente maior abertura para criticar o governo. Segundo Albrecht Schnabel, a divisão de trabalho informal que tem ocorrido entre OIGs e ONGs na área de prevenção tende a seguir a mesma linha que divide as estratégias de prevenção estrutural e operacional: atores governamentais e intergovernamentais atuam na prevenção operacional, no curto prazo e através de mecanismos essencialmente diplomáticos, enquanto atores nãogovernamentais, como ONGs, universidades, igrejas e outros, tendem a se envolver em atividades de longo prazo, voltadas para a criação e estabilização de uma situação de paz positiva (Schnabel 2004:121). Owen Philip Lefkon, no

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entanto, acredita que as agências políticas já se encontram diante de medidas de prevenção estrutural e que as agências de desenvolvimento também desempenham atividades políticas. Segundo ele, é preciso assumir essa realidade e, enquanto os atores intergovernamentais continuarem despreparados para o envolvimento mais efetivo tanto no nível sub-estatal como em questões estruturais e de desenvolvimento, a prevenção de conflitos continuará sendo um objetivo praticamente inatingível (Lefkon 2003:737). Vê-se, portanto, que a questão da coordenação entre atores tão diferentes como OIGs e ONGs é complexa e exige pesquisas e debates mais aprofundados sobre as maneiras pelas quais elas podem ser realizadas e sobre as possíveis divisões de trabalho (Lund 1996b:169). Vale destacar que já ocorre a interação e coordenação ad hoc entre diferentes OIGs com fins de prevenção, entre OIGs e certas ONGs, e também entre órgãos de uma única OIG para a mesma finalidade (Aggestam 2003:18). A União Européia, por exemplo, desde 2001, tem nova abordagem para cooperar com as Nações Unidas em relação a prevenção de conflitos e a gestão de crises, o que sugere a troca de informação sobre situações de potencial violência e a cooperação nas missões de investigação (Helen Barnes 2002:2), ambas as atividades em fase de implementação. Outras OIGs, como a OSCE, também deixam evidente a necessidade de interagir com diferentes atores, sobretudo com a União Européia, ONU e OTAN. No caso da Macedônia, por exemplo, a missão da OSCE para Skopje teria contado com a colaboração da missão de paz da ONU na Bósnia, Croácia e Kosovo (UNPROFOR), do Alto Comissário da ONU para Refugiados (ACNUR), do Banco Mundial e do Fundo

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Monetário Internacional. Foi também essencial para a eficácia da missão da OSCE em Skopje a coordenação entre os órgãos da própria OSCE, mais especificamente com o Presidente-em-Exercício, o Secretário-Geral, o Centro de Prevenção de Conflitos, o Alto Comissário sobre Minorias Nacionais e o Escritório sobre Instituições Democráticas e Direitos Humanos (Norman Anderson 1999:52). Para lidar com o problema da coordenação de esforços intra e interinstitucionais e para superar a fragmentação temática, parte da literatura tem debatido a questão de priorizar o conceito de prevenção na agenda, através de uma “lente” de prevenção que irá direcionar e permear a discussão e a elaboração de políticas em variados setores de maneira a torná-los sensíveis aos impactos,

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positivos ou negativos, que podem ter em situações de potencial violência (Luc van de Goor e Suzanne Verstegen 2003:287). Este conceito tem sido chamado de mainstreaming conflict prevention desde 1998-1999, quando é empregado por parte da literatura de prevenção. Luc van de Goor e Martina Huber, os primeiros defensores do conceito, definem-no como o estabelecimento de uma “cultura de prevenção” que irá influenciar e condicionar mecanismos e procedimentos na linha de um grande objetivo político, o da prevenção de conflitos. Nesse sentido, continuam os autores, a questão priorizada é incorporada de maneira sistemática em áreas essenciais da organização e se torna parte integral da mesma (Luc van de Goor e Martina Huber 2002). A idéia de priorizar o conceito de prevenção e os elementos que lhe são característicos começa a ser defendida também por representantes de organizações internacionais, também de outros potenciais preventores. A criação de sistemas de avisos prévios e a implementação de respostas preventivas têm sido priorizadas nas atividades regulares de organizações como a ONU e a Comissão Européia, devido ao reconhecimento de que a prevenção vai além de um único setor para envolver também, além da diplomacia, questões ligadas a desenvolvimento, democracia, direitos humanos, assuntos militares, meio-ambiente, comércio internacional e finanças (Lund 2004:121). Uma das conseqüências subjetivas de se priorizar um conceito como o de prevenção de conflitos é a de criar uma cultura propícia à segurança humana no contexto das instituições e também fora delas (Schnabel 2004:120).

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Já que o conceito de prevenção foi criado e, sobretudo, evoluiu fora do meio estritamente acadêmico, as iniciativas e os debates de alguns preventores internacionais em potencial são mencionados nas próximas páginas, em uma amostra do que tem sido produzido sobre o conceito nos últimos 15 anos. 2.1 Organização das Nações Unidas (ONU) É difícil saber a data inicial dos discursos e de outros esforços favoráveis à prevenção dentro da ONU. O Secretariado é o primeiro órgão da organização a expressar preocupação com a diplomacia preventiva em um documento formal, em meados de 1960. Foram três os secretários-gerais da organização que se PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

envolveram com a consolidação do conceito, cada um nos limites de seu tempo: Dag Hammarskjöld (1953-1961), Boutros Boutros-Ghali (1992-1996) e Kofi Annan (1997-2006). A retórica sobre prevenção também alcançou a Assembléia Geral e o Conselho de Segurança, além de alguns programas e agências, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento5, Departamento para Assuntos de Desarmamento6, UNESCO7, Banco Mundial, e outros. O termo “diplomacia preventiva” é utilizado pela primeira vez no contexto da ONU em 1960, no discurso anual para a Assembléia Geral do então secretáriogeral Dag Hammarskjöld8. A definição de Hammarskjöld contém os seguintes elementos: o objeto da prevenção é composto por guerras menores que poderiam ser transformadas em proxy wars; o sujeito da prevenção é a ONU, através de seus secretários-gerais, seus representantes e do Conselho de Segurança; e o instrumental da prevenção estaria previsto sobretudo no Capítulo VI da Carta, junto com o envio de missões de paz à luz do Capítulo VII (Lund 1996b:33). A expressão cunhada por Hammarskjöld, apesar da relevância histórica e normativa, recebeu pouca atenção durante a Guerra Fria. O interesse em prevenção é renovado dentro da ONU e de outras esferas políticas internacionais no início da década de 1990, especialmente depois da divulgação da Agenda para

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Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 7 Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 8 Dag Hammarskjöld, Relatório Anual do Secretário-Geral sobre o Trabalho da Organização (16.06.1959-15.06.1960). 6

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a Paz, elaborada por Boutros Boutros-Ghali, em junho de 1992, a pedido do Conselho de Segurança9. O documento de Boutros-Ghali elenca quatro estratégias diplomáticas de lidar com os conflitos contemporâneos - a diplomacia preventiva, o peacekeeping, o peacemaking e o peacebuilding – em que o primeiro é “a forma mais desejável e eficiente de diplomacia” (§23). O objeto da diplomacia preventiva, segundo essa definição, são as disputas antes de assumirem uma face violenta (§21) (Lund 1996b:34). O sujeito do conceito revisitado repete a lógica de Hammarskjöld, mantendo as principais iniciativas no nível das organizações internacionais – não apenas enumera a ONU, seus órgãos, agências, programas e fundos, mas também inclui explicitamente a possibilidade de cooperação de organizações regionais (§23). No que se refere ao instrumental de prevenção, este

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permanece no nível da diplomacia tradicional, envolvendo: (i) medidas para criar a confiança entre as partes (§24); (ii) avisos prévios elaborados a partir da coleta de informação em fontes formais e informais (§§25-27); e (iii) pode envolver também o envio de tropas preventivas e, em alguns casos, a criação e manutenção de zonas desmilitarizadas (§§28-33). No mesmo contexto foram elaborados pelo Secretário-Geral outros dois relatórios que envolvem situações direta e indiretamente relacionadas à prevenção de conflitos contemporâneos: a Agenda para o Desenvolvimento (1994) e a Agenda para a Democratização (1996)10. Kofi Annan, por sua vez, contribuiu para o debate da prevenção com quatro relatórios. Em 1998, dois relatórios refletem a nova e mais ampla abordagem sobre prevenção: (1) As Causas dos Conflitos e a Promoção da Paz Duradoura e do Desenvolvimento Sustentável na África (abril/1998) e (2) Relatório Anual do Secretário-Geral sobre o trabalho da ONU (agosto/1998)11. Boa parte de seu trabalho, em ambos os casos, reflete as preocupações do órgão com a prevenção. O apelo é por maior ênfase na ação preventiva, que é prejudicada no âmbito da ONU devido à mentalidade dominante que provê

9 Boutros Boutros-Ghali, An Agenda for Peace - preventive diplomacy, peacemaking and peace-keeping. Relatório do Secretário-Geral a partir da declaração adotada pelo encontro de cúpula do Conselho de Segurança de 31.01.1992 (A/47/277 - S/24111, de 17.06.1992). 10 Agenda para o Desenvolvimento (A/48/935): ; Agenda para a Democratização (A/51/761): . Acesso em: 10 fev. 2007. 11 Ambos os documentos estão disponíveis em: e (UN Doc A/53/1, sobretudo §§25-55). Acesso em: 10 fev. 2007.

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grandes quantidades de recursos para curar conflitos armados, e não para evitá-los (§25). Segundo Kofi Annan, os instrumentos ligados à ação envolvem a diplomacia preventiva, o envio preventivo de operações de paz e esforços relacionados ao desarmamento. Em 1999, mais um relatório anual de Kofi Annan dirigido à Assembléia Geral dá destaque a relevância da prevenção de guerras e de desastres12 e, em 2001, um novo documento dedica-se integralmente ao tema, intitulado Prevenção de Conflito Armado (Prevention of Armed Conflict)13. Tal publicação é mais uma vez divulgada no discurso anual do secretário-geral sobre o trabalho da organização perante a Assembléia Geral e sua relevância está na sugestão da criação de novos mecanismos no âmbito não apenas de governos, organizações

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regionais e da própria ONU, mas também da sociedade civil organizada, para dar conta da ação preventiva em diferentes estágios do conflito. Ainda enquanto secretário-geral, e no que diz respeito à prevenção, Annan contribui para a criação do cargo de Consultor Especial sobre a Prevenção de Genocídio, vinculado ao Secretariado (2004)14, e também fomenta a realização do primeiro congresso que inclui a sociedade civil nos debates sobre prevenção da ONU (2005)15. No que se refere ao Conselho de Segurança, Cousens atenta para o fato de os incentivos para a ação serem baixos na ausência de violência e, além disso, não parece ser eficaz envolver o Conselho e consequentemente a opinião pública em crises de que se pretenda tratar de maneira discreta (Cousens 2004:106). De qualquer forma, não se pode deixar de conferir destaque à prática do Conselho de Segurança, no imediato pós-Guerra Fria, de ampliar a interpretação de “ameaça à paz e à segurança internacionais” para incluir também conflitos domésticos, como o da Somália (S/RES/733, 23.01.92 e S/RES/751, 24.04.92) e para lidar com medidas repressoras de minorias ou de civis (S/RES/688 §1, 15.04.91 e S/RES/1296 §5, 19.04.2000). Duas resoluções mais recentes inserem direta e indiretamente a prevenção de conflitos na agenda do Conselho: a Resolução 1325 12

Prevenção de Guerras e Desastres: . Acesso em: 10 fev. 2007. 13 Prevenção de Conflito Armado: . Acesso em: 10 fev. 2007. 14 Consultor Especial: . Acesso em: 10 fev. 2007.

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(2000), sobre mulheres, paz e segurança e, sobretudo, a Resolução 1366 (2001)16, sobre o papel do próprio Conselho na prevenção de conflitos armados. Na resolução, o Conselho sustenta que a responsabilidade primária sobre prevenção é dos governos, reiterando que a ONU só age após o consentimento e o apoio dos mesmos e, no entanto, a resolução também sugere que atores internacionais – aí incluída a sociedade civil – têm condições de contribuir para os esforços nacionais em direção à prevenção de conflitos armados. A Assembléia-Geral, por sua vez, começa a tratar de prevenção de conflitos armados em 1999, com a Declaração e o Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz17. Em 2003, a Resolução 57/337 sobre a Prevenção de Conflitos Armados é adotada pelo órgão18. Apesar de não ter valor jurídico, no sentido da

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não-obrigatoriedade aos signatários, a resolução tem legitimidade e valor políticomoral por envolver o órgão mais democrático da organização, e as idéias nela promovidas fortalecem o discurso iniciado pelo Secretário-Geral. Para finalizar o sistema ONU, vale dar destaque a duas outras iniciativas em que está presente a prevenção de conflitos: o conceito aparece na abordagem da ONU para o novo milênio (tanto na Declaração para o Milênio como no Relatório para o Milênio) e também no Relatório Brahimi sobre as operações de paz da ONU (21.08.2000)19. Enquanto no Relatório para o Milênio o SecretárioGeral afirma que “cada passo em direção à redução da pobreza e ao crescimento econômico amplo (...) é um passo em direção à prevenção de conflitos”20, no Relatório Brahimi é reconhecida a necessidade de se desenvolver uma estratégia clara na estrutura permanente da ONU de maneira a possibilitar a criação de mecanismos preventivos de longo e curto prazos para lidar com o peacebuilding em missões de paz complexas.

15 A conferência intitulada “Global Conference on the Role of Civil Society in the Prevention of Armed Conflict” foi realizada na sede da ONU em Nova Iorque (19-21/07/2005). 16 S/RES/1366 (2001). Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 17 A/RES/53/243 (06.10.99). 18 Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 19 O Brahimi Report, resultado do Panel on UN Peace Operations, está disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 20 Tradução livre de: “every step taken towards reducing poverty and achieving broadbased economic growth (…) is a step towards conflict prevention”, disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007.

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Apesar dos avanços, o sistema ONU parece despreparado para efetuar a mudança em direção a uma cultura de prevenção enquanto permanecer limitado ao nível estatal. As principais dificuldades envolvem: (i) a estagnação do conceito de prevenção na ONU aos canais tradicionais da diplomacia, salvo raras exceções; (ii) a falta de ação efetiva sempre que não houver consentimento por parte do governo envolvido; e (iii) a fragmentação temática das agências da ONU e a dificuldade que terão de elaborar procedimentos coerentes e uníssonos em prol da prevenção (Lefkon 2003:673-674). 2.2 Organizações regionais européias

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A região européia tem sido a principal responsável por promover o discurso de prevenção e por incorporar mecanismos preventivos no aparato institucional de alguns de seus arranjos. Das organizações européias mais proeminentes, destacam-se a Conferência/Organização para Segurança e Cooperação na Europa (CSCE/OSCE), a Comunidade/União Européia (CE/UE), o Conselho da Europa (CoE) e a União da Europa Ocidental (Western European Union), das quais as duas primeiras receberão mais atenção e serão analisadas por último, devido à relevância de ambas para os casos do Kosovo e da Macedônia durante os anos 1990. Mais adiante, também serão mencionados os principais documentos sobre prevenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e de outros atores internacionais relevantes. 2.2.1. Conselho da Europa (CoE) Embora todos os 27 membros da União Européia estejam entre os 46 membros do Conselho da Europa, ambas as organizações são distintas e não fazem parte da mesma estrutura. O principal papel do Conselho da Europa, desde a sua fundação (1949), tem sido o de reforçar e promover valores liberais entre seus Estados membros, como a democracia, os direitos humanos e o Estado de

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Direito21. Tal organização demonstra esforços para convencer seus Estadosmembros a respeitar os direitos de minorias, que é seu principal objetivo institucional, o que pode ser interpretado como medida preventiva quando se considera que a maioria dos conflitos contemporâneos, sobretudo no território europeu, envolve questões de violação dos direitos fundamentais desses grupos. O documento mais relevante no sentido da consolidação do direito das minorias foi a elaboração, em 01.02.1995, da Convenção para a Proteção das Minorias Nacionais (Framework Convention for the Protection of National Minorities)22. É um documento obrigatório aos signatários e tem relevância histórica por ser o primeiro do gênero a lidar com direitos de grupos minoritários,

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sobretudo sobre direitos lingüísticos. 2.2.2. União da Europa Ocidental (UEO) Desde 1992, com a Declaração de Petersburgo (19.06.1992)23, a União da Europa Ocidental (UEO) tem contribuído para a construção do conceito de prevenção e se insere, enquanto organização, no aparato mais amplo de prevenção de conflitos e de gestão de crises da região européia. Tal declaração sugere formas de cooperação da UEO nessas duas áreas com a CSCE/OSCE e também com as Nações Unidas (Jan Wouters e Frederik Naert 2004:37). Outro ano relevante para a prevenção de crises no âmbito da UEO é 1995, quando o Conselho Extraordinário de Ministros, após reunião em Madri, adota o documento “Segurança Européia: um conceito comum aos 27 países da UEO” (14.11.95)24.

21

2007.

Disponível em: . Acesso em: 10 fev.

22 Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 23 Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 24 Os membros da União da Europa Ocidental são separados por quatro diferentes status. De acordo com o original Tratado de Bruxelas (1954), são Estados-membros: Alemanha, Bélgica, Espanha (1990), França, Grécia (1995), Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal (1990) e Reino Unido. O Tratado de Roma (1992) conferiu status de Membros Associados para República Tcheca, Hungria, Islândia, Noruega, Polônia (1999) e Turquia, e status de Observadores para: Áustria (1995), Dinamarca, Finlândia (1995), Irlanda e Suécia (1995). O tratado de Kirchberg (1994) conferiu status de Parceiros Associados para Bulgária, Estônia, Eslovênia (1996), Lituânia, Letônia, Eslováquia e Romênia. Desde 01.01.2002, as partes concordam que não haverá atualização ou revisão do status dos Estados que não são membros integrais (http://www.weu.int).

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Depois de uma reestruturação na década de 1980 e início dos anos 1990, a organização foi sendo aos poucos incorporada pela União Européia, sendo um dos aspectos comuns o compartilhamento do secretário-geral. Desde 18.10.1999, Javier Solana é secretário-geral do Conselho da União Européia e Alto Representante para a PESC/UE e, desde 25.11.1999, é também secretário-geral da UEO, onde desempenha funções residuais, isto é, aquilo que não for relacionado à gestão e prevenção de crises, já que essa função foi incorporada à União Européia25. Assim, porque a organização está em processo de transformação e provável estagnação institucional, a questão de prevenção de conflitos não está

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mais na agenda, tendo sido incorporada pela UE. 2.2.3. Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) A Conferência/Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE/OSCE) é pioneira tanto na discussão de um conceito de prevenção como, principalmente, na implementação de tal conceito (Jan Eliasson 1996:227, Marc Cogen 2004:215). Desde o início da década de 1990, quando a conferência começava o processo de se institucionalizar e se transformar em uma organização (o que só é concluído em janeiro/1995), havia discussões sobre direitos de minorias, em linha semelhante à de outras organizações regionais como o Conselho da Europa. Em 29.06.1990, o Encontro de Copenhagen sobre a dimensão humana da CSCE adota um documento primordial, contendo regras básicas sobre direitos das minorias, com o qual os Estados-membros se comprometeram26. Na mesma linha, em 1995, é promulgada pelo Conselho da Europa a Convenção para a Proteção das Minorias Nacionais, como versão legal e obrigatória do documento de Copenhagen que, exatamente por isso, deixou de ser ratificada por vários Estados da CSCE/OSCE. Ainda assim, ressalta-se a sua legitimidade enquanto fonte de consolidação de várias discussões sobre direitos das minorias, que é assunto caro à prevenção de conflitos contemporâneos na Europa.

25

Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 26

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A possibilidade de a CSCE/OSCE se envolver em conflitos internos e de criar exceções à regra da não-intervenção – estabelecida pelo documento fundador da CSCE (Ato Final de Helsinki, 01.08.1975)27 – também era tema de debates durante o processo de institucionalização da organização. Em um encontro de especialistas em minorias nacionais realizado em Genebra, em 01.07.1991, concluiu-se que as questões ligadas a minorias nacionais, em território europeu, seriam matéria de preocupação internacional, não sendo exclusivas do Estado em questão28. A aceitação desse preceito pelos Estados-membros deixa patente que, a partir de então, a OSCE poderia lidar com questões de minorias dentro de países europeus. Como as principais demandas dos conflitos do pós-Guerra Fria envolvem a proteção e promoção de direitos de minorias nacionais dentro de um

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Estado específico, o passo seguinte foi a criação, em 1992, de dois mecanismos integralmente voltados à prevenção de conflitos: o Alto Comissário sobre Minorias Nacionais e o Centro de Prevenção de Conflitos. Ambos serão analisados no Capítulo 3, referente à implementação do conceito. Desde o início da institucionalização da organização, resta evidente que o objetivo da mesma em questões de segurança é atuar em todas as fases do conflito. A forma de ação na maioria de suas atividades, sobretudo nas de prevenção, segue a regra da discrição, fazendo com que o sucesso do trabalho, em grande medida, seja mantido longe dos olhos do grande público (Walter A. Kemp 1999:40): “Muitas das atividades da OSCE são elaboradas para evitar conflitos ou crises ou, por outras palavras, pretendem evitar ‘notícias’. Se a prevenção funciona, ela impede eventos dramáticos e ‘midiáticos’ de acontecerem” (Kemp 1999:39)29

Assim, a relevância da discrição para os Estados da OSCE aparece claramente na estrutura e na finalidade do Alto Comissário sobre Minorias Nacionais (ACMN), cujo mandato é o de ser “o principal instrumento de

27

Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 28 Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 29 Tradução livre de: “Many of the OSCE’s activities are designed to avoid creating conflicts or crises; or in other words ‘news’. If prevention works, it stops dramatic or ‘newsworthy’ events from happening” (Walter Kemp 1999:39).

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prevenção de conflitos da OSCE”, atuando no “estágio mais cedo possível”30. Além da discrição, a OSCE oferece outra contribuição à discussão de prevenção através da utilização de uma abordagem cooperativa de segurança, que também aparece no mandato do ACMN: para maximizar a eficácia da medida de prevenção, o ACMN tenta fomentar a confiança no governo com o qual a instituição pretende atuar – o que é facilitado graças à discrição enquanto principal forma de ação e à necessidade do consentimento do governo (Eliasson 2000:227). 2.2.4. Comunidade Européia (CE) / União Européia (UE)

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Certos autores procuram demonstrar que as ações da Comunidade/União Européia em relação à prevenção de conflitos podem ser enquadradas em um contexto mais amplo de esforços internacionais quanto à consolidação do conceito (Wouters e Naert 2004:34). No entanto, a União Européia parece chegar um pouco atrasada em relação a outras organizações também européias na retórica de prevenção e, principalmente, na formulação de mecanismos de implementação. Na época da formação das comunidades européias, com o Tratado de Paris (1951) e os Tratados de Roma (1957-1958), o principal foco da integração regional mantinha-se na dimensão econômica da política externa dos Estadosmembros, embora não deixasse de versar sobre a gestão de crises e prevenção de certos conflitos, ainda que de maneira indireta. Somente a partir dos anos 1970 esse objetivo fortemente econômico é ampliado, com o programa de Cooperação Política Européia (European Political Cooperation - EPC), criado por decisão dos Ministros de Relações Exteriores em 27.10.1970 e que, alguns anos mais tarde, daria base ao Ato Único Europeu (1986)31. Os fundamentos da política externa da Comunidade Européia começam a ser modificados substancialmente com o Tratado de Maastricht (1992), ou Tratado da União Européia (TUE), e o Tratado de Amsterdã (1997). Em Maastricht, a Cooperação Política Européia é incluída no contexto institucional da União enquanto seu segundo pilar e o programa é reestruturado e renomeado para 30

Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007.

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Política Externa e de Segurança Comum (PESC). Enquanto a EPC versava sobre os aspectos políticos e econômicos da segurança, a PESC engloba todas as áreas de política externa e segurança (art. 11(1) TUE) (Wouters e Naert 2004:35). A prevenção de conflitos está inserida na PESC desde sua origem institucional, em 1992, o mesmo ano que têm início os debates sobre prevenção em outras organizações européias, como a CSCE/OSCE. Em relatório endereçado ao Conselho Europeu de Lisboa, vê-se que a prevenção de conflitos está explicitamente incluída na lista dos objetivos específicos da PESC:

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“(...) a PESC deve contribuir para garantir que a ação externa da União seja menos reativa aos eventos do mundo, e mais pró-ativa na (...) criação de um contexto internacional mais favorável. Isso permitirá que a União Européia aumente sua capacidade de lidar com os problemas em suas origens de modo a antecipar a eclosão de crises”32 (grifou-se).

A agenda da organização passa a incorporar o conceito de prevenção com as discussões nos Conselhos Europeus de Colônia (jun./1999), Helsinki (dez./1999), Santa Maria de Feira (dez./2000), Nice (dez./2000) e Göteborg (jun./2001), e também em menor escala em Laeken (dez.2001) e em Bruxelas (dez.2003)33, cujas conclusões sugeriam que a União Européia desenvolvesse mecanismos de prevenção de conflitos e gestão de crises através da adaptação da estrutura civil e militar já existente, o que começa a ser feito sobretudo no Conselho da União Européia e na Comissão Européia. Na primeira metade dos anos 1990, uma das principais preocupações referia-se à relação entre a ajuda para o desenvolvimento e a utilização de um conceito inclusivo (comprehensive) de segurança, tal como também considerado pela OCDE, a ONU, o G8 e o Banco Mundial (Wouters e Naert 2004:57). Mesmo

31

Sobre política externa, ver o art. 30, parte III. Tradução livre de: “(…) the CFSP should contribute to ensuring that the Union’s external action is less reactive to events in the outside worlds, and more active in (…) the creation of a more favourable international environment. This will enable the European Union to have an improved capacity to tackle problems at their roots in order to anticipate the outbreak of crises” (Relatório ao Conselho Europeu de Lisboa. Doc. 92/257, disponível em: ). Acesso em: 10 fev. 2007. 33 Colônia: ; Helsinki: ; Santa Maria de Feira: ; Nice: ; Göteborg: ; Laeken: ; Bruxelas: . Acessos em: 10 fev. 2007. 32

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antes do Tratado de Maastricht, a Comunidade Européia adotava políticas no campo do desenvolvimento e o TUE teria apenas formalizado tal prática34. A partir do final da década, o conceito de prevenção parece se inserir com mais afinco na agenda do Conselho Europeu, sobretudo após os esforços das presidências da Suécia e da Bélgica em 2001, quando vários documentos são assinados no nível da alta política35. A complexidade e a tradição burocrática da UE levaram à construção da tabela abaixo, na tentativa de sistematizar as principais iniciativas para a consolidação do conceito de prevenção36:

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Ano 1995/ jun. 1997

1998/ nov. 1999/ jan. 2000/ jun.

2000/ dez. 2001/ abril

2001/ jun. 2001/ jun.

Órgão/Documento Parlamento Europeu Conselho da União Européia. Doc. 8631/97, Press 329, Part III A1 Conselho Europeu – Conclusões §4 (30.11.98) Conselho da União Européia. Res. de 21.05.99, §5 Conselho Europeu – Santa Maria de Feira Conclusões, Anexo I, Parte IV, §3º Conselho Europeu - Nice. Conclusões, Anexo VI, Parte II Comissão Européia COM 2001, 211, final (11.04.2001).

Conselho de Assuntos Gerais (11/06/2001) Conselho Europeu Göteborg. Conclusões. (15-16/06/2001)

34

Evolução conceitual e comentários Proposta de criar um centro de análises de informações relevantes à ação preventiva. Proposta não implementada. Resolução sobre a Coerência entre a cooperação para o desenvolvimento da UE e outras políticas. O Conselho da UE recomenda a adoção de medidas para aprimorar o papel das políticas de desenvolvimento para fins de prevenção. A promoção do desenvolvimento social, sozinha, não evita o conflito violento. Relação entre prevenção/gestão de conflitos e armas leves, na qual se pede que armas leves sejam levadas em consideração quando da elaboração de políticas de desenvolvimento Pedido ao Secretário-Geral e à Comissão de submeter ao Conselho Europeu de Nice que sejam desenvolvidas recomendações sobre como melhorar a coerência e a eficácia da UE na prevenção de conflitos. Reconhecimento de que capacidades/recursos militares podem servir à prevenção. Os Estados-membros reconhecem que a União Européia deve desenvolver uma abordagem coerente com gestão de crises e prevenção de conflitos. Comunicado sobre Prevenção de Conflito37. Ressalta o papel de mecanismos da UE de curto e longo prazos para lidar com crises, com o objetivo de estimular uma perspectiva mais coordenada entre eles e de aumentar a eficácia da UE38. Os programas de desenvolvimento são vistos pela Comissão como os principais instrumentos de ação preventiva de longo prazo. Criação de modalidades de cooperação ONU-União Européia, com objetivo de intensificar a interação na área da prevenção Decisão de fortalecer a cooperação com parceiros externos, sobretudo com a ONU, a OSCE e ONGs. Criação do Programa da União Européia para a Prevenção de Conflitos Violentos, com designação de responsabilidade compartilhada entre a organização e seus Estados-membros.

Ver o atual Título XX, arts. 177-181, que versam sobre desenvolvimento sustentável, redução da pobreza, entre outras políticas ligadas à prevenção de conflitos. 35 Presidências: Suécia e Bélgica . 36 Tabela elaborada a partir das seguintes fontes: Wouters e Naert 2004:58-59, Cogen 2004:216-217 e European Commission, “Conflict Prevention and Civilian Crisis Management” . Acesso em: 10 fev. 2007. 37 Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 38 Mecanismos da União Européia designados pela Communication on Conflict Prevention para lidar com crises e que devem ser adaptados à prevenção de conflitos: (i) Country/Regional Strategy Papers; (ii) Check-list for root-causes of conflicts; (iii) Rapid Reaction Mechanism.

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2001/ dez. 2003/ dez.

Conselho Europeu – Laeken. Conclusões §54. (14-15/12/2001). Conselho Europeu – Bruxelas (12/12/2003).

O Conselho reconhece seus próprios esforços para aprimorar os instrumentos de cooperação com países afetados por conflitos Ampliação do conceito de segurança com a Estratégia de Segurança Européia (European Security Strategy)

Como se percebe, a questão do desenvolvimento tem sido o foco das discussões sobre prevenção no âmbito do Conselho Europeu, principal responsável pela elaboração da agenda política da União. A Comissão Européia também participa do debate sobre a evolução e promoção do conceito e sua relação com o desenvolvimento, o que foi substancialmente alterado a partir do ano de 2001. Como é destacado por Simon Duke, até o fim de 2002 o site da Comissão sobre desenvolvimento continha uma lista de definições que

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diferenciava “prevenção de conflito” de “peacebuilding”, em que o primeiro se referia a ações de curto prazo para reduzir tensões e/ou para evitar a eclosão ou recorrência de conflitos violentos, e o segundo envolvia ações de médio e longo prazos para lidar com as causas profundas de um conflito violento de maneira direcionada39. A despeito disso, tanto a Comissão como o Conselho sugeriram ou adotaram medidas de longo prazo quando utilizam o termo prevenção de conflitos entre 2001 e 2002, o que simboliza a rápida evolução do conceito na organização e deixa claro que nem sempre há consenso quanto à utilização do termo ou do conceito (Wouters e Naert 2004:63). A estrutura da UE apresenta problemas pois parece não ser coerente com o conceito de prevenção promovido pela própria organização, apesar das iniciativas institucionais desde 199740. Nesse sentido, Wouters e Naert demonstram a incoerência entre o objetivo de prevenção da PESC e certas políticas domésticas da União a partir do exemplo dos subsídios agrícolas para fazendeiros europeus, responsáveis por gerar efeitos negativos em alguns países em desenvolvimento (Wouters e Naert 2004:59).

39

A página está disponível no arquivo da UE e pode ser acessada através do link: . Acesso em: 10 fev. 2007. Créditos a Simon Duke, The EU and Crisis Management. Development and Prospects, Maastricht, EIPA 2002:xiv-xv, apud Wouters 2004:63, n220. 40 Sobre a coerência das políticas da União Européia para o desenvolvimento, ver: . Acesso em: 10 fev. 2007.

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2.3 Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) A Organização do Tratado do Atlântico Norte emprega o termo crise de forma abrangente e essencialmente politizada, o que leva à falta de consenso entre os Estados-membros em relação à implementação do conceito. A definição oficial de crise, desenvolvida por um sub-comitê da organização que trabalha com pesquisa de campo, engloba todas as possibilidades de ação previstas pela Carta da OTAN, como se pode concluir do trecho que se segue: “uma situação nacional ou internacional onde há ameaça a valores, interesses e objetivos prioritários”41. Diferente de crise, o termo conflito é empregado para designar conflito armado e as políticas da OTAN em relação a essa situação envolvem a prevenção e a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

resolução da violência, com medidas que vão desde a escalada e “desescalada”, até a construção de uma nova ordem estável (John Kriendles 2004:417). É possível sugerir que a OTAN, desde a origem, está envolvida com a gestão e contenção de crises e com a prevenção de conflitos, o que seria decorrente da interpretação do art. 4º da Carta. Segundo esse artigo, “As Partes consultar-se-ão sempre que, na opinião de qualquer delas, estiver ameaçada a integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma das Partes”42. Tal previsão legal implica na necessidade de manter abertos os canais diplomáticos em tempos de crise, de modo a evitar a escalada da violência através da diplomacia preventiva. A consulta no início era restrita às partes mas, após a criação do programa Partnership for Peace, não-membros também participam das discussões43. Em 1997, quando do início da crise doméstica na Albânia, por exemplo, o Estado já fazia parte do programa PfP e, em resposta às demandas do governo albanês, os aliados mobilizaram recursos para prover assistência à

41

Ad Hoc Working Group, no Painel VII do Defence Research Group (AC/43), em atividade de 1953-1958. 42 Artigo 4º da Carta da OTAN, disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. 43 O programa é lançado pela OTAN em 1994 com objetivo explícito de aumentar o nível de confiança e troca de informação, e o objetivo implícito de exercer maior influência política e militar sobre os Estados da parceria. Dos Estados dos Bálcãs, são essas as datas de admissão ao programa: Albânia (23.02.1994), Bósnia-Herzegovina (14.12.2006), Bulgária (14.02.1994), Croácia (25.05.2000), Eslovênia (30.03.1994), Macedônia (15.11.1995), Montenegro (14.12.2006) e Sérvia (14.12.2006). Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007.

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reconstrução de instituições internas voltadas para a gestão de crises (Kriendler 2004:418, n15). Há dois momentos na história da OTAN da década de 1990 que merecem destaque, criados nas Cimeiras de Roma (1991) e de Washington (1999). Em Roma, em 08.11.1991, os Estados-Membros decidem pela criação do Novo Conceito Estratégico, de maneira a moldar o papel da organização no pós-Guerra Fria e a adaptar seu instrumental militar e essencialmente interestatal às diferentes ameaças do período (Diego A. Ruiz Palmer 2006). Kriendler sustenta que, nesse novo contexto político e estratégico europeu, o sucesso das políticas de preservar a paz e evitar a guerra dependeria da eficácia da diplomacia preventiva e da gestão das crises que afetariam a segurança dos Estados-membros (Kriendler 2004:416).

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O Novo Conceito Estratégico recebe diferente roupagem na Cimeira de Washington, em 24.04.1999, à época da comemoração dos 50 anos da OTAN e durante os bombardeios nos territórios sérvio e kosovar. A ampliação do conceito é relevante para este trabalho por transformar a prevenção de conflitos e a gestão de crises em uma das principais e fundamentais tarefas de segurança da OTAN44. A forma de lidar com crises sofreu modificações tanto após o 11/setembro, para incluir questões relacionadas a terrorismo e armas de destruição em massa (Kriendler 2004:419), como por conta do forçado processo de adaptação institucional após as intervenções da organização na Bósnia e no Kosovo durante os anos 1990 (Francis A. Gabor 2004). 2.4 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) Desde 1995, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem contribuído para o debate sobre o conceito de prevenção através de sua relação com a assistência para o desenvolvimento em situações de potencial violência (OCDE Policy Brief, out.200245). Foram elaborados diversos documentos relacionados ao conceito de prevenção, dos quais os mais relevantes são um guia de 1997 e um documento de 2001, cada vez mais mencionados por

44 45

2007.

Press Release NAC-S (99) 65, 24.04.1999, § 10. Disponível em: . Acesso em: 10 fev.

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autores da área e também por representantes de organizações interessadas na consolidação ou implementação do conceito. A maioria dos documentos sobre prevenção, inclusive o de 2001, foi publicada por um órgão específico da OCDE, o Comitê de Assistência ao Desenvolvimento (Development Assistance Committee - DAC). Em 1995, o DAC cria uma força-tarefa para sofisticar o pensamento dominante na organização e elaborar documentos sobre prevenção de conflitos, com a explícita preocupação de relacionar o conceito à ajuda para o desenvolvimento (Wouters e Naert 2004:57). Em 1997, um ano-chave não apenas para a OCDE mas também para a União Européia, um encontro do mais alto nível do DAC adota, juntamente com governos doadores, um manual de princípios

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intitulado DAC Conflict, Peace and Development Co-operation on the Threshold of the 21st Century, que se tornou uma das mais claras declarações oficiais sobre o aspecto político do auxílio ao desenvolvimento. Em 2001, novamente um ano-chave para a OCDE e para a União Européia, outra reunião do DAC em seu mais alto nível elabora e publica o DAC Guidelines on Helping Prevent Violent Conflicts46, que contém os princípios fundamentais do documento de 1997 e inclui argumentos suplementares ao mesmo. Juntos em um único “guia”, ambos os documentos “exploram formas pelas quais os governos doadores podem honrar seu compromisso em ajudar a evitar o conflito e a promover a paz” (OCDE 2001)47. A idéia por trás desta política é a de promover o mainstreaming conflict prevention no âmbito da OCDE. Sugere-se, por outras palavras, a criação de uma “lente” através da qual os governos doadores enxerguem e elaborem suas políticas de modo que sejam coerentes com o desenvolvimento, independente de serem medidas relacionadas a comércio, investimento ou política externa, minimizando assim o potencial de efeitos colaterais negativos (OCDE 2001:18).

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2007.

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Disponível em: . Acesso em: 10 fev.

Tradução livre de: “Together they explore ways for donor governments to honour their commitment to help prevent conflict and promote peace”.

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2.5 Instituições financeiras internacionais (IFIs) O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) são agências da ONU e as principais instituições financeiras internacionais (IFIs) do sistema de Bretton Woods, tendo sido originalmente concebidas pela Conferência Financeira e Monetária das Nações Unidas (01-22.07.1944). Suas estruturas foram substancialmente alteradas ao longo das mais de seis décadas de existência, para refletir as mudanças econômicas e financeiras do sistema internacional, sobretudo nas décadas de 1970 e 1980. É sabido que acordos de paz precisam de estabilidade e perspectivas de desenvolvimento econômico para que sejam mantidos, e essa foi a regra da abordagem do BM e do FMI quanto à reconstrução econômica, o que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

contribuiu, a seu modo, para evitar a recorrência da violência durante o pósSegunda Guerra (CCPDC 1997:145). Nos anos 1990, alguns críticos começam a pressionar o Banco e o FMI a incorporarem em suas atividades de empréstimo alguma sensibilidade em relação à prevenção de conflitos, já que ambos poderiam criar uma estratégia efetiva de prevenção levando-se em consideração a já existente reputação e influência para pressionar governos através das condicionalidades que, a depender de como são implementadas, podem gerar efeitos negativos (ICISS 2001b:38). As respostas das IFIs foram diferentes. O FMI tem sido menos incisivo em seu envolvimento com a reconstrução pós-conflito, com intervenções de curto prazo e objetivos de curto alcance, geralmente limitados a estabilizar a balança de pagamentos. Ainda assim, em 1995, o FMI elaborou um mecanismo de financiamento para situações pós-conflito, segundo o qual é provida assistência técnica para diversas áreas governamentais (Neclâ Tschirgi 2004). O Banco Mundial, por sua vez, optou por fortalecer o conceito de reconstrução pós-conflito na segunda metade da década de 1990, deixando de se limitar a empréstimos para reconstrução da infra-estrutura física para incluir também, em uma perspectiva mais ampla, esforços que envolvem a desmobilização e reintegração de ex-combatentes. O passo seguinte dentro do Banco ocorre entre 1995 e 1997, com a nova ampliação do conceito, para ir além da reconstrução e incorporar também elementos de prevenção (Wouters e Naert 2004:57). Como já mencionado, em maio de 1997 o DAC da OCDE publica,

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junto com os principais doadores internacionais, um documento que cria um novo vínculo entre a assistência para o desenvolvimento e a prevenção de conflitos. No mês seguinte, o Banco publica seu Relatório sobre o Desenvolvimento do Mundo (World Development Report)48 que, pela primeira vez, lida de maneira ampliada com questões de governabilidade e com o papel do Estado no desenvolvimento. A partir de então, a alteração conceitual, com elementos de reconstrução e de prevenção, começa a ser institucionalizada (John Stremlau e Francisco Sagasti 1998). Tal evolução está evidente na criação, em abril/1997, da Unidade PósConflito (Post-Conflict Unit), que é renomeada em setembro/2001 para Unidade de Reconstrução e Prevenção de Conflitos (Conflict Prevention and Reconstruction Unit) e que mantém o papel de elaborar análises de conflitos e de

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prover assistência a outros departamentos do Banco na formulação e implementação de programas para países vulneráveis49. Em janeiro de 2001, é lançada uma política operacional, intitulada “Conflito e Cooperação para o Desenvolvimento”50, que reafirma no âmbito geral do Banco a adoção de uma abordagem pró-ativa em relação a países vulneráveis ou afetados por conflitos, exigindo uma resposta mais rápida e flexível, que esteja atenta para minimizar as causas potenciais e que seja sensível ao contexto de conflito (Ian Bannon 2004:469). Na mesma época, Paul Collier, um renomado pesquisador sobre desenvolvimento que integrava e ainda integra um grupo de pesquisa no Banco, insere causas de natureza econômica no debate sobre conflitos: “Para uma instituição cheia de economistas, havia no Banco pouco interesse na análise ou explicação econômica dos conflitos. Os economistas do Banco tendiam a pensar o conflito como um choque externo (...) – algo ruim e infeliz que acontecia de tempos em tempos e que ou ‘não é nosso problema’ ou ‘não há muito o que nós possamos fazer sobre o assunto’” (Bannon 2004:469)51.

Apesar da natureza essencialmente econômica das atividades, a fundação do Banco e sua dinâmica interna seguem linhas políticas (Lefkon 2003:693). O

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Disponível em: . Acesso em: 10 fev.

Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007. Operational Policy/Bank Procedures 2.30 (OP/BP 2.30), intitulada Development Cooperation and Conflict. 51 Tradução livre de: “For an institution packed with economists, there had been surprisingly scant economic analysis or explanation of conflict in the Bank. Bank economists were inclined to think of conflict as an exogenous shock (…) – something bad and unfortunate that happened from time to time and which was either ‘not our problem’ or ‘there was nothing much we could do about it’” (Ian Bannon 2004:469). 50

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Banco atua sobretudo no nível governamental e só intervém após o consentimento do Estado, fazendo com que os órgãos da instituição tenham acesso a informações qualificadas sobre o país para o qual será concedido o empréstimo, inclusive sobre condições sociais e culturais subjacentes, que podem ser utilizadas tanto para avaliar as condições dos empréstimos como para compor um eventual sistema de avisos prévios. Por essa razão, paralelo aos esforços de consolidar o discurso preventivo, o Banco passou a integrar algumas redes que permitam a troca de informações relevantes e a coordenação de sua política com a de outros atores, a exemplo da UN Framework for Coordination Mechanism, da Interagency Standing Committee da ONU e da Conflict Prevention and Post-Conflict Reconstruction Network (Lefkon 2003:696). Este movimento em direção à

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coordenação de algumas políticas contribui para aumentar a distância entre o Banco e o FMI em relação à forma como respondem aos desafios contemporâneos, sobretudo relacionados ao impacto que suas atividades podem ter em situações de violência em potencial.

2.6 Grupo dos Sete (G7)/Grupo dos Oito (G8) Com o fim da Guerra Fria e as rápidas tendências em direção à globalização política e econômica, o conceito de prevenção de conflitos é aos poucos inserido na agenda do G7/G8. Pode-se identificar a evolução da incorporação da prevenção no discurso do grupo ao longo da década de 1990, a partir da análise da pauta de suas reuniões anuais. Em 1993, na reunião de Tóquio, tem início a incorporação pelo então G7 da demanda normativa favorável à prevenção quando, inspirados pela Agenda para a Paz de Boutros-Ghali (1992), os líderes do G7 fazem a primeira referência expressa à prevenção de conflitos e à relevância da ONU para a promoção e institucionalização de tal conceito (John J. Kirton e Radoslava N. Stefanova 2004:4). A reunião de 1994 em Nápoles reafirma tal papel da ONU. Na reunião de Halifax, em 1995, os líderes do G7 creditam para si parte da responsabilidade de lidar com a prevenção de conflitos, devido à dificuldade de um único ator internacional dispor de todos os mecanismos necessários para atuar nas causas multidimensionais dos conflitos contemporâneos. A partir desse ano, a

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evolução do conceito no arranjo do G7/G8 é cada vez mais rápida e, em 1996, na reunião de Lion, além de ratificarem o papel central da ONU na questão preventiva, os líderes do G7 inserem a prevenção como elemento necessário para lidar com as conseqüências e os processos da globalização (Kirton e Stefanova 2004:4). As reuniões de 1997, em Denver, e de 1998, em Birmingham, têm ênfase na questão da África. Apesar de reafirmarem a liderança da ONU nas questões de prevenção, os membros do G8 concordam com a necessidade de incluir novos atores na dinâmica preventiva. Nessa linha de raciocínio, debatem e aprovam o recém-publicado manual do DAC/OCDE (1997) (Kirton e Stefanova 2004:4). As duas reuniões seguintes, Colônia 1999 e Okinawa 2000, são consideradas um divisor de águas na discussão de prevenção dentro do G7/G8. A

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reunião de Colônia marca o início de um trabalho mais amplo em relação à prevenção, a partir da inclusão de visões de longo prazo em relação à construção de instituições democráticas. Naquele ano em Berlim, a primeira reunião temática dos Ministros de Relações Exteriores do G8 trata justamente do assunto da prevenção de conflitos (John J. Kirton, Ella Kokotsis e Gina Stephens 2004:59). Em Okinawa, os líderes do G8 debatem não apenas a prevenção de conflitos como também a segurança humana e elaboram seu primeiro documento sobre prevenção em 13.07.2000. A reunião dos Ministros de Relações Exteriores de julho daquele ano conclui pela adoção de um plano maior, o G8 Miyazaki Initiatives for Conflict Prevention52 (Wouters e Naert 2004:57). As reuniões seguintes seguem a mesma linha e expandem, por vezes, o discurso de prevenção – inclusive a de Kananaskis (Canadá), em 2002 que, mesmo com os eventos do 11/setembro no centro da agenda, o assunto da diplomacia preventiva teria sido também debatido por conta tanto da presidência canadense no G8 como da escalada das tensões entre Índia e Paquistão. A principal preocupação dos autores que analisam tais tendências dentro do G8 é a extensão do papel do arranjo na promoção do conceito. Por ora, o único papel desempenhado pelo G8 tem sido na consolidação de uma estrutura conceitual propícia ao desenvolvimento de algumas questões relacionadas à prevenção (Roberto Toscano 2004:99). Apesar dessa evolução, a promoção do conceito 52 Kyushu-Okinawa 2000. “G8 Miyazaki Initiatives For Conflict Prevention”. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007.

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restringe-se ao nível discursivo, sendo ad hoc as poucas decisões fundamentadas na prevenção, deixando evidente a inexistência de uma estrutura de prevenção no G8 (Kirton e Stefanova 2004:15). 2.7 Setor empresarial Não é de hoje que o setor empresarial é criticado por sua ausência e, sobretudo, falta de sensibilidade em relação a questões como direitos humanos, resolução e prevenção de conflitos armados (CCPDC 1997:123). As grandes empresas multinacionais estão sob pressão cada vez maior de consumidores finais e, em alguns casos, de acionistas, para incluir a ética na agenda corporativa. Nesse PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

sentido, Andreas Wenger e Daniel Möckli sustentam que o setor empresarial pode, sim, oferecer maior contribuição à área da prevenção. Reconhecer a existência de um papel, porém, não é suficiente para mobilizar empresas, o que leva a outros dois argumentos dos mesmos autores: (i) novas oportunidades de mercado não surgem em lugares violentos e, caso a empresa esteja no local da instabilidade, despenderá ainda mais recursos para manter o seu negócio em funcionamento; e (ii) há uma tendência entre empresas de grande porte a se preocuparem com sua reputação e, neste sentido, a conseqüente adoção de políticas voltadas para áreas sociais e ambientais pode ser direcionada para a prevenção (Andreas Wenger e Daniel Möckli 2003:99-100). Em meados da década de 1970, algumas empresas começam a elaborar códigos de ética ou de conduta, geralmente frisando o respeito aos direitos humanos e ao meio-ambiente, de acordo com o qual passaram a desenvolver suas operações. O primeiro exemplo que se tem notícia sobre a adoção de princípios que conduziam a atuação corporativa em áreas de potencial violência é o Sullivan Principles, elaborado por empresas norte-americanas em 1977 em resposta à crescente oposição ao regime de apartheid na África do Sul. Os Princípios incentivavam as empresas participantes a, por exemplo, pagar os mesmos salários para os empregados sul-africanos que tivessem o mesmo cargo, independente da raça, e a aumentar o número de negros e não-brancos nos cargos de supervisão. Até 1985, 180 empresas norte-americanas respeitavam e participavam do projeto, o que representava cerca de 75% do investimento dos Estados Unidos na África

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do Sul (CCPDC 1997:126). Atualmente, algumas empresas multinacionais, como a Ford Motor Company, The Body Shop e Ben & Jerry’s, publicam relatórios anuais com balanços relacionados às preocupações e atividades voltadas para a preservação do meio-ambiente e a proteção de direitos humanos (CCPDC 1997:125). 2.8 Organizações não-governamentais (ONGs) Durante a Guerra Fria havia poucas atividades em que as organizações não-governamentais (ONGs) se envolviam, sobretudo relacionadas à segurança internacional (Edwin Barker 2001:268). O avanço da tecnologia da informação e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

dos sistemas de comunicação e o fim da estrutura bipolar criaram um momento mais permissivo à atuação desses atores não-estatais e, atualmente, beira o consenso o argumento de que a diplomacia tradicional pode e deve ser promovida em paralelo a esforços da track-II diplomacy. Além dos Estados, “hoje [o setor privado] também possui elementos independentes de poder e influência sobre processos altamente relevantes para a segurança internacional” (Alyson J. K. Bailes 2005:9), fazendo com que cada vez mais ONGs sejam atraídas pela gestão e resolução de conflitos, como o Institute for Multi-Track Diplomacy, a International Alert, o Carter Center’s International Negotiation Network, o Project on Ethnic Relations e o Conflict Management Group (David Carment e Albrecht Schnabel 2001). A partir do início da década de 1990, algumas ONGs começaram a se dedicar exclusivamente à prevenção de conflitos, através de suas diferentes formas de ação, a exemplo da International Crisis Group, da Forum on Early Warning and Early Response (FEWER), European Centre for Conflict Prevention (ECCP)53, entre outras (Lund 2004:121). Há também ONGs que se envolvem com temas relevantes à prevenção e, por esse não ser o principal foco de sua agenda, desenvolveram uma abordagem mais ampla de suas atividades de modo a incorporar certa sensibilidade a questões preventivas, como a Search for Common Ground, Anistia Internacional, Human Rights Watch, Carter Center, etc.

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Para facilitar o debate, o relatório da Carnegie Commission elenca três grandes categorias em que podem ser enquadradas as ONGs que contribuem, com seus trabalhos, para a prevenção de conflitos: (i) grupos de direitos humanos e outras formas de ativismo; (ii) organizações que promovem o desenvolvimento e a ajuda humanitária; e (iii) o pequeno número, mas cada vez mais significativo, de instituições não-governamentais que se envolvem em diferentes momentos da negociação formal de processos de paz54 (CCPDC 1997:111/113, Aggestam 2003:16). Assim, trata-se de um grupo heterogêneo e privado, que se mantém envolvido direta ou indiretamente com a promoção de objetivos públicos. “Sua força se encontra no compromisso dos membros, na equipe competente, nos valores transnacionais e na autoridade moral substancial” (Cousens 2004:374)55.

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Hoje são tantas as ONGs que se envolvem direta ou indiretamente com prevenção que algumas listas têm sido produzidas com o intuito de sistematizar um mínimo de informação relativa ao trabalho de cada ONG, com dados sobre a forma de atuação, o interesse temático principal e o foco geográfico56. Essa sistematização se fez necessária na tentativa de auxiliar a literatura a cobrir a lacuna que existe quanto à maior exploração e conseqüente análise do papel efetivo que esses atores podem desempenhar em situações de violência em potencial (Barker 2001). Os autores tendem a conferir maior destaque, em suas publicações, ao envolvimento das ONGs na coleta e análise de avisos prévios e na possibilidade de coordenação de esforços com atores estatais. No que se refere à coleta de avisos prévios, enquanto a maioria das ONGs de direitos humanos e de desenvolvimento tem acesso a informações relevantes antes da escalada da tensão, as ONGs de ajuda humanitária têm flexibilidade e acesso para lidar com as necessidades das vítimas e, assim, contribuem para evitar a deterioração da situação (CCPDC 1997:113). Outras ONGs, por estarem mais voltadas à pesquisa e ao ativismo do que ao trabalho de campo, desenvolvem

53 ICG: ; FEWER: ; ECCP: . Acessos em: 10 fev. 2007. 54 Na prática, no entanto, não se pode afirmar que as ONGs de fato detêm capacidade e experiência para desempenhar o papel de mediadores (ICISS 2001b:39). 55 Tradução livre de: “Their strength lies in their committed members, capable staff, transnational values, and substantial moral authority” (Cousens 2004:374). 56 Ver, por exemplo, o “International Guide to NGO Activities in Conflict Prevention and Resolution” (Carter Center, 1996) e o “Prevention and Management of Violent Conflicts – A Directory” (European Platform for Conflict Prevention and Transformation, 1998).

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densos relatórios sobre questões locais e regionais, aí incluídas análises aprofundadas sobre relações sociais, aspectos culturais e elementos das dimensões política e econômica de determinada situação de violência em potencial (CCPDC 1997:113). Vale ressaltar que, apesar de as ONGs parecerem mais imparciais do que as OIGs na coleta, análise e disseminação das informações (Barker 2001:271), elas não são “neutras” embora tendam a apresentar um julgamento, que consideram ético, sobre padrões universais (Aggestam 2003:16). A preocupação com a coordenação leva à criação de redes multissetoriais para a troca de informações entre OIGs – como as parcerias da OSCE com a ONU –, e entre países – como as parcerias sobre segurança humana entre Canadá e Noruega –, mas também entre representantes da sociedade civil, cujo mais

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proeminente exemplo é o da Global Partnership for the Prevention of Armed Conflict57. Sobre a interação entre ONGs e OIGs, destaca-se a que acontece no âmbito do sistema ONU, devido ao caráter universal dessa estrutura. Oficialmente, as ONGs têm status reconhecido na estrutura do Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC), de acordo com o art. 71 da Carta, e também no Departamento de Informação Pública do Secretariado. Nenhum texto, segundo Cousens, encoraja tal relação formal com o Conselho de Segurança porque os fundadores da ONU acreditavam que as ONGs só poderiam trabalhar com temas relacionados a educação, saúde e trabalho, e não com o conceito tradicional de segurança internacional (Cousens 2004:373). Em 1968 o ECOSOC define ONGs como qualquer organização que não tenha sido estabelecida por acordo intergovernamental, o que dificulta a inclusão, na ONU, de ONGs nacionais e regionais que trabalham com desenvolvimento. Com o fim da Guerra Fria e a ampliação do que se entende por segurança, aliado às forças da globalização e às pressões das ONGs em participar do sistema internacional, a interação ONU-ONGs começa a ser revista (Cousens 2004:373). Assim, em 1996, a nova definição do ECOSOC para as ONGs engloba qualquer organização que não tenha sido estabelecida por entidade governamental, ampliando a gama de atores acobertados, mas ainda a refletir a perspectiva dominante na ONU de homogeneização dos atores não-estatais.

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Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2007.

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As ONGs afiliadas ao ECOSOC tendem a ser as maiores em tamanho e em recursos disponíveis, e se mantêm vinculadas desde que respeitem certas condições existentes. No Conselho de Segurança, há cada vez mais abertura para a participação das ONGs, embora a frustração persista quanto à impossibilidade de se opor ao poder de veto dos membros permanentes. Com o passar do tempo e com a experiência adquirida sobre o funcionamento do Conselho, as ONGs “estão mais atentas às possibilidades e às limitações da real politik” (Cousens 2004:373). Recentemente, a interação das ONGs de prevenção com a ONU passou por um momento-chave. O já mencionado relatório do Secretário-Geral da ONU Kofi Annan intitulado Prevenção de Conflito Armado (2001) sugeriu que as ONGs com interesse em prevenção organizassem uma conferência internacional com

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ONGs locais, nacionais e internacionais sobre o seu papel na prevenção de conflitos e sobre a futura interação com a ONU nessa área58. A resposta a essa demanda ocorreu na Conferência Global sobre o Papel da Sociedade Civil na Prevenção do Conflito Armado (Global Conference on the Role of Civil Society in the Prevention of Armed Conflict), realizada na sede da ONU em Nova Iorque, de 19 a 21 de julho de 2005. É cedo para julgar os frutos da iniciativa mas pode-se sugerir que esse momento tem potencial relevância na história da interação de representantes institucionalizados da sociedade civil no contexto da ONU.

Conclusão A partir de uma abordagem multissetorial, este capítulo buscou evidenciar as maneiras pelas quais o debate de prevenção tem se desenvolvido no âmbito de diferentes atores internacionais. Apesar de não ser o foco desta tese, percebe-se que o avanço da discussão reflete a preocupação e o conhecimento do discurso de membros e/ou órgãos relevantes. A existência do discurso de prevenção, em si, enriquece a produção do conhecimento sobre o assunto, embora haja dificuldades no diálogo e, consequentemente, na cooperação entre preventores internacionais e suas atividades.

58 Ver a Recomendação 27 do Relatório (A/RES/55/281, S/2001/574): . Acesso em: 10 fev. 2007.

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O próximo capítulo visa a demonstrar de que maneira, a partir do discurso predominante, o desenho institucional de alguns dos preventores citados foi readaptado para a implementação do conceito de prevenção, gerando um vínculo entre os Capítulos 2 e 3 e evidenciando a relação entre conceitos e mecanismos, em que o primeiro influencia o segundo sempre que há interesse. Tal interesse, aliás, é o aspecto que prevalece no momento de se constituir uma organização, ou de se alterar sua estrutura ou mesmo de limitar a autonomia do Estado para viabilizar a criação de instrumentos que visem à implementação de um conceito como o de prevenção. Nesse sentido, é relevante traçar a evolução do conceito de prevenção nos espaços de discussão desses preventores; no entanto, parece ser fundamental a compreensão dos tipos de mecanismos que alguns desses

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preventores passaram a incorporar em sua estrutura organizacional para fazer com que o discurso não se perca em sua abstração, o que será analisado no Capítulo 3.

3 O preventor internacional e a implementação do conceito de prevenção

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“Between the idea And the reality Between the motion And the act Falls the Shadow” (T.S. Eliot, The Hollow Men)

O processo de construção do conceito de prevenção durante a década de 1990 influenciou a gradual adaptação da estrutura de determinadas organizações internacionais. Algumas das organizações envolvidas na produção do conceito em algum momento, e em maior ou menor escala, criam órgãos e/ou fundos, desenvolvem mecanismos e alteram objetivos e prioridades de modo a implementar o conceito de prevenção dominante entre seus membros. Por um lado, há organizações como a ONU que, a despeito da liderança na construção retórica da prevenção, aprova mudanças pouco substantivas em sua estrutura quando da implementação do conceito. Isso ocorre em grande medida por causa da força da soberania no desenho institucional da ONU, sobretudo em órgãos essencialmente políticos como o Conselho de Segurança. Por outro lado, há casos como o da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, que se reinventa na primeira metade da década de 1990 através da institucionalização do que antes era uma conferência. A Europa do imediato pós-Guerra Fria era carente de uma organização com os papéis e as funções que viriam a ser desempenhados pela OSCE, e seus membros, naquele momento, concordaram que a prevenção de conflitos deveria constar entre os principais objetivos da nova organização. Os fundamentos da OSCE, então, foram criados ao mesmo tempo em que se construía a base estrutural do conceito de prevenção de conflitos. Tal simultaneidade é o elemento que permite que a OSCE se destaque enquanto

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incorporadora, em sua estrutura, de princípios, regras e instrumentos que viabilizam a implementação do conceito de prevenção. Outras organizações intergovernamentais, como a OTAN e a União Européia, ambas relevantes para os casos estudados, não apresentaram alterações significativas em suas políticas de prevenção antes dos bombardeios ao Kosovo em 1999 ou da violência territorializada na Macedônia em 2001. Ou seja, à época em que foram obrigadas a lidar com os dois casos estudados, nenhuma das duas tinha sensibilidade discursiva à prevenção e, menos ainda, um aparato institucional e alocação de recursos voltados para a adoção de políticas preventivas. Nesse sentido, a participação de ambas as organizações nos esforços de prevenção é limitada, embora não seja de todo nula.

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Este capítulo pretende fazer um mapeamento do desenho institucional de atores relevantes durante a década de 1990 no que se refere aos instrumentos de prevenção a eles disponíveis, de modo a verificar em que medida a definição de prevenção, a criação de regras e a implementação de mecanismos condicionam a atuação de tais atores nos casos do Kosovo e da Macedônia.

3.1 Organização das Nações Unidas (ONU) a) Adaptação da estrutura em relação ao discurso de prevenção Alguns autores sustentam que a Organização das Nações Unidas já dispõe de princípios, normas e outros elementos institucionais que permitem a atuação preventiva da organização, encontrados no mandato, na legitimidade e nas atribuições de determinados órgãos e agências (Jan Eliasson 1996:215; Fen Osler Hampson 2002). Tais autores sustentam que a Carta da ONU contém normas de prevenção (i) no preâmbulo, que menciona o desejo de preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra; (ii) no artigo 1º, §1º , sobre os propósitos da organização, que prega a adoção de medidas efetivas para evitar ameaças à paz; (iii) nos artigos 33 a 35, que versam sobre métodos pacíficos de solução de controvérsias; (iv) no capítulo VII, com ações adotadas depois que a ameaça se concretiza e antes da escalada da violência; e (v) no art. 99, que confere ao Secretário-Geral o poder discricionário de levar ao Conselho de Segurança

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informações sobre situações que julgue ameaçar a ordem internacional (Marc Cogen 2004:214, Eliasson 1996:221, Lefkon 2003:673, CCPDC 1997:p.xiv). Na prática, porém, dois limites institucionais fazem com que os conflitos contemporâneos, na maioria intraestatais, não recebam atenção ou não justifiquem a mobilização da ONU em favor de sua prevenção, contenção ou resolução. Em primeiro lugar, a Carta da ONU proíbe a intervenção da organização em assuntos domésticos dos Estados-membros, a menos que o Conselho de Segurança assim o decida com base nas prerrogativas do capítulo VII (art. 2º, §7º). O segundo limite está na estrutura de poder do Conselho de Segurança, organizada sob o sistema de veto dos membros permanentes, o que dificulta a aprovação de ações que tenham real impacto em conflitos intraestatais (Lund 1996:174-175, Connie Peck

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1998:330). Tais limites à atuação da ONU são uma conseqüência direta da força do princípio da soberania entre as primordiais regras de funcionamento da organização. Uma vez que a maioria dos conflitos contemporâneos tem natureza intraestatal, a ONU encontra-se limitada para agir em seus trâmites regulares, a despeito da existência das normas supracitadas que fundamentariam a prevenção (Eliasson 1996:215-216, Hampson 2002:139-141). Aos membros mais relevantes da ONU interessa a manutenção do poder dentro e fora da organização e, assim, buscam não modificar o status quo de modo a não afetar sua própria autonomia. Enquanto a soberania se mantiver como princípio basilar da organização, não há que se falar em envolvimento mais ativo da ONU em conflitos de natureza intraestatal (Lefkon 2003:707). Em vista disso, a atuação da ONU não tem sido eficaz em evitar conflitos contemporâneos, a despeito das relevantes mudanças na retórica e na estrutura de seus órgãos políticos. Durante os anos 1990, há um salto qualitativo na retórica da ONU em relação à prevenção de conflitos violentos, o que não significa que a mudança na estrutura organizacional tenha evoluído na mesma velocidade. Pode-se verificar que a construção do discurso favorável à prevenção somente tem implicações concretas após a publicação do relatório Prevention of Armed Conflict (2001), do então Secretário-Geral Kofi Annan. Trata-se de um passo relevante depois de uma década de retórica sobre como lidar com os conflitos intraestatais e guerras civis do pós-Guerra Fria (Cousens 2004:101), o que fortalece uma dupla reorientação dentro da estrutura macro da ONU: aceita-se que a maioria dos conflitos é de

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natureza intraestatal, e não interestatal; e admite-se que a resposta mais apropriada a tais crises não envolve apenas a resolução ou administração das crises, mas também a tentativa de prevenção da violência (Lefkon 2003:672). Na iminência da crise, as medidas de prevenção operacional que existem no sistema ONU incluem (i) avisos prévios e resposta rápida; (ii) a diplomacia preventiva; (iii) esforços de desarmamento; (iv) sanções econômicas; e (v) a ameaça ou uso da força através de operações de paz ou da intervenção militar (Lefkon 2003:676, Eliasson 1996:217). Tais medidas, no entanto, não suficientes para lidar com o arcabouço político do conflito e, por isso, busca-se fortalecer no sistema ONU alguns mecanismos, já existentes, voltados à promoção da prevenção estrutural, de modo a lidar com as causas profundas da relação, o que

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está em coerência com a conclusão do relatório final da CCPDC (1997). A mudança de enfoque obriga a ONU a incorporar determinados conceitos entre os seus objetivos políticos, como a promoção do desenvolvimento e a segurança humana (Lefkon 2003:671). A principal conseqüência desse movimento é a criação de uma nova relação dentro, e entre, atores políticos e atores de desenvolvimento da ONU. Segundo Lefkon, órgãos essencialmente políticos, como o Conselho de Segurança e o Secretariado, têm se envolvido com atividades relacionadas à prevenção estrutural, antes vistas como apolíticas. Em contrapartida,

agências

apolíticas,

especializadas

em

questões

de

desenvolvimento, passam a inserir um componente político no exercício de suas funções assistencialistas, com a preocupação de aumentar a sensibilidade de suas ações em direção à prevenção da violência (Lefkon 2003:672). O Conselho de Segurança, enquanto principal responsável pela manutenção da paz e da segurança internacionais, detém instrumentos que podem ser redirecionados à prevenção de conflitos, o que estaria alinhado com a mudança de orientação dos objetivos políticos da ONU (Cousens 2004:101, Juergen Dedring 1998:62). Os mais relevantes instrumentos enumerados por Cousens são de natureza política e têm relação mais evidente com a prevenção operacional. São chamados pela autora de: (i) mecanismos diplomáticos e não-coercitivos; (ii) mecanismos semi-coercitivos; e (iii) mecanismos coercitivos. O principal mecanismo diplomático é a autorização de missões de investigação por enviados especiais ou por membros do próprio Conselho de Segurança, cujo objetivo é o de apurar informações em quantidade e qualidade sobre determinados fatos e

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aumentar a visibilidade da situação in loco no debate internacional (Cousens 2004:109). Mecanismos semi-coercitivos envolvem o envio de tropas ou de observadores a zonas de violência em potencial e impedir a iminente escalada da violência (Cousens 2004:110). Por fim, mecanismos coercitivos incluem embargo de armas e esforços em direção ao desarmamento, entre outras sanções (Cousens 2004:111). O objetivo é o de frear a violência em situações críticas. Cousens menciona ainda os mecanismos normativos ou simbólicos, cuja sutileza permite sua maior aplicabilidade em casos de prevenção estrutural e, a despeito de serem tradicionalmente políticos, são também sensíveis ao conceito de desenvolvimento. Entre os mecanismos normativos estão (i) a escolha de determinada crise, e não de outra, para ser central ao debate e para se manter por

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algum tempo sob o holofote de debates internacionais; (ii) a mobilização de recursos relevantes - não apenas militares mas também diplomáticos e voltados para o desenvolvimento; e (iii) a utilização de determinadas expressões em deliberações, resoluções, press releases e presidential statements para simbolizar a legitimidade do comportamento das partes envolvidas (Cousens 2004:108). Há limites à utilização dos mecanismos normativos, a depender da gravidade e da complexidade da situação, quando ações mais concretas se fariam necessárias para a manutenção da credibilidade do Conselho (Cousens 2004:108). Ainda assim, esta é uma forma legítima de fazer com que órgãos políticos contribuam para a prevenção estrutural de conflitos violentos, movimento a ser coordenado com a dinâmica política local e com maiores esforços por parte de outros atores internacionais para aumentar a eficácia da ação (Lefkon 2003:676). b) Interação dentro do sistema ONU, e da ONU com outros atores A ONU foi desenhada em meados do século passado para ser um fórum de consulta, debates e negociações entre seus membros, necessariamente Estados soberanos e, apesar de não ter a pretensão de ser um governo mundial, a ONU é uma relevante fonte de criação de códigos de conduta universais em vários campos do conhecimento (Cogen 2004:218). Assim, são difíceis a negociação e a implementação de determinadas políticas por causa da complexidade dos temas e também da força da soberania na estrutura organizacional. Aliás, justamente por causa do papel da soberania dentro ONU, sobretudo nos aspectos relevantes ao

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estudo da segurança internacional contemporânea, só agora começam a ter lugar nos debates alguns representantes da sociedade civil organizada. A interação entre diferentes órgãos e agências da ONU já existe para determinadas circunstâncias, mas sem força política. As agências e os programas, muitas vezes com missões em locais de violência em potencial, têm acesso a informações em quantidade e qualidade que são sub-aproveitadas na estrutura da ONU. A tentativa de modificação veio com o Relatório Brahimi, em 2000, que propunha a criação de um centro de coleta e análise de informações vinculado ao Secretário-Geral. Sem esse recurso, segundo o relatório, o Secretariado continuaria uma instituição reativa, com dificuldades em antecipar a escalada de crises. Há a previsão no relatório de que o Comitê Executivo sobre Paz e

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Segurança (Executive Committe on Peace and Security – ECPS) deve realizar uma pequena reforma dentro do secretariado com a implantação do projeto ECPS Information and Stratetic Analysis Secretariat (EISAS). O objetivo de tal projeto seria a criação e manutenção de bases de dados integradas (por meio da distribuição da informação coletada entre outras instituições do sistema ONU), além da produção de análises políticas e estratégias de longo prazo. Ainda de acordo com o relatório, tal projeto consolidaria e sistematizaria as atividades de redes de informação já existentes dentro da ONU, como o UN Framework for Coordination Mechanism (Lefkon 2003:711). O exemplo do Framework é relevante para demonstrar a dificuldade que tal discurso tem para ser efetivamente implementado na prática. Criado em 1995, o Framework é considerado a primeira tentativa interna ao sistema ONU com objetivos de coordenar a distribuição de informação e de análises em situações de potencial conflito violento. Sob a coordenação do Departamento de Assuntos Políticos do Secretariado, do Departamento de Operações de Paz e do Departamento de Assuntos Humanitários, o Framework evoluiu no decorrer dos anos e se transformou em um espaço para discussão e elaboração de políticas no setor humanitário (Lefkon 2003:712, Relatório OHCHR E/CN.4/1998/51). A rede de instituições da ONU cujas atividades estão interligadas via Framework compreende: o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Escritório do Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos (OHCHR), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Alto Comissário da ONU

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para Refugiados (ACNUR), o Programa Mundial de Alimentos (PMA), a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Banco Mundial. Uma vez por semana há uma reunião de consulta entre os responsáveis pelo projeto nos três departamentos que coordenam o Framework, com o objetivo de debater situações emergenciais atuais ou em potencial. Apesar do aumento do fluxo de informações fidedignas sobre assuntos humanitários, oriundas dos debates e das atividades que decorreram a partir daí, o Framework não se aprofunda nas discussões e não tem força política dentro da ONU. O projeto foi desenhado para facilitar a análise e o planejamento em conjunto, a partir da coleta também conjunta de indicadores que servem como avisos prévios para situações

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com violência em potencial, mas falta infra-estrutura nas agências envolvidas e falta vontade política dos membros da ONU em conferir maior relevância aos resultados

produzidos

no

âmbito

do

Framework

(Relatório

OHCHR

E/CN.4/1998/51). Diversos órgãos envolvidos no Framework têm mandato explicitamente apolítico, como o PNUD, ou têm natureza política limitada, como o OHCHR, o que facilita o ingresso e a permanência de tais instituições nos territórios dos Estados em questão, além de permitir que executem suas tarefas sem muitas restrições. A inclusão de um elemento político no mandato dessas agências dificultaria o trâmite das mesmas no Estado em questão, porque lhes conferiria maior sensibilidade para aferir em que medida suas ações podem servir como catalisador de uma futura situação de violência. Antes disso, porém, diante da possibilidade de serem investigados por agências internacionais de mandato apolítico, alguns Estados-membros não permitiram a aprovação do objetivo do EISAS de incorporar o Framework e conferir às instituições participantes tal mandato mais politizado (Lefkon 2003:713). Lefkon acrescenta também que houve oposição de alguns membros a despeito das garantias de Boutros-Boutros Ghali, secretário-geral à época, de que o novo mecanismo não seria uma fonte de inteligência do Secretariado (Lefkon 2003:714). A saída encontrada foi a de reformular a proposta do EISAS (A/55/977, 01.06.2001, p.50-52). O novo mecanismo é modesto, prevê metade do tamanho original, não absorverá parte das funções de monitoramento do Departamento de Informações da ONU e será desvinculado da Peace-Building Unit. Ainda em

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termos institucionais, a nova proposta prevê que o mecanismo seja um órgão autônomo, explicitamente alocado fora do Secretariado. Por um lado, o mecanismo perde a possibilidade de desenvolver um componente político mas, por outro, o Secretariado, ao incorporar parte das atividades dessas agências dentro de seu mandato político, poderia ter dificuldades em se manter eficaz (Lefkon 2003:676). A mudança mais relevante da nova proposta diz respeito ao mandato, que passa a focar apenas situações de pós-conflito, ou seja, exclui a coleta e análise de indicadores anteriores à escalada da violência, tal como sugerido na proposta original, além de perder a função de inteligência, o que a

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deixa com um desenho ainda menos funcional (Lefkon 2003:714). c) Limites institucionais em relação a atividades de prevenção de conflitos A ONU passa atualmente por uma crise política, financeira e de falta de credibilidade não apenas pela ausência de mecanismos para lidar com problemas contemporâneos, mas também devido à falta de vontade política em alterar a estrutura da organização, o que pode prejudicar o fortalecimento da instituição em relação aos objetivos de prevenção de conflitos (Eliasson 1996:215). Por trás da crise encontra-se o respeito ao princípio da soberania que, se continuar com a força que tem, inviabilizará a sobrevivência da organização e dificultará a implementação eficaz da retórica de prevenção. O limite definido pela soberania dá-se em diferentes situações. A ONU é condenada à inação, na maior parte das vezes, quando o governo de um Estadomembro não autoriza o seu envolvimento (Lefkon 2003:674). Outra limitação é a restrição do conceito de prevenção de conflitos que predomina na ONU: a “diplomacia preventiva” da organização, no discurso e na prática, restringe-se às atividades realizadas nos canais tradicionais de diplomacia (Lefkon 2003:674). Para lidar com isso, Eliasson sugere que o elemento da soberania não seja um impedimento, mas um elemento a ser considerado no momento de escolher os métodos preventivos, já que as chances de sucesso são maiores não apenas quando há o consenso da organização que irá implementar as medidas, mas também quando há consentimento e cooperação das partes envolvidas (Eliasson 1996:222).

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A ação do Conselho de Segurança, principal órgão político da ONU, encontra limites também decorrentes da força do princípio da soberania na estrutura do órgão. A agenda preventiva que atualmente predomina no Conselho destaca a capacidade individual do Estado-membro – e não da organização em si – em lidar com a prevenção, o que faz com que os Estados não demonstrem entusiasmo com estratégias de prevenção mais incisivas em outros Estados, com receio de criar precedentes que lhes sejam prejudiciais no futuro. Tal raciocínio demonstra que a ONU enquanto organização está distante de um compromisso mais categórico com a prevenção de conflitos (Cousens 2004:112). A falta de capacidade operacional do Conselho, e a da própria ONU, também é reforçada pela autonomia da vontade política de atores soberanos. Isso significa que o

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Conselho não tem capacidade operacional para lidar com prevenção porque não é do interesse dos Estados-membros lhe conceder tal função. Um exemplo disso é a ausência de um mecanismo de envio rápido de tropas, como ocorre na União Européia e na OTAN (Cousens 2004:112-113). Assim, tais deficiências diminuem as chances de o Conselho se envolver diretamente e de maneira efetiva em uma situação de iminente violência. Como visto nos Capítulos 1 e 2, o discurso favorável à prevenção é bem aceito no sistema ONU. Ainda assim, as tentativas de alteração da estrutura organizacional acontecem de forma restrita e problemática, e se mantêm no nível estatal, o que indica que o sistema ONU não está preparado para efetuar essa mudança em direção a uma cultura de prevenção (Lefkon 2003:673). Sem a reforma substancial da infra-estrutura da ONU, as discrepâncias atuais continuarão a dificultar a criação de mecanismos que permitam a implementação de políticas preventivas. A conclusão a que se chega é a de que a soberania dos Estados-membros é um empecilho para a adoção de políticas preventivas mais eficazes dentro da ONU mas, ainda assim, ela não pode ser excluídas do debate. Há três linhas de discussão a esse respeito: a primeira sustenta que o ator soberano tem responsabilidades tanto em relação a seus cidadãos como em relação aos outros Estados da sociedade internacional; a segunda afirma que a soberania pode ser contornada com instrumentos já existentes na estrutura da ONU; e a terceira sugere que a ONU incorpore atores não-estatais no debate (Cousens 2002, Eliasson 1996, Cogen 2004, Lefkon 2003).

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Apesar de a soberania ser um limitador à ação, ou talvez por causa disso, Cousens defende uma soberania com responsabilidades1, alinhando-se com o relatório Responsibility to Protect (2002), da ICISS - International Commission on Intervention and State Sovereignty. Segundo tal argumento, o Estado tem responsabilidade em lidar com a violência iminente dentro de seu território e, caso não deseje ou não consiga fazê-lo, abre-se a membros da sociedade de Estados o direito de intervir (Cousens 2004:101, ICISS 2002:17). Eliasson e Cogen, por sua vez, acreditam que a dificuldade de haver uma reforma substancial na ONU faz com que o maior desafio seja o de usar os mecanismos já existentes para a promoção da idéia de prevenção. Isso produziria indicadores fidedignos e facilitaria a obtenção do comprometimento político dos

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Estados no apoio às iniciativas diplomáticas relacionadas à prevenção e ao envio mais rápido de tropas de operação de paz, quando necessário (Cogen 2004:217, Eliasson 1996:228 e seguintes). Por fim, uma terceira opinião é defendida por Lefkon, que sugere que se vá além da soberania, não para excluí-la nem para alterar suas normas de regência, mas para incorporar outros atores no debate e na ação relativa à prevenção (Lefkon 2003:672). No nível da soberania, os já existentes instrumentos da diplomacia tradicional podem ser redirecionados para a prevenção e, no nível fora do Estado, a diplomacia oficial começaria a dialogar de maneira mais efetiva com representantes da sociedade civil organizada, com líderes comunitários, com a mídia, entre outros (Lefkon 2003:675). A incorporação de atores não-estatais na teoria e na prática de prevenção confere maior legitimidade à resposta porque

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A expressão “sovereignty as responsibility”, traduzida para o português como “soberania responsável”, começa a se firmar no âmbito acadêmico com Francis M. Deng, em Protecting the Dispossessed (1993) e Sovereignty as Responsibility: Conflict Management in Africa (1996). Em 1993, o conceito englobava apenas a responsabilidade do ator soberano que estava fora do conflito, ou seja, abria-se a possibilidade de intervenção para solucionar um problema humanitário em casos extremos e urgentes. Os acontecimentos em Ruanda, na Somália e no Kosovo reabrem o debate sobre intervenção com finalidades humanitárias e a definição de soberania responsável de 1993 trazia indagações a respeito de suas limitações. Com a Declaração do Milênio (2000), Kofi Annan parece desafiar a “comunidade internacional” a pensar em respostas e, naquele ano, o Canadá apresenta à ONU a International Commission on Intervention and State Sovereignty (ICISS). Os membros da Comissão tiveram a função de buscar respostas morais, operacionais e políticas durante um período de 12 meses de pesquisas, consultas e debates, ao fim do qual foi publicado o relatório The Responsibility to Protect. A definição do ICISS é mais ampla que a de Deng, de 1993: a responsabilidade é ampliada para alcançar também o Estado em cujo território ocorre a tensão (e não apenas o Estado fora da situação), ou seja, a possibilidade de intervenção faz parte do exercício de uma soberania responsável por parte do Estado-objeto e do Estadosujeito da intervenção.

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aumenta as chances de lidar não apenas com as causas profundas dos conflitos violentos atuais, frequentemente não alcançáveis por atores estatais, mas também com a multiplicidade de causas e a simultaneidade de eventos. Enquanto as sugestões não são absorvidas no âmbito da ONU, ou enquanto ocorrem em ritmo vagaroso, algumas organizações regionais fortalecem sua infra-estrutura e desempenham novas funções também em relação à prevenção, integrando o contexto contemporâneo que tende à regionalização de tarefas políticas, econômicas, sociais e de segurança. Parte do interesse em reforçar a prevenção no âmbito regional está na incapacidade do órgão universal em lidar politicamente com a maioria dos conflitos em potencial, por serem de natureza intraestatal (Eliasson 1996:227). Uma organização universal nem sempre

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tem meios de executar decisões e de implementar códigos de conduta, o que tende a ser menos complexo no âmbito de uma organização regional (Cogen 2004:218). O avanço das organizações regionais no discurso e no fortalecimento de uma infra-estrutura permissiva da prevenção ocorre não apenas pela ausência da ONU, mas também por mérito e mandato próprios. Há fatores políticos, culturais, históricos, econômicos e geográficos que deixam algumas organizações regionais em posição de vantagem em relação à ONU, especialmente com o novo regionalismo do pós-Guerra Fria. Nesse contexto, após a retirada da película das superpotências, as regiões passam a ter autonomia e prioridade na resolução de certos problemas. Com o processo de integração, são criadas regras para administrar a interação que, institucionalizadas, passam a compor o corpo normativo de uma organização. Nem todas as organizações regionais têm estrutura ou capacidade operacional robusta, e um número menor ainda tem se envolvido com a prevenção. Assim, este trabalho tem por foco analisar a atuação de organizações específicas, em contextos igualmente específicos, relevantes para a compreensão do estudo de caso, como é o caso de organizações de segurança européias, analisadas em detalhe nos próximos tópicos. A seguir, ressalta-se de maneira concisa a preocupação na área da prevenção de organizações não-européias, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e Organização da Unidade Africana (atual União Africana).

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A Organização dos Estados Americanos (OEA), até 1985, continha em sua estrutura regras essencialmente voltadas para a proteção do princípio da soberania e da não-intervenção, o que reflete, por um lado, a preocupação de Estados menores com a presença e eventual interferência dos Estados Unidos em seus afazeres domésticos e, por outro lado, a obsessão norte-americana em diminuir as chances de o comunismo florescer na região. A partir de 1985, no entanto, alterações na Carta e na estrutura modificaram tal regra para não apenas permitir, mas obrigar, a organização a se envolver em assuntos domésticos de seus membros sempre que houvesse ameaça de golpe de Estado em governos eleitos de maneira democrática. Outras alterações substanciais são realizadas com o Compromisso de Santiago, de 1991, e o Protocolo de Washington, de 1992,

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também relacionadas à ingerência em assuntos domésticos com o objetivo de garantir o compromisso com a democracia (Peck 1998:141). No que se refere à diplomacia preventiva, não há mecanismos específicos de prevenção, embora seja de fundamental interesse para a OEA (Yadira Soto 2004:228). A estrutura da organização provê espaços de discussão e negociação no âmbito da Assembléia Geral (AG) e do Conselho Permanente (CP), que são usados para a diplomacia preventiva (Peck 1998:142-143). A AG é composta por representantes de governos de nível ministerial e, por ser o principal órgão da OEA, tem competência para lidar com qualquer matéria relativa às relações amistosas dos Estados-membros, o que inclui questões de segurança. Devido ao fato de as sessões da AG ocorrerem apenas uma vez ao ano, as discussões sobre segurança também acontecem no fórum do CP, com reuniões a cada duas semanas, além dos encontros extraordinários. Para crises que exigem uma resposta rápida, o CP pode convocar uma reunião com os ministros de relações exteriores. Nesse sentido, a principal função desses espaços é a socialização do problema e a possibilidade de resolvê-lo sem o recurso à violência armada (Peck 1998:143). Apesar do avanço dos últimos 20 anos no que se refere à possibilidade de lidar com assuntos que violariam a concepção original da soberania moderna, a organização permanece essencialmente governamental e valoriza o princípio da soberania. Sua estrutura, baseada em encontros entre os representantes de cada governo, é facilitadora do diálogo e da resolução pacífica de crises (Soto

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2004:225), o que é necessário, embora não seja suficiente, para a prevenção de conflitos no médio e longo prazos. Na Ásia, destaca-se o papel preventivo da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) que, além do Fórum do Pacífico Sul, é a única organização asiática a lidar com segurança. Atualmente com nove membros e limitada a uma sub-região do continente asiático, a ASEAN não representa a complexidade e a diversidade cultural, política, histórica e econômica da região, mas contribui à sua maneira com a promoção de um espaço flexível e informal para debates e negociações e, portanto, para a diplomacia preventiva. Na estrutura da organização, a capacidade e os recursos para a prevenção estão no nível diplomático. Não há órgão supranacional e o secretariado não tem

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objetivos de se envolver com ações preventivas (Peck 1998:176). A soberania é um princípio absoluto desde o início da atuação política da organização, na década de 1970, e o Tratado de Amizade e Cooperação, de 1976, um dos pilares da ASEAN, contém diversas cláusulas que reforçam o princípio da não interferência em assuntos domésticos, o que fez com que a ASEAN não se envolvesse nas crises do Timor Leste e das Filipinas da década de 1970 (Peck 1998:177). Portanto, a capacidade da organização para prevenção limita-se às relações diplomáticas dos membros da ASEAN entre si e destes com outros países asiáticos, o que não é suficiente para a construção de um ambiente propício à prevenção de conflitos. O continente africano, por sua vez, é o mais atingido, em intensidade e em quantidade, pela violência armada em contextos sub-estatais, fruto de questões de identidade, corrupção, falta de governabilidade e má distribuição de recursos (Njeri Karuru 2004:263). O processo de descolonização tardia e as decorrentes lutas por auto-determinação contribuíram para que a Organização da Unidade Africana (OUA), fundada em 1963, tivesse como princípio fundamental a proteção da soberania, a independência de seus Estados-membros e proteção da integridade territorial tal como herdada do colonialismo. O desenho institucional essencialmente intergovernamental fez com que a OUA tivesse pouca eficácia no controle das instabilidades políticas domésticas iniciadas nos anos 1960, como em Uganda (1966), Líbia (1969) e Nigéria (1966-1970), limitando sua atuação ao controle de conflitos interestatais. As negociações entre os membros eram feitas no âmbito da Assembléia de chefes de Estado e de governo ou na reunião de

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ministros. As decisões tomadas, porém, não eram necessariamente implementadas devido ao forte respeito ao princípio da soberania. Em 1990, em reunião da Assembléia de chefes de Estado e de governo, os membros debatem a transformação da situação política e sócio-econômica da África e, na declaração assinada ao fim do encontro, afirmam o compromisso da OAU com a antecipação de situações que possam se transformar em conflitos armados. Não houve definição mais precisa do que isso significaria em termos de tomada de decisão, e mecanismos de avisos prévios não chegaram a ser desenvolvidos pois a realidade de guerras intraestatais era contrária à lógica da prevalência da autonomia dentro da organização (Karuru 2004:270). A declaração de 1990, no entanto, é considerada um divisor de águas no tratamento das

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problemáticas questões de governabilidade de países africanos. Em 1992, o Secretário-Geral da OAU submete à apreciação do Conselho de Ministros e da Assembléia de chefes de Estado e de governo sua proposta para a alteração do desenho institucional de modo a incluir algumas demandas voltadas à prevenção e resolução de conflitos violentos, o que recebeu o apoio da Assembléia no mesmo ano2 (Peck 1998:163). É no Cairo, na reunião de 1993, que a Assembléia formaliza a proposta do secretário-geral e cria no âmbito da OUA o “Mecanismo para a Prevenção, Gestão e Resolução de Conflitos” (AHG/DECL.3 - XXIX)3. Na mesma reunião, foram eleitos os representantes das cinco sub-regiões para constituir o chamado Órgão Central, criado com objetivos de direção e coordenação das políticas gerais do mecanismo. O Órgão cria um relevante espaço permanente de discussão sobre prevenção, gestão e resolução de conflitos, com reuniões anuais no nível dos chefes de Estado e de governo, reuniões semestrais no nível ministerial e mensais entre os embaixadores. O problema que persiste desde a implementação do mecanismo é a manutenção das respostas às crises no âmbito da diplomacia tradicional, isto é, de representantes de governos, o que dificulta o acesso a informações relevantes à antecipação e à prevenção das múltiplas e complexas causas dos conflitos contemporâneos.

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Ver: . Acesso em: 13 fev. 2007. 3 Disponível em: . Acesso em: 13 fev. 2007.

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Em julho de 2001, a OUA cede espaço à União Africana (UA), por causa do baixo nível de eficácia da organização, a mudança da realidade africana, o fim do apartheid e do colonialismo na região, o aumento de indicadores de desenvolvimento sócio-econômico em alguns países e um maior respeito a princípios relativos à democracia e à proteção dos direitos humanos. O princípio da soberania é relativizado na nova organização e há previsão de mecanismos para lidar com assuntos domésticos e com grandes violações de direitos humanos, como genocídio e crimes de guerra. A UA, ainda em construção, manteve os espaços de discussão e negociação entre chefes de Estado e governo e também entre ministros, e a eles acrescenta um parlamento e um tribunal de justiça. Tais espaços de discussão têm de se adaptar aos princípios da nova organização e ainda

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não se sabe em que medida serão efetivamente utilizados como foro para consulta e negociações que venham a evitar o início ou a escalada da violência. A Europa é o continente que mais participa da criação do discurso e da implementação de mecanismos voltados para a prevenção de conflitos. Mesmo assim, nem todas as organizações dessa região têm capacidade institucional para lidar com prevenção, embora todas as que lidam com segurança contam com o mínimo de institucionalização que permite oferecer aos membros um espaço físico com regras que facilitam a consulta, o debate e a negociação de determinadas questões. O universo de organizações européias é maior do que o analisado neste capítulo e o foco se manterá naquelas que contribuíram de alguma maneira para o caso específico do sul dos Bálcãs na década de 1990. A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) é o destaque entre as instituições européias que desenvolveram e/ou aperfeiçoaram sua infraestrutura durante a década de 1990 para permitir a adoção de políticas de prevenção. Em seguida estão o Conselho da Europa e a União Européia e a OTAN, que não é uma organização exclusivamente européia, mas que também adotou medidas preventivas na década de 1990 voltadas para crises européias.

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3.2 Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)4 A OSCE é uma organização essencialmente intergovernamental tal como as Nações Unidas; porém, diferente da ONU, e por decisão dos Estados-membros da CSCE/OSCE, os conflitos contemporâneos passaram a constar no mandato desta organização em 1990 como uma das principais fontes de preocupação e, desde então, mudanças institucionais são realizadas para concretizar o discurso. Esta foi a organização que mais rápido se adaptou ao novo contexto de segurança do pós-Guerra Fria, com uma expansão em seu mandato que passou a englobar as quatro fases do conflito armado (avisos prévios, gestão, prevenção e resolução/reconstrução) e a incorporar uma abordagem mais ampla e cooperativa PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

de segurança, a partir de três dimensões necessárias para garantir a paz e a estabilidade: (i) a político-militar; (ii) a humana; e (iii) a econômica e ambiental (Monika Wohlfeld 2004:167). Em 1973, pela primeira vez desde o início da Guerra Fria, especialistas dos dois blocos, representantes de 35 países, reúnem-se em um mesmo processo de negociação multilateral que, dois anos depois, daria origem à Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa a partir da assinatura, pelos chefes de Estado, do Ato Final de Helsinki (1975). Durante a bipolaridade, a CSCE serviu como fórum de discussão de diversas questões envolvendo, sobretudo, a cooperação científica e cultural, direitos humanos, desarmamento de armas convencionais e resolução pacífica de conflitos entre os membros5. Com o fim da Guerra Fria e o fortalecimento da estrutura organizacional especialmente a partir de 1990, a mudança de nome em 01/01/1995, de “conferência” para “organização”, é conseqüência natural do processo de extensão do mandato. Em 14/12/1995, é lançada a primeira tarefa da OSCE enquanto organização: o anexo

4

São 56 membros, da Europa, Ásia Central e América do Norte: Albânia, Alemanha, Andorra, Armênia, Áustria, Azerbaijão, Bélgica, Bielorrússia, Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Canadá, Cazaquistão, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos da América Estônia, ex-República Iugoslava da Macedônia (ingresso em 12/10/1995), Finlândia, França, Geórgia, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Moldávia, Mônaco, Montenegro, Noruega, Países Baixos, Polônia, Portugal, Quirguistão, Reino Unido, República Tcheca, Romênia, Rússia, San Marino, Sérvia (ingresso em 10/11/ 2000), Suécia, Suíça, Tajiquistão, Turquia, Turcomenistão, Ucrânia, Usbequistão e Vaticano (site oficial da OSCE – www.osce.org). 5 CSCE/OSCE 2007: A Timeline. Disponível em: . Acesso em: 13 fev. 2007.

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1B dos Acordos de Dayton, que põem um fim formal à violência armada na Bósnia, confere à OSCE a tarefa de elaborar e implementar mecanismos que viabilizem parte do processo de reconstrução e reabilitação da Bósnia6. A construção do conceito de prevenção de conflitos dentro da organização tem início com as discussões de março, abril e novembro de 1990, que representam o marco-inicial da dinâmica de institucionalização da CSCE (Cogen 2004:215, Eliasson 1996:227). O processo se consolida no ano seguinte, com a demanda dos membros por envolver a organização em conflitos internos: em um encontro em Genebra, de julho de 1991, concluem os membros que as questões relacionadas a

minorias,

por

estarem

no cerne

de

muitos

conflitos

contemporâneos, são matéria de preocupação internacional, não sendo exclusivas

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do Estado (Max van der Stoel 2002:15). Durante a primeira metade da década de 1990, após aceitarem que a CSCE/OSCE lidaria com questões de minorias dentro dos Estados, os membros permitiram na Cúpula de Paris, em novembro de 1990, e na Cúpula de Helsinki, em julho de 1992, a criação de três órgãos responsáveis por viabilizar o cumprimento desse objetivo: o Centro de Prevenção de Conflitos; o Escritório para Instituições Democráticas e Direitos Humanos; e o Alto Comissário sobre Minorias Nacionais. O Escritório para Instituições Democráticas e Direitos Humanos (Office for Democratic Institutions and Human Rights), com sede em Varsóvia, Polônia, foi criado em 1990 para auxiliar Estados-membros a criar instituições democráticas e a implementar acordos relacionados a direitos humanos, especialmente no caso dos países que faziam parte do bloco soviético (Leonard S. Spector e Jonathan Dean 1994:140). Suas principais áreas de atuação são o monitoramento de eleições, construção da democracia, direitos humanos, tolerância e não-discriminação e construção do Estado de Direito. O Centro de Prevenção de Conflitos (Conflict Prevention Centre), criado em 1992 e sediado em Viena, Áustria, está submetido ao Secretário-Geral da organização e dá apoio direto ao Presidente-em-Exercício e a outros órgãos de negociação e de tomada de decisões, através da elaboração de relatórios com indicadores de crises em potencial e com informações sobre medidas de prevenção, gestão e resolução de conflitos violentos. Em termos estruturais, o

6

Disponível em: . Acesso em: 13 fev. 2007.

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Centro forma um relevante elo entre o quartel-general em Viena e as operações in loco da OSCE e, enquanto tal, permite que a melhor coordenação por parte do secretariado de atividades que envolvam o papel da OSCE na primeira das três dimensões de segurança: a segurança político-militar7. Vale ressaltar que o centro já existia quando do início da guerra da Bósnia e, apesar de não ter evitado a violência em massa, foi considerado uma relevante fonte de informação (Cogen 2004:215). O órgão da OSCE mais relevante para o objeto da tese é o Alto Comissário sobre Minorias Nacionais – ACMN (High Commissioner on National Minorities). Com sede em Haia, Países Baixos, o ACMN tem como função primordial agir enquanto instrumento de prevenção de conflito em tensões que envolvem

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minorias nacionais com potencial para se transformarem em conflitos violentos. No caso da prevenção nos Bálcãs, o ACMN foi o órgão da OSCE que mais contribuiu para o sucesso relativo do processo na Macedônia, motivo pelo qual será mais explorado que os outros órgãos, com esclarecimentos sobre as regras de funcionamento que permitiram a atuação do órgão durante a década de 1990 em ambos os casos estudados e, em especial, na Macedônia. O momento da ação e a forma de agir são características ressaltadas pela maioria dos autores que discutem a missão do Alto Comissário, já mencionada no Capítulo 2. Volta-se ao mandato por sua relevância: (i) a ação do ACMN deve ocorrer no estágio inicial do conflito; e (ii) é preciso minimizar a publicização da informação. Quanto à primeira característica, apesar de a OSCE atuar em todas as fases do conflito, o ACMN tem a função de atuar preferencialmente no estágio inicial, antes da eclosão ou da escalada da violência. Max van der Stoel, o primeiro ACMN da OSCE, afirma: “A experiência demonstra que os conflitos ficam mais difíceis de serem resolvidos quando ficam muito tempo sem solução. As posições das partes ficam mais radicais e, com o passar do tempo, é cada vez maior a perda de prestígio na tentativa de resolução. E, é claro, o risco de escalada também é maior nos conflitos que duram mais tempo”8 (Stoel 2002:16).

7

Disponível em:. Acesso em: 13 fev. 2007. Tradução livre de: “Experience has shown that conflicts become more difficult to solve if they remain unresolved for a long time. The positions of the parties become more rigid, and with the passage of time more loss of prestige is involved when mitigating them. And of course the risk of escalation might grow bigger the longer the conflict lasts” (van der Stoel 2002:p16). 8

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Quanto à segunda característica, a idéia de se manter “fora do holofote” (Walter Kemp 1999:39) é uma política que predomina na OSCE enquanto organização, mas que encontra mais força nos três órgãos de prevenção mencionados, especialmente no ACMN. Negociações tendem a fluir melhor quando as partes envolvidas confiam no mediador e quando acreditam que as discussões não serão divulgadas; segundo a experiência de Max van der Stoel, quando as negociações são divulgadas, as partes readaptam sua estratégia discursiva de forma a reforçar a sua posição original, fazendo com que seja mais difícil demonstrar flexibilidade no decorrer das negociações (Stoel 2002:19). Walter Kemp também sustenta que o discurso entre quatro paredes costuma ser menos radical que o discurso em público, vez que não há necessidade de explorar

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atenção externa nem de se mostrar em uma posição irredutível (Kemp 1999:39). O mandato do Alto Comissário tem duas restrições explícitas: (i) só pode lidar com minorias nacionais, ou seja, minorias que residem em determinado Estado há pelo menos 60 anos, excluindo-se as minorias decorrentes das migrações do pós-Segunda Guerra Mundial; e (ii) não pode se envolver em situações em que a minoria nacional empregue o terrorismo como forma de luta. À exceção dos limites acima, o ACMN exerce seu mandato com um alto grau de discricionariedade. A discricionariedade é também um elemento relevante: o Alto Comissário pode decidir em que situações deve intervir e quando fazê-lo, sem a necessidade de um mandato específico do Conselho Permanente ou de uma autorização do Presidente em Exercício da OSCE. Max van der Stoel sustenta que: “por causa dessa autonomia, o Alto Comissário tem a possibilidade de se envolver no estágio inicial de um conflito – uma pré-condição essencial para alcançar o sucesso na administração da crise”9 (Stoel 2002:17). A prestação de contas é feita diretamente ao Presidente-em-Exercício e em algumas das reuniões do Conselho Permanente. As discussões que o Alto Comissário levanta podem gerar recomendações, o que aumenta o peso político do órgão, já que recomendações vão além de uma preocupação que seria exclusiva do Alto Comissário para alcançar a de outros Estados-membros da OSCE (Stoel 2002:17).

9 Tradução livre de: “by enjoying such freedom, the High Commissioner has the ability to get involved in the early stage of a conflict – an essential precondition for achieving success in containg it” (van der Stoel 2002:17).

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Pode-se afirmar que a soberania também impõe limites ao mandato do Alto Comissário. A OSCE adota uma perspectiva cooperativa em relação ao tema da segurança, o que significa dizer que busca manter a confiança do governo no Estado em que atua. Para tanto, sua atuação é baseada no consentimento do Estado envolvido, seja no nível das votações nos órgãos da própria organização – as votações são feitas pelo consenso –, seja no nível do Estado para o qual é enviada uma missão (Eliasson 1996:227, Kemp 1999:39). Como mencionado no Capítulo 2, há dois acordos internacionais que dão base à atuação do Alto Comissário, além de seu mandato. O primeiro foi adotado no encontro de Copenhagen da ainda CSCE, em 1990, e trata da “dimensão humana”, com normas gerais sobre direitos de minorias e em relação ao qual

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todos os Estados-membros da CSCE aderiram10. O segundo é um documento do Conselho da Europa, a Framework Convention for the Protection of National Minorities11, de 01/02/1995, que não deixa de ser uma tradução obrigatória do acordo de Copenhagen pelo fato de ser uma convenção, e não um simples documento. Nesse sentido, pelas regras do direito internacional, a “Convenção” é obrigatória e vinculante àqueles que são signatários, assim como um Tratado ou uma Resolução, o que não acontece com um “Documento” ou uma “Declaração”. Por conta de tal obrigatoriedade, a convenção não só não obteve a adesão dos Estados-membros que haviam assinado o Documento, como também continha normas vazias e ambíguas devido à dificuldade de negociação de preceitos que fossem obrigatórios (Stoel 2002:20-21). A despeito disso, ambos os documentos são utilizados pelo Alto Comissário no processo de convencimento do governo em respeitar os direitos das minorias. A utilização de documentos constituídos no plano internacional para pressionar governos a respeitar os direitos das minorias residentes dentro de suas fronteiras não é considerada, em termos jurídicos, um afronte à soberania porque os Estados que assinaram tais atos consideram-se membros de uma sociedade internacional e, como tais, sofrem pressão externa para garantir o cumprimento dos atos jurídicos internacionais que assinam e ratificam.

10

Disponível em: . Acesso em: 13 fev. 2007. 11 Disponível em: . Acesso em: 13 fev. 2007.

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A alteração da estrutura e a realocação de recursos ocorridos durante a década de 1990 no âmbito da OSCE permitiram o efetivo envio de missões preventivas tanto para Estados, como a Macedônia, Estônia, Letônia, Moldávia e Geórgia, como para regiões específicas de Estados, como o Kosovo, Vojvodina e Sandjak (Eliasson 1996:227). 3.3 Comunidade Européia (CE)/ União Européia (UE)12 Desde o início do processo de integração europeu, o discurso dominante na política externa do bloco tem por pano de fundo a prevenção de novas guerras entre seus membros. O mandato inicial das comunidades européias, de cunho PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

econômico, é ampliado em 27.10.1970 com o acordo European Political Cooperation, criado por decisão dos Ministros das Relações Exteriores dos Estados-membros, e que dá base para o Ato Único Europeu, de 1986. Segundo Wouters e Naert, tais marcos demonstram a preferência de Estados-membros pela diplomacia tradicional – via negociações políticas ou sanções/condicionalidades econômicas – para promover seus interesses e resolver controvérsias de política externa, evitando assim o uso do instrumental militar. Se, por um lado, a Europa desenvolveu uma cultura de aversão ao uso da força enquanto instrumento político nos últimos 50 anos, por outro lado, a promoção de interesses preventivos pela via política e econômica se manteve por algum tempo no âmbito discursivo, já que a Comunidade Européia sub-utilizava seu poder econômico para fins de prevenção (Jan Wouters e Frederik Naert 2004:34). A mudança estrutural ocorre após o fim da Guerra Fria. O Tratado de Maastricht, ou Tratado da União Européia (1992/1993), incorpora o mecanismo do European Political Cooperation à estrutura da Comunidade Européia sob o nome de PESC - Política Externa e de Segurança Comum. São duas as principais áreas de elaboração de políticas dentro da PESC – a Prevenção de Conflitos e Administração de Crises, e a Não-Proliferação e Desarmamento –, e um de seus objetivos é contribuir para que as relações externas da UE sejam menos reativas e

12

São 25 membros: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Tcheca e Suécia. Em 1995, ingressaram no bloco a Áustria, a Finlândia e a Suécia.

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mais pró-ativas, o que garante à União Européia o aumento da capacidade de lidar com problemas em sua origem e de antecipar a ocorrência de crises13. Isto posto, sendo este um dos objetivos gerais da PESC, então um de seus objetivos específicos é precisamente a prevenção de conflitos. É de se notar que, por estar no âmbito da PESC, trata-se de uma política para lidar especificamente com questões entre a UE (enquanto ator) e Estados não-membros. Entre os Estadosmembros, a própria estrutura da UE provê mecanismos de prevenção de conflitos armados, como será demonstrado adiante. Medidas concretas de prevenção são adotadas na União Européia a partir do fim dos anos 1990, após a inclusão de novas regras e a revisão da PESC pelo Tratado de Amsterdã (1997), e representam uma tentativa de organizar

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sistematicamente a estrutura da organização para lidar com conflitos de maneira desmilitarizada (Cogen 2004:215, Wouters e Naert 2004:33/60). A tabela a seguir contém informações sobre as iniciativas mais relevantes da década de 199014, classificadas em ordem cronológica: Ano 1997/ jan.

Órgão/Documento Comissão Européia

1997/ out.

Tratado de Amsterdã

1997/ jun. e out.

Declaração anexa ao Tratado de Amsterdã e Common Positions 97/356/CFSP e 97/690/CFSP (OJ L153, 11.06.97 e OJ L293, 27.10.97)

13

Mudança institucional Rede de Prevenção de Conflitos (Conflict Prevention Network)

Unidade de Planejamento de Políticas e Avisos Prévios (Policy Planning and Early Warning Unit). Objetivo: fornecer informações relevantes sobre situações em potencial violência e sugerir políticas para cada situação.

Criação e financiamento de rede de instituições de pesquisa, ONGs e especialistas em segurança internacional, com objetivo de analisar indicadores e sugerir respostas políticas ao Parlamento e à Comissão. Bases para tornar mais eficazes as relações exteriores da UE, estimuladas pela urgência da desintegração da Iugoslávia15 Foi criada no âmbito do Secretariado do Conselho da União Européia enquanto desdobramento da PESC. Em 1997, as primeiras políticas produzidas pelo departamento foram adotadas em situações na África.

Relatório ao Conselho Europeu (Lisboa): . Fontes: Wouters e Naert 2004:60-64, Cogen 2004:215, sites da União Européia ( e ) e Stiftung Wissenschaft und Politik/German Institute for International and Security Affairs, disponível em: . Acessos em: 13 fev. 2007. 15 Segundo o texto The Amsterdam Treaty: a Comprehensive Guide - An effective and coherent external policy, disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2007. 14

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1998/ nov.

2000

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2001/ fev.

2001/ jun.

Comissão Européia, Conclusões do Conselho para Desenvolvimento (30.11.98) Comissão Européia

Conselho para Assuntos Gerais. Art. 1, Council Regulation (EC), n.381/2001, 26.02.2001. Foi adotado a partir de uma proposta da Comissão, elaborada a pedido do Conselho Europeu de Helsinki (dez.1999) Conselho Europeu – Göteborg O programa foi criado por iniciativa da presidência sueca, adotado pelo Conselho de Assuntos Gerais em 12/06/2001 e endossado pelo Conselho Europeu de Göteborg.

Departamento de Prevenção de Conflitos e Administração de Crises (The Conflict Prevention and Crisis Management Unit)

Sugere a expansão para outras regiões em desenvolvimento da perspectiva implementada pela UE para lidar com prevenção de conflitos e peacebuilding na África. Criação de departamento no âmbito do Directorate General External Relations (Directorate A)

Mecanismo de Reação Rápida (Rapid Reaction Mechanism)

Mecanismo desenhado para permitir que a UE responda a crises de maneira rápida, eficiente e flexível. Outras características incluem o alcance global, o orçamento independente e a possibilidade de trabalhar com ONGs, outras organizações intergovernamentais e experts.

Programa da UE para Prevenção de Conflitos (EU Programme for Conflict Prevention)16.

Objetivo de aumentar a capacidade da UE de produzir e interligar com coerência o aviso prévio, a análise da informação e a ação necessária. A prevenção passa a ser um dos principais objetivos das relações exteriores da UE que, enquanto instituição, parte em direção à prevenção estrutural. Tem foco na interação dos órgãos dentro da UE e dessa com outras organizações (ONU, OSCE, CICV, OECD, etc.)

A evolução do discurso de prevenção dentro da União Européia não ocorre de maneira simultânea à criação de mecanismos que viabilizam a implementação do conceito, como é mais evidente na CSCE/OSCE. No que se refere especificamente aos casos em estudo, cujo recorte temporal limita-se à década de 1990, argumenta-se que, a despeito do discurso de prevenção, a União Européia não teve maior envolvimento porque não detinha instrumentos que o favorecesse. Na segunda metade da década de 1990, quando a União Européia começa a desenvolver alguns desses mecanismos, a situação no Kosovo já está na iminência da fase mais violenta e, na Macedônia, a independência pacífica já havia ocorrido e a crise dos refugiados kosovares estava prestes a ocorrer (1998/1999). Assim, a ênfase à estrutura preventiva da UE ocorre apenas para explicar a omissão da mesma durante toda a fase preventiva de ambos os casos, ou seja, não houve

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maior participação da UE não pela falta de discurso, mas pela falta de instrumentos que visassem à implementação do tal discurso. Os mecanismos de prevenção criados até o momento foram explicitamente inseridos no âmbito da PESC, ou seja, trata-se de uma maneira encontrada pela organização de lidar com conflitos intraestatais em Estados não-membros. A violência política dentro de alguns membros não obtiveram a mesma resposta institucional e decisões substanciais foram evitadas ou sub-exploradas por Estados-chave, como o Reino Unido e a Espanha (Cogen 2004:223). As questões de prevenção intra-bloco têm sido canalizadas para os já existentes instrumentos e espaços de resolução de controvérsias, como o Conselho da União Européia, a Comissão e a Corte Européia de Justiça. Este último órgão, porém, apresenta uma

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lacuna no que se refere aos conflitos intraestatais: sua jurisdição é determinada por tratados que excluem de sua competência disputas de fronteira e conflitos políticos dentro de Estados (Cogen 2004:223). Para lidar com essa lacuna, sugere Cogen que a União Européia utilize o seu poder de persuasão para diminuir a violência política dentro de seus membros ou, ainda, que reorganize o seu orçamento de modo a estimular o desenvolvimento econômico de regiões afetadas pela violência política (Cogen 2004:223). De qualquer maneira, a existência de instituições sólidas favorece o processo de integração regional o que, por reforçar a administração e a promoção de segurança e de bem-estar no nível nacional, tem como uma de suas conseqüências a prevenção da violência em massa (Cogen 2004:217). Durante a década de 1990, predominava na União Européia uma perspectiva fragmentada e pouco sistemática de lidar com prevenção de conflitos, geralmente com foco em regiões específicas (Wouters e Naert 2004:33). A despeito da retórica e, especialmente da criação de novos mecanismos, tais políticas fragmentadas persistem na estrutura da União e as mais relevantes para os estudos de caso são voltadas para duas sub-regiões: (i) Europa Central e Leste Europeu; e (ii) Sudeste Europeu. A sub-região que compreende a Europa Central e o Leste Europeu é prioritária para as relações exteriores da União Européia após o fim da Guerra Fria, sendo tratada quase como “bloco” pela UE, e também recebendo destaque em outras organizações cujos membros são, em grande 16

Disponível em: . Acesso em: 14 fev.

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medida, europeus: o Conselho da Europa, a OTAN e a União da Europa Ocidental (Wouters e Naert 2004:38). As políticas da União Européia para o Sudeste Europeu, por sua vez, têm foco em países específicos. As iniciativas voltadas para a Iugoslávia começam em meados da década de 1990, depois que o discurso de prevenção começa a ser implementado. Trata-se basicamente do Rayaumont Process (Conselho da União Européia, Conclusão de 26-27/02/1996), que é um acordo referente à estabilidade e relações de boa vizinhança no sudeste europeu, implementado na região após a conclusão formal do conflito armado da Bósnia (Wouters e Naert 2004:43). Antes disso, até a assinatura dos acordos de Dayton (1995), a Comunidade Européia envolveu-se de maneira limitada na prevenção, contenção e resolução de

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conflitos na Iugoslávia. As principais iniciativas políticas da época incluem: (i) as negociações Brioni, que dão origem à “Declaração Conjunta das Seis Repúblicas e da Comunidade Européia”, de 07/07/1991, e à Missão de Monitoramento da Comissão Européia; (ii) a Conferência de Paz da Iugoslávia, organizada pela Comunidade Européia, que tem início em setembro de 1991 e é substituída, em julho de 1992, pela Conferência Internacional sobre a ex-Iugoslávia, em copresidência com a ONU; e (iii) a formação, em maio de 1994, de um Grupo de Contato para cooperar com a Conferência na coleta e análise de informações, composto por Estados Unidos, Rússia, Alemanha, França, Reino Unido e Itália (Wouters e Naert 2004:32/41-42)17. 3.4 Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) Com o fim da Guerra Fria e com as novas ameaças no campo da segurança internacional, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é uma das principais organizações a fazer uma revisão de seu mandato e de suas regras. Na busca por um novo papel, a OTAN inclui a prevenção de conflitos e a administração de crises como prioridades de sua agenda de segurança do pósGuerra Fria (John Kriendler 2004:415). As principais alterações no discurso 2007.

17 Repúblicas vizinhas da Iugoslávia também receberam missões européias na década de 1990, como a European Commission Monitoring Mission, posteriormente remodelada e

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relacionado à prevenção de conflitos e à contenção ou administração de crises ocorrem em 1991 e depois em 1999, nas cúpulas de Roma e de Washington, D.C., respectivamente, como já mencionado. Durante a década de 1990, não houve alterações substanciais na estrutura da OTAN para implementar políticas de prevenção, apesar do discurso da prioridade de 1991. Ainda assim, é possível alegar que, desde sua fundação, a OTAN tem um desenho institucional favorável à administração de crises, de modo a evitar que se transformem em conflitos armados (Kriendler 2004:415). O Conselho do Atlântico Norte e o Comitê de Planejamento de Defesa são instrumentos úteis à prevenção por serem espaços para a troca de informações atualizadas, já que raramente os aliados têm acesso à mesma informação, e

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também por servirem como fórum de consulta e negociação que levam eventualmente à formação de alianças ou harmonização de políticas com finalidade de facilitar a ação coletiva (Kriendler 2004:415). Outros órgãos da OTAN dão assistência a esses espaços de discussão e são responsáveis por prover informações especializadas e por recomendar a adoção de determinadas políticas ou estratégias: o Grupo de Coordenação Política, o Comitê Militar e o Comitê Político (Kriendler 2004:415-416). A OTAN, assim como a União Européia, desenvolveu mecanismos para a prevenção de conflitos e administração de crises para lidar com Estados que, embora não sejam membros, são parceiros através de políticas cooperativas como a Partnership for Peace (1994)18, o Mediterranean Dialogue (1994), o EuroAtlantic Partnership Council (1997), South East Europe Initiative (1999)19, o Conselho OTAN-Ucrânia (1997) e o Conselho OTAN-Rússia (2002). Há também mecanismos mais específicos, a exemplo dos que foram criados a partir das experiências nos Bálcãs: o Crisis Management Task Force e o NATO Crisis Response System, consolidados em 1995 e em 2001 respectivamente. Em 1995, depois da experiência na Bósnia, é criado o Crisis Management Task Force, a partir da necessidade de coordenar várias políticas de renomeada para European Union Monitoring Mission que, segundo pode ter contribuído para evitar a escalada horizontal do conflito (Wouters e Naert 2004:42). 18 Partnership for Peace (Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2007. Vale destacar que a Macedônia passou a integrar o PfP em 26.11.1995 e a Sérvia só em 14.12.2006.

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aconselhamento elaboradas pelos comitês especializados, de modo que não mais apresentassem dossiês fragmentados ao Conselho do Atlântico Norte e ao Secretário Geral. No caso específico da Bósnia, o instrumento multissetorial levou o nome de Bosnia Task Force. Em agosto de 2001, à época da assinatura do Acordo de Ohrid, que pôs fim à violência na Macedônia, o Conselho do Atlântico Norte criou o NATO Crisis Response System que, até 2006, havia sido parcialmente implementado (Kriendler 2004:424-426). Quando estiver em pleno funcionamento, o mecanismo aumentará a capacidade da Aliança de responder a tensões e conflitos armados, através de um amplo leque de opções políticas passíveis de serem adotadas em tempo mínimo e de maneira coordenada (Kriendler 2004:427).

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Pelo exposto, verifica-se que os mecanismos de prevenção de conflitos presentes na estrutura da OTAN da década de 1990 não eram suficientes para envolver a organização no esforço de evitar a violência em massa na Macedônia, vez que tais instrumentos não foram desenhados para lidar com crises domésticas, a despeito da alteração no discurso predominante na organização desde 1991. O principal envolvimento “preventivo” da OTAN na Macedônia ocorreu durante a crise dos refugiados kosovares albaneses, no primeiro semestre de 1999, e está restrito à assistência humanitária, como será demonstrado no Capítulo 5. Apesar de direcionada a atender aos refugiados kosovares e não a evitar a escalada da violência na Macedônia, a OTAN contribuiu para conter a degradação da situação. Os instrumentos tradicionais da OTAN têm sido gradualmente substituídos por outros mais eficientes para combater as ameaças contemporâneas, em um esforço de redesenhar o papel da organização no contexto contemporâneo. O discurso atual inclui a prevenção como uma das prioridades na remodelação do papel da organização mas, na prática, a OTAN não toma para si a tarefa de viabilizar a implementação de medidas preventivas. Essa postura condiz com o instrumental militar clássico, que é a ação dissuasiva na iminência do confronto armado ou logo após o início do mesmo, e não a antecipação e prevenção mais ampla de uma situação de violência armada. De toda forma, a OTAN esteve envolvida nos dois casos estudados, com objetivos e missões diferentes, e é relevante levantar alguns dos mecanismos que possibilitaram essa atuação. 19

South

East

Europe

Initiative.

Disponível

em:

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3.5 As organizações não-governamentais (ONGs) e seus mecanismos de prevenção O aparato institucional de atores não-estatais em muito difere do das organizações intergovernamentais, como também ocorre com a produção do discurso e com a forma de atuação. Os atores não-estatais com potencial para prevenção são, em regra, as ONGs, a mídia, o setor privado e grupos da sociedade civil organizada com base na etnia, no gênero, na religião ou outro tema. Este capítulo versa sobre a estrutura desses atores e, já que não há propriamente um arcabouço institucional que contribua para a prevenção nem na mídia nem no

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setor privado, esta parte focaliza apenas as ONGs. A estrutura das ONGs está condicionada à sua forma de atuação, que pode ser categorizada entre: (i) ativismo, a exemplo da Anistia Internacional e da Human Rights Watch; (ii) coleta de informações e produção de relatórios com recomendações políticas, a exemplo do European Centre for Minority Issues e o Council on Foreign Relations; e (iii) trabalho de campo, a exemplo da Search for Common Ground e do Carter Center. Certas ONGs, como a International Crisis Group, desenvolveram uma estrutura híbrida que faz com que elas se encaixem em duas ou mesmo nas três categorias acima. Em seguida há detalhes sobre o mandato e a estrutura de quatro ONGs internacionais cuja atuação tenha sido relevante na Macedônia e/ou no Kosovo durante a década de 1990: Human Rights Watch, Search for Common Ground, European Centre for Minority Issues e International Crisis Group. 3.5.1. Human Rights Watch (HRW) Em 1978 um grupo de ativistas de direitos humanos dos Estados Unidos criou a Helsinki Watch, cujo objetivo era fiscalizar o cumprimento do Acordo de Helsinki. Nos anos seguintes, há a criação de comitês semelhantes, como o Americas Watch, para denunciar violações de direitos humanos na América Central, e o Asia Watch, cujo foco era denunciar as condições dos prisioneiros

. Acesso em: 14 fev. 2007.

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políticos na China. Só em 1988 é fundada a Human Rights Watch (HRW), com a união dos três grupos. A HRW tem por objetivo causar o constrangimento de autoridades governamentais ou intergovernamentais a respeito de violações de direitos humanos, não apenas para forçar a punição, mas também para evitar novas violações, o que pode ser considerado uma ação preventiva já que algumas dessas violações, a depender do contexto, podem desencadear um processo que levará à violência armada. Para tanto, adota o princípio da imparcialidade da denúncia e expõe as violações que ocorrem dos dois (ou mais) lados da situação. Sua metodologia engloba visitas a locais-chave e entrevistas com vítimas das violações, sendo o relatório amplamente divulgado na mídia e no site da HRW. As

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atividades da ONG são centralizadas na sede, em Nova Iorque, mas há equipes em outros países, que podem ser permanentes ou temporárias, a depender da necessidade de maior envolvimento. 3.5.2. Search for Common Ground (SFCG) A Search for Common Ground (SFCG) foi fundada em 1982 por John Marks, diplomata e ex-funcionário do Departamento de Estado norte-americano. Nos primeiros anos de funcionamento, tal ONG adotou uma perspectiva adversativa na mediação de conflitos, aos poucos alterada para uma perspectiva cooperativa, de modo a provocar uma mudança sustentável de relações conflitantes. Há o fortalecimento da estrutura durante a década de 1990, com o aumento das tensões em várias áreas do globo. O compromisso com o longo prazo, aliado ao limite de recursos, fez com que a SFCG estabelecesse oito missões permanentes nos últimos dez anos em regiões de conflito atual ou em potencial: Ucrânia, Macedônia, Bósnia-Herzegovina, Libéria, Burundi, Angola, Jordânia e Faixa de Gaza (European Platform for Conflict Prevention and Transformation 1998:240). A SFCG tem como princípio fundamental “compreender as diferenças e agir com base naquilo que é comum”, com o objetivo de influenciar e transformar o comportamento de indivíduos ou grupos na iminência de um conflito armado. Seus funcionários são treinados a utilizar 18 métodos tradicionais e não-

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tradicionais de lidar com controvérsias, aprimorados com a experiência, que vão da mediação e facilitação até o emprego de mecanismos não-convencionais como o jornalismo com destaque às características comuns das partes, além de iniciativas nos setores de produção de programas de rádio/televisão, das artes/cultura e dos esportes (site SFCG20). Sua principal contribuição dá-se pela via eletrônica, e é o que a diferencia da maioria das ONGs de prevenção. Em 1989 é criado o Common Ground Productions, uma divisão responsável por elaborar e produzir programas de rádio e televisão de médio e longo prazos de acordo com os princípios e objetivos da ONG. Na Macedônia, o programa de televisão Nashe Maalo (“Nossa Vizinhança”), criado pela SFCG em 1994 e veiculado em parceria com o canal de

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TV governamental de 1999 a 2004, envolveu boa parte da população e é considerado um elemento relevante para a prevenção da violência no país, como se verá no Capítulo 5 (Kornelija Cipuseva 200621). 3.5.3. European Centre for Minority Issues (ECMI) A European Centre for Minority Issues (ECMI) é uma instituição interdisciplinar fundada em 1996 por iniciativa dos governos da Alemanha e da Dinamarca, com objetivos de ser um centro de pesquisa e documentação especializado nas relações entre minorias e maiorias na Europa. Uma vez que a questão das minorias, sobretudo étnicas, são o principal elemento dos conflitos contemporâneos na Europa, pode-se afirmar que a ECMI contribui para a prevenção de conflitos com a publicação de seus relatórios com informações sobre a situação in loco e análises sobre suas eventuais conseqüências. As atividades do centro não são restritas à produção de informação, mas também englobam elaboração de recomendações a governos e a organizações, além de parcerias com a comunidade acadêmica e a mídia. A pesquisa no centro é limitada ao estudo da região européia e à metodologia de produzir informações transformáveis em políticas através da practice-oriented research. Subdivide-se em três linhas: (i) a consolidação de

20 21

Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2007. Em entrevista concedida à autora em abril/2006.

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instituições democráticas que respeitem os direitos humanos e, sobretudo, as diferenças étnicas; (ii) a elaboração de mecanismos voltados para garantir o respeito às diferenças étnicas; e (iii) adoção de perspectiva construtiva na prevenção e administração de conflitos. A sede em Flensburg, Alemanha, tem um espaço físico onde ocorrem conferências e debates de acadêmicos e tomadores de decisão sobre os temas relacionados às linhas de pesquisa22.

3.5.4. International Crisis Group (ICG) A International Crisis Group (ICG) foi criada em 1995 por um grupo de especialistas em política internacional descontentes da falta de resposta adequada PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

por parte da “comunidade internacional” às crises do pós-Guerra Fria. Surge, portanto, com a ousada idéia de criar uma organização profissional que, por ser independente de governos, pudesse provocar atores políticos relevantes a evitar conflitos violentos que não eram originalmente de seu interesse (Gareth Evans 2004). A metodologia adotada para lidar com a prevenção alcança três dimensões: (i) análise da informação obtida em campo; (ii) prescrição de medidas apropriadas; (iii) e ativismo no alto nível da política. Para alcançar seus objetivos e cumprir a metodologia, a ICG conta com duas categorias de equipe: há os que se deslocam para o local da instabilidade e há os que permanecem nas sedes para colaborar na análise e na publicação da informação e, especialmente, no lobby que cause impacto em oficiais de governo. Há atualmente treze escritórios regionais em lugares como a Jordânia, Paquistão, Indonésia, Kosovo e Coréia do Sul, com equipes de analistas que lidam com cerca de 50 crises. Os escritórios de lobby estão localizados na sede principal, em Washington DC, e nas subsidiárias, em Nova Iorque, Londres e Moscou23.

Conclusão À medida que mecanismos são adotados para viabilizar a adoção do conceito na prática, verifica-se a existência de dois limitadores, um estrutural e

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Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2007. Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2007. 23

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um operacional. A soberania é o limitador estrutural, que se apresenta de maneira paradoxal em relação à prevenção de conflitos: ao mesmo tempo em que define o quanto de poder será delegado às instituições intergovernamentais - hoje os principais atores de prevenção – para que criem mecanismos e implementem medidas de prevenção, é também a soberania que impede ou ignora tentativas mais incisivas de explorar a eficácia de políticas preventivas. O limitador operacional é o mandato da organização, estabelecido a priori pelo interesse dos membros. O mandato restringe o objetivo da organização, as formas de ação e as regras para alteração da estrutura. Ademais, é o mandato que esclarece que papel terá a organização em um contexto de múltiplos atores intergovernamentais, como é a região da Europa. A maioria das organizações

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intergovernamentais que atuaram nos casos em estudo têm mais da metade de seus membros em comum. Embora esse não seja o escopo da tese, é relevante perceber que os membros comuns podem ou não seguir políticas semelhantes dentro das diferentes organizações, devido aos interesses que têm em relação ao mandato e ao papel que cumpre a organização em determinado contexto. Isso significa que não há uma evolução necessária na adoção de políticas que viabilizem a prevenção de conflitos, a despeito da existência de Estados-membros comuns. Como já existe uma organização com esse papel na Europa (a OSCE), é possível que a União Européia não venha a fortalecer seus mecanismos de prevenção - e menos ainda a OTAN. Ambos os limitadores pareciam mais resistentes na década de 1990, quando as discussões sobre a concretização do conceito de prevenção eram incipientes e influenciaram o moldar da estrutura de cada organização envolvida nos casos sob análise. Por sua vez, a estrutura limitada, juntamente com interesses contingentes, determinaram em grande medida as fronteiras entre a ação e a omissão dos atores internacionais dos casos em estudo, como se pretende demonstrar nos capítulos seguintes. A atuação das organizações não-governamentais, por sua vez, também apresenta limites estruturais e operacionais. O limite estrutural reside no restrito papel que as ONGs têm na política internacional. Por mais respeitada que seja a ONG, sua participação restringe-se ao nível da low politics ou da soft law – e, quando é convidada para participar de mesas de negociações formais, muitas vezes têm a função limitada ao fornecimento de informações. Em termos

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operacionais, às ONGs faltam recursos para implementar projetos com eficiência e de acordo com suas missões, além de lhes serem inviáveis meios de coerção para fazer valer suas decisões. As ONGs de atuação mais incisiva, que se envolvem na situação in loco com análises políticas profundas, encontram um outro limitador para sua atuação na soberania do Estado em cujo território fazem seu trabalho. Ainda assim, a despeito dos limites à sua ação, ou justamente por causa desses limites, algumas ONGs participaram da dinâmica da prevenção de conflitos nos casos do Kosovo e da Macedônia durante a década de 1990, como se

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pretende demonstrar a seguir.

Parte II

A Parte I apresenta as discussões e os limites da consolidação do conceito de prevenção e de sua implementação, enquanto a presente Parte II visa a inserir tal discussão no contexto regional da Iugoslávia e, mais precisamente, do Kosovo e da Macedônia dos anos 1990. A pesquisa realizada indica que três elementos condicionam a ação internacional nos casos em estudo, dois deles analisados na Parte I – a definição de prevenção (Capítulos 1 e 2) e os mecanismos disponíveis à prevenção (Capítulo 3) –, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

e o terceiro a ser analisado na Parte II – a interpretação do contexto da crise (Capítulo 4). Também nessa parte será apresentado o sociograma das crises ocorridas em ambos os casos, com atenção especial à ação ou omissão de potenciais preventores internacionais (Capítulo 5). Dessa forma, além de demonstrar que a participação de alguns atores é mais incisiva ou mais limitada de acordo com o conceito de prevenção adotado e dos recursos disponíveis para prevenção, os capítulos que compõem a Parte II ressaltam que o envolvimento internacional também depende da interpretação que se tem sobre a situação in loco. A eficácia da implementação de medidas preventivas é a hipótese que permeia tanto o conceito como a criação de mecanismos que viabilizem a aplicação do conceito. Embora os instrumentos criados não sejam por vezes eficientes nem cumpram seus objetivos na íntegra, recursos financeiros são investidos na área de prevenção dentro das instituições, o que cria a expectativa de que algumas ações alcançarão pelo menos parte de seus objetivos iniciais, quaisquer que sejam. Como se mencionou no Capítulo 1, a maioria da literatura defende a hipótese de eficácia a partir de duas sub-hipóteses, responsáveis por aumentar as chances de sucesso das medidas preventivas: (i) a prevenção estrutural e (ii) a prevenção multissetorial (Scherrer 2002:xv, Miall et alli 2005:97, Lund 1996/2004, Ackermann 2000, Reimann 2001, van der Stoel 2002, Carment e Albrecht 2001, Leatherman et alli 1999, Galtung 1999, CCPDC 1997, ICISS 2001b). Dessa forma, os próximos capítulos visam a demonstrar as condições existentes no Kosovo e na Macedônia durante a década de 1990 que permitiram ou dificultaram a adoção de medidas de prevenção estrutural por

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parte dos diferentes atores políticos internacionais que já utilizavam o discurso e/ou que já disponibilizavam de mecanismos para lidar com a prevenção. Assim, o Capítulo 4 explora as questões que dão base à dinâmica política e social que predomina na Iugoslávia dos anos 1990 e identifica as maneiras pela qual este contexto foi interpretado por atores internacionais relevantes na época. O Capítulo 5, por sua vez, aborda três crises ocorridas durante os anos 1990 em cada um dos casos analisados e destaca a ação ou omissão dos diferentes atores internacionais em cada situação, com o

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objetivo de compor um sociograma das crises através de uma abordagem multissetorial.

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4 O contexto local e sua interpretação: como o Kosovo e a Macedônia chegam à década de 1990

“— ¡Válame Dios! – dijo Sancho – ¿No le dije yo a vuestra merced que mirase bien lo que hacía, que no eran sino molinos de viento, y no lo podía ignorar sino quien llevase otros tales en la cabeza? — Calla, amigo Sancho – respondió don Quijote –, que las cosas de la guerra, más que otras, están sujetas a continua mudanza; (…) mas, al cabo al cabo, han de poder poco sus malas artes contra la bondad de mi espada”.

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(Miguel de Cervantes, El Ingenioso Hidalgo Don Quijote De La Mancha, Parte I, cap. VII, publicado originalmente em 1605).

Este capítulo está dividido em três seções. A primeira trata da história da Iugoslávia e ressalta os aspectos regionais que têm relevância para a compreensão do contexto do Kosovo e da Macedônia no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990. A segunda seção, por sua vez, procura demonstrar as diferentes interpretações de tal contexto regional feita por atores externos para explicar a natureza das guerras nos Bálcãs. Por fim, após descrever o contexto iugoslavo e as interpretações internacionais desse contexto, a terceira seção trata de aspectos não mencionados anteriormente que sejam referentes às histórias específicas do Kosovo e da Macedônia até a iminência da primeira crise de cada um.

4.1 As origens da Iugoslávia de 1990 As condições que, ao longo da década de 1990, levaram a violência ao Kosovo e deixaram a Macedônia na iminência de um conflito armado têm raízes profundas. Neste capítulo, referente à parte empírica da tese, são ressaltados elementos anteriores ao processo de desintegração iugoslava, que se dá a partir de 1991, e anteriores à morte do líder Josip Broz Tito, em 1980, de modo a demonstrar que as causas estruturais da instabilidade nos Bálcãs não são apenas domésticas, mas também sofrem forte

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influência de fatores regionais e geopolíticos (Thanos Veremis 1999:10, Lisen Bashkurti 2005). A história recente dos Bálcãs tem explicações cujas origens remontam a eventos do fim do século XIX, quando grupos nacionalistas, mobilizados sobretudo pela igreja ortodoxa cristã e pela elite política sérvias, iniciam uma revolta contra a dominação do já bastante enfraquecido Império Otomano. Tratados internacionais e acordos de paz, responsáveis por redesenhar a região aos moldes dos interesses das potências européias e asiáticas, também têm um relevante papel na composição do contexto que levará às circunstâncias da década de 1990, como se pretende demonstrar a seguir. O Império Otomano conquista a região dos Bálcãs em 1389 e inclui sob seus domínios os territórios que compreendem a faixa entre o norte da atual Grécia, esta

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inclusive, e boa parte da atual Bósnia, incluindo também o Kosovo e a Macedônia (ver Mapa 6, em anexo). A derrota dos aliados balcânicos, liderados pelos sérvios, na batalha de Kosovo Polje, acarreta o fim do império sérvio medieval e dá início ao processo de dominação otomana (ver Mapas 6 e 7, em anexo). Quinhentos anos mais tarde, na segunda metade do século XIX, esta batalha contra o Império Otomano passa a ser interpretada pelos eslavos como uma guerra entre a cristandade e o islamismo, na qual a derrota é crucial para a criação do “mito do Kosovo” para os sérvios. As origens de tal “mito” ajudam a explicar a obsessão que têm os sérvios pelo sofrimento e pelo espaço de terra que hoje corresponde ao Kosovo: é somente na segunda metade do século XIX, devido à necessidade de favorecer e justificar a ascensão do nacionalismo sérvio contra a dominação otomana, que os mortos da batalha de 1389 são transformados em “mártires” pelo sacrifício em nome da cristandade (Hugh Poulton 1997:141)1. Nessa época, são resgatados pela elite sérvia diversos relatos de 1389, sobretudo em relação ao líder cristão e príncipe sérvio Lazar que, devido à sua resistência e à sua recusa de rendição, passa a receber homenagens em músicas campesinas, poesias orais e outras referências culturais (Poulton 1997:141, Ger Duijzings 1999:175). Além das homenagens folclóricas aos mortos de Kosovo Polje, a elite política sérvia reconstrói a batalha como uma guerra sérvio-turca na qual os sérvios perdem temporariamente o controle territorial sobre o Kosovo para os turcos e para os albaneses. No entanto, como

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Alguns autores não consideram a possibilidade de o mito do Kosovo ter sido explorado somente a partir da segunda metade do século XIX. Richard West, por exemplo, sustenta que os sérvios relembraram com histórias, canções e outras celebrações a derrota no Kosovo Polje durante os quinhentos anos de dominação otomana (Richard West 1999:341).

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lembra Poulton, o grupo dos que lutaram contra os turcos era composto também de albaneses, além dos sérvios, dos húngaros e de outras etnias (Poulton 1997:141). O Kosovo passa a ser cada vez mais explorado como fonte de inspiração para recuperar o orgulho da nação sérvia e se transforma no núcleo da relação entre, de um lado, a reconquista do império sérvio medieval derrubado pelo Império Otomano e, do outro lado, o projeto de independência da Sérvia. O “mito do Kosovo” é transformado em um elemento crucial para justificar a exploração política da Grande Sérvia, fortalecendo a nação a enfrentar os turcos até a obtenção da independência em 1876 (Duijzings 1999:176-181). A partir de então, a reconquista territorial do Kosovo vira obsessão sérvia e há dois exemplos que evidenciam tal apego: primeiro, a ocupação parcial e temporária do território kosovar em 1878 é motivo para grande euforia entre os

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sérvios e, segundo, ainda no fim do século XIX, a igreja ortodoxa consegue incorporar a data da derrota de 1389 - 28 de junho - ao calendário sérvio como um evento a ser relembrado e celebrado (Duijzings 1999:182). O mesmo contexto histórico dá origem a eventos com conseqüências também para a Macedônia. Após a guerra entre a Rússia e a Turquia de 1877-1878, dois tratados redesenham o mapa da região dos Bálcãs: os tratados de San Stefano e de Berlim. O Tratado San Stefano (1878) põe fim à guerra e determina a incorporação da Macedônia à Bulgária. A situação é logo depois revista pelo Tratado de Berlim (1878), quando o Reino Unido, a Áustria-Hungria e a Alemanha avaliam que uma grande Bulgária ameaçaria a estabilidade da região e beneficiaria a Rússia. Assim, o novo tratado devolve a Macedônia à Turquia, fazendo com que o status do país permanecesse intacto em relação ao pré-guerra, e também ignora a demanda local pela criação de três novos Estados: Sérvia, Montenegro e Romênia (Carl Savich 2004, R. Craig Nation 2003:26, ACNUR 2005:9). As Guerras dos Bálcãs, no início do século XX, também exercem influência sobre os acontecimentos da Macedônia da década de 1990. Em 1912, Sérvia, Bulgária, Grécia e Montenegro formam a Liga Balcânica para resolver suas pendências territoriais. A aliança política e militar tem início em março de 1912 entre a Sérvia e a Bulgária, os Estados mais fortes da região; depois contam com o ingresso da Grécia e, por fim, de Montenegro (Savich 2004). O objetivo oficial de demandar melhor tratamento aos cristãos residentes na Macedônia sob domínio otomano mascarava a criação de um novo front para enfraquecer o Império Otomano, já em guerra com a Itália na Líbia, de modo a libertar a Macedônia para então redividi-la (Savich 2004,

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Slavko Milosavlevski 1996:8). Este, aliás, é o cerne da chamada “Questão Macedônia”, segundo a qual as três grandes potências regionais – Sérvia, Grécia e Bulgária – competiriam entre si pela conquista territorial da região da Macedônia, ao mesmo tempo inibindo qualquer manifestação dos macedônios por autonomia ou independência (ver Mapa 9, em anexo). Após a derrota da Turquia na guerra dos Bálcãs em dezembro de 1912, líderes europeus promovem outra conferência e estimulam os envolvidos a assinarem o Tratado de Londres (30/05/1913) que previa, entre outras coisas, a perda por parte da Turquia de quase a totalidade de seus territórios europeus e a incorporação de Creta à Grécia. A Macedônia, porém, continuava no cerne da questão dos Bálcãs, segundo Carl Savich: em termos geográficos, a Macedônia estava na junção dos territórios da Bulgária, Sérvia

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e Grécia e, em termos étnicos, representantes das etnias desses três Estados residiam na Macedônia e disputavam com locais a hegemonia de movimentos pela libertação total ou pela incorporação da Macedônia a um país vizinho. A paz do Tratado de Londres não é mantida e, após divergências sobre terras na Macedônia, em junho de 1913 a Bulgária invade a Sérvia e a Grécia, dando início à Segunda Guerra dos Bálcãs. Dois meses depois, o Tratado de Bucareste encerra o conflito e divide a Macedônia sobretudo entre a Sérvia e a Grécia, mas também com a Bulgária (Milosavlevski 1996:8). As Guerras dos Bálcãs também têm conseqüências para a situação do Kosovo. Com o fortalecimento do nacionalismo na Sérvia no início do século XX, a já tradicional comemoração pela derrota de 1389, no 28 de junho de cada ano, recebe tons de festival, com eventos a céu aberto e encontros em igrejas. Nesse contexto de nacionalismo sérvio ocorrem as duas guerras dos Bálcãs, no fim das quais a Sérvia conquista o território do Kosovo, na época parte da Albânia, sob dupla alegação de “libertar” o Kosovo e de pôr fim a um longo período de humilhação (Duijzings 1999:182, Poulton 1997:141). Após três anos, porém, o Kosovo é conquistado pelos alemães e pelos austríacos (Richard West 1999:341). Assim, as guerras regionais do fim do século XIX e do início do século XX, além de dar fim à dominação do Império Otomano na região balcânica, e portanto na Europa, também têm implicações diretas para a história recente da Macedônia e do Kosovo, além de serem o estopim para a 1ª Guerra Mundial. A geopolítica dos Bálcãs decorrente das guerras de 1912-13 provocam, em 28/06/1914, o assassinato do herdeiro do trono do império austro-húngaro, Francisco Ferdinando, por um nacionalista sérvio (Torbjorn L. Knutsen 1992:184). O incidente na família real austríaca leva ao ataque à

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Sérvia e, assim, a Primeira Guerra Mundial tem início após a movimentação da Rússia em defesa dos sérvios e a aliança da Alemanha com os austríacos. Com o fim da Primeira Guerra e a queda do Império Otomano, é criado o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos em 1918, renomeado em 1929 de “Iugoslávia”, o que significa literalmente “terra dos eslavos do sul” e corresponde à primeira das três “Iugoslávias” do século XX. A Macedônia, sob o domínio sobretudo da Sérvia, mantém seu status político, sem previsão de autonomia e sem a devida atenção às demandas nacionalistas internas. A Revolução Russa de 1918-1919 passa a ser o elemento-chave na alteração da situação doméstica da Macedônia, e o partido político IMRO (Organização Revolucionária Macedônia), criado em 1902 e responsável pela bandeira da autonomia, recebe apoio direto da Internacional Comunista soviética para a participação da Macedônia em uma

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eventual federação de Estados balcânicos. Até o fim da Segunda Guerra Mundial, prevalece na Macedônia a demanda por anular a partilha de seu território e de seu povo entre a Bulgária, a Grécia e a Sérvia, tal como sancionado pelo Tratado de Bucareste de 1913 (Milosavlevski 1996:8). Em abril de 1941, a Iugoslávia envolve-se na Segunda Guerra com a chegada de tropas italianas e alemães na região para forçar a passagem para o Mar Egeu. À exceção da Croácia, o país é dividido em nove unidades, controladas militarmente pela Alemanha e pela Itália, e partilhadas entre a Hungria e a Bulgária (Misha Glenny 2001:485). A invasão dos nazi-fascistas é recebida com hostilidade pelo então Exército Real Iugoslavo, que havia se retirado de todos os fronts, menos do Kosovo (Eric Hobsbawm 2004:85). Após a derrota, os conquistadores ocidentais puniram os sérvios com uma concessão feita à Albânia de esta reocupar o Kosovo, situação que permaneceu até o fim da Segunda Guerra (West 1999:341). Os italianos também concederam à Albânia a parte ocidental da Macedônia, enquanto outras áreas macedônias foram mantidas sob o domínio búlgaro (Glenny 2001:485; ver Mapa 8, em anexo). A Segunda Guerra Mundial é relevante não apenas para a reorganização geopolítica do contexto regional como também para a estrutura interna da Iugoslávia. Tito era o nome de guerra de Josip Broz, nascido em uma aldeia croata em 18922. Nos 2

Durante a Primeira Guerra Mundial, Tito esteve envolvido com um contexto mais amplo que a Croácia e viajava por outras unidades do Império Austro-Húngaro. Isso fez com que tivesse contato com idéias socialistas e atividades sindicais. Durante a Segunda Guerra Mundial, Tito envolveu-se com um grupo de ativistas de diversas partes da Iugoslávia, junto dos quais deu início à formação de uma estrutura social nas montanhas a oeste da Bósnia, como modelo do que vislumbravam para a Iugoslávia unida, e

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anos finais da Segunda Guerra, Tito e seus aliados domésticos, auto-identificados como “camponeses”, estabelecem um regime comunista na Iugoslávia em 24/10/1944 com a participação de seis repúblicas: Eslovênia, Croácia, Sérvia, Montenegro, BósniaHerzegovina e Macedônia. A nova estrutura visava reunir novamente os eslavos do sul, assim como a Tchecoslováquia reunia os eslavos do norte. Sobre o assunto, Eric Hobsbawm sustenta que: “Não havia um único precedente histórico assim como não havia lógica nas combinações iugoslavas e tchecoslovacas, meras construções de uma ideologia nacionalista que acreditava na força da etnicidade e na indesejabilidade de Estados-nação pequenos demais” (Eric Hobsbawm 2004:41 – grifo no original).

Esta 2ª Iugoslávia absorve parte da estrutura política interna da 1ª Iugoslávia, existente até 1941. A libertação do país pelo Exército Vermelho, graças ao apoio da PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

Grã-Bretanha ao movimento de Tito, reforça as idéias socialistas na Iugoslávia, o que também acontece na Albânia (Hobsbawm 2004:49). A nova constituição, de novembro de 1945, junto com a consolidação do poder de Tito e sua atitude de independência em relação ao regime soviético fazem com que, em meados de 1948, haja um rompimento das relações entre Tito e Stalin: além das sanções econômicas e da expulsão do Partido Comunista Iugoslavo do Conimform, Stalin teria também considerado a possibilidade de intervenção militar, o que não se concretizou (Glenny 2001:573-574). A aproximação com o Ocidente tem início com assistência militar e econômica; porém, a morte de Stalin, em 1953, faz com que a Iugoslávia reate suas relações com a União Soviética, sob a liderança de Nikita Khrushchev. A aliança não foi integral pois já naquele momento a Iugoslávia de Tito percebia a vantagem estratégica de declarar a existência de pontos de contato com ambos os blocos. Assim, em 1956, a Iugoslávia busca integrar-se com países que não haviam se alinhado aos blocos da Guerra Fria, a exemplo da Índia e do Egito, e o primeiro encontro de líderes do movimento nãoalinhado ocorre em Belgrado, em 1961, graças à liderança de Tito. Vale ressaltar o inegável domínio político e militar sérvio na estrutura da federação e, apesar de isso ser geralmente negado pelos sérvios, havia superrepresentação da etnia em áreas cruciais como o exército, a polícia e o partido lutou contra os sérvios (chetniks), liderados por Dragoljub Mihailovic. Enquanto os chetniks pretendiam restaurar a monarquia no país, sob domínio da Sérvia, os camponeses (partisans) liderados por Tito empunhavam a bandeira da criação de uma federação, com participação igualitária das nações iugoslavas. A luta interna entre os monarquistas e os federalistas passou por um momento decisivo quando a GrãBretanha reviu sua estratégia de apoiar Mihailovic e passou a prover assistência e logística a Tito (Misha Glenny 1999:573, Britannica 2007 – “Balkans” e “Josip Broz Tito”).

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comunista (Poulton 1997:140). A despeito da predominância sérvia não agradar as outras etnias, o desenho institucional criado para a 2ª Iugoslávia conseguiu conter com mecanismos de checks and balances, de 1948 a 1991, a maioria das demandas etnonacionalistas (Susan Woodward 1995). Nessa estrutura, o nível federal centraliza a administração dos conflitos entre as nações, evitando que um único grupo étnico tenha controle explícito de uma república o que, apesar de resultar na proteção das minorias étnicas dentro de cada entidade, dependia do voto afirmativo (não-veto) dos líderes das repúblicas (Michael Hechter 2004:294). Os principais grupos étnicos eram respeitados no nível federal da administração: além da representação proporcional das etnias nas atividades federais, ao indivíduo eram também resguardados o direito de escolher sua identidade étnica e o direito ao auto-governo ainda que residisse fora da república em

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cujo território sua identidade étnica prevalecesse. No entanto, o mesmo desenho institucional tratava qualquer manifestação explícita de nacionalismo étnico como uma grave ameaça à estabilidade e à ordem social (Hechter 2004:294). Durante os anos 1960, revoltas de cunho nacionalista recebem conotação política, a exemplo dos protestos de estudantes albaneses no Kosovo e no oeste da Macedônia em novembro de 1968, movidos pela demanda de não-discriminação sócioeconômica e de um tratamento ou status especial para os albaneses naquelas terras (R. Craig Nation 2003:73). As forças de segurança da Iugoslávia foram mobilizadas pelo governo sérvio para conter as demonstrações, com a autorização de Tito, e houve incidentes violentos na capital provençal, Pristina. Ainda assim, algumas das demandas albanesas foram incorporadas à constituição federal: a estrutura central da Iugoslávia passa por uma reforma substancial, culminando na promulgação de uma nova constituição em 1974, desenhada para conter problemas de natureza étnica, de modo a manter intacta a integridade territorial da Iugoslávia (West 1999:318, Hechter 2004:295). Pela primeira vez, os albaneses têm representação proporcional nos órgãos da Sérvia e da Iugoslávia, e também recebem bastante autonomia em questões lingüísticas. Isso causa uma enxurrada de livros e outras publicações provenientes da Albânia, enviadas para escolas e universidades de língua albanesa no Kosovo, o que acaba por influenciar uma geração de universitários que, segundo Glenny, era bem articulada e desejava resolver a questão dos direitos da nação albanesa (Glenny 2001:586). No plano político-legislativo, uma das soluções encontradas para lidar com as demandas albanesas foi a de incluir na constituição de 1974 o reconhecimento –

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incorporado em 1968 à antiga constituição – de que a divisão administrativa da Iugoslávia compreendia seis repúblicas e duas entidades autônomas: Kosovo e Vojvodina. Ambas as províncias autônomas passam a ter direito à sua própria bandeira e, como já mencionado, têm garantia de representação proporcional nos órgãos sérvios e iugoslavos (Nation 2003:73, Leslie Benson 2004:117). Para as minorias étnicas residentes em ambas as regiões, a medida é uma vitória e serve para diminuir as demandas por auto-determinação e por secessão. Para os sérvios, a medida significou a suspensão de sua soberania sobre duas regiões da República Sérvia, além de ter minimizado a influência desta etnia na estrutura federal iugoslava. Até então, a Sérvia detinha maioria nos espaços políticos do partido por conta da soma dos votos do Kosovo e de Vojvodina. A regra da unanimidade da votação fez com que tanto as

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repúblicas como as províncias tivessem direito de veto sobre questões sob sua jurisdição, o que reverteu o equilíbrio político que até então favorecia a Sérvia (Benson 2004:118). As crises políticas dos anos 1960 e 1970 provocaram a preocupação de Tito e de outros líderes nacionais, que tentaram administrá-las sem o recurso à força e através da criação e reformulação de mecanismos que dificultassem a predominância de uma etnia sobre a outra dentro do contexto iugoslavo. No entanto, a criação de instituições que promovessem a administração de conflitos interétnicos, aliada aos gastos do governo comunista e à falta de interesse com a economia por parte dos líderes, fizeram com que a situação econômica da Iugoslávia fosse deixada para segundo plano, o que contribuiu para o colapso nos anos 19803 (West 1999:319, Benson 2004:130, Glenny 2001:576). Além disso, as crises econômicas da segunda metade da década de 1970 – as duas crises do petróleo – e do início da década de 1980 – contexto da chamada “crise da dívida externa” – aumentaram a fragilidade da economia iugoslava e reduziram a capacidade de ação do governo central4. Assim, a ineficiência do sistema de contrapeso político entre as nações iugoslavos combinado com o enfraquecimento da economia, aliados à morte do líder Tito em 1980, possibilitaram a criação de um contexto 3

Segundo Leslie Benson, os gastos do governo comunista da época eram bem maiores que a renda real, o que aumentava o prejuízo da base industrial já sufocada pela “superestrutura burocrática”, o que gerava a queda do dinar e o decorrente aumento da inflação (Benson 2004:130). Tito também era conhecido por sua megalomania: durante o tempo em que esteve na presidência da Iugoslávia, aceitou presentes extravagantes como carros Rolls Royce, quadros e jóias. Era proprietário de terras nas quais praticava suas caçadas particulares e, em uma delas, teria construído um zoológico (Glenny 1999:576). 4 Em 1971, por exemplo, a Iugoslávia tinha uma dívida externa de 4 bilhões de dólares norteamericanos; em 1978, essa dívida era de 11 bilhões e, em 1983 os números chegam a 20,5 bilhões (Benson 2004:133).

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favorável ao fortalecimento de uma nova geração de políticos com discursos baseados no poder da república e no nacionalismo. Assim, não se pode afirmar que a morte de Tito, por si, tenha feito ressurgir “ódios ancestrais” entre grupos de etnias diferentes – esse argumento sozinho não é forte o suficiente para explicar a história recente iugoslava (Benson 2004:133). As conseqüências imediatas de tal contexto são a queda do padrão de vida dos iugoslavos juntamente com o aumento do desemprego e da inflação (Hechter 2004:295). A estrutura federal também fica enfraquecida pelo fato de as repúblicas mais favorecidas pelas reformas políticas e econômicas – a Eslovênia e a Croácia – passarem a demandar mais autonomia em relação ao governo central, ao mesmo tempo em que as menos beneficiadas exigiam o contrário. Segundo Hechter, apesar de outros países

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também terem sofrido as conseqüências das crises econômicas das décadas de 1970 e 1980 e também das medidas de austeridade fiscal decorrentes de empréstimos internacionais, a Iugoslávia foi o mais prejudicado devido à sua natureza multinacional. A crise é reforçada pelo fim não-antecipado da Guerra Fria e, portanto, pelo término do auxílio político e financeiro do qual se beneficiara a Iugoslávia por não ter se alinhado nem à União Soviética nem aos Estados Unidos (Hechter 2004:295). Os eventos dos anos 1970 e 1980 demonstram que forças externas desempenharam um relevante papel no processo que culminou na desintegração da Iugoslávia. Apesar de os mecanismos constitucionais baseados na descentralização terem sido fundamentais para manter intacta a integridade territorial de um Estado multinacional durante cerca de quatro décadas, justamente o elemento da descentralização se revelou como um limite à administração da crise econômica e da conseqüente instabilidade interna causadas pelo contexto externo, de onde se conclui que “se pouca descentralização leva à revolta, muita descentralização tende a levar à fragmentação” (Hechter 2004:296)5. Nesse momento de crise do poder central e de fortalecimento de líderes nacionalistas em cada república, ganham força políticos criados e formatados pelo sistema comunista iugoslavo que, além de defenderem a idéia de nação, condenavam as reformas econômicas na Iugoslávia e demandavam o retorno dos benefícios sociais e da estabilidade do socialismo. Segundo Richard West, Slobodan Milošević é um produto típico desse sistema, cujo princípio fundamental a partir da década de 1970 era a “cega 5

Tradução livre de: “If too little decentralization causes rebellion, then too much is likely to engender fragmentation” (Hechter 2004:296).

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obediência” ao Partido Comunista, o que coroava com oportunidades de ascensão política principalmente líderes demagogos e políticos de carreira (West 1999:340). Em 1984, Milošević começa a apresentar um novo estilo populista à Sérvia. Seu carisma e sua popularidade, aliadas à crise política e à ascensão do nacionalismo em toda a Iugoslávia, alavancam sua carreira política e, em 1987, Milošević chega à presidência da Liga dos Comunistas da Sérvia (John B. Allcock 2007). No ano seguinte, em 1988, Milošević substitui a liderança do Partido Comunista do Kosovo e de Vojvodina para, em 1989, após chegar à presidência da República Sérvia, retirar-lhes por completo a autonomia e reincorporá-las à estrutura administrativa e política sérvia. Eleições pluripartidárias em todas as repúblicas, em 1989 e em 1990, levam ao poder líderes nacionalistas, o que dificulta ainda mais a manutenção do sistema

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centralizador iugoslavo e aumenta a possibilidade de fragmentação, devido à divisão territorial das etnias e à auto-determinação das nações (ver Mapas 1 e 2, em anexo). Sobre a conjuntura da Iugoslávia no início dos anos 1990, o historiador Eric Hobsbawm argumenta que “os remendados acordos de paz após 1918 multiplicaram o que nós, no fim do século XX, sabemos ser o vírus fatal da democracia, isto é, as divisões do conjunto de cidadãos exclusivamente segundo linhas étnico-nacionais ou religiosas” (Hobsbawm 2004:141). Em 25/05/1991 tem início formal o processo de desintegração da Iugoslávia com a declaração de independência da Eslovênia e da Croácia; o Exército da Nação Iugoslava (JNA, do sérvio Jugoslovenska Narodna Armija), controlado pelos sérvios, intervém especialmente na Croácia e conquista cerca de 30% do território (Samantha Power 1993, Helsinki Watch Report 1992, ACNUR 2005:9). Se durante algumas décadas o governo central deteve recursos políticos suficientes para evitar a secessão da Eslovênia e da Croácia, dessa vez o governo só tentaria evitar a secessão através do uso da força (Hechter 2004:295). No momento da intervenção na Croácia, ainda não estava consolidada a estratégia que Milošević passou a utilizar explicitamente nas guerras da Bósnia e, sobretudo, no Kosovo, voltada para a proteção da etnia sérvia. No contexto das guerras da Eslovênia e da Croácia, Milošević sustentava principalmente o discurso de estar vinculado ao dever constitucional de evitar a secessão e, portanto, de manter intacta a integridade territorial da Iugoslávia, muito embora no caso da Croácia também seja possível identificar em seu discurso a necessidade de proteger minorias sérvias residentes naquele país.

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A Macedônia declara-se independente da ex-Iugoslávia ainda no ano de 1991, após o resultado do referendo em que 95% dos votantes exigem a soberania6, ato ignorado pela Sérvia e repudiado pela Grécia. Os detalhes sobre os desafios internos e externos da recém-criada Macedônia serão analisados no fim deste capítulo. Por ora, ressalta-se a peculiaridade da história recente do país: em uma década, esta república passou por três momentos em que a violência em massa era iminente e obteve sucesso, em maior ou menor escala, em evitar que o conflito armado se alastrasse. O primeiro momento ocorre na declaração de independência. A solução para a secessão da Macedônia é negociada politicamente graças à assinatura de acordos bilaterais com a Sérvia e também à pressão internacional para o envio da 1ª operação de paz preventiva da ONU. O segundo momento ocorre com a mudança do balanço etnográfico da

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Macedônia decorrente da crise dos refugiados kosovares, sobretudo de março a junho de 1999, quando o bombardeio da OTAN sobre territórios sérvio e kosovar provoca a entrada de cerca de 300 mil refugiados para a Macedônia (ACNUR). O terceiro momento de grave instabilidade no país ocorre nos primeiros meses de 2001, quando macedônios albaneses enfrentam policiais em cidades de maioria albanesa, próximas às fronteiras com o Kosovo e com a Albânia, por cerca de seis meses. Durante as três crises, sobretudo na 3ª, admite-se que as partes envolvidas recorreram a um mínimo de violência, mas também é relevante ressaltar que a violência não se alastrou, tendo sido contida em um estágio relativamente inicial da situação, o que caracteriza o sucesso relativo do processo de prevenção de violência nos três momentos. Cada crise, com seus elementos peculiares e os diferentes atores envolvidos, será analisada com detalhes Capítulo 5. Voltando ao início da década de 1990, depois da Eslovênia, da Croácia e da Macedônia, a Bósnia-Herzegovina é a próxima república a declarar sua independência em relação à ex-Iugoslávia. Em 03/03/1992, após tal declaração, o Exército da Nação Iugoslava (JNA) cerca Sarajevo e ocupa a maior parte do território bósnio. Em abril do mesmo ano, depois da declaração de independência de quatro das seis repúblicas iugoslavas, as duas entidades remanescentes - Sérvia e Montenegro – criam a “República Federativa da Iugoslávia”, absorvendo o nome e a estrutura da antiga

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Não participou da votação a parte da população macedônia de etnia albanesa, que corresponde a cerca de 20% da população total.

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república socialista7. Dentre as instituições absorvidas pelo novo Estado está o JNA, que correspondia às forças armadas da antiga Iugoslávia – Exército, Marinha e Aeronáutica, além das tropas de fronteira – e estava sob o controle do Ministro da Defesa, este subordinado à presidência coletiva da Iugoslávia. A distribuição étnica do JNA, ainda em 1991, era favorável a sérvios e montenegrinos, apesar dos esforços do governo central em homogeneizar o órgão em termos étnicos. Antes do confronto na Eslovênia, por exemplo, os sérvios e os montenegrinos correspondiam a 70% dos oficiais, embora representassem juntos 38,8% da população iugoslava (Comissão de Especialistas da ONU 1994:16). Depois que a Sérvia e Montenegro adotam a estrutura da Iugoslávia em abril de 1992, o JNA é reformado e passa a se chamar Exército Iugoslavo (JA, em sérvio). Na

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prática, o JA fica a serviço dos interesses sérvios, agindo de forma a complementar as operações militares da República Sérvia, de Krajina (região sérvia na Croácia) e também da Republika Srpska (região sérvia na Bósnia) (ICTY 1999). Para tornar as questões mais complexas, parte da estrutura do JNA original é mantida em funcionamento e, sob seu comando, estão os paramilitares e outros grupos armados de sérvios na Bósnia e na Croácia, que recebiam armamento, treinamento e logística in loco (Comissão de Especialistas da ONU 1994:25). Nesse contexto, a guerra na Bósnia é intensificada e dura quase quatro anos, deixando visível a mudança de estratégia de Milošević de não apenas controlar a secessão, mas também de garantir a segurança dos sérvios fora da República Sérvia e de eventualmente incorporar territórios onde já residam grupos da etnia sérvia, ainda que sejam minoria. É adicionado ao vocabulário internacional o termo sérvio-croata etnicko ciscenje, literalmente traduzido pela mídia ocidental de “limpeza étnica”. Tal fenômeno tem sido explicado como a “exploração da insegurança e da manipulação da história nacional por elites políticas em busca de poder”8 (Carrie Booth Walling 2000:47). Não é novidade a transferência forçada de populações e, sobretudo, a utilização desse método para auxiliar a criação e a disseminação do mito do Estado-nação homogêneo9. 7

A ONU e a CSCE suspendem o país de seus quadros de membros por não aceitarem que a nova República Federativa da Iugoslávia, sozinha, substitua a antiga República da Iugoslávia. 8 Tradução livre de: “the exploitation of insecurity and the manipulation of national history by power-seeking political elites” (Walling 2000:47). 9 Carrie Booth Walling, em seu artigo, elabora uma evolução cronológica simplificada da transferência forçada de populações, resumida a seguir. No início, o fenômeno era realizado para garantir o controle de um território estrangeiro recém-conquistado, e sua população era geralmente escravizada ou expulsa. Durante a Idade Média, predominava o caráter religioso em tais transferências, com um pêndulo que variava entre cristãos e muçulmanos. Entre 1755 e 1900, na época do colonialismo europeu, até se

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A partir de meados do século XX, com mais força em sua última década, o fenômeno passa a englobar o elemento étnico, e não apenas o religioso, econômico, estratégico ou de gênero (Walling 2000:50). Hoje, a limpeza étnica envolve migrações de grupos étnicos administradas pelo Estado com o intuito de consolidar o poder estatal sobre determinado território. Os principais movimentos são a remoção de membros de grupos étnicos favorecidos para o território em disputa ou a remoção do grupo “inimigo” para fora de tal território – embora, com freqüência, ambas as estratégias ocorram simultaneamente (John McGarry 1998:616). Ou seja, trata-se de uma política de Estado, realizada de maneira racional e deliberada (Walling 2000:50) No caso da Iugoslávia, acredita-se que o JNA tenha utilizado a expressão que ficou conhecida por “limpeza étnica” para descrever sua política de expulsão de

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muçulmanos bósnios de territórios dominados por sérvios. No início, a expressão não carregava a conotação negativa que adquiriu ao longo dos anos e Milošević chegou a utilizá-la abertamente em vários discursos (Walling 2000:48). Em pouco tempo, a transferência forçada de populações passa a ser interpretada com uma conotação negativa, o que caracteriza como anacrônica o método utilizado por Milošević para a construção de um Estado-nação homogêneo (Jacques Rupnik 2003:421). O confronto armado na Bósnia termina em novembro de 1995 com o acordo de paz formal negociado na base militar de Dayton (EUA). Richard Betts sustenta, ainda em 1994, que Clinton e o Secretário-Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, não ameaçaram proteger as fronteiras viáveis entre bósnios e sérvios, mas sim reforçar as linhas divisórias estabelecidas pela trégua instável, o que não fazia sentido como um arranjo territorial permanente. Segundo ele, “esta confusão fez com que a intervenção fosse um acessório ao impasse, punindo os lados por terem avançado demais mas não

pode perceber traços étnicos, mas o elemento predominante é o estratégico. No entre-guerras, o princípio da transferência compulsória de populações têm boa aceitação na Europa e o Tratado de Lausanne, por exemplo, sob supervisão da Liga, garante a troca de cerca de 2 milhões de minorias ortodoxas e muçulmanas entre a Turquia e a Grécia em 1923. Antes da Segunda Guerra, o partido nazista dá início à expulsão de judeus da Alemanha através do medo, lembrando que a exterminação física (e, portanto, o genocídio) começa só após 1941. Durante a Guerra, aproximadamente 14 milhões de alemães foram expulsos com base no medo e no terror e, no percurso, cerca de 2 milhões perderam a vida. Na mesma época, Stalin fazia deportações em massa de grupos étnicos ou nacionais que cooperavam com os alemães (a exemplo dos búlgaros e gregos da Ucrânia). No pós-Guerra, centenas de milhares de árabes foram expulsos da Palestina para a formação do Estado de Israel, o que não foi considerado uma limpeza étnica. Também no pós-Guerra há outra contradição jurídica, evidenciando a força da política dos vencedores: por um lado, tanto a IV Convenção de Genebra, em seu art. 49, proíbe a transferência forçada de populações, como o art. 6º da Carta de Nuremberg, que a considera como crime. Por outro lado, o art. 13 dos Protocolos de Potsdã, endossados por Churchill e Roosevelt, autoriza a transferência forçada de alemães de toda a Europa de volta para a Alemanha (Carrie Booth Walling 2000:50-54).

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resolvendo a questão que deu origem à guerra” (Richard K. Betts 1994:22)10. Dessa confusão de critérios e de estratégias políticas teria nascido Dayton, que põe fim à guerra mas não à divisão étnica. Nesse sentido, os sérvios foram vencidos militarmente mas venceram ideologicamente (William Pfaff apud Rupnik 2003:408). Além das implicações diretas para a Bósnia, os acordos de Dayton foram omissos em relação à questão do Kosovo e, por isso, representam um momento-chave para a compreensão do início da escalada da violência nesta província, como se verá adiante. A situação no Kosovo se agrava no imediato pós-Dayton e, principalmente a partir de 1997, com a crise política e econômica na vizinha Albânia e o decorrente aumento do contrabando de armas e munições para kosovares albaneses insatisfeitos com a violência policial sérvia direcionada a um grupo étnico específico. Para evitar

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uma nova guerra semelhante à da Bósnia, potências européias tentam negociar com Milošević a retirada de suas tropas do território kosovar, ali presentes desde o início da década de 1990. Naquele momento, no entanto, Milošević era peça essencial para o sucesso da implementação de Dayton na Bósnia e, por esse e outros motivos, a pressão internacional não foi muito grande, como se verá Capítulo 5. Por ora, vale ressaltar que, após ameaças vazias de que a OTAN recorreria ao bombardeio do território sérvio, foi necessário ativar esta ordem de maneira a manter a credibilidade da organização. Depois de 78 dias de bombardeios, iniciados em 24/03/1999, um acordo de paz é assinado com Milošević permitindo que tropas da OTAN e tropas russas entrassem em território kosovar em meados de junho do mesmo ano (Zartman 2005:171-172). A partir de 1998 e, sobretudo depois do bombardeio de 1999, não há mais que se falar em prevenção vertical e horizontal de conflitos armados no Kosovo. Há tentativas de prevenção, ainda nesse momento, oriundas de atores locais e também de atores internacionais, mas por diversas razões elas foram frustradas e não seguiram adiante, como se verá no próximo capítulo.

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Tradução livre de: “Such confusion made intervention an accessory to stalemate, punishing either side for advancing too far but not settling the issue that fuels the war” (Richard K. Betts 1994:22).

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4.2 O contexto nacional/local iugoslavo visto por atores internacionais As tentativas de evitar a violência na Macedônia e no Kosovo durante a década de 1990 precisam ser analisadas não apenas a partir das condições existentes na região à época, mas também a partir da atuação e do estímulo de atores internacionais. Nesse sentido, os elementos domésticos não são suficientes para oferecer per se uma explicação para cada resultado, daí ser relevante examinar a atuação internacional no caso concreto. Nesse capítulo, são mencionados dois fortes argumentos, dominantes no debate da década de 1990 entre atores políticos internacionais relevantes, utilizados para interpretar o contexto dos Bálcãs. Como já se mencionou, a ação ou a omissão de atores internacionais nos casos do Kosovo e da Macedônia durante a década de 1990 depende PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

de três elementos: (i) a construção do discurso de prevenção e a apreciação dos conceitos ligados à matéria; (ii) a institucionalização do conceito de prevenção com a adoção de mecanismos que permitam a implementação de ações preventivas; e (iii) a interpretação do contexto no qual será/seria implementada a ação preventiva. Os dois primeiros elementos foram explorados anteriormente e, assim, este tópico tem por objetivo o de explorar as duas interpretações dominantes no discurso de atores internacionais em relação a conflitos intra-estatais de forte dimensão étnica na região dos Bálcãs durante os anos 1990. Existem duas linhas de argumentação quanto à natureza dos conflitos armados nos Bálcãs: (1) a violência nos Bálcãs seria fruto da manipulação política, econômica e estratégica de potências relevantes em diferentes momentos da história (George Kennan 1993, Glenny 2001, Rupnik 2003); e (2) a violência nos Bálcãs seria endêmica (Veremis 1999, Ulrike Joras e Conrad Schetter 2004). Tais visões são fundamentais para explicar a atuação internacional nos Bálcãs durante a década de 1990 pois cada interpretação é utilizada para justificar a ação ou a omissão de certos atores internacionais em seu envolvimento na região. O primeiro argumento admite que a estrutura de poder daquela região teria sido fortemente influenciada por determinadas potências regionais e internacionais (Kennan 1993). Essa interpretação tem mais força entre alguns acadêmicos e tomadores de decisão dos Bálcãs e procura demonstrar o papel que agentes externos têm na produção da violência na região – agentes como grandes potências e como um sistema internacional em constante mutação (Rupnik 2003:404). Por sua vez, a segunda forma

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de análise admite que a violência é inerente às relações daquela região e, assim, justifica a omissão de atores internacionais, em geral legitimada pelo princípio da soberania e da não-intervenção (Joras et al 2004:317). Tal interpretação encontra maior apoio entre a grande mídia e alguns representantes da elite política ocidental e dá destaque ao que seria o “retorno de ódios ancestrais” a cada erupção da violência nos Bálcãs (Joras 2004:317, Rupnik 2003:404). Nesta tese parte-se do pressuposto de que ambos os argumentos são utilizados, simultaneamente mas por atores diferentes, ao longo da história do Kosovo e da Macedônia. Segundo Jacques Rupnik, tais interpretações reforçam estereótipos e levam a mal entendidos que precisam ser esclarecidos a priori. O autor levanta questionamentos sobre o que significa exatamente cada argumento. Especificamente sobre o primeiro

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deles, pergunta-se Rupnik se este envolveria o retorno do clientelismo das grandes potências por analogia histórica, ou se seria a instrumentalização dos atores internacionais por parte de atores locais/regionais (Rupnik 2003:404 e seguintes). A analogia histórica sugere a continuidade entre as guerras dos séculos XIX e XX com as guerras da década de 1990. Com o fim da Guerra Fria, as potências do século XIX voltariam aos Bálcãs e buscariam novas esferas de influência a partir da manipulação de nacionalismos rivais (Kennan 1993). Rupnik acredita que embora essa analogia explique algumas das afinidades contemporâneas, ela não permite evocar o “retorno de modelos clientelistas passados” para explicar os movimentos violentos dos anos 1990, já que as potências do início do século XX não exploraram, na década de 1990, os mesmos nacionalismos que haviam apoiado nos Bálcãs no início daquele século (Rupnik 2003:406). Nessa linha de raciocínio, na época da Primeira Grande Guerra, a Alemanha teria apoiado os croatas, a Rússia, os sérvios e a Turquia, os muçulmanos. Tais alianças não eram tão fortes na década de 1990, apesar dos indícios de ainda existirem. A Alemanha de fato pressionou os europeus ao reconhecer a Croácia, sem consultar seus pares, após a declaração de independência da mesma e após o início da guerra de 1991 contra a ex-Iugoslávia. A partir de 1992, porém, a mesma Alemanha passa a ter um papel secundário na negociação das demandas croatas na nova estrutura política dos Bálcãs. A Rússia, por sua vez, não se mostrou favorável à intervenção ocidental nos afazeres sérvios/iugoslavos durante a década de 1990 e sua aliança com Milošević foi relevante para pôr fim à intervenção militar no Kosovo – no entanto, a Rússia parece ter desempenhado um papel secundário no Grupo de Contato no caso da Bósnia (Rupnik 2003:406). A Turquia, por fim, mostrou-se relativamente moderada

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quanto às questões muçulmanas dos Bálcãs durante toda a década de 1990. Não havia interesse turco em se mostrar de acordo com as guerras de secessão, por conta dos problemas internos com os curdos, nem em fortalecer explicitamente a solidariedade islâmica, por causa da natureza laica de seu Estado e das tentativas de solidificar os vínculos com a comunidade européia (Rupnik 2003:406). Na mesma linha, Misha Glenny afirma: “ao contrário da maioria das crises do século [XX], as grandes potências não causaram as guerras na Croácia, na Bósnia e no Kosovo. No entanto, depois da intervenção, de 1991 em diante, elas com freqüência tornaram pior a situação”11 (Glenny 2001:636).

Assim, de acordo com esse argumento, o que caracteriza o processo de secessão na Iugoslávia, pelo menos em sua fase decisiva, não é o envolvimento em excesso das

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grandes potências, mas sim o baixo nível de envolvimento e de atenção por parte desses atores externos ao que acontecia na região na década de 1990 (Rupnik 2003:407). O segundo argumento sobre a natureza da violência armada nos Bálcãs deriva da idéia de que, naquela região, há Estados e sociedades bárbaras, com baixo nível de civilidade. Por trás desta visão há um juízo de valor ocidental e do século XX, exemplificada com autores como o acadêmico e embaixador dos EUA para a Iugoslávia de 1960-1963, George Kennan, que afirma que os povos iugoslavos não conseguem interagir de forma não-violenta, e o jornalista Robert Kaplan, que chega a incluí-los em uma lista de sociedades bárbaras (Robert Kaplan 1994, Kennan 1993, Veremis 1999:9). Segundo essa corrente de interpretação, a atuação de alguns atores internos favorece a manutenção de certo nível de “barbárie” dentro do território iugoslavo durante a década de 1990. Há dois relevantes elementos internos naquele momento: (i) a relação entre civis e militares parecia, na época, dominada por uma ideologia ainda bastante militarizada; e (ii) os oportunistas étnicos buscavam alavancar suas plataformas políticas a partir de discursos e ações voltadas para a promoção do nacionalismo (puro) e da limpeza étnica, com a intenção de efetuar uma anacrônica construção de Estadosnações. Mesmo depois da crise política e econômica da década de 1980 e a subseqüente desintegração da Iugoslávia, características militares continuaram a permear a sociedade: desde o início de 1992, por exemplo, os componentes macedônios do Exército da Nação Iugoslava (JNA) começaram a voltar ao país de origem para compor

11 Tradução livre de: “In contrast to most Balkan crises this century, the great powers did not cause the wars in Croatia, Bosnia and Kosovo. Once they did intervene from 1991 onwards, however, they frequently made matters worse” (Glenny 2000:636).

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o Exército da República da Macedônia e, trazendo consigo o legado da ideologia iugoslava, mantiveram o status de casta privilegiada no desenho da nova sociedade (Rupnik 2003:411). É relevante mencionar que tal cultura militarizada permaneceu restrita a certos contextos e que na Macedônia, até o fim da década de 1990, não existiram grupos paramilitares ou outros adversários domésticos com recursos militares que estivessem fora do controle do Estado (Vankovska 2000). Nesse momento de crise, pode-se perceber também o segundo elemento: oportunistas étnicos ganham espaço no cenário da desintegração da Iugoslávia do início dos anos 1990. Quando o Estado iugoslavo ainda existia, havia instituições de segurança comuns para todas as etnias. A partir do momento em que esse Estado se desfaz e que a segurança não é mais garantida pelos mesmos instrumentos, cada um

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busca segurança e proteção em sua comunidade étnica, movimento bastante explorado por oportunistas nacionalistas como Slobodan Milošević e Franjo Tudjman, entre outros (Rupnik 2003:413). Em entrevista à autora, o kosovar albanês e representante local da European Centre for Minority Issues, Adrian Zeqiri, ressalta a existência de “pequenos Hitlers” em cada ex-república iugoslava no início da década de 1990 (Adrian Zeqiri 2006). Tais indivíduos e grupos surgem a partir da ilegalidade, especialmente do tráfico de armas, do mercado paralelo e do crime organizado, e manipulam a seu favor mitos e símbolos étnicos desenterrados de passados distantes e obscuros, com o intuito de fortalecer as fronteiras étnicas (Joras 2004:325). Ackermann sustenta que é uma falácia interpretar a escalada do conflito como reflexo de hostilidades ancestrais, em vez de identificá-lo com a ascensão de líderes nacionalistas que intencionalmente mobilizaram seus eleitorados (Ackermann 2000:12). Ainda que de maneira não-intencional, a legitimidade dessa atitude manipuladora é reforçada pelos discursos de potências internacionais relevantes. O ex-Secretário de Estado dos Estados Unidos, Warren Christopher, por exemplo, teria dito que a morte de Tito e o fim do comunismo levaram ao ressurgimento de “ódios ancestrais entre grupos étnicos” (Joras 2004:319). Uma das conseqüências do discurso ultranacionalista baseado no fortalecimento de laços étnicos encontra reflexos no plano internacional: atores externos relevantes muitas vezes não questionam o discurso nem a própria formação dos grupos étnicos, e passam a tratá-los como unidades estáveis e claramente definidas (Joras 2004:317). Tal atitude reforça o mito de que conflitos étnicos são necessários e, nesse sentido, não seriam influenciáveis, o que justifica a omissão por parte de potenciais preventores internacionais (Joras 2004:320).

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A tendência de reificar grupos étnicos, raças ou nações foi chamada por Rogers Brubaker de grupismo: “(…) a tendência de formar grupos externamente diferenciados e internamente homogêneos como base da vida social, como principais protagonistas de conflitos sociais e como unidades fundamentais de análise social”12 (Rogers Brubaker 2004:35). Segundo o construtivismo, interpretação dominante nos estudos de etnia e sociologia, tais grupos são dinâmicos e contingentes porque socialmente construídos. No entanto, para relevantes tomadores de decisão, para a maioria da literatura de segurança internacional e para boa parte da grande mídia ocidental, conflitos étnicos podem ser reduzidos a termos grupistas (Brubaker 2004:36). Renomados autores e acadêmicos, como Ted Robert Gurr (1993), Christian P. Scherrer (1994) e Eric Hobsbawm (2004), também sustentam uma visão monolítica,

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sem questionamentos sobre a criação, transformação e dissolução dos grupos ao longo da história: “Eles não questionam a formação dos grupos étnicos. Assim, conflitos étnicos são interpretados como conflitos entre entidades étnicas aparentemente preexistentes”13 (Joras 2004:318-319). De acordo com Brubaker, analistas devem evitar ao máximo a reificação de um conceito, já que esse é o principal objetivo de oportunistas étnicos que muitas vezes conseguem transformar a ficção política de um grupo uniforme em uma realidade extremamente poderosa, ainda que momentânea (Brubaker 2004:37). Isso dificulta, porém não impede, a interação de atores internacionais com grupos étnicos. Joras destaca que começa a ganhar força entre acadêmicos uma complexa perspectiva para lidar com os conflitos étnicos sem recair ao grupismo. Segundo essa interpretação, os grupos étnicos teriam qualidades específicas, como qualquer outro grupo, não seriam unidades estáveis nem estariam além da compreensão racional de atores externos. O argumento que contraria o caráter monolítico dos grupos parte de duas presunções: (i) os grupos étnicos são instáveis e (ii) a força e a fronteira dos grupos étnicos são contingentes e determinadas politicamente (Joras 2004:322-323). A primeira presunção concretiza-se pela constatação de que muitas identidades étnicas não foram criadas recentemente, ou seja, não são sólidas, imutáveis e idênticas há décadas ou séculos. Segundo Charles Taylor, “a identidade é um diálogo aberto” (Charles Taylor 12

Tradução livre de: “the tendency to take discrete, sharply differentiated, internally homogeneous, and externally bounded groups as basic constituents of social life, chief protagonists of social conflicts, and fundamental units of social analysis” (Rogers Brubaker 2004:35).

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1993:43). Os grupos étnicos foram inventados e categorizados durante o processo de colonização e as subseqüentes experiências de construção do Estado-nação nos séculos XIX e XX e, portanto, as fronteiras entre grupos étnicos variam a cada contexto, a depender do elemento diferenciador que está em destaque: a língua, a religião, ou algum outro traço de determinado grupo (Joras 2004:323). Por outras palavras, as chamadas “raízes históricas” dos grupos étnicos geralmente correspondem a mitologias políticas e não propriamente a fatos históricos, o que leva à segunda presunção, de acordo com a qual os conflitos étnicos têm forte conexão com a dimensão política (Joras 2004:323). Andreas Wimmer ressalta que o surgimento de movimentos étnicos ocorre junto com a disseminação do Estado-nação. Enquanto forma de organização política, esse modelo pressupõe que o Estado moderno seja representado por apenas uma nação e

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governado por membros desse grupo nacional (Wimmer 2002). A preexistência de uma nação titular dá ensejo à imediata criação de minorias que, em si, representam um desafio ao modelo de Estado-nação porque rompem o mito da comunidade homogênea em um território determinado politicamente. Neste sentido, de acordo com Joras, os conflitos étnicos podem ser interpretados como disputas sobre a forma de se definir a nação, sobre que símbolos representam a nação e sobre quem tem acesso aos bens e aos serviços públicos, ou quem domina e define quem terá tal acesso. A etnia é relevante não porque cria laços políticos de solidariedade, mas porque a criação do Estado moderno se dá pela politização das diferenças étnicas, o que pode levar a conflitos de interesse que, manipulados, geram a violência. De acordo com Joras, a violência pode ser utilizada por radicais para reforçar linhas divisórias e para moldar a imagem de que eles são os protetores de todos os membros de um grupo étnico em relação a todo tipo de violência que venha a ser cometida por alguém de outro grupo étnico (Joras 2004:324). Esta foi uma das estratégias utilizadas por Milošević para garantir sua ascensão política na Sérvia e, posteriormente na Iugoslávia, a partir do fim da década de 1980. Tove Mallog argumenta que a anomalia representada pela presença de minorias em Estados supostamente homogêneos existe desde a formação dos próprios Estados modernos (Tove Mallog 2005:32). O mesmo fenômeno é chamado por Heather Rae de homogeneização patológica, constituindo a tentativa da elite de construir uma 13 Tradução livre de: “They take (...) the existence of ethnic groups for granted. Ethnic conflicts are thus interpreted as conflicts between apparently preexisting ethnic entities” (Joras e Schetter 2004:318-319).

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comunidade política homogênea a partir da exclusão do outro (Heather Rae 2002:14/167). Na prática, o mito da homogeneização raramente se realiza e Estados modernos, ao longo da história, dificilmente alojaram em seus territórios um único grupo nacional ou étnico. Ainda assim, a busca pelo mito persistiu e aqueles que se recusavam a ser absorvidos eram interpretados como separatistas em potencial, o que justificava o tratamento discriminatório contra esses grupos minoritários (Mallog 2005:32). Ou seja, além de não se identificarem com o grupo dominante – étnico ou nacional –, a minoria padece também de discriminação e de falta de reconhecimento, dois elementos que constituem a base dos movimentos nacionalistas (Taylor 1993). Jürgen Habermas acrescenta que a questão do reconhecimento torna-se profunda e desafiadora “ora porque a minoria em luta se desencaminha para regressões, por causa

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de experiências anteriores de impotência, ora porque ela precise primeiro despertar a consciência em prol da articulação de uma nova identidade nacional (...)” (Jürgen Habermas 2002:239). De uma maneira ou de outra, são raros os exemplos de sociedades relativamente homogêneas em termos étnicos e em termos nacionais, de onde se deduz que há sociedades multiculturais em praticamente todos os Estados contemporâneos. A partir disso, foi preciso estabelecer mecanismos para lidar com tal situação, com resultados mais violentos ou mais pacíficos, dos quais os mais mencionados são: (i) a indiferença; (ii) a separação; (iii) a assimilação; e (iv) a integração. As duas formas mais simplórias de se lidar com conflitos de interesse entre minorias e maioria dentro de determinado espaço territorial são a indiferença e a separação. A indiferença é o estágio mais primitivo da relação entre grupos e, embora não seja propriamente um mecanismo de ação para lidar com minorias, ela tem conseqüências diretas e implica na manutenção do status quo. Por sua vez, a separação é também pouco comprometedora para o status quo dominante e tem relação intrínseca com a autodeterminação dos povos. Suas origens estão vinculadas ao princípio do autogoverno da tradição democrática ocidental, segundo o qual os povos têm direito de serem governados por um governo de sua escolha (Galtung 1999). O princípio da autodeterminação ganha força com o movimento de descolonização, em especial nos anos 1960 e 1970 mas, após seu ápice, embora continue previsto na Carta da ONU como um dos princípios da organização, a norma que protege a soberania moderna e a integridade territorial volta a ser ressaltada pela retórica das potências como principal característica mantenedora da ordem e da estabilidade do sistema internacional (CCPDC 1999:13). A

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partir de então, salvo algumas exceções14, o princípio da autodeterminação passa a ser interpretado sem o radicalismo da secessão e da separação territorial, e a solução tende a incorporar um maior grau de autonomia dentro do território, de modo a compartilhar a soberania com o grupo dominante através da criação de sistemas de acomodação que permitirão a integração da minoria. A assimilação tem sido o modelo mais adotado, embora em regra também seja o mais opressor para a minoria e, por isso, proveja as sementes que levarão eventualmente à manifestação explícita do descontentamento por parte da minoria. A absorção da minoria em determinado contexto que não lhe é “natural” faz com que ela perca sua identidade na medida em que a transforma, quando feita por imposição, em indivíduos ou grupos com características semelhantes ou mesmo idênticas às do grupo dominante.

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A assimilação forçada, mais especificamente, dificulta bastante a liderança compartilhada e portanto não permite a realização do princípio do auto-governo (Oana C. Popa 1999). Segundo Dieter Senghaas, a dinâmica por trás da tentativa de assimilação forçada segue uma lógica previsível: quando aumentam as tentativas de assimilação e uniformização cultural, a resistência da minoria específica também aumenta. Junto com esse movimento ocorre a escalada do uso da força e da contraforça, o que leva eventualmente à guerra civil (Dieter Senghaas 1993). A assimilação e a integração seguem a mesma linha pluralista e multiculturalista. São métodos alternativos à separação – e condizentes com o modelo vestfaliano – para se reduzir tensões entre grupos e para minimizar as chances de eclosão da violência armada (Mitch Berbrier 2004). Na Europa, que é a região-macro objeto da tese, há três modelos para lidar com a integração ou acomodação de minorias dentro das fronteiras estatais: (i) centralizador; (ii) federalista; e (iii) consociacional (Mallog 2005, Joras 2004, Andrew March e Rudra Sil 1999). O modelo centralizador ou unitário é utilizado há alguns séculos no Reino Unido e em países escandinavos, podendo também ser encontrado na França e na Polônia (March e Sil 1999). A centralização raramente é absoluta, ou seja, há concessões em diversos graus às minorias nacionais sem que isso altere a natureza de “Estados unitários” (Mallog 2005:42). O federalismo, por sua vez, é adotado em muitos Estados ocidentais, mas não só, e distingue-se do centralismo por conferir maior autonomia e 14 Entre as exceções mais proeminentes à manutenção da integridade territorial estão três casos: (i) repúblicas ex-soviéticas; (ii) República Tcheca e Eslováquia; e (iii) Eritréia e Etiópia (Andrew March e Rudra Sil 1999).

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poder às sub-unidades formadoras da entidade política, em vez de ao governo central. Tais sub-unidades são geralmente delimitadas por linhas territoriais, econômicas ou mesmo lingüísticas. Assim como o modelo centralizador, não se pode falar em rigidez ou em federalismo absoluto, ou seja, há diferentes graus de federalismo. Esse é o motivo pelo qual torna-se complexa qualquer análise prática que vise a reconhecer ou analisar o modelo federalista, levando os autores a elaborarem diferentes estratégias para sustentar suas hipóteses e seus conceitos. Um dos mais proeminentes autores em divisão de poder, Arend Lijphart (2003), faz um estudo sobre modelos de democracias em 36 Estados, de 1945 a 1996, e divulga os seguintes dados sobre os graus de federalismo e descentralização, incluindo também exemplos de Estados unitários:

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Federal e descentralizado (5,0) Austrália, Alemanha, Bélgica (a partir de 1993), Canadá, Estados Unidos e Suíça Federal e centralizado (4,0) Áustria (4,5), Índia (4,5) e Venezuela (4,0). Semi-federal (3,0) Bélgica (3,1 - antes de 1993), Espanha, Holanda, Israel e Papua-Nova Guiné. Unitário e descentralizado (2,0) Dinamarca, Noruega, Finlândia, Suécia e Japão Unitário e centralizado (1,0) Bahamas, Barbados, Botsuana, Colômbia, Costa Rica, Grécia, Irlanda, Islândia, Jamaica, Luxemburgo, Malta, Maurício, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido, França (1,2), Itália (1,3) e Trinidad (1,2). Fonte: Arend Lijphart 2003:21715.

Tove Mallog sustenta que os mais relevantes exemplos europeus de federalismo são a autonomia da Catalúnia e do País Basco promovida pelo governo espanhol e as divisões com bases lingüísticas na Bélgica e na Suíça. Segundo Mallog, a Romênia e a Macedônia também adotariam o modelo federalista embora tenham problemas e reconheçam suas limitações (Mallog 2005:43). Um último exemplo da complexidade da análise referente aos graus de federalismo é oferecido por Klaus von Beyme (2006), que elabora uma matriz bastante específica sobre mecanismos institucionais, existentes em Estados federais, desenhados para a gestão de conflitos territoriais: 15 Para facilitar a compreensão dos conceitos utilizados por Lijphart na tabela acima, transcrevem-se também as principais diferenças entre o aspecto federal e o unitário (tal como em Lijphart 2003:19): “Governo unitário e centralizado versus governo federal e descentralizado; Concentração do Poder Legislativo numa legislatura unicameral versus divisão do Poder Legislativo entre duas casas igualmente fortes, porém diferentemente constituídas; Constituições flexíveis, que podem receber emendas por simples maiorias, versus constituições rígidas, que só podem ser modificadas por maiorias extraordinárias; Sistemas em que as legislaturas têm a palavra final sobre a constitucionalidade da legislação versus sistemas nos quais as leis estão sujeitas à revisão judicial de sua constitucionalidade, por uma corte suprema ou constitucional; Bancos centrais dependentes do Executivo versus bancos centrais independentes”.

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Federalismo Direitos iguais Proporcional

Igualitário

Alemanha

moderado

Áustria

Igualitário

Bélgica e Suíça

Direitos desiguais e

Autonomia

Espanha e Itália

modificada

Rússia Majoritário

Igualitário

Estados Unidos

Devolução16

Reino Unido

Fonte: Klaus von Beyme 2006:2. Por fim, o modelo consociacional/consociador17 ou consensual (Lijphart 2003) promove a reconciliação do princípio da auto-determinação com o princípio da integridade territorial (Carsten Giersch 2000). Tal modelo implica no compartilhamento PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

do poder através da política de cotas para minorias no parlamento e em outros órgãos da administração pública, assim como no sistema educacional e na mídia (Joras 2004:322). Além da representação proporcional, o direito de veto sobre questões sensíveis para a minoria também é mencionado como parte do modelo consociador (Giersch 2000). Foi criado e implementado nos Países Baixos, onde esteve institucionalizado - não sem críticas - de 1917 a 1971 e, atualmente, tenta-se implementá-lo na Irlanda do Norte, na Bósnia e na província do Kosovo (Mallog 2005:43). Nos Países Baixos, a partir dos anos 1970, por causa das ondas de imigração, percebe-se uma tendência em direção a uma democracia menos consensual, segundo Habermas, enquanto outras democracias menores do noroeste da Europa (exceto Luxemburgo) passam a adotar uma postura mais voltada para o consenso (Habermas 2003:289). Algumas dinâmicas relacionadas ao tratamento de minorias são claramente identificadas no estudo dos casos da Macedônia e do Kosovo durante a década de 1990, como se verá no Capítulo 5. O primeiro passo consiste na alteração da legislação para maior inclusão dos grupos não-dominantes e pelo respeito de sua identidade enquanto minoria. O passo seguinte, e o mais relevante, é a efetiva implementação das mudanças (Mallog 2005:44). A relação entre o desenho da política e a sua implementação apresenta-se sob a forma de um dilema que, apesar dos dois caminhos que pode seguir,

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A devolução britânica começou em 1999, quando foram criados os parlamentos para a Escócia e para Gales o que, segundo o autor, pode levar à direção onde se encontra a Espanha, em que há um federalismo assimétrico entre as unidades, de acordo com cada caso (von Beyme 2006:2). 17 Segundo o Dicionário Houaiss: “Consociador: (2) que ou aquele que concilia, pacifica; conciliador”; Consociação: (3) compatibilidade, conciliação, combinação, (4) combinação, aliança, pacto”.

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parece alcançar um mesmo resultado: por um lado, quanto mais inclusivas e detalhadas são as políticas, mais difícil é a implementação e maior a chance de não haver mudanças substanciais na realidade; por outro lado, quanto mais abstratas e abrangentes são as políticas, mais fácil é a implementação porém maiores são as chances de também não haver mudança substantiva na prática. Assim, o resultado de ambos é semelhante e, para fugir do dilema, analisa-se cada caso e busca-se a adoção de políticas fluidas o suficiente para não bloquearem o processo de implementação, mas fortes o suficiente para causarem um impacto na realidade. A tentativa de concretização de alguns desses

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mecanismos será analisada no Capítulo 5.

4.3 O contexto específico do Kosovo e da Macedônia na iminência da crise Após a introdução ao contexto da Iugoslávia dos anos 1990 e aos argumentos dominantes na interpretação de tal contexto por atores políticos internacionais relevantes, parte-se para a análise específica da situação do Kosovo e da Macedônia na iminência das crises dos anos 1990. 4.3.1. Kosovo – a iminência da 1ª crise Uma questão essencial ao caso do Kosovo refere-se à interpretação dominante entre sérvios e albaneses sobre o que para eles representa o “Kosovo”. Os sérvios chamam a província de “Kosovo-Metohija”, ou Kosmet. Os principais argumentos sérvios para não conceder a independência do Kosovo seguem a seguinte lógica: há uma relação histórica dos sérvios com aquele território; tal relação é parte da identidade sérvia e, por conseguinte, o Kosovo é inseparável da Sérvia (ICG 1998:2, Julie Mertus 1999:xviii). Os albaneses, por sua vez, chamam a mesma região de “Kosova” ou “Kosovë” e os argumentos dominantes também envolvem a relação histórica e territorial de ancestrais – alegam ser a primeira etnia a habitar o Kosovo – bem como o papel de tal relação na construção da identidade coletiva kosovar albanesa. O fortalecimento do nacionalismo na Iugoslávia reacendeu entre os albaneses o desejo de ver realizada a soberania kosovar, vez que já detinham alto grau de autonomia por conta da constituição iugoslava de 1974 (Marc Weller 1999:35). Para agravar a situação, a

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retirada da autonomia da província pelo líder sérvio Slobodan Milošević, em 1989, juntamente com outros abusos de autoridade, fazem com que o status legal do Kosovo enquanto parte da Sérvia seja cada mais questionado pelos kosovares albaneses (ICG 1998:3, Mertus 1999:xviii). No contexto da Iugoslávia socialista, uma minoria sérvia já residia na região e o Kosovo-Metohija era parte integrante da República Sérvia (constituição sérvia de 03.09.1945)18. A demanda albanesa pela autonomia também já existia e foi em parte incorporada às constituições iugoslavas de 1946 e 1963, e suas emendas. Os protestos dos estudantes kosovares albaneses continuaram, sobretudo no ano de 1968, quando estudantes de outras capitais iugoslavas e mesmo européias também foram às ruas, a exemplo de Paris, Berlim, Varsóvia, Praga e Belgrado (Glenny 2001:584). No caso dos

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kosovares albaneses mais especificamente, sua demanda dessa vez inclui não apenas o desejo político de mais autonomia mas também alterações sócio-econômicas devido à gravidade da situação financeira na província. Em outubro e novembro de 1968, os protestos em nome da “República do Kosovo” alcançam seis cidades do Kosovo e uma da Macedônia (Tetovo) e terminam com repressão policial que causa 1 morte e 22 prisões (Howard Clark 2000:39). Ainda em 1968 (dezembro) e em 1969 o governo central concede maior grau de auto-governo aos kosovares albaneses (Glenny 2001:586). Em 1974, a nova constituição iugoslava ratifica o alto grau de autonomia à província kosovar, além de conferir status igualitário ao das outras repúblicas a nível federal (Weller 1999:15, Zlatko Isakovic 1997). Com a morte de Tito, em maio de 1980, os protestos de kosovares albaneses voltam a estar relacionados aos altos custos de vida da população e à demanda por extinção dos privilégios de oficiais do Partido Comunista. Nesse momento, aliás, os protestos não eram exclusivos dos kosovares: “enquanto intelectuais britânicos debatiam a reputação de Tito, os iugoslavos se viam forçados a lidar com o legado de seus empréstimos estrangeiros” (West 1999:336)19. A partir de 1981, a situação de discriminação em relação aos albaneses torna-se ainda mais frágil. Em meados de 1981, o governo da Albânia envolve-se na situação e apóia a demanda albanesa pela independência do Kosovo, o que estremece as relações diplomáticas entre Tirana e Belgrado (Weller 1999:15). Manifestações nem sempre pacíficas por parte dos 18

Em 1960, os sérvios correspondiam a cerca de 25% da população do Kosovo; em 1995 o número cai para menos de 10% (Zartman 2005:166).

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albaneses e prisões arbitrárias por parte de autoridades sérvias continuam ao longo da década de 1980. Para lidar com a situação e evitar a provocação da “causa albanesa” na Sérvia e na Macedônia, as autoridades iugoslavas (federais) decidiram, por um lado, suspender os contatos dos kosovares albaneses com a Albânia mas, por outro lado, evitaram suspender parte da autonomia do Kosovo, como demandavam alguns nacionalistas sérvios (Glenny 2001:624). Pequenos sinais de mudança ocorrem em 1986: (i) em maio, a presidência coletiva iugoslava elege Sinan Hasani, do Kosovo, para o cargo de presidente rotativo do país por 1 ano e, em discurso oficial, Hasani condena o nacionalismo no Kosovo e conclama a todos a impedir que sérvios e montenegrinos continuem a deixar a província kosovar; (ii) em junho, líderes federais e da província autônoma do Kosovo aprovam

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novos métodos de integração entre albaneses e sérvios naquele território, incluindo educação bilíngüe e incentivos imobiliários para fazer com que sérvios retornassem à província (Weller 1999:15). Em 24.04.1987, após o breve otimismo do ano anterior, um evento específico torna a situação frágil novamente. O então presidente da Liga dos Comunistas da Sérvia, Slobodan Milošević, participava de uma solenidade da Liga dos Comunistas da Iugoslávia realizada em Kosovo Polje, no subúrbio de Prístina. Enquanto discursava para os 300 delegados presentes, de maioria albanesa, cerca de 15 mil sérvios e montenegrinos do Kosovo e de outras repúblicas rodeavam o prédio, alguns com o intuito de entrar na reunião. Do lado de fora, a polícia kosovar, de maioria albanesa, tentava controlar a multidão de eslavos à base da força. Quando a informação do uso da força contra eslavos chega aos líderes reunidos dentro do prédio, cria para Milošević a oportunidade de aparecer diante das câmeras de TV para afirmar, explicitamente, que os sérvios não devem abandonar suas terras por causa da dificuldade de viver, que ninguém pode ousar em bater nos sérvios e que esses não serão mais maltratados. Nos dias que se seguem, há uma série de interpretações ultranacionalistas de tais palavras, por parte da mídia, de políticos e de intelectuais. Esse é considerado por muitos o momento-chave para a ascensão de Milošević enquanto símbolo da salvação dos sérvios no Kosovo (Rogier 2001:25, Jean-Michel de Waele e Köle Gjeloshaj 1999:21, Laura Silber e Allan Little 1995:37, Lund s.d., Clark 2000:xvi, Weller 1999:15). Sobre o evento, Richard Holbrooke relata em seu livro: 19

Tradução livre de: “While British intellectuals debated Tito’s reputation, the Yugoslavs were faced with the legacy of his foreign loans” (West 1999:336).

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“Quando perguntei a Milošević, em 1995, sobre seu famoso discurso, ele logo retrucou que essa interpretação era racista e culpou o Embaixador Zimmerman por organizar um boicote diplomático ocidental do discurso e também a imprensa ocidental por distorcê-lo. Porém, infelizmente para Milošević, suas palavras e as conseqüências estão gravadas” (Holbrooke 1998:26)20.

A partir de 1987, Milošević utiliza-se do apoio da opinião pública sérvia em seu benefício e levanta a bandeira do nacionalismo como base política de seu discurso para sérvios residentes ou não na pátria-mãe (Nation 2003:94). O clima no Kosovo era de violência estrutural, com alguns incidentes de violência direta, e a declaração da presidência da Sérvia sobre a gravidade da situação na província justifica o envio de tanques e caças MIGs iugoslavos na província. Em setembro, mais protestos são organizados entre sérvios e montenegrinos que afirmam terem sido expulsos do

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Kosovo, o que leva as autoridades sérvias a enviar forças especiais de segurança à província para substituir a polícia local (Weller 1999:16). O ano de 1987 termina com a chegada de Milošević à presidência da República Sérvia (14.12.87), o que se traduziu em uma significativa mudança na liderança política sérvia. O que acontece a partir de então tem um impacto direto na 1ª crise do Kosovo e, por isso, será analisado no Capítulo 5. Assim, a presente sub-seção restringe-se a demonstrar os principais acontecimentos no Kosovo até a iminência da 1ª crise bem como os fundamentos essenciais à compreensão da dinâmica entre os grupos envolvidos no Kosovo. As crises kosovares da década de 1990 têm, cada uma, aspectos muito específicos e que vão sendo modificados ao longo dos anos e, portanto, terão seus detalhes mencionados no próximo capítulo. O caso da Macedônia é um pouco diferente. Apesar de também serem identificadas três crises, os elementos essenciais sofrem menos alterações ao longo da década de 1990. Os mesmo elementos, com diferentes graus de intensidade, estão presentes em todas as crises, mas a interpretação dos atores internacionais é que vai sendo modificada ao longo da década de 1990. Assim, a base sobre a qual se constroem as relações entre os grupos na Macedônia mantém-se mais ou menos a mesma, enquanto a percepção internacional sofre maiores alterações, mencionadas no próximo capítulo. A sub-seção a seguir busca oferecer uma idéia geral da situação da Macedônia na

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Tradução livre de: “When I asked Milosevic in 1995 about this famous speech, he heatedly denied that it was racist, and charged Ambassador Zimmermann with organizing a Western diplomatic boycott of the speech and the Western press with distorting it. Unfortunately for Milosevic, however, his words and their consequences are on the record” (Holbrooke 1998:26).

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iminência da 1ª crise da década de 1990, ressaltando os atores envolvidos e as questões consideradas mais relevantes para a compreensão das três crises. 4.3.2. Macedônia – a iminência da 1ª crise a) Os desafios externos Entre as ameaças externas, está a possibilidade de a instabilidade voltar à região, promovida pela disputa territorial dos quatro vizinhos da Macedônia que com freqüência são referidos como “quatro lobos”: a Sérvia, a Albânia, a Bulgária e a Grécia21. As duas primeiras fontes de ameaça tiveram uma relação mais íntima com os

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eventos domésticos da Macedônia dos anos 1990, enquanto que as querelas das duas últimas, sobretudo da última, mantiveram-se no plano da diplomacia internacional. Emeric Rogier sustenta que a imagem dos “quatro lobos” não condiz com a realidade dos anos 1990 por inexistirem os elementos que deram origem à expressão. Segundo o autor, a mais forte ameaça regional dentre os que “compõem” os quatro lobos é proveniente da Sérvia, por dois motivos: (i) pela relação de dominação que os sérvios mantêm sobre a Macedônia há algumas décadas; e (ii) pelo componente étnico que vincula grupos no Kosovo, Macedônia e Sérvia, em que há a identificação dos albaneses do Kosovo com os da Macedônia, e também dos eslavos macedônios com os sérvios. Os motivos estão interligados. Os governantes da Sérvia consideram a Macedônia como parte integrante da “Sérvia do sul” (Rogier 1997:28). A elite política macedônia deteve em Belgrado certos privilégios na época em que essa era a capital da Iugoslávia socialista, e criou-se uma rede de relacionamentos pessoais e profissionais entre sérvios e macedônios. Algumas das imbricadas relações políticas, econômicas e sociais entre Sérvia e Macedônia sobreviveram à independência da última: destaca-se o exemplo do presidente macedônio da época da independência, Kiro Gligorov, que teria ocupado altos cargos políticos em Belgrado, incluindo funções ministeriais (James Pettifer 1995:57). Também é possível identificar, na primeira metade dos anos 1990, indícios da manutenção da influência política, militar e cultural da Sérvia sobre a capital macedônia: em Skopje, são flagrantes as violações das sanções da ONU contra a Sérvia pela Macedônia, há maior tolerância contra o crime organizado quando este envolve

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indivíduos sérvios e persistem as relações entre militares sérvios e seus pares macedônios que teriam cumprido missões em Belgrado (Pettifer 1995:57). O componente étnico é essencial: macedônios e sérvios são eslavos, o que fez com que alguns sérvios residentes na Macedônia, com o discurso de serem “macedônios”, ocupassem posições relevantes no pequeno exército nacional, na polícia e em outros órgãos estatais, sem maiores questionamentos por parte da população local (Pettifer 1995:57). Tal grupo sérvio, aliado à elite macedônia que fora privilegiada na estrutura da ex-Iugoslávia, pretendia garantir que tais privilégios não fossem abalados no contexto da nova república. Certas políticas européias voltadas para a Macedônia ignoravam tal presunção e, portanto, foram coniventes com a manutenção de uma elite eslava na sociedade macedônia (Pettifer 1995:57). Durante os anos 1990 é notório o

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apoio da elite macedônia ao regime sérvio de Milošević e comprava-se facilmente em Skopje os jornais sérvios que mais apoiavam Milošević, enquanto não era possível encontrar os equivalentes búlgaros ou albaneses na Macedônia (Pettifer 1995:57). O fato chama a atenção porque o número da população de origem búlgara e principalmente albanesa na Macedônia é superior ao da população de origem sérvia. Além das relações no alto escalão político, havia, e ainda há, uma minoria sérvia na Macedônia, residente sobretudo nas áreas próximas à fronteira com a Sérvia. Isso significa dizer que a independência da Macedônia poderia ter incitado a Sérvia a intervir militarmente naquele país, de modo a manter sua dominação política, cultural e econômica sobre Skopje e também de modo a não abandonar a minoria sérvia residente na Macedônia. Emeric acredita que tal intervenção militar poderia ter ocorrido com a justificativa de “resgatar” ou “proteger” as populações sérvias residentes em cidades macedônias, a exemplo de Kumanovo, em nome da política ultranacionalista de Milošević (Rogier 1997:28). Há também a relação étnica entre os albaneses da Macedônia e os do Kosovo, território interpretado como essencial para a identidade sérvia, o que também fez com que a Sérvia fosse considerada uma ameaça à Macedônia. Vale ressaltar que, na Macedônia, o elemento diferenciador entre os grupos não chegou a ultrapassar a etnia para incluir a religião, apesar de 1/3 da população local seguir o islamismo (Natasha Gaber 1997:103). Os muçulmanos nesse país formam um grupo etnicamente 21 Para autores que interpretam a situação como o ressurgimento dos “quatro lobos”, ver Alice Ackermann 1999:71, James Pettifer 1995:56, Jenny Engström 2002:12, Human Rights Watch 1996 e Biljana Vankovska 2000.

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heterogêneo, com albaneses, turcos, romas e eslavos. Os albaneses constituem a maior representação étnica em termos numéricos e a grande maioria é muçulmana. Entre os turcos, a segunda principal minoria da Macedônia, todos seguem o islamismo. Isso evidencia que a religião islâmica não constitui um fator decisivo para a marginalização por parte dos macedônios eslavos e para a mobilização por parte dos discriminados. É a exigência por um tratamento idêntico aos dos macedônios eslavos, juntamente com sua força numérica, que faz com que a questão dos albaneses seja mais complexa e urgente que a das outras minorias, também marginalizadas (Gaber 1997:104). Retomando a questão da etnia albanesa entre kosovares e macedônios, por conta da facilidade de migração intra-Iugoslávia, há laços familiares e de amizade entre albaneses do Kosovo e os de países vizinhos. Desde o início do processo de

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desintegração iugoslava, a potencial guerra no Kosovo teria como conseqüência quase imediata a fuga de refugiados para os países vizinhos, sobretudo os que abrigavam populações de etnia albanesa, aí incluída a Macedônia. Uma conseqüência de médio ou longo prazo seria a disseminação da violência para o sul da Iugoslávia, o que envolveria a Albânia e a Grécia e possivelmente se transformaria em guerra regional. Assim, vê-se que a Sérvia manteve suas relações com a Macedônia em termos políticos e sócio-culturais. A postura sérvia parece ser diferente quando se trata de assuntos militares ou referentes à política externa: além de não ter reconhecido a Macedônia como Estado soberano quando da sua independência, alguns autores afirmam ter havido uma ameaça real, no início da década de 1990, de invasão militar da Sérvia em território macedônio. Pettifer alega que em 1991 e 1992 o exército iugoslavo, sob domínio sérvio, poderia ser considerado uma força invasora em potencial (Pettifer 1995:56), enquanto Anderson demonstra que há registros de incursões do exército iugoslavo em território macedônio do fim de 1993 até meados de 1994 (Norman Anderson 1999:52). Portanto, eram suspeitas as intenções da Sérvia em relação à Macedônia, já que Belgrado não reconhecia a Macedônia como também não o fazia com as repúblicas que haviam se declarado independentes (Norman Anderson 1999:49). Apesar de o exército iugoslavo ter oficialmente se retirado da Macedônia entre o fim de 1991 e março de 1992, quando a Macedônia cria seu exército, não haveria dificuldades em reocupá-la já que o país praticamente não tinha forças armadas capacitadas nem equipamento ou recursos militares que pudessem enfrentar a ameaça sérvia se necessário (Norman Anderson 1999:50, Rogier 1997:28).

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O Estado albanês, até o colapso de seu governo em 1997, não constituía grande ameaça à segurança da Macedônia como comumente se afirma. Há relação entre ambos os Estados não apenas pela geografia, mas especialmente pela expressiva presença de macedônios de etnia albanesa. Oficialmente cerca de 22% dos macedônios são etnicamente albaneses, o que faz com que eles sejam a principal minoria do país (Norman Anderson 1999:50). A larga presença de albaneses na Macedônia reforça, segundo os macedônios eslavos, o mito expansionista da “Grande Albânia”. Passado o momento de tensão depois de reconhecer a “República do Kosovo”, em 1991, o governo albanês opta por uma política moderada na região devido ao objetivo de evitar um conflito armado entre a Albânia e a Sérvia em nome do Kosovo. Sali Berisha, o então presidente da Albânia, sabia das limitações dos albaneses na

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Macedônia mas também tinha consciência de que esta situação era menos grave que a enfrentada pelos albaneses do Kosovo e, por isso, tentou manter boas relações com Skopje (Rogier 1999:29). A crise política na Albânia, que começa em 1997, acarreta uma mudança na região que certamente foi mais prejudicial ao Kosovo que à Macedônia. A relação entre a Macedônia e a Albânia também vai além dos laços étnicos para incluir questões políticas decorrentes exatamente da etnia. No campo da diplomacia e do nível da alta política, o presidente albanês mantinha uma relação relativamente transparente com o governo de Skopje. No entanto, no campo da política interna há relatos de que ele teria influência sobre a radicalização do movimento dos macedônios albaneses22 no momento da redistribuição de “padrinhos” entre atores políticos domésticos e alguns atores internacionais, que é destrinchado a seguir. Os partidos políticos na Macedônia são geralmente enquadrados em duas categorias: a dos radicais, por sua característica pró-ocidental; e a dos moderados, por característica de ex-comunista (Pettifer 1995:57). Em janeiro de 1994, Berisha apoia de maneira indireta o partido político macedônio PPD, representante dos albaneses, considerado radical, pró-americano e pró-economia de mercado (Pettifer 1995:57). Por sua vez, os Estados Unidos também apóiam as demandas albanesas, representadas por partidos “radicais” tanto na Albânia como na Macedônia, devido ao fato de os partidos 22

Os macedônios albaneses também têm status de cidadão perante a Constituição macedônia mas, na prática, não têm os mesmos direitos políticos que os compatriotas eslavos, e alegam sofrer opressões em sua identidade étnica por não poderem manifestar livremente a sua cultura. Aliás, esse será o pivô da crise interna da Macedônia no fim da década de 1990, o que dá origem aos conflitos de 2001

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moderados ou predominantemente eslavos serem considerados ex-comunistas. Tal apoio norte-americano a partidos albaneses e radicais encontra oposição russa, que era o principal protetor da Sérvia. Os membros da União Européia, por fim, acreditam que as demandas albanesas por autonomia são um elemento catalisador em relação à desintegração da Macedônia e, por isso, apóiam partidos moderados. Segundo James Pettifer, isso significa que os europeus apóiam ex-comunistas com vínculos com a exIugoslávia e, portanto, com a Sérvia que, na época, dominava politicamente a região (Pettifer 1995:57). Nesse sentido, a União Européia teria inicialmente ignorado a pressão que o governo macedônio exercia sobre os macedônios albaneses, apesar de ter conhecimento da crise cultural, educacional e médica que atingiu a infra-estrutura das áreas oeste e norte da Macedônia, próximas às fronteiras com o Kosovo e a Albânia,

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onde reside a maior parte dos macedônios de etnia albanesa (Pettifer 1995:57). As relações que a Bulgária tem com a Macedônia são mais culturais e históricas do que econômicas. Por muito tempo a Bulgária manteve frágeis relações com a Macedônia, especialmente por causa do fato de a região Macedônia também alcançar parte do território búlgaro. Isso fez com que a política externa da Bulgária para a Macedônia não reconhecesse que macedônios eslavos pertenciam a uma nação separada da nação búlgara (Norman Anderson 1999:50), e ainda considerasse que a língua falada na República da Macedônia seria apenas um dialeto do búlgaro. Em tempos recentes, tal comportamento político foi alterado e, em 16.01.1992, a Bulgária reconheceu a existência do novo Estado, embora sem admitir a existência de uma nação macedônia. Nos anos 1990, a Macedônia não parece mais tão interessante à Bulgária devido à instabilidade econômica, à presença de uma importante e politizada minoria muçulmana e à vontade de integrar o bloco europeu, o que talvez tenha diminuído a intenção expansionista e controladora da Bulgária sobre aquele território (Rogier 1997:30). No que se refere à Grécia, a situação é um pouco mais complexa. A região Macedônia tem extrema relevância na história grega. Apesar do passado relativamente positivo entre os povos da Grécia e da Macedônia23, na década de 1990 as animosidades entre ambos irromperam devido ao nome oficial da República da Macedônia, não entre governo e rebeldes da etnia albanesa em algumas cidades macedônias próximas às fronteiras com o Kosovo e com a Albânia. 23 A cultura grega, por exemplo, teria servido como fonte de inspiração para a cultura e a arte macedônias na época áurea da região. O aspecto religioso também é um traço que aproxima os dois países. A religião que predominou durante séculos em ambos os territórios foi o cristianismo ortodoxo (Dimitrov 1993:8). No fim do século XVIII, com a dissolução do Arcebispado de Ohrid, sede da igreja ortodoxa macedônia, tem-se início o processo de antagonismos (Dimitrov 1993:9).

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reconhecido pela Grécia sob a justificativa de representar a identidade grega. O termo “Macedônia”, como se mencionou, não apenas representa o nome de uma república mas também corresponde a uma região mais vasta que hoje alcança três Estados: 51% região estão na Grécia, 10% na Bulgária e 39% na ex-Iugoslávia (Triantafyllou 1995:263). Há cerca de 2 mil anos, o território que hoje corresponde à Grécia fazia parte da grande região da “Macedônia”. Com o passar do tempo, mapas e nomes são alterados e só no início do século XX, depois das Guerras dos Bálcãs, a Grécia moderna oficializa como “Macedônia” uma divisão administrativa de seu território. A seu turno, a antiga república iugoslava reivindica o nome de “Macedônia” pela primeira vez em 1945 (Triantafyllou 1995:263), ratificando-o na constituição de 1992. A Grécia defende o argumento de que uma única república não pode tomar para

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si o nome de uma região que lhe é mais abrangente em termos geográficos e históricos. Nessa linha de raciocínio, continuam os gregos, um país do Mediterrâneo, por exemplo, não poderia tomar para si o nome de “República do Mediterrâneo” (Thomas Skouteris 2006). A bandeira macedônia trouxe semelhantes controvérsias, vez que contém símbolos que remetem à parte da história grega. A questão reside no plano do direito internacional. O jusinternacionalista grego D. Triantafyllou afirma que a sociedade de Estados deveria criar regras para a regência do direito do Estado a um nome, de modo a institucionalizar este processo de escolha. Segundo o autor, se os Estados pudessem escolher livremente o seu próprio nome, reinaria uma situação anárquica, repleta de mal entendidos e reivindicações jurídicas (Triantafyllou 1995:261-262). De acordo com seu raciocínio, o fato de a Macedônia grega não estar exposta na cena internacional (por ser apenas uma região da Grécia) não permite afirmar que o nome “Macedônia” esteja disponível no nível estatal e conclui que “a utilização de um nome notoriamente helênico pode ser considerada como abusiva”24 à luz de princípios do direito internacional (Triantafyllou 1995:263). Por fim, o autor grego defende que o uso do nome “Macedônia” por uma única república da região pode levar à interpretação errônea por parte de atores internacionais de que o resto do território da Macedônia estaria sob ocupação de outros Estados, ou de que existiria uma “nação macedônia” (Triantafyllou 1995:264). A discussão acima demonstra a maneira através da qual o tema é tratado por certos autores gregos. A despeito do radicalismo desse argumento, a década de 1990 de 24

Tradução livre de: “(...) l’utilisation d’un nom noitoirement hellénique puisse être consideré comme abusif à la lumière des principes énoncés ci-dessus” (Triantafyllou 1995:263).

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fato experimentou relações bastante estremecidas entre a Grécia e a recém-independente República da Macedônia, devido ao nome oficial e à bandeira nacional. Como estratégia, a Grécia transforma a questão de direito internacional em uma questão política e econômica, de modo a convencer a Macedônia a mudar o nome oficial – para que se crie um novo nome ou se inclua um caráter distintivo, como “ex-República Iugoslava da Macedônia”. A pressão dá-se em vários níveis e, no nível da diplomacia bilateral, a primeira medida foi a de não reconhecer o novo Estado sob o argumento explícito de que o nome e a bandeira eram símbolos gregos (Anderson 1999:50). Mesmo assim, o país foi reconhecido por seu nome constitucional – República da Macedônia – pela maioria dos Estados ocidentais, à exceção dos Estados Unidos (Pettifer 1995:55). A pressão grega também ocorre no nível multilateral, através da

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União Européia (UE). A Grécia é membro da União e utiliza-se desse fato para retardar, negociar ou impedir a eventual entrada da Macedônia na UE (Svetomir Skaric 1998:500). A pressão econômica, por sua vez, veio sob a forma de um embargo à fronteira sul da Macedônia em 1991, o que acarretou um prejuízo à Macedônia de cerca de 100 milhões de dólares norte-americanos, no primeiro ano (Pettifer 1995:57). A questão envolveu a sociedade e os intelectuais na Grécia. Segundo Evgeni Dimitrov, a sociedade e a academia têm se manifestado explicitamente sobre a questão, muitas vezes estimuladas pelo governo: na última década, uma enorme quantidade de livros, resenhas e outras publicações reforçam as medidas do governo da Grécia ao apresentarem uma suposta visão grega, “(...) segundo a qual nem o povo, nem a língua, nem a cultura macedônia existem. São invenções, são uma construção política e um certo tipo de alquimia por parte de historiadores de Skopje” (Dimitrov 1993:7)25. A visão dominante na Grécia é a de que, enquanto a Macedônia e alguns aliados vêem a Grécia como expansionista, muitos gregos têm a mesma preocupação em relação à Macedônia, e vêem o país como “uma potência militar hostil e expansionista que ameaça o norte da Grécia” (Pettifer 1995:56).

25 Tradução livre de: “(…) according to which neither the Macedonian people, its language or its culture exists. These are inventions, a political construct and some sort of alchemy on the part of the ‘Skopje historians’” (Evgeni Dimitrov 1993:7).

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b) Os desafios internos Entre as ameaças internas, os principais obstáculos para a estabilidade da Macedônia estão relacionados às minorias, sobretudo o grupo de macedônios albaneses, e à recessão econômica. Nos Bálcãs, “a aritmética é a continuação da política por outros meios” (Rogier 1997:26). As contagens e recontagens nos censos oficiais ou clandestinos são fontes de influência política nessa região, e o caso da Macedônia não é diferente. No censo de 1991, entre os cerca de 2 milhões de macedônios, a divisão étnica era da seguinte maneira: 1.3 milhão de eslavos, 430 mil albaneses, 97 mil turcos, 56 mil romas e 44 mil sérvios, entre outras minorias. Os albaneses boicotaram o censo e afirmavam ser, na

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época, cerca de 700 mil (Rogier 1997:26). A despeito da existência de outras minorias relativamente expressivas, a dos albaneses é a que mais se mobilizou ao longo dos anos. A evidente natureza multiétnica da Macedônia é protegida pelo princípio da igualdade formal entre todos os cidadãos macedônios, a despeito de sua etnia, credo, gênero, etc. (Constituição, art. 9º). Isso não impediu que a constituinte fizesse uma distinção entre os macedônios eslavos e as outras nacionalidades por não serem consideradas “nações constitutivas” da República da Macedônia (Rogier 1997:26). Este elemento aparece na maioria das constituições de repúblicas pós-comunistas, em que há o reconhecimento da predominância da etnia que seria o núcleo da população do Estado, nesse caso, “o Estado nacional do povo da Macedônia” (Lund 2005:232). Na mesma linha, o art. 7º da Constituição, por exemplo, estabelece que a língua macedônia e o alfabeto cirílico são oficiais e que outras línguas e outros alfabetos só serão considerados oficiais nas administrações municipais de cidades cuja maioria pertença a outra nacionalidade. A conseqüência óbvia deste fato é a exigência de os albaneses se expressarem em macedônio dentro do congresso nacional (Vilma Venkovska-Milcev 2006). Outro exemplo relevante é o da educação superior: prevê o artigo 48(3) da constituição que os membros das nações têm direito à instrução em sua própria língua apenas no ensino fundamental e no ensino médio e, nas escolas em que isso ocorra, o aprendizado da língua macedônia é também obrigatório. A principal conseqüência prática deste artigo é a falta de subsídios financeiros e de garantias legais para a criação e manutenção de universidades em língua albanesa. Assim, os indivíduos de grupos minoritários eram cidadãos formais mas recebiam tratamento de cidadãos de segundo plano, o foi contestado sobretudo pelos

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macedônios albaneses, que exigiam melhor representação política e maior preocupação com seus direitos educacionais, culturais e lingüísticos enquanto coletividade com uma identidade específica e diferente, embora às vezes compartilhada, com a dos macedônios eslavos. Em um referendo clandestino realizado em janeiro de 1992, divulgou-se que 93% dos macedônios albaneses desejavam autonomia política e territorial nas regiões da Macedônia onde eram maioria – algumas cidades têm população 80% albanesa, principalmente no norte e no oeste macedônios, próximo às fronteiras com a Albânia e o Kosovo (Rogier 1997:26, Lund 2005:232 – ver Mapa 2, em anexo). No começo de 1992, o governo recém-instalado na Macedônia conta com a participação de políticos relativamente moderados, que têm por prioridade a

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manutenção da integridade territorial. Trata-se de um desafio entre, de um lado, negligenciar as reivindicações albanesas, o que pode causar revolta e confronto, e, de outro lado, admitir sua prevalência enquanto minoria, o que significa também absorver politicamente a religião muçulmana e o alfabeto latino (Rogier 1997:27). Em outras palavras, o governo buscava encontrar uma solução que estivesse entre a secessão e a perda de sua natureza eslava. No início da década de 1990, a situação econômica é precária no país mais pobre da ex-Iugoslávia. Com a desintegração iugoslava, o país encontra-se em uma situação sem precedentes: de imediato, a Macedônia perde acesso a um mercado relativamente fechado que consumia cerca de 75% da produção industrial doméstica (East West Institute 1999:5). Na fronteira norte, a Macedônia viu-se obrigada a respeitar as sanções impostas pela ONU contra a Sérvia/Iugoslávia em maio de 1992, o que significou interromper um total de 60% do fluxo comercial do país (Rogier 1997:27). Na fronteira sul, o embargo imposto pela Grécia desde o fim de 1991 impedia que quaisquer produtos saíssem ou entrassem na Macedônia pelas fronteiras gregas. Em 1992, por exemplo, 82 toneladas de petróleo ficaram detidas no porto de Salônica. Além do embargo econômico, a estratégia grega de impedir o reconhecimento internacional da Macedônia via União Européia, impedindo que se tornasse membro da ONU, deixava a Macedônia economicamente isolada e fora do alcance de empréstimos de instituições financeiras internacionais (Rogier 1997:27). Pelo exposto, vê-se que as ameaças internas e externas acima mencionadas informam a situação na Macedônia na iminência de sua 1ª crise, além de oferecerem

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elementos que serão retomados ao longo da década de 1990, sobretudo os referentes à chamada ameaça interna. Conclusão O presente capítulo apresentou as bases para a melhor compreensão não apenas das crises no Kosovo e na Macedônia da década de 1990 como também da resposta internacional a cada uma dessas crises. A primeira seção ressaltou os aspectos da história recente da Iugoslávia cujo impacto é evidente nas crises dos anos 1990 de ambos os casos. A segunda seção, por sua vez, destacou dois argumentos que fundamentam a interpretação dessa história por parte de atores políticos internacionais, o que é relevante para explicar a ação e, sobretudo, a omissão internacional nos casos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

em estudo. A última seção tratou das questões estruturais do problema de ambos os casos, até a iminência de sua 1ª crise. A narrativa deixa evidente a relação histórica e cultural entre os dois casos. Embora haja elementos semelhantes, não são situações idênticas e, por isso, não podem ser tratadas como se idênticas fossem. No próximo capítulo, as crises serão destrinchadas individualmente, com realce ao contexto específico da crise e à resposta internacional a cada uma delas.

5 A prevenção estrutural e multissetorial no Kosovo e na Macedônia: o sociograma de cada crise

“Conflict, including ethnic conflict, is not unavoidable but can indeed be prevented. This requires, however, that the necessary efforts are made. Potential sources of conflict need to be identify and analysed with a view to their early resolution, and concrete steps must be taken to forestall armed confrontation”. (Max van der Stoel, Alto Comissário para as Minorias Nacionais da OSCE, 1994).

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O contexto de crise geralmente expõe uma janela de oportunidade que permite a inserção de idéias que influenciam o decorrer dos eventos. Também tende a favorecer a promoção das agendas particulares de atores internacionais e domésticos, sejam elas em direção à deterioração das relações entre as partes ou em direção à canalização do conflito para a via política (Annika Björkdahl 2002:65). Nesse “período de gestação” as oportunidades são geradas por um evento, programado ou não, mas também podem decorrer da dinâmica do próprio conflito. De uma maneira ou de outra, são apenas portas; pode-se ser convidado a entrar, pode-se bater na porta e pedir licença ou, ainda, pode-se derrubar a porta e adentrar o espaço (Zartman 2005:12). Tais situações críticas, com desafios internos e externos, e a reação internacional a cada uma delas serão analisadas no presente capítulo, de modo a destacar quando e como as janelas de oportunidade foram exploradas pelos atores internacionais nos casos em estudo. Durante cerca de 10 anos (de 1992 a 2001), a Macedônia enfrenta três grandes crises. Na resposta a cada uma delas, identifica-se a prevalência de tentativas de prevenção da violência em larga escala implementadas por atores internacionais, tendo havido interação destes com os atores domésticos partidários da idéia de evitar a guerra. As crises mais intensas da Macedônia ocorrem em (i) 1992/1993; (ii) 1999; e (iii) 2001. No Kosovo também é possível identificar três grandes crises durante semelhante período (de 1989 a 1999), em que os momentos de maior intensidade, geralmente antecedidos por janelas de oportunidade para ação, são os seguintes: (i) 1989-1992; (ii) 1997/1998; e (iii) 1999. A análise

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sistemática das três crises expõe a relação entre os dois casos, sobretudo entre a 3ª crise do Kosovo (1999) e as duas últimas crises da Macedônia (1999 e 2001). Kosovo Macedônia

1ª crise 1989-1992 1992/1993

2ª crise 1997/1998 1999

3ª crise 1999 2001

O exame do passado a partir do presente é complexo e perigoso, por sujeitar tanto a autora e como o leitor a interpretações que talvez não fossem possíveis à época em os eventos ocorreram. Zartman sustenta que a história tem autoridade mas que sempre há razões para explicar por que determinadas alternativas são implementadas em detrimento de outras. Cada ação resulta de escolhas e de decisões específicas, de ações ou omissões em determinado período de tempo, o

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que deve ser analisado dentro do contexto das alternativas existentes à época em que a decisão foi tomada (Zartman 2005:3). Assim, para minimizar a parcialidade do julgamento ex post facto, cada crise será analisada dentro de seu contexto. O foco deste trabalho é a intervenção de atores externos em disputas de interesse que envolvam elementos domésticos. Porém, convém assumir a relevância dos atores domésticos para a implementação do que é negociado e planejado. As partes do conflito podem ou não aproveitar as janelas abertas, mas a transformação do rumo de um conflito muitas vezes depende da assessoria, facilitação ou mediação de um ator externo. Assim, I. William Zartman sugere que “as partes de um conflito precisam de ajuda. Elas estão muito envolvidas com a condução da situação conflitiva para serem capazes de enxergar as necessidades e oportunidades de saída, a menos que alguém as auxilie a fazê-lo” (Zartman 2005:13)1. Tal espaço para ação, com conseqüências positivas ou negativas, será acobertado pelo presente capítulo, que se restringe às oportunidades de ação disponíveis a atores internacionais e que foram ou não por eles aproveitadas durante o seu envolvimento na situação de crise. O foco deste capítulo está na descrição e análise das oportunidades para mudança oferecidas pelas crises e na resposta internacional a cada uma delas (ver Tabela 5, em anexo). Ainda assim, serão destacadas eventuais ações internacionais realizadas nos períodos entre-

1 Tradução livre de: “Parties at conflict need help. They are too taken up with the business of conducting conflict to see the need and opportunities for a way out, unless someone helps them” (Zartman 2005:13).

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crises sempre que isso reforçar o argumento de que houve omissão durante o melhor momento para a intervenção (ou seja, durante a crise), com o objetivo de diferenciar as oportunidades perdidas das oportunidades aproveitadas. Diferente de outros casos de sucesso relativo na prevenção de conflitos armados da década de 1990 – a exemplo das crises na Eslováquia/Hungria (19921994), Estônia/Rússia (1993) e Guatemala (1993) –, a prevenção na Macedônia envolveu esforços de variados atores, atuando em diferentes níveis, através da implementação de diversos instrumentos preventivos (Lund 2000:23-24; Wallensteen e Möller 2003:17; Miall et alli 1999:98). O caso do Kosovo, por sua vez, além de não ter sido foco de aplicação de diferentes instrumentos de prevenção, também não contava com a ampla rede de atores externos, como

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ocorre na Macedônia (Ackermann 1999:165), e menos ainda com a vontade política de atores relevantes domésticos ou internacionais. No capítulo anterior, foram destacados os acontecimentos do século XX que contribuem para a formação da mentalidade e da dinâmica inter-partes que domina as relações no Kosovo e na Macedônia durante a década de 1990. O presente capítulo esboça o contexto da região nos anos 1990, com referência explícita a eventos anteriores apenas quando necessário. Confere-se destaque aos atores internacionais que, em menor ou maior escala, participaram da tentativa de prevenção da violência no Kosovo e na Macedônia. Com isso, elabora-se um sociograma de atores e ações, ressaltando o que foi feito e o que foi abandonado.

5.1 Kosovo – 1ª crise (1989-1992) O contexto da 1ª crise do Kosovo (1989-1992) Desde a criação da Iugoslávia, no pós-Segunda Guerra, apesar das desigualdades e dos freqüentes protestos por parte dos kosovares albaneses, as relações entre sérvios e albaneses no Kosovo foram administradas em grande medida pela via institucional, quase sempre sem o uso da força. Até então, os status jurídicos do Kosovo e o da Macedônia perante a federação iugoslava eram similares, consideradas por alguns como sendo “basicamente os mesmos” (Väyrynen 2003:56). A escalada da 1ª crise no Kosovo tem início com a chegada

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de Slobodan Milošević à presidência da República Sérvia, em dezembro de 1987. Em 1989 recebem pinceladas agressivas as divergências e as percepções dominantes entre sérvios e albaneses do Kosovo. Em janeiro daquele ano, a situação política do Kosovo dentro do contexto iugoslavo é modificada quando a Assembléia Sérvia retoma o debate sobre a proposta de emenda constitucional para suspender a autonomia do Kosovo: a Sérvia passaria a ter controle sobre a polícia e os tribunais, e passaria a elaborar políticas sócio-econômicas, educacionais e lingüísticas na província. O recrudescimento dos discursos e a expectativa de suspensão da autonomia kosovar levam à greve dos mineiros de Trepca, de fevereiro de 1989 – a primeira de outras greves e manifestações públicas pela não-reversão da situação garantida pela constituição iugoslava de

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1974. Depois de 8 dias, o governo sérvio ordena a prisão dos grevistas (Howard Clark 2000:xvi, BASIC 2000). Em março, a Assembléia Kosovar reúne-se para discutir as alterações constitucionais que suspenderiam a autonomia enquanto tanques de guerra concentram-se ao redor do prédio para conter os manifestantes. Ao fim da reunião, as emendas são declaradas aprovadas, ainda que sem o mínimo legal de 2/3 dos deputados presentes, já que a maioria se absteve de votar. Na semana seguinte, em 28.03.1989, as emendas são ratificadas pela Assembléia Sérvia, ato que finalmente suspende a autonomia do Kosovo tal como concedida pela Constituição Iugoslava de 1974 (ICTY 1999, BASIC 2000, ICG 1998:10). As manifestações em várias cidades do Kosovo não conseguem reverter o processo que não só retira a autonomia da província, mas que também concede a Milošević 4 votos no conselho da Presidência da Iugoslávia, graças ao fato de o cargo por ele exercido deter a representação formal de 4 entidades políticas iugoslavas com direito a voto nas instituições centrais: Sérvia, Montenegro, Kosovo e Vojvodina. A repressão policial aos protestos dos kosovares albaneses produz 100 mortos no mês de abril de 1989 e as prisões em massa de intelectuais, oficiais e diretores de empresas passam a ser sistemáticas, com objetivos de neutralizar a liderança, desmobilizar a população e frear a organização de protestos por conta da suspensão da autonomia (BASIC 2000). A partir de então, a questão do Kosovo vem sendo tratada pelos sérvios como assunto doméstico, o que é reforçado pela negação das tentativas do que eles alegam ser a internacionalização do problema (Barbara Delcourt 1999:282).

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No mesmo ano, em dezembro, como resposta à escalada da repressão do governo sérvio, líderes kosovares albaneses fundam a Liga Democrática do Kosovo (LDK - Lidhjes Demokratike te Kosoves), presidida por Ibrahim Rugova. A estratégia da LDK consistia no duplo exercício de constituir uma sociedade paralela e de internacionalizar a questão do Kosovo, o que formaliza o período de quase uma década de resistência pacífica, perdendo força e credibilidade a partir de 1997 (de Vrieze 2002:290). É desenvolvido no Kosovo um “Estado paralelo”, também chamado de “sociedade paralela” ou “contra-sociedade”, com partidos políticos, sindicatos, associações humanitárias, organizações de direitos humanos, sistemas paralelos de educação, saúde, cultura e informação (Muhamedin Kullashi 1999:56, William O’ Neill 2002:22, de Vrieze 2000:290). A “sociedade paralela”

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kosovar assume a necessidade de organizar uma oposição pacífica, e não “passiva”, à repressão proveniente de Belgrado, o que pode ser interpretado como uma tentativa unilateral de prevenção da violência direta em maior escala. Há quem diga que a resistência não-violenta teria ocorrido, no princípio, de maneira não sistemática e não organizada, sendo resultado de atos autônomos de vários segmentos institucionais e não um projeto consciente da liderança política em ascensão (Besnik Pula 2004:797). De uma maneira ou de outra, depois de alguns meses, as instituições envolvidas no movimento passaram a estar formalmente vinculadas à coordenação da LDK e sob a liderança de Rugova. A sociedade paralela começa a ser organizada em 1989 não somente por causa da retirada da autonomia do Kosovo, mas também devido às políticas discriminatórias e repressoras das autoridades sérvias. A advogada kosovar Nekibe Kelmendi fez uma análise das 32 leis e dos mais de 470 decretos aprovados pelo governo da Sérvia que, entre 1990 e 1992, alteravam a autonomia dos

albaneses

do

Kosovo

através

de

um

tratamento

discriminatório,

explicitamente baseado no componente étnico. Entre as políticas repressoras, são mencionadas a demissão em massa de albaneses de cargos públicos, a transferência da polícia e do sistema judicial para a estrutura da Sérvia, o fechamento e/ou a submissão de órgãos da mídia albanesa ao controle de Belgrado, as alterações formais no currículo escolar kosovar para suprimir a língua albanesa e modificar o conteúdo nos moldes do currículo de Belgrado, entre outros abusos (Clark 2000:71-72, Pula 2004:806).

171

Em julho de 1990, os deputados kosovares albaneses declaram a independência da República do Kosovo dentro da estrutura da Federação da Iugoslávia e, em 07.09.1990, promulgam a nova constituição na reunião da Assembléia kosovar em Kaçanic (de Waele e Gjeloshaj 1999:22, Weller 1999:6465, Clark 2000:pxvi). Em 28.09.1990, a República Sérvia promulga sua nova constituição e reafirma a submissão do Kosovo às autoridades sérvias (Marc Weller 1999:62). Assim, a Sérvia ignora a declaração de independência e a constituição kosovar, sendo a Albânia o único Estado a reconhecer formalmente a independência do Kosovo, embora tenha se mostrado disposto a rever sua posição caso necessário (Clark 2000:90, ICG 1998:10; BBC 1999). O reconhecimento da independência por outras entidades políticas

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formadoras do sistema de Estados é essencial para fazer valer o princípio da soberania moderna e a regra da não-intervenção. Somente o caso concreto pode demonstrar se o reconhecimento diplomático por várias unidades do sistema é um instrumento de prevenção de conflitos ou se torna a situação ainda mais complicada e favorece a erupção da violência armada (Gabriel Munuera 1994). No caso kosovar, o não-reconhecimento da “República do Kosovo” foi parte da percepção dominante entre atores políticos internacionais de manter intacta a integridade territorial das ex-repúblicas iugoslavas. Isso não serviu como instrumento de prevenção de conflitos no caso kosovar, mas também não levou à violência armada, pelo menos não nos primeiros anos. A reação dos kosovares foi pacífica, tanto à retirada da autonomia como à ausência de reconhecimento diplomático do status da “República do Kosovo”, pelo menos no curto prazo: provoca-se o ingresso de tal entidade, em 1991, na Organização das Nações e Povos Não-Representados2 e, principalmente, a criação de instituições e de um governo de facto como se verá adiante. A ausência de reconhecimento também deixa evidente a falta de consenso entre atores internacionais relevantes em se envolverem de maneira mais incisiva em uma região que, até então, era um único Estado: a República Socialista Federal da Iugoslávia. Tal omissão torna-se relevante após cerca de 2 anos, quando os EUA e parte da Comunidade Européia, provocada pela Alemanha, reconhecem a independência da Croácia, da Eslovênia e da Bósnia em 27.04.1992. Logo depois, a Sérvia e Montenegro, entidades

172

remanescentes da República Socialista Federal da Iugoslávia, unem-se sob o nome e a estrutura da República Federal da Iugoslávia, o que também vem a ser internacionalmente reconhecido. Depois da declaração da independência da “República do Kosovo”, começam os preparativos para eleições parlamentares e presidenciais, que ocorrem com sucesso. Os kosovares sérvios, a quem estavam garantidos 14 dos 130 assentos na assembléia kosovar, boicotam o evento. Após obter a maioria dos assentos na assembléia, a LDK tem seu líder, Ibrahim Rugova, declarado como o novo

presidente

do

Kosovo

(ICG

1998:10).

Rugova

é

conhecido

internacionalmente como o líder albanês que utiliza e estimula métodos nãoviolentos para o alcance da independência (William O’ Neill 2002:21, Lubonja

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1999:31). O líder pacífico alcança certo nível de legitimidade no plano internacional graças ao contexto predominante na época, favorável à nãoviolência: a queda do muro de Berlim sem maiores complicações, o fim do comunismo na Europa, o sucesso do movimento não-violento na Polônia, a conquista da independência dos Estados bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia), entre outros (ICG 1998:11). Assim, no caso do Kosovo, havia a ingênua crença entre as principais potências ocidentais de que os métodos não-violentos dos albaneses levariam à independência da província sem derramamento de sangue, crença que se percebe em estratégias internacionais confusas e não incisivas até o fim da década de 1990. Tal crença, juntamente com a falta de interesse e a falta de status soberano, são três dos fatores que explicam mas não justificam a omissão de atores internacionais no processo de prevenção da violência no Kosovo. Apesar do esforço de boa parte da população em seguir a liderança pacifista, o processo não rende os frutos desejados - não garante a independência ao Kosovo e não consegue internacionalizar a questão. Ainda assim, durante alguns anos, não se pode negar o sucesso dos líderes albaneses e da população em manter uma estratégia que evitou não apenas a guerra, mas também a submissão dos albaneses ao regime sérvio (Clark 2000:95).

2

UNPO – Unrepresented Nations and Peoples Organization. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2007.

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A 1ª crise do Kosovo e a resposta internacional (1989-1992) Está pendente até o presente momento a questão do status do Kosovo e o grau de autonomia a ser garantido enquanto entidade política localizada dentro ou fora - de um território sérvio. Ao longo da década de 1990, devido à polarização dos argumentos e à submissão formal do Kosovo à soberania sérvia, a ação internacional na província, já limitada pela falta de interesse político, fica restrita a questões menos sensíveis, embora não menos relevantes, a exemplo da educação, que se tornou a principal bandeira da resistência pacífica kosovar. Convém ressaltar as oportunidades de ação que tiveram atores internacionais tradicionais ou não-tradicionais, para tentar compreender o fracasso da prevenção no Kosovo. Durante a década de 1990, a maioria dos atores PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

tradicionais elaboradores da agenda de segurança mantiveram uma política incoerente e ambígua para o Kosovo: não admitiam a secessão da província por conta da integridade territorial sérvia – seja por métodos pacíficos, seja pela via violenta - mas também não pretendiam tolerar a integração do Kosovo à Sérvia feita à base da repressão, o que daria apoio e legitimidade ao discurso de Milošević (Zartman 2005:166, Clark 2000:89). No período pré-1992, os líderes do Kosovo contavam com dois tipos de apoio no plano internacional: a diáspora albanesa e alguns atores com autoridade moral que condenavam os abusos de direitos humanos (Clark 2000:89). Embora a autoridade moral desses atores conferisse legitimidade à demanda dos kosovares albaneses, atores internacionais tradicionais de segurança não se sensibilizaram pela causa da auto-determinação e, portanto, não mobilizaram recursos nem exploraram interesses em prol da luta pacífica no Kosovo. Tais atores de segurança limitaram-se à retórica, com a repetição de palavras de conforto e de apoio ao movimento não-violento. A diáspora envolvia-se com a disseminação de informações, com lobby e arrecadação de fundos em sociedades e governos que poderiam agir de maneira mais incisiva na situação do Kosovo, sobretudo dentro dos Estados Unidos. Em outubro de 1986 havia cerca de 350 mil albaneses nos Estados Unidos, que criaram a Albanian-American Civic League (Clark 2000:89). Esta instituição promoveu, por exemplo, em abril de 1990, encontros de Ibrahim Rugova e outros líderes kosovares, como Veton Surroi, com congressistas norte-americanos a

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respeito das violações de direitos humanos em território kosovar. Até 1993, o líder da minoria republicana Robert Dole teria visitado o Kosovo algumas vezes, tendo enviado observadores para as eleições paralelas ali realizadas (Clark 2000:89). Vê-se que, apesar dos esforços da diáspora, a questão continuava às margens da política de segurança tradicional. Há tentativas de mobilização por parte de atores internacionais tradicionais para lidar com a questão do Kosovo no início da década de 1990. As iniciativas são pontuais e foram pouco ou nada exploradas ao longo dos anos, seja por falta de interesse estratégico, seja pelo fato de o Kosovo estar juridicamente submetido à soberania da Sérvia, que buscava impedir a internacionalização da questão (Stefan Troebst 1999:31). Os esforços de lidar com a questão do Kosovo por parte

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de atores internacionais são destacados abaixo. Vê-se que a maioria das iniciativas restringe-se a condenar a violação de direitos humanos e, assim, não discutem questões políticas e de segurança mais amplas (de Vrieze 2002:289). 5.1.1. Comunidade Européia – Parlamento Europeu (PE) Durante a primeira crise no Kosovo (1989-1992), há pouco ou nenhum envolvimento da Comunidade Européia na situação. Destaca-se uma pequena porém significativa ação do Parlamento Europeu (PE) por esta ter sido a primeira atuação formal de um ator internacional direcionada para a questão do Kosovo. Em 13.04.1989 é aprovada a 1ª resolução do PE que versa sobre a violação de direitos humanos no Kosovo. Em dezembro de 1991, o PE concede a Adem Demaçi o Prêmio Sakharov pela liberdade de pensamento3 e, com isso, Demaçi se torna o primeiro albanês a proferir um discurso no Palácio da Europa, em Estrasburgo, França (Clark 2000:90).

3

O Prêmio Sakharov é criado em 1988 pelo Parlamento Europeu e é anualmente atribuído a pessoas ou organizações que lutam contra a opressão e a intolerância e que promovem direitos humanos e valores democráticos (, acesso em: 16 fev. 2007).

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5.1.2. Comunidade Européia - Conferência Internacional sobre a exIugoslávia Em 07.09.1992, após a reorganização dos Bálcãs com o início das guerras da Croácia e da Bósnia, e a formação de cinco novas repúblicas soberanas e independentes4, é organizada sob os auspícios da Comunidade Européia uma conferência internacional de paz sobre a Iugoslávia. Criada para compor soluções (ocidentais) para a crise balcânica do pós-Guerra Fria, o mecanismo se assemelha às conferências que marcaram a história da Iugoslávia no século XX5 (Zartman 2005:141). Na reunião de Londres de 25 e 26.08.1992, ela é convertida na Conferência Internacional sobre a ex-Iugoslávia (ICFY), presidida em conjunto

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pela Comunidade Européia e pela ONU. A questão do Kosovo é brevemente discutida no primeiro dia do encontro porque dominaram a agenda outras questões voltadas para minorias, sobretudo na Bósnia, onde o conflito armado havia começado meses antes. Segundo Marc Weller, a delegação do Kosovo não pôde participar do evento mas recebeu autorização para ficar em uma sala separada, situada ao lado do salão de conferências, de onde poderia observar os procedimentos (Weller 1999:29). 5.1.3. ONU – órgãos e agências com preocupações humanitárias As resoluções adotadas por órgãos e agências do sistema ONU restringiram-se a condenações pelas políticas repressoras do governo sérvio aos albaneses do Kosovo. As resoluções de tais órgãos não são obrigatórias aos Estados-membros, mas não raro contêm um apelo moral e político e, por isso, são uma tentativa de incluir na agenda internacional determinadas questões. Só na segunda metade de 1992 são adotadas as primeiras de uma série de futuras resoluções sobre a precariedade da situação de direitos humanos no Kosovo,

4

Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia e República Federal da Iugoslávia, composta por Sérvia e Montenegro. 5 As conferências de Versailles (1918) e de Ialta (1944) têm grande impacto na Iugoslávia. A de Berlim (1878), ainda no século XIX, reorganizou parte do então território da Sérvia.

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produzidas pela Comissão de Direitos Humanos, pelo Comitê de Direitos Humanos e pela Assembléia Geral (Weller 1999:125/133/141, Clark 2000:90)6. 5.1.4. A influência da política doméstica e a ação das grandes potências No encontro de Londres de 1992 acima mencionado, o embaixador alemão Geert Ahrens cria o Grupo Especial sobre o Kosovo, com o objetivo de mediar o diálogo entre representantes sérvios e albaneses, o que só foi possível graças à janela de oportunidade criada pelo recém-empossado primeiro-ministro iugoslavo Milan Panić7 (BASIC 2000, Troebst 1999:45). Vale lembrar que, na época, a Iugoslávia já era composta por apenas Sérvia e Montenegro, e as duas províncias PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

sérvias de Kosovo e Vojvodina. Panić é sérvio emigrado aos Estados Unidos, onde presidia uma empresa farmacêutica com sede na Califórnia, a ICN Pharmaceuticals. Ao voltar para Belgrado, Panić adquire a principal empresa farmacêutica da Iugoslávia (Galenika). Em um exemplo moralista do que estaria por vir, oferece participação nos lucros a seus empregados e faz promessas de revitalizar a fragilizada economia sérvia através do capitalismo norte-americano. A entrada do capital estrangeiro em Belgrado e uma possível ponte com os EUA e com a Europa através de Panić fazem com que Milošević o convide para servir como seu primeiro-ministro (Ramet 2001:9). São seus fortes vínculos políticos com os Estados Unidos que fazem com que Panić, enquanto primeiro-ministro, assuma explicitamente os compromissos de distanciar-se da via militar para resolver o problema do Kosovo e de convencer Milošević a renunciar ao poder. Enquanto esteve em Londres em agosto de 1992, Panić ofereceu a Rugova o retorno ao status quo ante-1989 e, em outubro do mesmo ano, ordenou a libertação do Ministro da Educação kosovar, Rexhep Osmani, a fim de que iniciassem negociações sobre a educação kosovar albanesa (Troebst 1999:45). A Milošević, por sua vez, Panić teria oferecido o cargo de direção do recéminaugurado banco iugoslavo-americano, sediado na Califórnia. Milan Panić tenta negociar com três atores relevantes a retirada de Milošević do poder, ou mesmo

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Comissão de Direitos Humanos: Resolução 1992/S-1/1 (14.08.1992) e Resolução 1992/S2 (01.12.1992); Comitê de Direitos Humanos: comentários sobre a ex-Iugoslávia (28.12.1992); Assembléia Geral: Resolução 47/147 (18.12.1992). 7 A posse de Panić ocorreu em 14.07.1992.

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de levá-lo à prisão: o Secretário de Estado norte-americano, Lawrence Eagleburger, o presidente iugoslavo, Dobrica Cosić, e o general iugoslavo Zivota Panić. A dificuldade em obter apoio político dos EUA para retirar Milošević de cena faz com que Panić decida concorrer com ele nas eleições presidenciais do fim de 1992. Os aliados de Milošević criam empecilhos técnicos à sua candidatura e fomentam a idéia de bloquear a ação política de Panić com um voto de censura. Em dezembro de 1992, por fim, Panić consegue concorrer às eleições presidenciais sérvias mas é Milošević quem obtém a maioria dos votos8. Por ironia, as eleições são perdidas por Panić devido ao boicote dos kosovares albaneses, o que lhe retira cerca de 25% de seu eleitorado (Ramet 2001:10, BASIC 2000). Após a queda de Panić, na primeira metade de 1993, diminuem de

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maneira drástica as chances de diálogo internacional e de prevenção da escalada do conflito armado. A mudança na Presidência dos Estados Unidos também é um fator interno a ser destacado, por contribuir para o encerramento da janela de oportunidade para a ação preventiva das grandes potências durante a 1ª crise do Kosovo. No fim de dezembro de 1992, George Bush faz uma ameaça a Milošević, através de um aviso conhecido por Christmas Warning, segundo o qual os Estados Unidos agiriam unilateralmente - sem apoio europeu - caso Milošević iniciasse o conflito no Kosovo ou na Macedônia, ou caso enviasse o Exército da Nação Iugoslava (JNA, do sérvio Jugoslovenska Narodna Armija) para promover a fuga de refugiados bósnios para os Estados vizinhos (BASIC 2000). O recém-empossado democrata Bill Clinton renova a ameaça em fevereiro de 1993, mas a chance de a ameaça se concretizar no governo Clinton é quase nula, devido ao respeito ao princípio da soberania, e Milošević a incorpora em seus cálculos (Clark 2000:89, Zartman 2005:165). De qualquer maneira, o bastão norte-americano permanece como linha mestra da política externa de Clinton para a região até a escalada do conflito do Kosovo em Drenica, no início de 1998, caracterizando o fracasso desta ameaça de longo prazo.

8 O resultado final deu 56,32% dos votos válidos a Milošević, contra 34,02% recebidos por Panić. No Parlamento, o Partido Socialista de Milošević, juntamente com o Partido Radical, foram os principais ganhadores, obtendo 101 e 73 assentos respectivamente (Sabrina P. Ramet 2001:10).

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5.1.5. OSCE - Alto Comissário para Minorias Nacionais (ACMN) Há tentativas de envolvimento da Conferência/Organização para Segurança e Cooperação (OSCE a partir de 1995) na região desde os primeiros sinais de tensão, o que faz desta uma das primeiras organizações internacionais com atuação na área de segurança a inserir na agenda o debate sobre o Kosovo (Troebst 1998:35, Clark 2000:91). Apesar das limitações institucionais, nos anos 1990 a CSCE/OSCE enviou ao Kosovo o Alto Comissário para Minorias Nacionais (ACMN) e a Missão de Verificação do Kosovo (KVM – Kosovo Verification Mission), ambos com objetivos oficiais de evitar a escalada da violência. A discussão da KVM, ocorrida entre novembro/1998 e junho/1999, será PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

feita junto com a análise da 2ª crise kosovar. Como já mencionado, o cargo de ACMN é criado em 10.07.1992 pela Cúpula de Chefes de Estado e de governo da CSCE em Helsinki, Finlândia, e tem mandato para prover informações e sugerir ações no estágio inicial de tensões que envolvam minorias nacionais com potencial para se transformar em conflito armado na região da CSCE/OSCE9. O primeiro Alto Comissário, o ex-Ministro de Estado holandês Max van der Stoel, é nomeado em dezembro de 1992 e toma posse em janeiro de 1993. A melhor janela de oportunidade para a ação internacional no Kosovo já está fechada nesse momento mas, mesmo assim, van der Stoel envolve-se de maneira ativa com questões educacionais no Kosovo e consegue provocar a mediação de um acordo sobre educação entre Milošević e Rugova em setembro de 199610, quando as violações de direitos humanos contra os albaneses do Kosovo já eram inegáveis (Clark 2000:xviii). Na época havia esperanças de que novos passos seriam dados na direção da maior cooperação entre as partes, ainda que em questões não-essenciais, mas as divergências de interesses e de comportamento eram cada vez maiores, dificultando mesmo a implementação do restrito acordo (van der Stoel 2006). As questões mais sensíveis para as partes do Kosovo não puderam ser tratadas por van der Stoel por conta das restrições de seu mandato. Os exemplos

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Decisões da Cúpula de Helsinki, n.23, p. 5. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2007. 10 O acordo previa a reabertura das escolas e das universidades do Kosovo para os estudantes albaneses.

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de ação limitada são do próprio van der Stoel, em entrevista: pelo lado albanês, certa vez Rugova disse-lhe que não seria possível discutir o futuro do Kosovo com o ACMN porque os kosovares albaneses não seriam uma “minoria nacional” e sim uma nação. Isso fez com que van der Stoel, em uma engenharia institucional, recebesse “nova missão”: iria como “enviado pessoal do Presidenteem-Exercício da OSCE”, e não mais como Alto Comissário. Porém, nesse momento é Milošević quem passa a não aceitar van der Stoel com tal cargo, pelo fato de a Sérvia não ser membro da organização (van der Stoel 2006)11. Os esforços do ACMN também são esvaziados pela falta de interesse de Milošević em relação à internacionalização da situação do Kosovo e ainda pela intolerância da luta pela independência por parte dos albaneses. A OSCE e o

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ACMN tinham interesse explícito em promover a prevenção da violência: (i) o cargo do ACMN havia acabado de ser criado na estrutura da OSCE, na mesma época em que se dá polarização das partes no Kosovo; (ii) o ACMN tem mandato exclusivo para a prevenção de conflitos em seu estágio mais incipiente, sempre que houver tensões entre minorias nacionais em região que possa afetar a estabilidade de Estados-membros; e (iii) van der Stoel, enquanto Alto Comissário, visitou diversas vezes Pristina e Belgrado durante a década de 1990 demonstrando seu envolvimento pessoal e in loco. Ou seja, havia o discurso favorável à prevenção proveniente deste ator internacional e também a estrutura de prevenção por parte do ACMN. Ainda assim, van der Stoel não conseguiu interferir de maneira mais incisiva nas divergências entre as partes no Kosovo na época em que a violência ainda não havia se alastrado pela região por falta de terreno fértil. 5.1.6. OSCE - Missão de Longa Duração no Kosovo, Sandžak e Vojvodina Em Genebra, em julho de 1991, já existem indicadores quanto à escalada da violência do Kosovo, vislumbrados por um grupo de especialistas em minorias nacionais. Em reunião organizada pela CSCE/OSCE, tais especialistas criticam a ação militar da Iugoslávia e da Sérvia na Eslovênia, destacando que o

11

Fonte: . Acesso em: 05 jan. 2007. O fato de Milošević aceitar a presença do ACMN reflete a independência deste órgão em relação à OSCE. Então, Milošević sabia que questões menores e possivelmente nãosubstanciais seriam debatidas pelo ACMN e que isso não comprometeria seus interesses.

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nacionalismo e a demanda por auto-determinação por parte da minoria sérvia poderiam gerar conseqüências no Kosovo (Troebst 1998:35). Assim começam os debates sobre minorias iugoslavas na CSCE/OSCE. Na prática, para investigar as violações dos direitos das minorias, em maio de 1992, foi enviado ao Kosovo, Sandžak e Vojvodina um grupo de observadores da CSCE/OSCE na chamada Missão Fleiner-Gerster. Após a divulgação do relatório, em 10.06.1992, o Comitê de Altos Oficiais da CSCE cria uma comissão para preparar recomendações sobre o papel que a CSCE poderia ter na Iugoslávia, de modo a evitar a violência e restabelecer a ordem e o respeito aos direitos humanos (Troebst 1998:36). A missão seguinte tem prazo mais longo, graças à recomendação dos EUA sobre a necessidade de presença internacional permanente no Kosovo, em

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Sandžak e em Vojvodina, e pela possibilidade de aumentar a cooperação com autoridades dessas províncias e de Belgrado (Troebst 1998:36). Os participantes da missão são enviados ao local entre 8 e 11.09.1992, na mesma época em que o diplomata norte-americano, Robert Frowick, chegava à Macedônia para dar início à CSCE Spillover Monitor Mission to Skopje (CSCE/OSCE 2007:25). Ainda naquele mês, em 26.09.1992, uma correspondência de dois membros norte-americanos da missão, Robert Norman e Peter Mulrean, para o chefe da missão e diplomata norueguês Tore Bøgh revela pertinentes detalhes sobre a polarização das partes, apesar da expectativa positiva: “Em 24-25 de setembro, os membros da Missão de Longa Duração da CSCE encontraram-se em Pristina, Kosovo, com líderes da oposição albanesa e do governo da República Sérvia no Kosovo. Ambos os lados demonstraram interesse no diálogo. Ficou claro, porém, que de agora em diante eles se encontram em posições opostas no que se refere às questões políticas fundamentais sobre o status do Kosovo na Sérvia. Há alguma esperança de evolução no processo sobre o sistema educacional. (...) O governo federal na semana passada propôs um plano de 14 pontos para os albaneses para solucionar a crise educacional. Os líderes albaneses nos revelaram que a estrutura política desta proposta é inaceitável – inclui uma cláusula de que o Kosovo é parte integral da Sérvia e se refere aos albaneses como um grupo minoritário – mas há pontos em que ainda é possível negociar. (...). Oficiais da República Sérvia prometeram cooperação total com a missão da CSCE, e ofereceram um convite para visitarmos prisões, hospitais, instituições policiais, fábricas, etc. (...)”12. 12 Tradução livre de: “On September 24-25, members of the CSCE Mission of long duration met in Prishtina, Kosovo, with leaders of the Albanian opposition and the Serbian Republic Government in Kosovo. Both sides expressed a willingness to engage in dialogue. It was clear, however, that for now they are entrenched in diametrically opposed positions on the fundamental political questions of the status of Kosovo in Serbia. There is some hope as to developing dialogue on the current stand-off in the education system. Teaching of an Albanian

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Para dificultar o já limitado alcance das tentativas de ação da OSCE, a missão de longa duração foi convidada a se retirar do Kosovo pelo governo de Belgrado em julho de 1993. Sob a alegação de que a Iugoslávia não mais fazia parte da OSCE, essa ação praticamente inviabilizou a manutenção e o fortalecimento dos contatos dos observadores internacionais com suas fontes kosovares, pondo fim ao processo formal de monitoramento internacional da situação no Kosovo (Clark 2000:xviii, BASIC 2000, Norman Anderson 1999:52). 5.1.7. ONU – Conselho de Segurança

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Não há registros de resolução do Conselho de Segurança sobre a questão do Kosovo que seja anterior a março de 199813, quando da escalada da 2ª crise kosovar, o que será analisado adiante. 5.1.8. Atores internacionais não-tradicionais Entre as iniciativas de atores internacionais não-tradicionais, destacam-se os projetos de aproximação sérvio-albanesa da Pax Christi, da Princeton University e da Council for Defence of Human Rights and Freedoms. Outros exemplos de ONGs que buscaram estimular a paz e a tolerância entre sérvios e albaneses do Kosovo nos anos 1990 englobam a Nansen Group, a Post-Pessimists e a Albanian Youth Action Pjeter Bogdani, com programas voltados para facilitar o contato e o diálogo entre jovens de ambas as etnias (de Vrieze 2002:299). De 1995 a 1999, depois de “encerrada” a 1ª oportunidade para a ação internacional (em 1992), mas ainda durante as duas outras crises no Kosovo (1998

curriculum with Albanian as the language of instruction has been outlawed by Belgrade and has been replaced by a Serbian curriculum. This is unacceptable to the Albanian students who are boycotting the school system at all levels. The federal government last week proposed a 14-point plan to the Albanians to resolve the educational crisis. Albanian leaders told us the political framework of the proposal was unacceptable—it includes a statement that Kosovo is an integral part of Serbia and refers to Albanians as a minority population—but indicated some of the points left room for discussion. (…) The Serbian Republic officials promised full cooperation with the CSCE mission, offering an open invitation to visit prisons, hospitals, police facilities, factories, etc. The visit of the Mission to Kosovo was reported in the local and national media, as well as in the Albanian opposition newspaper” (apud Troebst 1998:37). 13 Resolução 1160 (1998), de 31.03.1998.

182

e 1999), a ONG de origem belgo-holandesa Pax Christi criou e implementou um programa para facilitar o diálogo entre sérvios e albaneses, envolvendo representantes de um total de 20 organizações locais – de partidos políticos a ONGs locais, incluindo também associações estudantis. A idéia era destacar os pontos comuns a ambas as etnias e fomentar a visita e o encontro físico de líderes tanto em Belgrado como em Pristina. A exploração e comparação de elementos do processo político da Irlanda do Norte eram a chave-mestra do projeto, ali iniciado com a eleição de Tony Blair em 1997 (de Vrieze 2002:298). O Council for Defence of Human Rights and Freedoms, desde o início dos anos 1990, tem sido uma das principais fontes de sistematização de informação sobre violações de direitos humanos no Kosovo (de Vrieze 2002:300). Outro

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exemplo é o do Project on Ethnic Relations (PER) da Princeton University, que em 1997, ou seja, na iminência da 2ª crise, organizou nos Estados Unidos um ciclo de palestras sérvio-albanesas com representantes oficiais e “semi-oficiais” de ambas as etnias (de Vrieze 2002:298). Embora não sejam taxadas explicitamente de prevenção de conflitos, tais iniciativas buscavam criar um espaço de discussões entre os grupos que pudessem aumentar o diálogo, restringir as opções violentas e, assim, aproximar as partes. 5.2 Macedônia – 1ª crise (1992/1993) O contexto da 1ª crise da Macedônia (1992/1993) A 1ª grande crise da Macedônia ocorre no início dos anos 1990, logo após o referendo de setembro de 1991 e a declaração de independência de janeiro de 1992 em relação à Iugoslávia, que não foi reconhecida internacionalmente até o fim de 1993 devido à oposição da Grécia. Durante quase dois anos, a Macedônia esteve em situação instável como mencionado no Capítulo 4 e, de maneira cada vez mais evidente, desenhavam-se as ameaças externas e internas à manutenção da estabilidade regional. Para lidar com tal instabilidade, o presidente macedônio, Kiro Gligorov, interessado em garantir o reconhecimento da independência de seu país, recebe a primeira missão internacional em agosto de 1992, composta por observadores da Conferência/Organização para Segurança e Cooperação da Europa (CSCE/OSCE), denominada OSCE Spillover Monitor Mission to Skopje

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(SMMS). Ainda com interesses no reconhecimento de seu país perante a comunidade de Estados e determinado a evitar que a “Questão da Macedônia” voltasse à agenda dos Bálcãs, após a independência, Gligorov também solicita ao Secretário-Geral da ONU o envio de observadores para o país. O pedido culmina na aprovação pelo Conselho de Segurança do envio da primeira - por enquanto única – missão de paz preventiva da história da ONU, com duração aproximada de 6 anos (dez. 1992 a fev. 1999). Juntas, a ONU e, sobretudo, a OSCE tiveram participações indispensáveis para estimular a mudança estrutural das condições domésticas macedônias que eventualmente teriam levado ao conflito armado.

1ª crise da Macedônia e a resposta internacional (1992/1993)

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A situação da Macedônia logo após a declaração de independência, em 1991-1992, continha elementos com potencial para se transformarem em conflitos armados tanto de natureza interestatal como doméstica. A resposta internacional à 1ª crise tem por foco os desafios externos da Macedônia e mantém-se no nível interestatal, o que pode ser observado sobretudo no trabalho da operação de paz da ONU. Com o passar dos meses e com o sucesso da missão na contenção da ameaça sérvia na fronteira norte macedônia, a ONU e também a OSCE passam a lidar com as questões referentes às demandas das minorias, principalmente albanesas, de modo a canalizar o conflito de interesses em uma direção política, mantendo-o distante do conflito armado. São descritas a seguir as principais atividades dessas e de outras organizações intergovernamentais e nãogovernamentais na Macedônia durante a crise de 1992/1993. 5.2.1. OSCE – Alto Comissário para Minorias Nacionais (ACMN) Na Macedônia, a OSCE agiu principalmente através de dois órgãos: o Alto Comissário para Minorias Nacionais (ACMN) e a Spillover Monitor Mission to Skopje (SMMS). Apesar de a Macedônia só ter se tornado membro integral da organização em 12.10.1995 devido à pressão da Grécia, em 14.08.1992 a SMMS é criada, tendo sido enviada para Skopje no mês seguinte. Dessa forma, quando o ACMN começa a atuar na Macedônia, em 1993, já havia uma estrutura física inicial da qual pôde tirar proveito. As duas missões da OSCE na Macedônia são

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complementares, pois a atuação do Alto Comissário, devido a seu mandato, restringiu-se às questões intraestatais, deixando para a SMMS o monitoramento e a mediação de questões relacionadas à segurança das relações entre a Macedônia e seus vizinhos Sérvia, Albânia, Grécia e Bulgária (Sophia Clément 1997). Max van der Stoel desempenhou crucial papel na prevenção do conflito armado na Macedônia e enquanto esteve no cargo, de 1993 a 2001, foi mais de 50 vezes ao país (Ackermann 1999:7, Sally Broughton e Eran Fraenkel 2002). Sua atenção esteve voltada para questões relacionadas à educação superior de minorias macedônias, sobretudo para a minoria albanesa, cuja principal demanda nos anos 1990 consistia no acesso ao ensino superior integralmente em língua albanesa, e

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não apenas o ensino da língua albanesa em universidades macedônias14. 5.2.2. OSCE – Spillover Monitor Mission to Skopje (SMMS) A SMMS é criada como resposta internacional à crise do imediato pósindependência, em meados de setembro de 1992, com objetivos de impedir que os conflitos à época já iniciados na Croácia e na Bósnia se alastrassem para o sul e se transformassem em guerra regional. Não há consenso sobre a paternidade da iniciativa: a idéia teria partido ou do governo Bush ou do governo de Gligorov (Ackermann 1999:134). A Comunidade Européia rejeita, em julho de 1992, a possibilidade de enviar observadores à Macedônia, no que seria a extensão da existente European Commission Monitoring Mission na Iugoslávia e na Albânia. Para suprir essa omissão e ingressar na região, a CSCE/OSCE decide, em 14.08.1992, pelo envio de investigadores para analisar a possibilidade de criar semelhante missão no país, em coerência com as diretrizes da Cúpula de Helsinki (julho/1992) (Anderson 1999:50). Naquele mês, uma delegação da CSCE/OSCE chega à Macedônia e participa de reuniões não apenas com Gligorov mas também com representantes da liderança política da etnia albanesa. A delegação visita pontos não demarcados e nem sempre vigiados – portanto, vulneráveis – nas fronteiras da Macedônia com a Sérvia, com a Albânia e com a Bulgária. O intuito era o de conhecer melhor as potenciais ameaças à estabilidade da Macedônia e à

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segurança regional, e de verificar os possíveis impactos políticos, sociais e econômicos da guerra da Bósnia na Macedônia (Ackermann 1999:134). O relatório elaborado pelos delegados versa sobre as condições políticas, econômicas e sociais do país e alerta para a possibilidade de escalada horizontal do conflito armado da Iugoslávia para dentro do território da Macedônia caso a situação perdurasse mais tempo. Segundo o relatório, os líderes de ambas as partes permitiriam o envolvimento de uma missão da OSCE que buscasse lidar com os principais catalisadores de um potencial conflito armado na Macedônia: (i) suspensão do suprimento de petróleo e derivados à Macedônia devido ao embargo econômico da Grécia; (ii) o fluxo de refugiados da guerra da Bósnia; (iii) a crescente tensão étnica no Kosovo entre albaneses e eslavos; (iv) a falta de

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capacidade militar para defesa, o que dificultaria o controle dos 240km de fronteira com a Sérvia; e (v) a crescente demanda por inclusão de macedônios albaneses (Ackermann 1999:134-5). Este estímulo deu origem à Spillover Monitor Mission to Skopje (SMMS), enviada ao local em 10.09.1992, com mandato que inclui o desenvolvimento de atividades de observação próximo às fronteiras pouco ou nada demarcadas com a Sérvia e com a Albânia, de modo a garantir a integridade territorial do recémindependente Estado e evitar que o conflito da Bósnia alcance o sul da Iugoslávia (OSCE SMMS15, OSCE 2007, Väyrynen 2003:51, Ackermann 1999:134). Tratase, portanto, da primeira missão internacional oficial no Estado recémindependente, antes mesmo do reconhecimento da independência pela “sociedade de Estados” (Anderson 1999:50). Para cumprir o objetivo de monitorar a segurança da Macedônia, a missão concentra-se em uma dupla atividade: (i) a produção, análise e disseminação de informação qualificada, de modo a avaliar o grau de estabilidade da situação e de informar aos interessados no plano internacional, sobretudo aos membros da CSCE/OSCE, sobre os aspectos políticos e sócio-econômicos do país; e (ii) o envolvimento ativo político através da prestação de serviços de bons ofícios e mediação entre os principais grupos 14

Matérias em língua albanesa foram incluídas na Universidade de Skopje (Ss Kiril & Methodij), mas tal medida não foi suficiente para satisfazer as demandas sobre o ensino superior dos macedônios albaneses (Broughton e Fraenkel 2002). 15 Disponível em: , e

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étnicos locais, e através do convencimento de altas autoridades macedônias à necessidade de preservar a reputação internacional do país e de cumprir suas obrigações com a ONU, a exemplo das sanções contra a Sérvia que foram por algum tempo ignoradas pela Macedônia (Clément 1997, Anderson 1999:53). As atividades da missão de vigilância da OSCE também incluíam o monitoramento das condições domésticas da Macedônia, de modo a controlar a estabilidade interna. Com o passar do tempo, este segundo objetivo, o de monitorar a evolução das relações interétnicas, começa a prevalecer sobre o primeiro, o de controlar as fronteiras da Macedônia (OSCE Handbook 2000:55, Anderson 1999:54). Para cumprir a missão preventiva que lhe foi conferida e obter indicadores que permitissem antever a escalada de potencial instabilidade,

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trata-se de missão de longa duração que abrange tanto o nível formal, com encontros com líderes políticos étnicos e religiosos, como o nível informal, com contatos com jornalistas, sindicalistas e indivíduos ordinários (Ackermann 1999:136, Norman Anderson 1999:50)16. Os três primeiros chefes da missão eram norte-americanos (Ackermann 1999:134), e o apoio logístico também era proveniente sobretudo dos Estados Unidos (Anderson 1999:50), o que reflete o otimismo do imediato pós-Guerra Fria e o compromisso da superpotência remanescente na preservação da estabilidade através da prevenção e resolução de conflitos armados. A composição da pequena equipe, que nunca ultrapassou o número de oito membros, consistia em um equilíbrio razoável entre Europa Ocidental, Oriental e norte-americanos. Havia a preocupação de enviar a Skopje profissionais de diferentes áreas e a missão era composta por um diplomata, um militar, um jornalista, um cientista político, um especialista em direitos humanos e outros três profissionais. Norman Anderson ressalta também o valor de cada nacionalidade para o sucesso da missão: menciona o exemplo de um monitor russo responsável pelos diálogos com os sérvios, que não confiavam no resto da equipe, e dos monitores norteamericanos, que dialogavam com os albaneses. Os monitores dinamarqueses, ainda segundo Anderson, tinham uma boa relação com membros da missão de paz da ONU para a Macedônia, a UNPROFOR/UNPREDEP, por esta ser liderada por

. Mandato na íntegra disponível . Acessos em: 05 jan. 2007. 16 A missão foi originalmente instituída com a duração de 6 meses.

em:

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escandinavos (Anderson 1999:62). Este aspecto da composição da equipe demonstra a preocupação de alguns analistas e membros da CSCE/OSCE com a prevenção estrutural e multissetorial, dois elementos que acabavam de ser incluídos no mandato da organização em processo de institucionalização. Uma das principais características da SMMS era a autonomia para definir, in loco, que atividades seriam implementadas para cumprir o flexível mandato (Anderson 1999:51). Além disso, o chefe da missão ia com freqüência à Viena, sede do Conselho da OSCE, para se atualizar quanto às discussões dos Estados e para expor detalhes sobre as atividades da missão em Skopje, em uma via dupla de comunicação e troca de informação qualificada. Não é possível averiguar se a vagueza do mandato é proposital, para aumentar a margem de manobra da missão

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local, ou se decorre da falta de consenso entre os membros da CSCE/OSCE no processo de autorização da missão. Ainda assim, tal aspecto possibilitou que a missão local criasse regras próprias para o cumprimento de seu objetivo. O único desgaste talvez tenha sido o das pequenas incoerências na execução do mandato durante a década de 1990, devido à diferença na interpretação de cada chefe de missão, o que não é difícil ocorrer em uma organização como a OSCE, com membros com diferentes abordagens políticas e culturais (Anderson 1999:61). Na prática, e no que se refere às ameaças domésticas da Macedônia, a missão da OSCE, em parceria com o ACMN, contribuiu para fortalecer o diálogo interétnico e inter-religioso. Os relatórios da época indicam que os membros da missão tiveram contatos bastante freqüentes com líderes de todos os grupos étnicos, e não apenas com os albaneses. Criou-se uma relação de confiança entre representantes da OSCE e líderes locais, que preparavam informações para os mediadores com briefings e apoio logístico sempre que um novo representante da organização precisasse ir a Skopje (Anderson 1999:55). Há outras duas relevantes contribuições da OSCE para o controle da ameaça interna: em primeiro lugar, ressalta-se o seu poder de polícia investigativa, com o qual os membros investigavam casos de violações de direitos humanos e tinham acesso a prisões, julgamentos, entre outras. Em seguida, vale fazer referência à tarefa de monitorar a economia, de modo a assegurar um mínimo de crescimento econômico e de evitar a instabilidade social decorrente das drásticas reduções na produção, na exportação e, sobretudo, na oferta de emprego (OSCE Handbook 2000:56). Os membros da missão também visitam as empresas mais relevantes do país e

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conversam com empregados e empregadores sobre a situação trabalhista e econômica (Anderson 1999:55). Tais atividades demonstram novamente a preocupação dos membros da missão local com a prevenção estrutural e multissetorial da violência armada na Macedônia. A SMMS também obteve avanços nas relações interestatais da região dos Bálcãs, lidando com as potenciais ameaças externas enfrentadas pela Macedônia desde o início da década de 1990. No que se refere à Grécia, a OSCE acompanhou a disputa pelo nome entre a Grécia e a Macedônia e as conseqüências do embargo econômico grego à venda de petróleo e outros materiais à Macedônia, mesmo depois de o representante da CSCE ter sido substituído na mediação pelo exSecretário de Estado dos EUA, Cyrus Vance. Segundo Anderson, “sem dúvida a

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ameaça de colapso econômico parecia às vezes um desafio mais sério e direto para o novo Estado do que uma intervenção militar” (Anderson 1999:53)17. Quanto à Bulgária, a OSCE criou espaços de diálogo para tentar diminuir a desconfiança entre os governos, com encontros semestrais na sede da missão em Skopje. Por fim, no que se refere às relações com a Albânia, a OSCE tenta fortalecer o diálogo entre os países e, através do ACMN, pede o tratamento justo da minoria albanesa em território macedônio de maneira tão positiva que, em meados de 1994, o presidente macedônio faz agradecimento explícito à OSCE pela melhora nas relações com Tirana (Anderson 1999:54). 5.2.3. ONU – Missão de Paz Preventiva (UNPROFOR/UNPREDEP) O primeiro ator internacional na Macedônia foi a OSCE, porém a ONU em seguida desempenhou um papel relevante e inédito em sua história: trata-se do envio preventivo de tropas, autorizado pelo Conselho de Segurança, para controlar as fronteiras norte e oeste da Macedônia, de modo a impedir pela deterrência a intervenção da Sérvia/Iugoslávia no país à época de sua independência. A missão tem uma estratégia dupla, de cunho civil e militar, vez que o mandato combinava tarefas de peacekeeping tradicionais com a função primordial da deterrência, mas também estava encarregada de observar e relatar indicadores que pudessem servir

17

Tradução livre de: “Indeed, the threat of economic collapse seemed at times a more direct and serious challenge to the new state than outside military intervention” (Anderson 1999:53).

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como aviso prévio para potenciais instabilidades no país. Em 1994, a missão incorpora a tarefa de realizar bons ofícios (Clément 1997). A demanda por uma ação internacional preventiva não é exclusiva da Macedônia, mas este foi o único caso a receber uma resposta afirmativa da ONU. Em dezembro de 1991, o então presidente da Bósnia-Herzegovina, Alija Izetbegović, pede ao Conselho de Segurança da ONU o envio de tropas internacionais a seu país até 14.01.1992, data que precedia o reconhecimento da independência da Eslovênia e da Croácia pela Comunidade Européia (Ackermann 1999:3). Warren Zimmermann, embaixador dos EUA para a ex-Iugoslávia de 1989 a 1992, demonstrou seu apoio à iniciativa, mas não convenceu o governo norte-americano a se engajar na prevenção da violência na Bósnia.

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No caso da Macedônia, o presidente Gligorov tinha interesse em conferir legitimidade à soberania de seu país, para conter ameaças externas e apaziguar divergências internas (Väyrynen 2003:50, Bilijana Vankovska-Cvetkovska 1998). Assim, solicita ao Secretário-Geral da ONU, em 11.11.1992, o envio de observadores ao recém-independente país. O pedido é reenviado ao Conselho de Segurança e recebe apoio da Conferência Internacional sobre a ex-Iugoslávia. Como resultado, em 09.12.1992 o Secretário-Geral recomenda a extensão do mandato territorial da UNPROFOR (United Nations Protection Force), criada em 21.02.1992 (S/RES/743)18, cujas atividades restringiam-se à proteção de civis e à promoção de desmobilização/desmilitarização nas áreas sob a proteção da ONU na Croácia e, posteriormente, na Bósnia-Herzegovina. Além disso, o SecretárioGeral deixa explícito que o mandato seria essencialmente preventivo, para monitorar e relatar quaisquer eventos próximos às fronteiras que pudessem minar a estabilidade da Macedônia19. O Conselho de Segurança, em 11.12.1992, um mês após o pedido inicial, aprova a Resolução 795 em que autoriza a presença da UNPROFOR na Macedônia. A expansão da equipe ocorre com a Resolução 842, que também permite nova ampliação do mandato e autoriza o envio de tropas

18 A Resolução 749 do Conselho de Segurança, de 07 abr. 1992, autoriza o envio das tropas da UNPROFOR para as áreas a serem protegidas pela ONU. 19 A expansão teria sede em Skopje e contaria inicialmente com um batalhão de 700 tropas, 35 observadores militares, 26 observadores civis, 10 funcionários para assuntos civis e uma equipe com 45 funcionários, incluindo tradutores. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2007.

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norte-americanas ao território da Macedônia como parte integrante da missão da UNPROFOR (Väyrynen 2003:51, Rogier 1997:33, site ONU20). Em janeiro de 1993 as primeiras tropas da UNPROFOR chegam à Macedônia para monitorar as fronteiras com a Sérvia e, consequentemente, com o Kosovo, e também com a Albânia (Anderson 1999:51). Em 31.05.1995, o segmento da UNPROFOR localizado e responsável pelo território da Macedônia converte-se em UNPREDEP (United Nations Preventive Deployment Force), oficialmente reconhecida como missão independente em 01.06.199621. A missão foi composta por norte-americanos e finlandeses, com um contingente da Indonésia e um batalhão de Estados nórdicos (Väyrynen 2003:50). A participação dos norte-americanos desde o início também reflete o otimismo

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dominante na Casa Branca no imediato pós-Guerra Fria. Pode-se ainda argumentar que tal participação envia sinais tanto para o governo macedônio – de que a soberania estatal teria sido internacionalmente reconhecida, apesar da disputa com a Grécia – , como para grupos de macedônios sérvios e albaneses que pensavam em violar a integridade territorial do país (Väyrynen 2003:54/63). O UNPROFOR Macedonia Command, mais tarde incorporado pela UNPREDEP, tem o mandato renovado e ligeiramente modificado mais de 10 vezes entre 1993 e 1999, sobretudo na segunda metade dos anos 1990 devido à crise na Albânia de 1997/98 e à escalada das tensões no Kosovo no início de 1998 (Clément 1997). Como se verá adiante, em fevereiro de 1999, ao contrário das expectativas, o mandato é extinto por conta do veto da China à proposta de resolução que aprovaria sua renovação, sob o argumento oficial de que as operações de paz não são intermináveis (Henryk J. Sokalski 2003:205)22. Pode-se argumentar que a dificuldade de selecionar em que crise investir, a falta de vontade de enviar tropas e a escassez de recursos são elementos que 20

Disponível em . Acesso em: 05 jan. 2007. 21 Em 31.05.1995, o Conselho de Segurança altera o desenho institucional da UNPROFOR, que é convertida em três operações de paz: a UN Protection Force (Bósnia), a UN Confidence Restoration Operation in Croatia (UNCRO - Croácia) e a UN Preventive Deployment Force (Macedônia). As três missões estavam interligadas pelo quartel-general da United Nations Peace Force (UNPF) no Zagreb, que já era responsável pelas relações da ONU com o governo da Iugoslávia e também com a OTAN (Wolfgang Biermann e Martin Vadset 1996). 22 Em 21.07.1998, o mandato da UNPREDEP tem sua última renovação aprovada, em resolução do Conselho de Segurança que autoriza o aumento do número de tropas e a extensão do mandato até 28.02.1999 (S/RES/1186/1998). Tal demanda se dá por causa da crise no Kosovo iniciada em fevereiro de 1998, com escalada durante praticamente todo o ano de 1998.

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tendem a repelir o envio de missões preventivas, dificultando a implementação do conceito de prevenção de conflitos armados. Porém, de acordo com Wolfgang Biermann e Martin Vadset (1996), “a UNPREDEP demonstra que a diplomacia pré-crise e o envio preventivo de tropas têm uma boa relação custo-benefício”23. A atuação na zona de fronteira permitiu que a missão monitorasse movimentos rodoviários e ferroviários entre a Macedônia e a Sérvia/Iugoslávia. A despeito de estar fisicamente em postos fronteiriços, o mandato não permitia que a missão se envolvesse mais diretamente na implementação das sanções da ONU contra a Iugoslávia, o que poderia ter prejudicado a imagem que a UNPROFOR construíra na Macedônia (Anderson 1999:53). A missão não se limitava a contatos apenas dentro do país, a despeito das

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queixas do governo local de que a missão não deveria realizar encontros com o “inimigo em potencial”, já que o objetivo subjetivo da missão era também o de gerar confiança para representantes de outros governos da região (Anderson 1999:52). Com isso, após repetidas incursões do exército sérvio em território macedônio do fim de 1993 a meados de 1994, a UNPROFOR interveio e mediou encontros militares entre oficiais de Skopje e de Belgrado, que deram origem ao acordo de junho de 1994 que prevê a separação física das tropas, monitorada por unidades da UNPROFOR, nas partes mais problemáticas da fronteira (Anderson 1999:52, Wolfgang Biermann e Martin Vadset 1996). 5.2.4. ONU – Escritório do Alto Comissário para Direitos Humanos (OHCHR) O Escritório do Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos (OHCHR) tem missão na Macedônia desde 1993, constituindo uma das primeiras field presences da história da agência. O Comissário havia sido nomeado recentemente e, após receber um relatório sobre os acontecimentos na Iugoslávia, decide ir ao local. Em vez de ficar uma semana para fazer missão de investigação e depois elaborar um relatório relativamente superficial, as demandas dos macedônios albaneses e a possibilidade de se lidar com direitos humanos sem o

23 Tradução livre de: “Major powers tend to deploy soldiers only where they have important or vital interests, yet UNPREDEP shows that pre-crisis diplomacy and preventive deployment are cost-effective and practical in nature”.

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recurso da violência exigiam um período mais longo. Assim, o OHCHR faz um acordo de cooperação com outra missão da ONU, a então UNPROFOR, que já estava estabilizada em Skopje e poderia ceder algumas salas de suas instalações físicas para o período durante o qual os funcionários do OHCHR ficariam na Macedônia. Vez que o mandato do Alto Comissário para a região dos Bálcãs era restrito à observação de violações de direitos humanos, a missão daquele grupo em Skopje limitava-se à coleta de informações. Em 1997, a Macedônia foi removida do “mandato geográfico” pois, naquela época, o governo julgou desnecessária a presença de uma missão de monitoramento por estar vinculada a uma idéia negativa de violação massiva de direitos humanos, o que não correspondia integralmente à realidade macedônia de

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1997 após as reformas promovidas pelo governo (Silva Pesic 2006). Assim, a remoção da Macedônia do âmbito do mandato especial/geográfico fez com que o país voltasse para o mandato tradicional do OHCHR. Porém, a despeito de sair do mandato de monitoramento, uma cláusula do acordo ainda permitia a presença mínima de especialistas em direitos humanos em Skopje, com fins de promover a cooperação técnica. É com base nessa cláusula que a missão continua até o fim de 1999, quando é interrompida de maneira não antecipada (Silva Pesic 2006). 5.2.5. Grandes potências Para tentar dar conta da fragilidade econômica da Macedônia, doadores internacionais contribuíram para o financiamento e o estabelecimento de um programa de estabilização e reforma estrutural em 1994: “Os resultados foram a redução do déficit de 13% do produto interno bruto em 1993 para menos de 1% em 1997, a inflação foi controlada e caiu para menos de 3% ao ano e as relações com o clube de credores de Paris e Londres foram normalizadas. Todas as barreiras comerciais foram eliminadas, tarifas e taxas comerciais tiveram redução substancial e a estrutura foi racionalizada” (East West Institute 1999:5)24.

24

Tradução livre de: “The results were reduction of the deficit from 13 percent of the gross domestic product (GDP) in 1993 to less than 1 percent in 1997, inflation was put under control and brought down to less than 3 percent per year, and relations with Paris and London Club creditors were normalized. All quantitative restrictions on trade have been eliminated, tariffs and trade taxes have been reduced substantially, and their structure has been rationalized” (East West Institute).

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Após a suspensão do embargo comercial da ONU à Iugoslávia, a Macedônia também retomou parte do comércio que havia anteriormente com o país, o que acontece quase simultaneamente à assinatura de um acordo com a Grécia sobre a alteração do nome da Macedônia e sobre o conseqüente fim do embargo grego (Ulf Brunnbauer 1999). 5.2.6. Atores internacionais não-tradicionais É difícil falar em “sociedade civil organizada” na Macedônia a partir de padrões ocidentais, já que o “ideal ocidental” não acompanha a realidade dos Bálcãs e, menos ainda, a da Macedônia, em que faltam tempo e recursos (Sally PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

Broughton e Eran Fraenkel 2002:273). O macedônio mediano parece acostumado com o sistema comunista e com a consequente omissão do cidadão em relação a serviços de bem-comum que não contam com o envolvimento do governo. Das poucas ONGs domésticas reconhecidas pela população, merecem destaque a Nansen Dialogue Center e a CIVIL, que são instituições multiétnicas, e a ANTIKO, que é uma ONG que lida com empoderamento de mulheres das várias etnias locais. Diferente dos exemplos acima, a maioria das ONGs locais são politicamente direcionadas, monoétnicas e algumas se envolvem com pequenos esquemas de corrupção (Broughton e Fraenkel 2002:275). Assim, vem de fora da Macedônia boa parte do financiamento, capacitação, administração e logística das ONGs existentes no país. As ONGs internacionais tendem a empregar funcionários de diferentes etnias e, com isso, são mais inclusivas e melhor recebidas em suas atividades. A maioria das ONGs internacionais chegou a Skopje no início da guerra no Kosovo, juntamente com a crise de refugiados de março de 1999. Até então, os seguintes atores não-governamentais mantiveram projetos na Macedônia: Search for Common Ground in Macedonia, Pax Christi, International Crisis Group, UNICEF e Catholic Relief Services. Devido a seu valor na prevenção estrutural e multissetorial de conflitos armados, receberão destaque a seguir dois dos projetos desenvolvidos pela Search for Common Ground. A ONG Search for Common Ground in Macedonia (SFGM) é uma das poucas que atua diretamente com prevenção de conflitos e com relações

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multiétnicas. Parte-se do princípio fundamental de “compreender as diferenças e agir no que é comum”25 e de ações fundamentadas em três categorias: (i) educação, (ii) mídia e (iii) cultura/arte. A sede da SFGM em Skopje é estabelecida em 1994 e há duas importantes ações desta ONG que contribuíram para a prevenção estrutural do conflito armado na Macedônia: o Mosaic (educação) e o Nashe Maalo (mídia/cultura). Em 1997, após obter apoio do Ministério do Trabalho e Política Social e do Ministério da Educação, a SFGM começa a implementar o Mosaic. Trata-se de projeto-piloto bilíngüe macedônio-albanês para turmas da educação infantil de até 20 crianças de 3 a 6 anos de idade26. Para ingressar no projeto, não importa a etnia da criança: basta que fale macedônio e/ou albanês, o que possibilita também a

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inclusão de representantes de outras minorias, além da albanesa, como é o caso dos turcos e dos romas. Os Mosaics são criados em escolas de cidades mistas e há a preocupação de representar, em sala de aula, a proporção de albaneses e macedônios tal como refletida na demografia da cidade em questão. Os dois professores de cada turma – um macedônio e um albanês - usam as duas línguas em aproximadamente o mesmo período de tempo, o que obteve como principal resultado, segundo enquêtes locais, a sensação por parte das crianças e de seus familiares de que haveria “equivalência de comunidades étnicas”. Além do componente lingüístico, há ainda um forte elemento pedagógico e psicológico: os professores são capacitados previamente pela ONG para atender as demandas individuais – e não coletivas, como na maioria das escolas macedônias, ainda de tradição comunista. E, enquanto brincam, as crianças aprendem técnicas de comunicação e de resolução de conflitos com ajuda dos equipamentos de televisão e computadores, produtos raros na maioria das escolas macedônias (VenkovskaMilcev 2006). Os resultados esperados não foram obtidos durante os dois primeiros anos, o que dificultava ainda mais o convencimento dos pais a matricularem seus filhos nas turmas que desenvolviam o projeto. Foi preciso estabelecer a mesma mensalidade de uma escola macedônia tradicional (20 euros, na época) e,

25

Tradução livre: de “understand differences and act on commonalities” (Vilma Venkovska-Milcev 2006). 26 Venkovska-Milcev explica que há vários projetos bilíngües em escolas locais (anglomacedônio, sérvio-macedônio, etc.), mas não havia nenhum em que o albanês fosse a 2ª língua.

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principalmente, provocar a alteração na mentalidade local, demonstrando sua inspiração em modelos na Suécia, no Canadá, na Suíça e em Israel (a exemplo da escola bilíngüe próxima a Jerusalém Oasis for Peace). Milcev faz questão de frisar a diferença do exemplo da educação na Macedônia: “no nosso país, privilegia-se o respeito e não a assimilação das minorias”. Os parceiros domésticos e internacionais reconhecem a relevância do projeto e a forma transparente como a ONG trabalha; dentre tais parceiros, destacam-se os Ministérios do Trabalho e da Educação macedônios, a Faculdade de Filosofia da Universidade de Skopje, Nansen Dialogue Center, Swiss Agency for Development Cooperation, UNICEF, OSCE e Catholic Relief Services (Venkovska-Milcev 2006).

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O segundo projeto da Search for Common Ground a ser comentado também exemplifica o impacto da prevenção estrutural e multissetorial na Macedônia. Trata-se do programa televisivo Nashe Maalo (“Nossa Vizinhança”). A produção surge em 1998, a partir da idéia de desconstruir a segregação de albaneses ao incluí-los enquanto atores no mesmo programa de TV que macedônios eslavos. O objetivo passou a ser o de demonstrar que “a diferença não é uma ameaça”27 e que é possível modificar mentalidade e comportamento quando se aumenta a quantidade de informação sobre o outro e quando se age com base naquilo que é comum aos “diferentes”. Os roteiros dos 41 programas, aprovados por uma equipe de conteúdo e por especialistas em prevenção e resolução de conflitos, exploravam o elemento do entretenimento para discutir questões ligadas a hábitos, religiões, e outras características de macedônios eslavos e albaneses (Kornelija Cipuseva 2006). 5.3 Kosovo – 2ª crise (1997/1998) O contexto da 2ª crise do Kosovo (1997/1998) No Kosovo, após o fechamento da janela de oportunidade por volta de 1993 sem que houvesse maior apoio internacional à questão kosovar, uma sociedade paralela começa a ser desenvolvida, estimulada pela dupla estratégia

27

Tradução livre de: “Difference doesn’t endanger you” (Kornelija Cipuseva 2006).

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diplomática de Rugova e da LDK de perseguir a independência pela não-violência e de internacionalizar a situação do Kosovo. De 1992 a 1998, enquanto esteve relativamente bem estruturada, a sociedade paralela kosovar contribuiu para a moral albanesa e fortaleceu a opção pela resistência pacífica, embora isso não tenha garantido o alcance de seu principal objetivo: a independência. A omissão de atores internacionais em apoiar o movimento de maneira efetiva, em vez de se limitar à retórica, é um elemento indispensável para explicar a escalada da violência no Kosovo a partir de 1998. Segundo Christian Scherrer, de 1989 a 1998 não se pode falar em conflito violento entre sérvios e albaneses no território kosovar (Scherrer 2002:258). A opinião é compartilhada pela Independent International Commission on Kosovo

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(IICK) cujo relatório, de outubro de 2000, sustenta que a janela de oportunidade diplomática mais promissora para um futuro sem violência em larga escala teria ocorrido antes de 1998: “A cada estágio do conflito, as opções diplomáticas eram menores. E, no entanto, a vontade política de aumentar o esforço diplomático foi apenas mobilizada depois que o conflito havia se transformado em violência em larga escala” (IICK 2000)28.

Não é o que defende Zartman, para quem não houve oportunidades – aproveitadas ou não – para atores internacionais lidarem diretamente com a questão do Kosovo antes do fim da década de 1990. Segundo ele, diferente do argumento predominante nas conferências sobre o panorama geral da Iugoslávia, “não havia justificativa para intervir em um território soberano sem provocação séria”. O autor sustenta que as oportunidades não-aproveitadas para lidar com o Kosovo eram indiretas, o que gerava a falsa impressão a Milošević de que a Europa e os Estados Unidos não estariam dispostos a implementar qualquer de suas ameaças, aí incluído o Christmas Warning (Zartman 2005:165). Em junho de 1993, a revolução não-violenta no Kosovo e a falta de envolvimento internacional produzem uma situação caracterizada como “estável e explosiva” pelo relatório da Missão de Longa Duração da CSCE (de Vrieze 1995:1). Depois de 3 anos, em meados de 1996, apesar dos esforços sobretudo do “governo” kosovar em manter a resistência civil, alguns eventos e as 28

Tradução livre de: “At each stage of the conflict, the diplomatic options narrowed. However, the political will to mount a major diplomatic effort could only be mobilized after the

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interpretações feitas pelas partes vêm a minar a estratégia pacifista, o que dá lugar ao recurso armado na busca pela independência kosovar. Entre os eventos ocorridos, destacam-se os seguintes: (1) parte da sociedade kosovar começa a questionar a liderança de Rugova e o método não-violento; (2) a omissão de Dayton quanto à situação no Kosovo reforça as frustrações e abala a credibilidade de Rugova; e (3) a formação e o fortalecimento do grupo armado Exército pela Libertação do Kosovo (Ushtria Çlirimtare e Kosovës) substituem a estratégia pacífica em termos de legitimidade perante a sociedade kosovar. O questionamento da liderança pacifista começa a ocorrer em meados da década de 1990, antes dos Acordos de Dayton. Passou a dominar boa parte da população a percepção de que as instituições criadas e mantidas em paralelo às

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instituições sérvias não eram “normais”. Além disso, ganha força a sensação de insegurança e a de que os líderes kosovares não conseguiriam controlar a violência (Väyrynen 2003:57). A estratégia não-violenta também é cada vez mais questionada por jornalistas da oposição (a exemplo de Veton Surroi) e sindicalistas, mas não há discussão ou proposta de caminho alternativo em direção à independência ou à maior autonomia. A demanda por independência começa a ser interpretada por uns como “objetivo maximalista”, o que leva a um impasse cuja solução poderia acontecer na base da violência (Zartman 2005:165). De fato, não se pode negar a mudança na estratégia kosovar albanesa: em vez de se deter a recuperar a parcela de autonomia suspensa, busca-se agora a independência, em uma demanda que aspira um status nunca antes alcançado (Clark 2000:92). Ibrahim Rugova lida com oposição explícita a seu mandato pela 1ª vez em junho de 1994, durante as eleições para o conselho executivo da LDK, sustentada por Hyadet Hyseni. Mesmo assim, Rugova é reeleito (BASIC 2000). As críticas internas devido à falta de resultados da estratégia não-violenta são reforçadas após a assinatura dos Acordos de Dayton, em novembro de 1995 (de Vrieze 2002:290). Para os kosovares albaneses – não apenas os radicais mas também os estudantes e o jornal mais influente de Pristina, o Koha Ditore, editado por Veton Surroi –, a ausência da questão do Kosovo em Dayton envia a mensagem de que um certo nível de violência é indispensável para garantir a atenção política, militar e da mídia internacional (Rupnik 2003:409). conflict

escalated

into

full-scale

violence”

(IICK).

Disponível

em:

198

Exército pela Libertação do Kosovo (Ushtria Çlirimtare e Kosovës) O surgimento do Exército pela Libertação do Kosovo (ELK) foi o elemento catalisador para o início da violência direta: trata-se de um grupo de albaneses radicais que passa a rejeitar a estratégia pacifista de Rugova para o alcance da independência e começa a utilizar armas contra albaneses colaboradores e sérvios, ainda que militarmente superiores (Zartman 2005:165, Lubonja 1999:22). Os autores se dividem quanto à origem e ao momento da criação do ELK: uns dizem que foi criado a partir da frustração kosovar com relação aos acordos de Dayton (Väyrynen 2003:56; Scherrer 2002:258), enquanto outros alegam que, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

desde 1993, o ELK já existia e era treinado em território albanês (O’ Neill 2002:22). Independente de quando e como tenha sido sua origem, o primeiro ataque assumido pelo ELK ocorre em abril de 1996 e o grupo obteve impulso em sua preparação militar e mobilização após o colapso da Albânia, em março de 1997 (Zartman 2005:168). Na segunda metade da década de 1990, o ELK (i) garantiu o apoio de boa parte da sociedade kosovar albanesa a partir de 1996, após a frustração da “negligência internacional” em Dayton; (ii) obteve dinheiro e armas da diáspora albanesa exilada na Alemanha, por meio da Albânia, já em crise doméstica; e (iii) conseguiu apoio internacional quando os EUA, sem interesse de enviar tropas de artilharia para a região, declaram-no como aliado ocidental (O’ Neill 2002:22-23 e 27). Em 1998, o ELK aumenta sua capacidade militar e controla boa parte do território kosovar, e os rebeldes fazem ataques sistemáticos e relativamente bem organizados contra a população sérvia (Scherrer 2002:258). Isso confere maior popularidade ao grupo e desprestigia a opção não-violenta de Rugova (Väyrynen 2003:59; O’ Neill 2002:27). Nesse momento, não se pode falar em evitar o início da violência direta, pois ela já ocorre de ambos os lados: tanto pelos rebeldes do ELK como pelo exército sérvio, embora de maneira desproporcional. Por conta do recurso à violência armada entre os grupos, há autores que defendem que a fase pacífica da relação teria terminado em 1997, com ataques do ELK e de oficiais

. Acesso em: 05 jan. 2007.

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sérvios e, sobretudo, a partir dos confrontos armados de fevereiro de 1998 em Drenica (Väyrynen 2003:64; Scherrer 2002:258; ICG 1998:11). Diferente disso, sustento o argumento de que, a partir de 1998, a atenção é voltada para a prevenção da escalada vertical e horizontal da violência, pois ainda há tentativas de negociações entre as partes, especialmente no plano internacional. Por outras palavras, sustento que a estratégia de prevenção persiste, não mais para evitar o início da violência direta, mas sim para impedir que tal violência ganhe intensidade (escalada vertical) ou que seja disseminada pelo território do Kosovo e de países vizinhos com minorias albanesas (escalada horizontal). Convém destacar que, em novembro de 1996, com duração de cerca de três meses, Milošević esteve sob forte pressão interna, com manifestações e

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protestos da oposição e de estudantes pelas ruas de Belgrado (de Vrieze 2002:190). Talvez isso, em si, não tivesse contribuído de maneira diferente para o rumo dos acontecimentos porque a oposição não diferia de Milošević no que se referia ao status do Kosovo em relação à Sérvia; a principal diferença, no entanto, era a de que havia a necessidade de mediação internacional para resolver o problema (de Vrieze 2002:290). Pelo lado de Milošević, sua força esteve abalada. Pelo lado albanês, porém, a situação de não-violência é substituída, em termos de legitimidade, por ataques sistemáticos a oficiais sérvios, o que fecha por algum tempo a possibilidade de negociação entre os grupos. Embora Rugova permanecesse no Kosovo, não tinha força nem controle sobre a situação na província, o que lhe prejudicava no diálogo internacional, já que atores relevantes insistiam que todas as partes no Kosovo deveriam optar pelo diálogo. A escalada vertical da violência do início de 1998 poderia ter feito com que o conflito no Kosovo se tornasse um conflito interestatal (Scherrer 2002:258). Havia riscos reais de que o conflito chegasse até o sul dos Bálcãs (Kullashi, 1999:58), ou seja, eram altas as chances de escalada horizontal da violência. Até o fim daquele ano, estima-se que o conflito tenha produzido cerca de 240 mil refugiados e pessoas internamente desalojadas (Väyrynen 2003:57).

A 2ª crise do Kosovo e a resposta internacional (1997/1998) A segunda crise no Kosovo é o resultado da contínua série de erros de percepção e falsas promessas das partes e dos atores internacionais interessados.

200

Pelo lado da diplomacia internacional, havia o mito de que Rugova conseguiria controlar a sociedade kosovar de modo a manter a questão na trilha do pacifismo impedindo que a luta pela independência se transformasse em conflito armado. As percepções dos protagonistas kosovares em relação ao posicionamento internacional quanto à questão do Kosovo também são indispensáveis. Não se pretende afirmar que os atores internacionais são responsáveis pela crise, mas convém identificar que dois sinais de origem ocidental foram interpretados de maneira diferente por albaneses e sérvios, o que contribuiu para a escalada da violência no Kosovo no início de 1998: o Christmas Warning de dezembro de 1992, e a assinatura dos Acordos de Dayton, de novembro de 1995. Após receber informações de fontes da inteligência de que Milošević

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pretendia aumentar a repressão contra albaneses do Kosovo, a declaração do então presidente Bush denominada Christmas Warning consistiu no direcionamento da política externa dos EUA para uma ação unilateral contra a Iugoslávia para impedir que o Kosovo se transformasse em uma “segunda Bósnia” (Clark 2000:89). Por um lado, Milošević sabia que a promessa não seria mantida, muito embora a advertência tivesse sido reafirmada pelo sucessor Bill Clinton em fevereiro de 1993. Por outro lado, os albaneses renovaram a esperança de que algum tipo de intervenção internacional resolveria a questão (Clark 2000:89). A assinatura de Dayton, em novembro de 1995, também gera duas mensagens contraditórias aos protagonistas do Kosovo. Para Milošević, os Estados Unidos e a Europa demonstram que Kosovo é um problema interno da Sérvia e, após fazer uma “concessão” a tais atores ocidentais em relação ao flanco norte (Croácia e Bósnia), Milošević teria liberdade para agir como pretendesse no flanco sul (Kosovo) (Rupnik 2003:409, Zartman 2005:168). Para os albaneses, a frustração aumenta quando a questão do Kosovo é negligenciada pelas potências européias e norte-americana em Dayton (novembro de 1995). Mais que isso, há o reconhecimento explícito nos anexos do acordo de que o Kosovo era parte integrante da nova Iugoslávia, ou seja, continuava sob domínio sérvio (Väyrynen 2003:56). Naquele momento, as iniciativas internacionais estavam mais voltadas para o futuro das ex-repúblicas, especialmente para a implementação dos acordos de paz na Bósnia, o que deixava o Kosovo para um segundo projeto, que não chegou a ser desenhado, fazendo com

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que Milošević aproveitasse a situação para consolidar seu poder e seu discurso em relação ao território (Weller 1999:36). A interpretação dominante entre os que defendiam a não-inclusão do Kosovo na agenda de Dayton sustenta que a resolução da guerra da Bósnia, em si, já era bastante complicada e que, se a questão do Kosovo fosse incluída na agenda, dificilmente haveria consenso e não se alcançaria nenhum resultado concreto29. Outra interpretação afirma que, em meados de 1993, depois da rejeição, por Belgrado, da primeira onda de tentativas internacionais em mediar o conflito entre sérvios e albaneses, a questão do Kosovo é retirada da agenda internacional. De maneira coerente com essa lógica, as discussões e os próprios acordos de Dayton não incorporam assuntos kosovares (Troebst 1999:12).

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O fato é que, a partir de Dayton, Milošević passa a ser considerado “aliado” do Ocidente, pois dele dependia boa parte da implementação dos acordos na Bósnia. De acordo com as palavras do ex-primeiro ministro sérvio, Milan Panić, “foi um erro fatal vê-lo como solução em vez de problema. Contar com ele para implementar os acordos de Dayton ou para trazer uma solução pacífica ao problema do Kosovo é como contar com o diabo para eliminar o pecado” (Panić 199930). Pelo lado albanês, fica ainda mais acirrada a divisão interna da sociedade albanesa entre os que apoiavam a luta política pela independência e os que acreditavam que só a luta armada alcançaria esse objetivo. A segunda crise do Kosovo, portanto, tem início no pós-Dayton, sobretudo em 1997 com a militarização de um grupo de extremistas kosovares albaneses e com a resposta violenta do governo sérvio, e termina no fim de 1998, após a tentativa frustrada de monitorar o que fora acordado entre Richard Holbrooke e Slobodan Milošević em 13.10.1998.

29

A título de curiosidade, há duas frases sobre o Kosovo em todo o livro de Richard Holbrooke “To End a War”, New York: Random House: 1998. 30 Tradução livre de: “It has been a fatal mistake to regard him as the solution, rather than the problem. Counting on him to enforce the Dayton accords or to bring about a peaceful solution to the Kosovo problem is like counting on the devil to eliminate sin.” The Central European Economic Review, 1999, disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2007.

202

5.3.1. Conferência Internacional sobre a ex-Iugoslávia e as grandes potências Em maio de 1994, os membros da Conferência Internacional sobre a exIugoslávia decidem criar um Grupo de Contato para facilitar a interação e, sobretudo, para incentivar a cooperação dos atores dos Bálcãs com os atores internacionais interessados na solução da crise iugoslava. O Grupo de Contato é composto por Estados Unidos, Rússia, Alemanha, França, Reino Unido e Itália, tendo este último ingressado posteriormente. Em outubro de 1997, o Grupo se reúne pela primeira vez para debater a situação do Kosovo enquanto uma questão separada da Bósnia (Leurdijk 1999b:193).

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Vale destacar que em 1994, o ano da criação do Grupo de Contato, a União Européia estava em vias de elaborar sua Política Externa e de Segurança Comum e, por conta disso, parecia necessária a criação do Grupo de Contato para facilitar a coordenação da diplomacia internacional em relação à Bósnia (Petersen 2003:88). Outros Estados europeus, também membros da União Européia, ficaram isolados do processo de negociação que visava à solução da questão da Iugoslávia mas, ainda assim, convém notar que o Grupo de Contato foi imprescindível para o diálogo com a Rússia e para o envolvimento dos Estados Unidos. Devido ao fato de serem poucos os atores envolvidos, o Grupo e o G8 agilizaram o processo de tomada de decisão, tal como requerido em situações de crise, também deixando evidente a incapacidade da União Européia de fazê-lo de maneira adequada (Petersen 2003:88). Em relatório para a Comissão Européia e para a CCPDC (Carnegie Commission on Preventing Deadly Conflict), Marie-Jamne Calic publicou em junho de 1997 que os interesses econômicos, humanitários e de segurança da União Européia eram afetados na época, já que a escalada da violência no Kosovo prejudicava a implementação dos acordos de paz da Bósnia e outras tentativas de estabilização e desenvolvimento na região. Nesse sentido, Calic apresenta a esperança que havia na época de interpretar a União Européia enquanto ator:

203

“a comunidade internacional pode se beneficiar da janela de oportunidade que se abrirá depois das eleições iugoslavas e sérvias, o que permitirá que a União Européia tenha um papel relevante na prevenção de conflitos”31.

No que se refere à política externa norte-americana, entre Dayton (1995) e Rambouillet (1999), os Bálcãs em geral não despertaram muita atenção por parte de Washington, menos ainda o caso do Kosovo (Petersen 2003:91). Em fevereiro de 1998, por exemplo, o enviado especial dos EUA para os Bálcãs, Robert Gelbard, descreve o ELK como um “pequeno e irrelevante grupo terrorista” e, apenas quatro meses mais tarde, este mesmo grupo controlava cerca de 40% do território kosovar (BASIC 2000, Sabrina P. Ramet 2001:168). Pelo lado da Rússia, o então presidente Boris Yeltsin, autorizado pelos

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outros membros do Grupo de Contato, consegue elaborar com Slobodan Milošević uma declaração conjunta em 16.06.1998, segundo a qual Milošević compromete-se a respeitar a liberdade de movimento de representantes de governos estrangeiros e de organizações internacionais em território iugoslavo, a serem enviados com o propósito de monitorar a situação no Kosovo (Leurdijk 1999b:194). Essa medida pode ser considerada o primeiro passo de Milošević em direção à internacionalização do Kosovo e, com isso, deu origem à primeira missão internacional no Kosovo: a Missão de Observadores Diplomáticos do Kosovo (KDOM - Kosovo Diplomatic Observer Mission), presidida em conjunto pelo Grupo de Contato, pela Presidência da União Européia e pelo Presidente-emExercício da OSCE. A missão foi enviada ao local em 06.07.1998, com observadores da Rússia, dos EUA e da União Européia, e seu mandato previa o monitoramento e o relato de questões relacionadas à liberdade de movimento de diplomatas e à violação de direitos humanos no Kosovo (SIPRI 1998). Em outubro de 1998 os observadores ocidentais da KDOM deixaram temporariamente a Sérvia devido à ameaça de bombardeio por parte da OTAN. Em dezembro do mesmo ano, a KDOM foi integralmente incorporada à Missão de Verificação do Kosovo da OSCE, tal como previsto no acordo entre a Iugoslávia e a OSCE de 16.10.1998 (SIPRI 1998).

31 Tradução livre de: “In light of this background, the international community could profit from a window of opportunity that will be opening after the Yugoslav and Serbian elections, allowing the EU to play a forceful role in conflict prevention”.

204

5.3.2. Acordo Holbrooke-Milošević e suas conseqüências imediatas A dificuldade em resolver o impasse entre o ELK e Milošević fez com que o Conselho do Atlântico Norte autorizasse duas Activation Orders que ameaçavam bombardear o território da Iugoslávia. Em outubro de 1998, Milošević cede à pressão, o que ocorre após diversas visitas a Belgrado das seguintes autoridades: o Secretário-Geral da OTAN, Javier Solana, dois enviados especiais dos EUA Richard Holbrooke e Christopher Hill, o Presidente do Comitê Militar da OTAN, General Naumann, e o Comandante Supremo Aliado da Europa, General Clark (Shalini Chawla 2000, BASIC 2000, Mihai Carp 1999:83). Nesse contexto de bombardeio iminente, o enviado especial dos Estados PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

Unidos e um dos principais negociadores dos Acordos de Dayton, Richard Holbrooke, obteve sucesso em negociar um pacto diretamente com Milošević sobre a retirada das tropas, a simultânea desmilitarização do ELK e a aceitação, por parte de Milošević, de monitoramento internacional da questão da violação de direitos humanos no Kosovo e da própria implementação do acordo. Apesar de se falar em “acordo Holbrooke-Milošević”, não há nenhum documento assinado por ambos. Ainda assim, ele serviu como base para relevantes decisões internacionais já que, de maneira implícita, Milošević teria consentido com a internacionalização da questão do Kosovo, entre elas a de enviar uma missão da OSCE e uma da OTAN como integrantes de um “regime de monitoramento” (Leurdijk 1999b:194)32. Ambas as missões tinham por objetivo a verificação do cumprimento do acordo por parte da Sérvia, além do monitoramento das ações do “governo” de Rugova e do ELK, ou seja, incluía não apenas o lado de Milošević mas também o dos principais grupos kosovares albaneses (Leurdijk 1999b:195).

32

O envio da Missão de Verificação do Kosovo da OSCE, com foco no monitoramento terrestre, foi aprovado pelo acordo entre o Presidente-em-Exercício da OSCE e o Ministro de Relações Exteriores da Iugoslávia, assinado em 17 out. 1998. Por sua vez, a Missão de Verificação do Kosovo da OTAN, com foco no monitoramento aéreo, teve o envio consentido por um acordo entre a OTAN e a República Federal da Iugoslávia assinado em 15 out. 1998.

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5.3.3. OSCE – Missão de Verificação do Kosovo (Kosovo Verification Mission - KVM) A Missão de Verificação do Kosovo da OSCE (KVM) foi enviada ao local após o consentimento do governo sérvio, em 17.10.1998, com 2 mil observadores desarmados com mandato de supervisionar a implementação do acordo Holbrooke-Milošević e a Resolução 1199 do Conselho de Segurança. A KVM teve sua estratégia de monitoramento compartilhada com a análoga missão da OTAN, a Missão de Verificação Aérea, com a diferença de que a KVM teria por responsabilidade a observação de eventos em terra enquanto a missão da OTAN restringia-se à observação pela via aérea.

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Destaca-se a dificuldade em convencer membros da OSCE em enviar tropas desarmadas para uma região violenta (Arie Bloed 1999:48). O ambiente hostil fez com que a OTAN se comprometesse, através do envio da Força de Extradição (XFOR), a prover segurança extra para os observadores da OSCE e a compor um grupo de pessoas e equipamentos específicos para efetuar a evacuação rápida dos observadores da OSCE em caso de necessidade (Leurdijk 1999b:195). Ambas as missões da OTAN serão descritas no item referente à organização. Alguns autores comparam o mandato e a estrutura dessa missão de verificação com as operações de peacekeeping (Leurdijk 1999b, Kwaasteniet 1999). Para Leurdijk, ambas as missões de verificação (OSCE e OTAN) eram semelhantes às operações de paz tradicionais, pois compreendiam o envio de tropas desarmadas após o consentimento do governo local, ou seja, limitavam-se a observar e a relatar violações dos acordos, mas não tinham mandato nem recursos para deter qualquer tipo de violência. Ainda segundo Leurdijk, essas foram as condições aceitas por Milošević para a presença internacional em seu território, pois “Holbrooke

simplesmente

não conseguiu negociar uma presença

internacional mais forte e mais intrusiva” (Leurdijk 1999b:195)33. Kwaasteniet, por sua vez, acredita que haja três diferenças relevantes entre a missão da OSCE e as operações de paz: (i) a missão da OSCE obteve o consentimento do governo sérvio, mas não do ELK; (ii) não há acordo de paz entre as partes combatentes, ou seja, não havia garantias de que a violência estaria

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sob controle; e (3) os observadores da KVM estavam desarmados, enquanto tropas enviadas em uma operação de paz têm armas cada vez mais potentes (Marianne de Kwaasteniet 1999:5). De qualquer maneira, é sabido que uma missão armada teria sido rejeitada por Milošević e possivelmente envolver-se-ia em incidentes violentos (Kwaasteniet 1999:5). A KVM obtém sucesso em acompanhar a retirada da maioria das tropas sérvias do território kosovar (Delcourt 1999:288; O’ Neill 2002:26). Enquanto isso, o ELK aproveitou-se da calmaria para recompor suas unidades e para recuperar posições liberadas pelas tropas sérvias (IICK 2000). O próximo movimento é de Belgrado que, por acreditar que a retirada das tropas oferecia espaço para a expansão e o fortalecimento do ELK, aprova o envio de forças

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iugoslavas para o Kosovo (Delcourt 1999:288), o que reforça o caráter internacional da situação. Por fim, vale registrar a opinião do atual analista de direitos humanos da Missão da OSCE para o Kosovo, o norte-americano Christopher Decker, que já trabalhava na OSCE quando do envio da KVM. Na época, Milošević afirmava que a OSCE não poderia ingressar em território iugoslavo porque pretendia prestar serviços de espionagem para potências interessadas (leia-se, Estados Unidos e aliados). O argumento não era aceito por Decker e outros, por acreditarem que Milošević não desejava ser monitorado pelos abusos de direitos humanos contra albaneses. Após a retirada da missão, em 09.06.1999, Decker foi informado que a equipe local da KVM havia deixado telefones satélites e aparelhos de GPS, entre outros equipamentos, em um determinado depósito em Pristina, e que a chave teria ficado com alguém na cidade. Ainda segundo Decker, mesmo as bombas mais avançadas precisam de spot on the ground porque não há informação perfeita sobre a localização de alvos, e esses aparelhos teriam servido como base para os bombardeios da OTAN. Por conta disso, Decker conclui que apesar de o mandato oficial da KVM ser interpretado como uma medida de prevenção (operacional), na prática a missão serviu para coleta de informação. A fonte é fidedigna, mas a história não é necessariamente verdadeira.

33

Tradução livre de: “Holbrooke simply did not succeed in negotiating a heavier, more intrusive international presence”.

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5.3.4. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) Em janeiro de 1998, um mês antes dos confrontos de Drenica entre forças de segurança sérvias e o ELK, há uma reunião das grandes potências no âmbito da OTAN devido à preocupação da escalada da violência armada no Kosovo. A preocupação maior era com a possibilidade de o conflito se espalhar para a Macedônia ou para a Albânia e de dificultar a implementação dos acordos de Dayton. Por outras palavras, o foco de tal reunião da OTAN não era a questão kosovar propriamente dita, mas sim os reflexos que uma eventual explosão no Kosovo teria no território de outros membros da “sociedade de Estados” (Leurdijk 1999b:193). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

Os enfrentamentos em Drenica provocaram a seguinte nota do Conselho Permanente no Atlantic News, em 06.03.1998: “A OTAN e a comunidade internacional têm interesse legítimo nos acontecimentos do Kosovo, entre outras coisas devido a seu impacto na estabilidade de toda uma região que preocupa a aliança”34.

Não havia um posicionamento mais incisivo da organização na situação do Kosovo por conta da dificuldade em obter consenso entre os membros sobre que medida deveria ser adotada. O debate refletia as divergentes opiniões sobre uma eventual intervenção militar na região Kosovo/Sérvia/Iugoslávia e expunha lacunas legais de um eventual bombardeio – como a possibilidade de a OTAN intervir fora do território de seus membros e a necessidade de autorização explícita do Conselho de Segurança, entre outras. Nos Estados Unidos, por exemplo, o discurso dominante na Casa Branca, envolvendo Albright e Clinton, era o de que a OTAN teria autonomia de defesa coletiva contra uma agressão e que, portanto, não precisaria se submeter à ONU (Leurdijk 1999b:193). Esta opinião não era compartilhada com outros membros da OTAN e também era questionada por alguns não-membros, a exemplo da Rússia. Em 27.03.1998, a OTAN enviou para a Albânia oito grupos de especialistas com o objetivo de auxiliar o país a se preparar para uma eventual e

34

Tradução livre de “NATO and the international community have the legitimate interest in developments in Kosovo, inter alia because of their impact on the stability of the whole region which is of concern to the alliance”. NATO’s Permament Council, Atlantic News, n2994, 06.03.98, apud Leurdijk 1999:193).

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massiva crise de refugiados provenientes do Kosovo, ou seja, as discussões no âmbito da OTAN eram dominadas pelo possível impacto que uma massa de refugiados teria na estabilidade regional (Jef Huysmans 2002:601). Em setembro/outubro de 1998, os membros da OTAN passam a considerar dois novos elementos no que se refere ao papel a ser desempenhado pela Aliança na crise do Kosovo: (i) a proximidade do inverno causaria uma catástrofe humanitária às cerca de 250 mil pessoas internamente desalojadas durante os confrontos daquele ano; e (ii) estava em jogo a credibilidade da OTAN em relação à manutenção de suas ameaças de bombardeio sobre o território iugoslavo (Leurdijk 1999b:194). Em outubro são aprovadas as duas Activation Orders (ACTORDs), que

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previam o bombardeio do território sérvio. Como já mencionado, a sombra da ameaça contribuiu para que Holbrooke e Milošević chegassem a um acordo. Por causa da dificuldade de obter uma declaração única entre os membros da OTAN quanto às ACTORDs, devido a divergências entre EUA e europeus, cada membro pôde dar sua justificativa separada. Naquele momento, estava evidente que a Rússia vetaria qualquer resolução que fosse levada ao Conselho de Segurança com intuito de intervir militarmente na Sérvia e, dentro da OTAN, não havia consenso sobre a necessidade de submeter a discussão ao Conselho de Segurança. De qualquer modo, havia o debate e a preocupação em conceder uma base legal à eventual intervenção militar da OTAN e também às ACTORDs (Leurdijk 1999b:194). O acordo Holbrooke-Milošević faz com que a OTAN conceda mais duas semanas ao governo sérvio para retirar tropas e armamentos pesados do território do Kosovo, permitir o retorno de refugiados e não impedir o ingresso de agências humanitárias. A OTAN aprova o envio de duas missões: a Missão de Verificação Aérea (Air Verification Mission) e a Força de Extradição para os Observadores da OSCE (XFOR). A Missão de Verificação Aérea foi encarregada de implementar a chamada Operação Olho de Águia, segundo a qual deveria fazer o reconhecimento aéreo do território do Kosovo de modo a verificar o cumprimento das partes envolvidas na resolução do Conselho de Segurança e no Acordo Milošević-Holbrooke. A operação foi realizada por aeronaves sem armamentos, enviadas diariamente a partir de diferentes bases de membros da OTAN. Houve uma alto grau de coordenação entre esta missão da OTAN e a KVM da OSCE:

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“há 210 pessoas no Centro de Verificação e Coordenação do Kosovo, sediado na Macedônia, que ajudam a canalizar a informação às centenas de observadores desarmados da OSCE no Kosovo e, depois, a enviar de volta a informação ao quartel-general da OTAN” (Carp 1999:86-87)35.

A interação entre a OSCE e a OTAN parece visar os interesses dos próprios agentes externos, e não propriamente a solução do conflito. Além disso, já que a interação tem objetivo essencialmente militar, pode-se afirmar que apresenta somente características de gestão de crises e de prevenção operacional. De qualquer forma, é relevante destacar que no centro de coordenação OSCE-OTAN, com base na cidade macedônia de Kumanovo, havia duas reuniões por semana entre representantes da equipe, nas quais se trocavam informações e, com isso, conseguiram construir uma relação de confiança. Essa interação possibilitou, por

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exemplo, que os observadores da OSCE enviassem pedidos para que as aeronaves da OTAN checassem a identidade de supostos alvos do governo sérvio ou do ELK (Carp 1999:87). A segunda operação enviada pela OTAN é a Força de Extradição (XFOR), autorizada no fim de 1998, cuja equipe de 2.400 pessoas esteve no norte da Macedônia à disposição de um pedido da OSCE para que seus observadores fossem retirados rapidamente em caso de emergência (Carp 1999:87, Bloed 1999:48, Atlantic News, n.3064, 08.12.98). A conseqüência não-intencional da missão é o aumento da percepção de segurança dentro da Macedônia, devido à presença da artilharia da OTAN em Kumanovo, cidade macedônia próxima à fronteira com o Kosovo. Termina em 27/10, sem sucesso, o prazo de duas semanas concedido a Milošević pelo acordo com Holbrooke para a retirada das tropas e de armamentos sérvios do território kosovar. A OTAN, no momento derradeiro, decide não lançar os bombardeios, mas apenas manter as ACTORDs devido à pressão que exercem sobre Belgrado em ser obrigado a manter seus compromissos, inclusive o que continuar a consentir com o envio de missões internacionais de verificação (Leurdijk 1999b:195). Nesse momento, as ACTORDs sofrem pequenas alterações de modo a aumentar a pressão sobre Milošević: o tempo de ativação dos

35 Tradução livre de: “There are 210 personnel at the Kosovo Verification and Coordination Centre in FYROM, which help to funnel information to hundreds of unarmed Kosovo OSCE observers, and information back to NATO Headquarters” (Carp 1999:86-87).

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bombardeios foi reduzido de 96 horas para 48 horas e a força naval da OTAN, que estava no Mar Mediterrâneo, foi realocada para o Mar Adriático (Carp 1999:88). A decisão de manter as ACTORDs é coerente com a meta da OTAN de alcançar uma resposta política para a crise do Kosovo. O eventual uso da força teria caráter punitivo e só seria utilizado caso houvesse necessidade de fazer as partes se sentarem à mesa de negociação, tal como teria ocorrido na Bósnia, quando os bombardeios de alvos sérvios fizeram levaram Milošević a Dayton. 5.3.5. ONU – Conselho de Segurança O recrudescimento das relações entre albaneses e sérvios leva o Conselho PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

de Segurança da ONU (CS) a elaborar sua primeira resolução sobre a questão do Kosovo: trata-se da imposição de um embargo de armas para ambas as partes, pela Resolução 1160, de 31.03.1998. A resolução mostra-se ineficaz na medida em que a Sérvia detinha e manteve uma grande reserva de armamentos e que o ELK continuava a obter armas e dinheiro via Albânia (Väyrynen 2003:59). Podese dizer, então, que fracassa essa tentativa de prevenção da escalada vertical. Devido à falta de implementação da Resolução 1160 do CS, que obriga as partes a interromperem a violência mas não autoriza nenhuma ação para garantir o cumprimento dessa obrigação, uma nova resolução é adotada em setembro, para reforçar a declaração do Grupo de Contato de 12.06.1998 e a declaração conjunta de Milošević e Yeltsin de 16.06.1998. A Resolução 1199, de 23.09.1998, também exige o fim da violência, o respeito ao cessar-fogo, a retirada das tropas sérvias/iugoslavas do Kosovo e demanda que as partes permitam o retorno dos refugiados e o acesso de organizações de assistência humanitária. Assim, a Resolução 1199 é mais explícita na demanda do que a resolução anterior, mas também falha ao definir um mandato que contenha mecanismos para garantir o seu cumprimento. Por fim, após a obtenção do acordo Holbrooke-Milošević, o CS adota a Resolução 1203, de 24.10.1998, em que há um resumo explícito do que teria sido o “acordo definitivo” entre Milošević e Holbrooke e a autorização do envio das missões de verificação da OTAN e da OSCE ao território da Iugoslávia. Convém destacar que o “acordo definitivo” lida com os princípios relacionados à uma

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solução política do conflito e também prevê um cronograma para garantir a implementação de tal solução negociada (Leurdijk 1999a:12). Devido ao fato de o acordo ter sido feito com apenas uma das partes do conflito, não foi possível obter o compromisso de cessar-fogo, o que deixaria o ELK em uma situação de vantagem perante as forças sérvias, já “prejudicadas” por serem obrigadas a abandonar posições. As discussões sobre a legalidade das missões militares da OTAN, que ocorriam nas reuniões da Aliança, também estavam presentes no foro do CS. Alguns governos ocidentais acreditavam que o uso da força, através dos bombardeios, e a criação da ACTORD que deu origem à XFOR da OTAN teriam sido aprovados de maneira implícita pela Resolução 1203. No entanto, esse

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argumento foi explicitamente contestado nos planos político e legal por outros membros do CS, como o Brasil, a Costa Rica e a Rússia (S/PV 3937, 24.10.1998). O fato é que, depois da humilhação ocorrida na Bósnia, a ONU passa a ter um papel marginalizado nos Bálcãs, assim designado pelos atores internacionais interessados no Kosovo. O Conselho de Segurança, embora não estivesse conseguindo mobilizar a atenção e os recursos necessários para a prevenção da violência em larga escala, poderia ter aprovado uma resolução que inserisse a questão das violações de direitos humanos no Kosovo entre as acusações já existentes contra Milošević pelos crimes cometidos na Croácia e na Bósnia perante o Tribunal para a ex-Iugoslávia. O indiciamento de Milošević e outros sérvios pelos crimes cometidos no Kosovo, além de alguns membros do ELK, é realizado apenas em 24.05.199936, com retroatividade até janeiro de 1999. Por outras palavras, foi um mecanismo político-jurídico elaborado ainda durante os bombardeios da OTAN de modo a pressionar o governo sérvio a modificar seu comportamento.

5.3.6. Atores internacionais não-tradicionais A partir do estabelecimento da sociedade paralela kosovar, a grande mídia ocidental, obediente à lógica da cultura da violência, limitou-se a cobrir de

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Site do ICTY. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2007.

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maneira esporádica os eventos na província do Kosovo: “Sem manifestações para relatar a partir de outubro de 1992, era raro para qualquer jornal publicar mais que um artigo ocasional a respeito da notável luta não-violenta que estava evitando a guerra” (Clark 2000:90)37. A mídia local, porém, seguiu a tradição albanesa de comunicação, sobretudo oral, e tentou manter a produção e disseminação clandestinas de jornais e programas de TV. Howard Clark é um dos raros autores a abordar a questão da mídia durante a sociedade paralela kosovar, na primeira metade dos anos 1990. Qualquer tipo de luta social demanda informação, cuja disseminação requer o desenvolvimento de algum tipo de mídia. Tal princípio era do conhecimento dos albaneses, mas também era compartilhado pelo governo sérvio. Em junho de

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1990, após a suspensão do parlamento e de outras instituições governamentais das quais participavam kosovares albaneses, o governo sérvio também suspendeu a publicação do principal jornal diário, o Rilindja, além de proibir a veiculação de qualquer programa em língua albanesa de rádio ou televisão (HRW Report 1990, BASIC 2000). A resposta inicial envolveu a produção de jornais albaneses com registro na Eslovênia e na Croácia, o que não durou muito: em maio de 1993, Belgrado operacionalizou a fusão da parte de vendas e distribuição de várias empresas da mídia kosovar, entre elas as que publicavam o Rilindja albanês e o Tan turco, e as integrou à já existente estrutura da empresa sérvia Panorama. A Panorama apropriou-se das contas bancárias das empresas kosovares, o que forçou o fechamento de diversos periódicos. Uma estratégia mais eficaz foi a conversão de jornais específicos, como o semanal Bujku (“Fazendeiro”), em jornais politizados com maior tiragem e maior freqüência. A conversão era liderada pela LDK, que passou a controlar o conteúdo dos jornais e dos programas televisivos para apresentar suas versões da realidade, com o propósito de reforçar a resistência albanesa e de glorificar o mínimo apoio internacional à luta não-violenta (Clark 2000:109). Apesar do esforço, houve limitações entre as quais dois exemplos são destacados: (1) entre 1991 e 1992, quase todos os editores kosovares foram mantidos na prisão por períodos que variavam de 15 a 60 dias; (2) as sanções contra a Iugoslávia dificultaram a 37 Tradução livre: de “With no demonstrations to report after October 1992, it was rare for any newspaper to have more than an occasional feature article on the remarkable nonviolent struggle that was avoiding war” (Howard Clark 2000:90).

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chegada de papel no Kosovo, o que forçou a redução da tiragem do Bujku (Clark 2000:108). Os canais de televisão oficiais no Kosovo, naquela época, veiculavam sua programação em língua sérvia e utilizava-se da dublagem - e não da legenda sempre que a língua original era diferente da sérvia. A alternativa foi a instalação de televisão via satélite, com o recebimento de noticiários e outros programas de canais regionais ou internacionais, como o Radio Zagreb, a Voice of America, Deutsche Welle e BBC. Em 1994, o kosovar albanês Veton Surroi retorna de Londres e, com o financiamento da Open Society Fund (Soros), restabelece o jornal semanal Koha38, para estimular o debate entre kosovares albaneses e para quebrar o “monopólio” e o silêncio da LDK em relação aos problemas

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estratégicos enfrentados pelo movimento não-violento (Clark 2000:110). Segundo um editorial redigido e publicado por Surroi em março de 1995: “Após a euforia inicial, que acreditava no movimento democrático albanês, começa a fase da suspeição sobre o que é lido ou escrito. Embora essa fase possa ser perigosa, é a expressão da evolução da cultura política, em direção à criação da responsabilidade do(s) líder(es) em relação aos cidadãos”39 (Clark 2000:110).

Raros exemplos da mídia independente tiveram algum impacto no Kosovo durante a primeira metade da década de 1990. Em 1995, o jornal holandês, Press Now, cuja prioridade era apoiar a mídia independente na ex-Iugoslávia, distribuía no Kosovo 15 tipos de revistas em língua albanesa. Mais relevante é a iniciativa da AIM (Alternativna Informativna Mreza), fundada em outubro de 1992 como rede de jornalistas independentes interessada em criar vínculos entre kosovares e a oposição moderada na Sérvia. A rede era integrada por correspondentes de ambas as etnias no Kosovo e por correspondentes de Tirana e de Belgrado, e prezava ser uma fonte de informação e interpretação independente. Alguns dos jornalistas envolvidos também contribuíam para o Vreme, jornal da oposição em Belgrado, e para o Balkan War Report, de Londres (Clark 2000:111). Outros tipos de atores não-tradicionais também eram raros no Kosovo em meados da década de 1990. Em 1994, as seguintes ONGs mantinham projetos de

38

Convertido em Koha Ditore em 1997 (ICG 1998). Tradução livre de: “After the initial euphoria, fully believing in the Albanian democratic movement, the phase of suspicion on what is read and written is developing. However dangerous this phase might seem, it is nevertheless an expression of an evolution in the political culture, going towards the creation of responsibility of the leader(s) towards the citizen” (Clark 2000:110). 39

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assistência humanitária no Kosovo: Catholic Relief Services, Médecins sans Frontières, Médecins du Monde, Mercy Corps e Oxfam (Clark 2000:90). Como pode ser percebido, a atuação internacional, mesmo de atores não-tradicionais, é restrita e a sociedade kosovar continua isolada.

5.4 Kosovo – 3ª crise (1999) O contexto da 3ª crise do Kosovo (1999) A 3ª crise do Kosovo é a principal causa da 2ª crise da Macedônia que, por isso, será analisada posteriormente, em respeito à ordem cronológica dos eventos. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

A 3ª crise kosovar corresponde aos momentos relacionados à iminência do bombardeio da OTAN, em que ainda se pode verificar algumas tentativas internacionais para evitar que a ameaça da Aliança fosse concretizada. A dificuldade de convencer Milošević de que os bombardeios realmente aconteceriam decorre dos sinais errados enviados pelas potências ocidentais durante a década de 1990: com Dayton, os EUA teriam sinalizado que o Kosovo era um problema interno da Sérvia, sinal implicitamente reforçado pela falta de esforços diplomáticos por parte da União Européia em relação à solução negociada da situação do Kosovo. Zartman afirma que, com tais mensagens, não surpreende que, em 1999, o ocidente esteja com dificuldades de convencer Milošević de que, dessa vez, o Kosovo estava na agenda internacional40 (Zartman 2005:168). Além das mensagens incoerentes ou sem credibilidade, Milošević também parecia contar com a tradicional aliança com a Rússia, membro do Grupo de Contato, para evitar qualquer ataque aéreo (Väyrynen 2003:61). Em 27.10.1998, passado o prazo de duas semanas previsto pelo “cronograma” do acordo Holbrooke-Milošević, não houve significativas alterações no comportamento das partes. Os atores internacionais envolvidos tentaram manter aberta a janela de oportunidade e continuaram a cumprir o “cronograma”, como se o não-cumprimento de alguns pontos não prejudicassem o andamento total do processo de paz. Nos dias 2 e 9 de novembro de 1998, tal 40

Idéia de Daalder e O’Hanlon, Winning Ugly.

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como previsto, foram realizadas reuniões sobre algumas das demandas políticas dos albaneses e sobre a definição de regras e procedimentos para a futura eleição. Não foi possível alcançar nenhum acordo (Leurdijk 1999b:195). Assim, a violência no Kosovo escala novamente em dezembro de 1998, depois que as forças de segurança sérvias reingressam na província (IICK 2000). A 3ª crise do Kosovo e a resposta internacional (1999) Os principais atores internacionais envolvidos na crise kosovar de 1999 são a OTAN, ONU, OSCE, União Européia e Grupo de Contato. Fraser Cameron, ao retratar a crise do Kosovo, sugere que a relação entre os representantes dessas

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organizações tenha sido mais intensa do que comumente se imagina: “[as organizações envolvidas na crise do Kosovo] com freqüência eram compostas pelos mesmos Estados-membros e os mesmos delegados compareciam às reuniões, às vezes com instruções de diferentes órgãos de seu governo, outras vezes sem qualquer tipo de instrução, mas comparecendo a uma quantidade tão grande de encontros que (...) era difícil manter-se atualizado com o que estava acontecendo. (...) Então alguém poderia ter participado de uma reunião bilateral na quarta-feira, de outra na OSCE na quinta, no Grupo de Contato na sexta e no Conselho de Assuntos Gerais [da União Européia] na segunda. Esse é o tipo de agenda estressante com a qual muitas pessoas se envolvem” (Fraser Cameron 1999:79 – grifou-se)41.

A citação acima reflete a intensidade das negociações e a dificuldade de se ter uma reflexão cuidadosa sobre a situação in loco durante a intensificação da crise no Kosovo e, portanto, às vésperas do bombardeio. Ainda é possível falar em tentativa de prevenção vertical do conflito que, até março de 1999, chegaria ao estágio de “atividades de guerrilha em pequena escala” (ver Tabela 3, em anexo). 5.4.1. OSCE – Conselho Ministerial No encontro anual do Conselho Ministerial da OSCE, ocorrido em 2 e 3 de dezembro de 1998, a presidência rotativa da organização passa para a Noruega, 41

Tradução livre de: “which are often composed of the same member states and of the same delegates attending meetings, sometimes operating with instructions from different parts of their government, sometimes operating with no instructions at all, but talking part in a surfeit of meetings that (…) it is very difficult to keep up with what is going on. (…) So somebody could have been involved in a bilateral meeting on Wednesday, at the OSCE on Thursday, in the Contact Group on Friday, and a General Affairs Council meeting on Monday. That is the type of crazy schedule which a lot of people do get involved in” (Fraser Cameron 1999:79).

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que busca inserir e reforçar o lugar do Kosovo na agenda internacional (B1oed 1999:49). A Declaração sobre o Kosovo, assinada ao final do encontro, limitou-se a reprovar a escalada da violência, sem mencionar quem seria o “culpado” pelo ressurgimento dos confrontos, o que evidencia o apoio da Rússia à Sérvia (Bloed 1999:49). No encontro, a delegação russa argumentou oralmente em favor da necessidade de permitir que a Iugoslávia, suspensa da organização desde 1992, readquirisse o status de membro da OSCE, de modo que pudesse participar das reuniões da organização cuja pauta pretendesse formular soluções para a própria crise iugoslava (Bloed 1999:49).

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5.4.2. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) Em meados de dezembro de 1998, a despeito da existência das ACTORDs de outubro e, portanto, da possibilidade cada vez mais concreta de intervenção militar, ainda havia debates internos sobre a necessidade de tal intervenção e também da submissão da operação a uma autorização do Conselho de Segurança da ONU. Diante dessas circunstâncias, para tentar demonstrar que os aliados falavam em um único tom, o Secretário-Geral da OTAN, Javier Solana, afirma em 14.12.1998 que todos os aliados acreditam que, de acordo com a Resolução 1199 do Conselho de Segurança, haveria bases legítimas para o uso da força42.

5.4.3. Raçak enquanto símbolo do fracasso internacional O massacre de 45 kosovares albaneses na cidade de Raçak/Račak, em 15.01.1999, faz com que os atores internacionais envolvidos sejam obrigados a admitir que não houve avanço, apesar dos esforços dos últimos meses, aí incluídos os custos da manutenção das ACTORDs (Leurdijk 1999b:195, Bloed 1999:48, Kwaasteniet 1999:6). No entanto, não há reação concreta, seja pela dificuldade de obter o consenso em processos de tomada de decisão dentro das organizações envolvidas, seja pela dificuldade em preparar novas soluções para a crise, ou pela dificuldade em assumir e compreender a simbologia do massacre enquanto fracasso das negociações.

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Os 700 observadores da OSCE que estavam no Kosovo não conseguiram evitar a nova onda de violência por estarem desarmados e, portanto, por não serem instrumento de deterrência (Bloed 1999:48). Pelo lado da OTAN, não há nenhuma ação concreta além da reunião, em sessão especial, do Conselho de Atlântico Norte, que condena o ataque, lembra a Milošević que ele deve cumprir os compromissos assumidos em outubro/98 e pede para que o governo iugoslavo coopere com as investigações do Tribunal para os crimes cometidos na exIugoslávia (Carp 1999:83). Para negociar in loco com Milošević, em mais uma tentativa de prevenção operacional da escalada da violência, a OTAN envia novamente a Belgrado dois oficiais sêniores: o General Naumann, do Comitê

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Militar, e o General Clark, do SACEUR (Carp 1999:83). 5.4.4. Rambouillet – Grupo de Contato Há mais uma tentativa de alterar o comportamento de Milošević sem o uso da força. Em 29.01.1999, embora houvesse a ameaça de uso da força, o Grupo de Contato propõe mediar uma rodada de negociações entre representantes da Iugoslávia, Sérvia e kosovares albaneses em Rambouillet, no subúrbio de Paris43. Durante duas semanas, as partes debateriam a proposta apresentada pelo próprio Grupo acerca de um arranjo político transitório (de 3 anos), que previa: (i) autonomia substancial para o Kosovo; (ii) a manutenção da integridade territorial da Iugoslávia; (iii) o desarmamento do ELK; e (iv) o envio de tropas internacionais para o monitoramento do acordo (Leurdijk 1999b:195). Naquele momento, as partes estavam extremamente polarizadas e, diante da estratégia de opressão e limpeza étnica de Milošević e das demandas pela independência tanto da LDK como do ELK, não seria fácil obter um acordo sob tamanha pressão. Para aumentar ainda mais a pressão, no dia seguinte ao da convocação pelo Grupo de Contato, e em uma clara demonstração de esforço coordenado, a OTAN declara que está pronta para garantir o compromisso das partes e o cumprimento do que vier a ser acordado44 (Leurdijk 1999b:196).

42

Atlantic News, n3049, 14 dez. 1998, apud Leurdijk 1999:194. Conclusões do Grupo de Contato, Londres, 29 jan. 1999. Documento do Escritório do Alto Representante. 44 Atlantic News, n3078, 03 fev. 1999. 43

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A proposta preparada pelos atores internacionais é aceita pelos kosovares albaneses mas não obtém a aprovação dos representantes sérvios, pois os desagrada política e militarmente e, assim, a trégua não é obtida (Delcourt 1999:290-291). O Grupo de Contato decide, então, pela retomada das negociações dentro de três semanas, em 15.03. A despeito de não haver qualquer compromisso das partes, a OTAN não dá início aos bombardeios como havia ameaçado e limita-se a repetir que as ACTORDs foram renovadas e serão implementadas se necessário. Tal atitude revela a dificuldade de obter o consenso entre os membros da Aliança (Bloed 1999:48). A segunda rodada, como previsível, não leva a nenhum resultado concreto. O esforço diplomático que culminou em Rambouillet foi caracterizado por sinais

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confusos e ambíguos, deixando poucas chances para o sucesso da diplomacia preventiva (IICK 2000). Na noite de 24.03.1999, a OTAN dá início à execução dos bombardeios, tal como previsto pelas ACTORDs de outubro de 1998. Jacques Rupnik sustenta que, no caso do Kosovo, cada solução diplomática proposta ou imposta pela “comunidade internacional” para resolver uma crise gerou efeitos desestabilizadores no momento seguinte. Segundo ele, assim como Dayton põe fim à guerra na Bósnia mas contribui para desestabilizar o Kosovo, Rambouillet, que seria o “Dayton dos europeus”, teve início como uma negociação voltada para a prevenção da escalada da violência e terminou com a intervenção internacional na Iugoslávia (Rupnik 2003:409). Um erro de cálculo ou uma percepção talvez ingênua por parte dos atores internacionais fez com que, antecipando um resultado positivo em Rambouillet, as autoridades militares da OTAN começassem a planejar o contingente a ser enviado à Iugoslávia como “presença internacional”, tal como previsto pelo acordo preparado pelo Grupo de Contato (Leurdijk 1999b:196). A OTAN estaria se baseando no modelo adotado na Bósnia do imediato pós-Dayton, com as operações da IFOR e SFOR, o que evidencia a comparação imprópria que era feita por atores internacionais entre a situação da Bósnia e a do Kosovo, ainda que, no caso do Kosovo, Belgrado tivesse recusado explicitamente a presença de tropas em território iugoslavo (Leurdijk 1999b:196). A preocupação com a Bósnia também fica clara quando a Aliança decide pelo início dos bombardeios: além de prejudicar a credibilidade da OTAN por não estar cumprindo suas ameaças, os bombardeios tiveram início porque a crise do Kosovo dificultava a implementação

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de Dayton e, caso continuasse, tornaria inoperantes os esforços feitos pelos atores internacionais envolvidos na Bósnia (Carp 1999:85). Esta crise do Kosovo configurava a 2ª vez em que a OTAN participava de alguma operação nos Bálcãs. A primeira delas foi justamente na Bósnia e, por conta disso, pareciam inevitáveis as comparações e a tentativa de “aprender lições”. Segundo Mihai Carp, antes da violência ter início no Kosovo, a Bósnia já havia forçado a Aliança a ir além do conceito tradicional de segurança e a lidar com as diferenças transatlânticas de membros, o que fez com que a resposta da OTAN à Bósnia fosse “incoerente, vagarosa e talvez ineficaz” (Carp 1999:84). Nesse sentido, a crise do Kosovo demonstra que a Bósnia ensinou várias lições aos atores internacionais envolvidos, mas a Aliança não parece ter aprendido coisa

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alguma (Carp 1999:84).

5.4.5. União Européia (UE) Fraser Cameron sustenta ser previsível o minimizado papel da União Européia na 3ª crise do Kosovo. No setor político, nos últimos meses antes do bombardeio, o embaixador da União Européia (UE), Wolfgang Petrisch, teria trabalhado em conjunto com o negociador norte-americano Christopher Hill na tentativa de persuadir Milošević a modificar seu comportamento mas, apesar da tentativa, não contribui para a prevenção da escalada da situação (Cameron 1999:81). No setor militar, a UE não desempenha qualquer papel enquanto ator; ainda que alguns de seus membros tenham potencial para maior envolvimento na criação de ameaças, tais membros são também integrantes da OTAN. Há, no entanto, dois setores em que a União teria contribuído. Embora não sejam fatores essenciais no processo de convencimento para que Milošević alterasse seu comportamento em relação ao Kosovo, vale destacá-los: trata-se do setor econômico e do referente a questões humanitárias. No caso do setor econômico, o Conselho para Assuntos Gerais obtém sucesso na imposição de um embargo de armas para ambas as partes, utiliza-se da política de recusa de visto e também consegue congelar bens de sérvios em várias instituições européias. Houve, no entanto, uma restrição relevante a esse tipo de ação: o setor econômico não era o instrumento mais eficaz, naquele momento, para pressionar Milošević a

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modificar o seu comportamento (Cameron 1999:81). O setor da assistência humanitária também encontra força na União Européia mas, apesar da aprovação de fundos para diversos projetos locais, existe uma enorme dificuldade em implementá-los, já que dependem de prévio acordo político entre os grupos étnicos envolvidos de modo que tenham eficácia a médio e longo prazos (Cameron 1999:81).

5.4.6. Os bombardeios e a reorganização internacional para lidar com o Kosovo Os bombardeios têm início em 24 de março de 1999 e duram 11 semanas. A

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campanha começa um mês antes da reunião de cúpula da OTAN em Washington, de 23-24.04.1999 (Washington Summit), que comemorava o 50º aniversário da Aliança e que oficializava o ingresso da República Tcheca, da Hungria e da Polônia45. Com isso, conclui Petersen que a intervenção militar na Iugoslávia foi em grande medida dominada pela percepção de que a OTAN precisava encontrar um novo papel no pós-Guerra Fria (Petersen 2003:88). Os ataques aéreos foram eficazes por conseguirem conter o avanço das tropas sérvias mas, de março a junho, provocaram uma massa de cerca de 800 mil refugiados kosovares, sobretudo albaneses, para diversos países não apenas da região dos Bálcãs46. Além disso, os bombardeios também não teriam impedido que continuassem as atrocidades de militares, paramilitares e outros grupos sérvios contra albaneses e, a partir de junho de 1999, as do ELK contra os sérvios (Scherrer 2002:258). De fato, os bombardeios eram mais eficazes contra alvos iugoslavos, e não necessariamente contra o ELK, o que acabou por fortalecer o grupo e obrigou o Secretário-Geral da OTAN, Javier Solana, e o Secretário de Defesa dos EUA, William Cohen, a afirmarem que a OTAN não seria a Força Aérea do ELK (Carp 1999:88). Naquele período de 78 dias, portanto, o regime de Milošević esteve envolvido em duas guerras simultâneas – uma com objetivos de limpeza étnica

45

Para os discursos na íntegra: . Acesso em: 05 jan. 2007. 46 Na época da assinatura do acordo de paz (10 jun. 1999) e da suspensão dos bombardeios (11 jun. 1999), as estimativas do ACNUR eram de que haveria 1.5 milhão de pessoas desalojadas, das quais 800.000 teriam abandonado o Kosovo (UNHCR Press Release 13 jun. 1999) .

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contra kosovares albaneses e a outra com objetivos de proteção da integridade territorial e física/institucional contra a OTAN (de Vrieze 2002:292). Na guerra da OTAN contra a Sérvia, liderada pelos Estados Unidos, o governo de Bill Clinton traçou uma estratégia político-militar com erros de cálculo, inclusive quanto à resistência de Milošević em relação ao tempo de duração e à intensidade dos bombardeios. Além disso, Petersen destaca outra relevante contradição da política dos Estados Unidos na época: “a uma semana do fim dos bombardeios, oficiais do Conselho de Segurança Nacional [dos Estados Unidos] admitem que esse teria sido um dos maiores desastres de sua política externa e passam a armar o ELK em vez de bombardear os sérvios, para a surpresa dos diplomatas europeus” (John Petersen 2003:92)47.

Os bombardeios duram mais do que o esperado pela OTAN, em um claro PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

sinal de subestimação da resistência de Milošević, e sua interrupção ocorre graças à negociação russa, no início de junho. Em 03.06.1999, um acordo de paz é apresentado à liderança iugoslava e à assembléia sérvia pelo então presidente da Finlândia e representante da União Européia, Martti Ahtisaari, e pelo enviado especial da presidência russa, Viktor Chernomyrdin (IICK 2000). A partir de então, baseados nos detalhes do acordo, os atores internacionais envolvidos implementam um complexo sistema de presença internacional no Kosovo, tal como feito na Bósnia, com objetivos de estabilizar a situação e de evitar que o vácuo de poder fosse ocupado por algum dos grupos armados, o que levaria ao ressurgimento da violência. Também com base no acordo de 03.06, o Conselho de Segurança aprova a Resolução 1244, de 10.06.1999, em que garante autonomia para os kosovares albaneses embora continue a reconhecer a integridade territorial da Sérvia. Isso faz com que a Sérvia mantenha controle nominal e de jure sobre o Kosovo, enquanto a administração civil e militar de facto fica a cargo da Missão da ONU para o Kosovo (UNMIK), criada pela Resolução. Também chamada de Administração Interina do Kosovo, a UNMIK tem a seguinte divisão das tarefas entre atores internacionais48:

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Tradução livre de: “The weekend before a deal was struck to end the NATO bombing campaign, officials in the National Security Council admitted that the US stood on the brink of one of its worst foreign policy disasters, and began seeking support for arming the KLA in lieu of bombing the Serbs, to the astonishment of European diplomats” (Petersen 2003:92). 48 Para administrar o Pilar III, a OSCE estabelece a OSCE Mission in Kosovo, iniciada em julho de 1999 (PC/DEC 305 01.07.99), cujo foco está na elaboração de instituições provisórias de auto-governo, o que é relevante para a transferência de poder da UNMIK. Trata-se da maior

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Pilar I – Polícia, justiça e questões humanitárias (ONU e ACNUR); Pilar II – Administração Civil (ONU); Pilar III – Desenvolvimento de instituições e eleições (OSCE); Pilar IV – Reconstrução Econômica (União Européia). A Resolução 1244 também designa à OTAN o mandato de impedir o ressurgimento da violência, garantir a retirada das tropas sérvias e iugoslavas da província kosovar, de desmilitarizar o ELK, de dar apoio à UNMIK e ainda de monitorar as fronteiras (Renata Dwan e Sharon Wiharta 2005:179). 5.4.7. Atores Internacionais não-tradicionais

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Os esforços de ONGs locais e internacionais para aproximar as etnias durante os anos 1990 não conseguiram impedir que essas e outras organizações do gênero tivessem dificuldades para sobreviver aos bombardeios e, sobretudo, ao acirramento da relação sérvio-albanesa. Em 2002, por exemplo, há relatos de que, apesar de muitas ONGs e indivíduos no Kosovo debaterem a necessidade de tolerância, a maioria dos kosovares parece concordar que a reconciliação levará tempo. Consequentemente, mesmo em 2005, ONGs locais multiétnicas são relativamente raras no Kosovo, assim como são raros, ou utópicos, os projetos de curto-prazo que envolvam ambas as etnias (de Vrieze 2002:299). 5.5 Macedônia – 2ª crise (1999) O contexto da 2ª crise da Macedônia (1999) A 2ª crise da Macedônia é diretamente relacionada à 3ª crise do Kosovo e envolve o ingresso de cerca de 250 mil refugiados kosovares em território macedônio, a partir de março de 1999 (ICG 1999:1, ACNUR, Cruz Vermelha 2003). Norman Anderson acredita que, nessa época, o pior cenário para a Macedônia seria a ação militar sérvia em território macedônio como resultado da repressão política no Kosovo. Isso poderia fazer com que macedônios albaneses se juntassem a seus pares no Kosovo na luta armada contra a Sérvia o que, por sua

missão das 18 que a OSCE já desenvolveu, com 8 escritórios no Kosovo e uma equipe de 1100 funcionários (Dwan e Wiharta 2005:170).

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vez, teria o potencial de se converter em guerra regional atraindo a Grécia, Turquia e outros vizinhos (Anderson 1999:51). Havia também a possibilidade de os macedônios albaneses, aliados à ala radical dos kosovares que passaram a residir temporariamente em áreas próximas à fronteira ou em cidades macedônias de maioria albanesa, aumentassem seu grau de mobilização, recebessem capacitação e armamentos e se dispusessem a lutar contra o governo macedônio em busca de secessão ou de maior autonomia. Além do fardo social de acomodar em pouco tempo e em um pequeno território um enorme número de pessoas, existe a dificuldade econômica já existente na Macedônia e em situação decadente desde o início dos bombardeios do Kosovo, em 24.03.1999. Depois de recuperar o fluxo comercial com a

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Iugoslávia, este voltou a ser o principal parceiro da Macedônia. Porém, o início dos bombardeios provocou conseqüências além da onda de refugiados: as exportações e importações para a Sérvia/Iugoslávia foram interrompidas, assim como o canal de comércio estabelecido com a União Européia via Iugoslávia. Estimativas indicam que no ano de 1999, por causa da crise no Kosovo, a taxa de desemprego na Macedônia chegou a 40-50% (ICG 1999:8). O fato de a maioria dos refugiados ser da etnia albanesa também causava certo desconforto ao governo macedônio já que boa parte deles teria se infiltrado em casas de famílias de macedônios albaneses. Segundo os números divulgados pelo ACNUR em 17.05.1999, a quase 2 meses do início dos bombardeios, havia cerca de 229.300 refugiados kosovares na Macedônia, dos quais 78.900 viviam em campos de refugiados, 120.432 haviam se registrado enquanto residentes em casas de famílias macedônias e havia uma estimativa de que outras 30.000 pessoas vivessem com famílias locais embora não tivessem manifestado ou registrado sua presença (ICG 1999:2). Ou seja, é provável que cerca de 2/3 dos refugiados tenham permanecido em famílias macedônias (ACNUR 2000:vi). O ingresso das centenas de milhares de refugiados tem início no mês em que a UNPREDEP se retira do território da Macedônia. A missão foi extinta no final de fevereiro de 1999, devido ao veto da China no Conselho de Segurança. Há clara motivação política neste comportamento, que ocorre depois que um membro da base aliada do governo macedônio reconhece a existência de Taiwan, em janeiro de 1999, em troca do envio de 1.8 bilhões de dólares para Skopje (Väyrynen 2003:66, n13). O reconhecimento de Taiwan seria um “erro de

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cálculo” da política externa do governo macedônio (Andraas Raab 2006), em uma tentativa de recuperar a fragilizada economia através da atração de investimentos estrangeiros a um Estado inserido em um ambiente inseguro e pouco atraente. A situação no plano doméstico naquele momento é crucial para entender a decisão da China: as eleições parlamentares de outubro e novembro de 1998 foram vencidas por uma aliança de dois partidos nacionalistas até então adversários, que compunham a oposição ao governo dos ex-comunistas, no controle do país desde a independência. A Coalizão para Mudanças era formada pelos partidos de direita da Organização Revolucionária Macedônia (VMRO) e do Alternativa Democrática (AD). Dos 120 assentos do parlamento, o VMRO ficou com 49, a AD ficou com 13 e um proeminente partido albanês, o Partido para a

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Prosperidade Democrática (PPD), com 10. Na composição do novo governo, o VMRO recebe 14 ministérios, inclusive o cargo de Primeiro-Ministro, o AD recebe 8 e o PPD fica com 5. Em 27.01.1999, o Ministro das Relações Exteriores macedônio, do AD, Aleksandar Dimitrov, assina com o seu par taiwanês, Jason Hu, um acordo em que reconhece a existência de Taiwan em troca de investimentos. A delegação macedônia que foi a Taipei assinar o acordo era composta por três oficiais, todos do AD, inclusive o presidente do partido, e poucas pessoas sabiam das negociações além deles. Oficialmente os três partidos do governo teriam participado das discussões, mas na prática nem o PrimeiroMinistro, Ljubco Georgievski (do VMRO), teria tido acesso às informações, fazendo com que o presidente Gligorov sustentasse ter sido traído por um “pequeno golpe de Estado” (ICG 1999b:8). Em 09.02.1999 a China suspende relações diplomáticas com a Macedônia e, em 26.02, decide vetar a extensão do mandato da UNPROFOR no âmbito do Conselho de Segurança (Norman Anderson 1999:64, Svetomir Skaric 1999:30, ICG 1999a). Para desempenhar algumas das tarefas da UNPREDEP, tropas francesas, britânicas e alemães da KFOR/OTAN, então localizadas no Kosovo, foram enviadas para a Macedônia em fevereiro e em março (John Phillips 2004:172). Em 29.03.1999, as últimas tropas da UNPREDEP deixam o território da Macedônia, o que acontece 5 dias depois do início dos bombardeios da OTAN no

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Kosovo e na Iugoslávia e, portanto, depois que refugiados já haviam começado a invadir países vizinhos (Macedonia Information Centre 199949). A 2ª crise da Macedônia e a resposta internacional (1999) De início, a Macedônia não pretendia receber refugiados albaneses por questões sócio-econômica e de segurança. Algumas vezes, durante a crise de março a junho de 1999, as autoridades fecharam todos os pontos de acesso legal da fronteira macedônia com o Kosovo, violando o princípio do non-refoulement – que proíbe que um Estado provoque o retorno de refugiados para o país de origem –, fazendo com que milhares de refugiados fossem mantidos no lado sérvio da fronteira (ACNUR 2000, Anistia Internacional 1999). Há indícios não PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

comprovados de um acordo entre Skopje e Belgrado para que o governo sérvio redirecionasse os refugiados para outros países, especialmente para a Albânia, em vez de fazê-lo para a fronteira com a Macedônia (Reuters 1999)50. Sob pressão internacional, porém, a Macedônia se viu obrigada a receber com “hospitalidade” algumas dezenas de milhares de refugiados albaneses por semana. Na época, apesar das políticas que permitiram maior inclusão de albaneses e outras minorias, o governo não estava preparado para receber mais de 250 mil refugiados albaneses em poucas semanas, o que provocou uma evidente, embora temporária, mudança no equilíbrio étnico com o aumento de 11% da população, que na época tinha pouco mais de 2 milhões de pessoas. Pelas palavras de Anderson, em livro publicado em 1999, “essa presença de refugiados na Macedônia poderia desestabilizar o equilíbrio étnico e levar a confrontos armados ao longo da fronteira” (Anderson 1999:52)51. As relações entre o governo de Skopje e os principais atores internacionais envolvidos na solução da crise ficaram estremecidas durante quase toda a crise. O governo macedônio acusava as organizações internacionais de “arrogância”, “hipocrisia” e falta de sensibilidade em relação ao impacto que o ingresso do alto número de refugiados albaneses teria na Macedônia, e as conseqüências que isso 49 Macedonia Information Centre – Daily News Service. “The most important events in Macedonia in 1999”. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2007. 50 Relatório Reuters 1999, apud International Crisis Group 1999:2.

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poderia gerar. A acusação deve-se ao fato de os representantes das organizações, sobretudo da ACNUR e OTAN, insistirem para que a Macedônia mantivesse abertas as suas fronteiras e continuasse a receber refugiados, independente da quantidade, mesmo sabendo que a UNPREDEP havia sido extinta (ICG 1999:6). 5.5.1. ONU - Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) Os esforços internacionais para transportar refugiados a terceiros países, liderados pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), fizeram com que, por dia, cerca de 1.000 refugiados fossem enviados para fora do território macedônio. Em 17.05.1999, o número de refugiados kosovares PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

registrados que haviam deixado a Macedônia chegava a 48.508 (ACNUR 2000:vi). O tamanho e a velocidade do êxodo não foram antecipados pelo ACNUR: em menos de 72 horas, a agência buscou produtos não-perecíveis para envio imediato a 250 mil pessoas, além de enviar funcionários e representantes do ACNUR para o local (ACNUR 2000:vi). Por não ter antecipado a ocorrência da crise, o ACNUR teve um papel relativamente restrito na resposta: cerca de 12% de seu orçamento foi investido em moradia nos cerca de 270 campos de refugiados e outros centros na Macedônia. Somado ao que foi reservado para a proteção desses refugiados, um total de 50 milhões de dólares foram empregados pelo ACNUR na Macedônia entre março e o fim do ano. A despeito disso, a agência conseguiu atrair alguma atenção internacional para a crise ao elaborar e divulgar, à medida que os eventos ocorriam, diversos materiais e guias que facilitavam a compreensão da situação (ACNUR 2000:vi). O ACNUR não conseguiu manter seu padrão de atendimento aos refugiados kosovares e, ainda assim, não houve nenhuma epidemia nos campos e os indicadores das taxas de mortalidade nos campos foram bem mais baixas do que o comum nesse tipo de situação. As condições de boa saúde da maioria dos refugiados aliada à curta duração da crise e à ajuda de famílias macedônias albanesas permitiram que a situação não ficasse pior.

51

Tradução livre de: “Such a refugee presence in FYR Macedonia could massively upset the existing ethnic equilibrium and lead to armed clashes along the border”.

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5.5.2. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) A proximidade física entre o Kosovo e a Macedônia permitiu o rápido envio de tropas da KFOR/OTAN (Kosovo) para o território macedônio ainda em fevereiro e março de 1999, logo depois de extinta a UNPREDEP. Em 04.04.1999, após negociações do alto escalão político lideradas pelos Estados Unidos, a OTAN obtém permissão do governo da Macedônia para lidar com a crise de refugiados. A oportunidade de mostrar um lado humanitário e de impedir que a Macedônia retirasse seu apoio aos bombardeios da OTAN foram duas das principais motivações que estimularam a organização à ação (UNHCR PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

2000:114). Tropas que já se encontravam na região foram remanejadas para a Macedônia e construíram campos de refugiados com ajuda de ONGs humanitárias e do ACNUR. Além da montagem dos campos, tropas da OTAN também se fizeram responsáveis pela manutenção e administração desses locais, através de um mecanismo de proteção e parceria com o ACNUR (Anistia Internacional 1999). A parceria da OTAN com o ACNUR também englobava o “programa de evacuação humanitária”, segundo o qual refugiados kosovares na Macedônia seriam transferidos para terceiros países onde ficariam temporariamente (Larry Minear, Ted van Baarda e Marc Sommers 2000:14). O primeiro envolvimento da OTAN em uma crise de refugiados fez com que a ACNUR interpretasse o movimento como uma “bênção mista” (ACNUR 2000:ix). Por um lado, a OTAN investiu recursos, providenciou a logística e forneceu pessoal capacitado para lidar com a emergência mostrando que, apesar de ser parte da guerra do Kosovo, tentava criar um compromisso com a questão humanitária. Por outro lado, a participação da OTAN põe em evidência a tênue linha que separa uma missão militar de uma missão humanitária (ACNUR 2000:ix). Convém observar que a OTAN estabeleceu, como estratégia de segurança, o desempenho de um duplo e questionado papel na crise dos refugiados kosovares, e tal movimento não tinha por objetivo tornar claras as fronteiras entre o militar e o humanitário. Em 01.04.1999, por exemplo, uma reunião do Conselho do Atlântico Norte retoma a discussão sobre planejamento pró-ativo que havia

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dividido o Alto Comitê de Planejamento Civil de Emergência (SCEPC) no fim de 1998: havia pressão dos EUA, Reino Unido e Itália para que as operações humanitárias fossem lideradas pelos militares já que, segundo eles, somente os militares teriam capacidade de ação adequada e pujante em situação de emergência (ACNUR 2000:114). Jef Huysmans tenta compreender o ambíguo movimento desta organização durante a crise do Kosovo e sustenta que, nessa época, a “OTAN converteu-se parcialmente em uma agência humanitária” (Jef Huysmans 2002:599). A transformação do sistema internacional no pós-Guerra Fria e a conseqüente reconfiguração do arcabouço de segurança europeu criaram para a OTAN a necessidade de se reinserir e redescobrir seu papel. Portanto, embora a ação

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militar fosse territorialmente limitada, o interesse político não se restringia ao Kosovo (Huysmans 2002:600). 5.5.3. Atores internacionais não-tradicionais A participação de atores não-governamentais na crise dos refugiados kosovares na Macedônia não pode ser generalizada. Um funcionário nãoidentificado de uma ONG humanitária afirmou que algumas organizações internacionais, sobretudo agências da ONU, traziam mantimentos de seus depósitos internacionais, devido ao baixo custo de importá-los em vez de comprar produtos similares em território macedônio. A economia do país estava à beira do colapso como conseqüência indireta dos bombardeios da OTAN e, apesar de as ONGs humanitárias utilizarem tradicionalmente os recursos e materiais que já tinham disponíveis, poderiam ter realocado recursos para adquirir os produtos necessários dentro da própria Macedônia (ICG 1999:7). Isso também diminuiria a tensão entre alguns grupos de macedônios eslavos, que viam nos refugiados um fardo não-desejado e imposto pelo ocidente. Críticas também eram feitas por parte da população local de que a ajuda humanitária não compreendia o real impacto de suas ações e não tinha interesse no destino da população local (ICG 1999:7). Existe uma interação entre a dinâmica do conflito e a assistência humanitária. Nesse sentido, as escolhas das ONGs internacionais que atuam no local da crise têm impactos que podem ser positivos ou negativos, e com

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freqüência maior que a desejada, podem reforçar ou prolongar conflitos armados (Mary B. Anderson 1999:37). Nesse sentido, “quando agências humanitárias importam produtos que podem ser produzidos no local e os distribui a custo zero, elas podem prejudicar os incentivos econômicos em direção a uma economia de paz” (Anderson 1999:42-43)52. A guerra modifica padrões de produção, emprego, trocas comerciais e serviços em geral e apenas alguns atores não-internacionais parecem perceber o impacto que suas ações podem ter em um contexto que não é reduzido ao produto final nem ao resultado imediato da ajuda humanitária. No auge da crise na Macedônia, vale notar que algumas ONGs humanitárias como a Catholic Relief Services e a Mercy Corps já adquiriam alimentos, remédios e outros produtos para si e para os refugiados a partir do comércio na

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própria Macedônia. Estima-se que até maio de 1999, ambas as ONGs tenham gasto cerca de 3,5 milhões de dólares norte-americanos em cobertores, vestimentas e produtos alimentícios (ICG 1999:6-7). Embora não seja propriamente um ator não-governamental, vale destacar o exemplo do batalhão do exército alemão, que estava mobilizado na cidade de Tetovo, de maioria albanesa e bem próxima à fronteira com o Kosovo: durante a crise, foram investidos 500 mil marcos alemães (267 mil dólares norteamericanos) por mês, em alimentação, serviços municipais e salários para os funcionários locais contratados temporariamente (ICG 1999:7). 5.6 Macedônia – 3ª crise (2001) O contexto da 3ª crise da Macedônia (2001) Na Macedônia, os primeiros confrontos mais sérios, e de violência direta, ocorrem em fevereiro de 2001 na cidade de Tanusevci, com apenas 700-800 habitantes, todos de etnia albanesa, localizada no alto da Montanha Negra (Skopska Crna Gora), próxima à fronteira com o Kosovo (Henryk J. Sokalski 2003:230, ver Mapa 3, em anexo). A cidade fica a apenas 24km de distância de Skopje mas o terreno montanhoso faz com que a única estrada à capital tenha mais que o dobro de extensão. A ausência de serviços de transporte e a distância 52

Tradução livre de: “When aid agencies import goods that can be produced locally and

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de uma hora a pé para a cidade mais próxima, Viti, reforça o isolamento geográfico, social, político e econômico de Tanusevci. Desde 1992 há incidentes isolados nesta região da fronteira, mas nem sempre é possível distinguir, por um lado, crimes de terroristas albaneses e, de outro lado, crimes de contrabando ou outros crimes de fronteira cometidos por albaneses, macedônios e sérvios53 (ICG 2001:1). “Este comércio ilegal, embora fosse politicamente útil para Milošević e lucrativo para Skopje, manteve uma história de violência e de corrupção policial na área, que será difícil de superar”54. De 1992 ao início de 1999, as tropas da UNPREDEP responsáveis pelo patrulhamento da região minimizaram a movimentação ilegal e, devido ao fim da missão da ONU, o policiamento macedônio já corrompido retornou ao local.

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Em 1999, Tanusevci recebeu centenas de refugiados do Kosovo (ICG 2001:1) e teria se transformado em base do ELK, o que provocou uma invasão das forças sérvias no território macedônio até alcançar a cidade, evento que foi subexplorado pela mídia devido à falta de demarcação da fronteira, dificultando a comprovação da invasão (ECMI, BBC 2001, Center for Balkan Development). Nesse contexto, incidentes de violência direta de macedônios albaneses contra policiais macedônios, e vice-versa, começam a ser mais sistemáticos a partir da primeira metade de 2000 em Tanusevci e também outras cidades próximas, como Dolnom, Gorno Blace e Lojane. Em 22.01.2001 uma granada atinge uma delegacia de polícia em Tearce, uma cidade de população mista entre Tetovo e a fronteira com o Kosovo. Este foi o primeiro atentado assumido pelo Exército pela Libertação Nacional (ELN), organização com objetivos de lutar por maior autonomia dos macedônios albaneses nas áreas em que são maioria. Paralelo aos incidentes na fronteira, representantes da Sérvia e da Macedônia concluem as negociações para demarcar a região e para lutarem juntos contra um suposto “extremismo albanês”. As reações da comunidade albanesa em ambos os Estados foram imediatas e novos incidentes são relatados em Tanusevci.

distribute them at no cost, they can undermine peacetime economic incentives”. 53 Durante o embargo contra a Iugoslávia, por ali passou parte do contrabando de comida e de outros bens de consumo para a Sérvia (ICG 2001:1). 54 Tradução literal de: “This illegal trade, whilst politically useful for the Milosevic regime and lucrative for Skopje, has left a history of violence and police corruption in the area, which will be hard to overcome” (ICG 2001:1).

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O ELN emite um comunicado justificando o envio de “tropas” para proteger Tanusevci das forças de segurança macedônias: “Parece que a entrada de unidades das forças especiais da Macedônia em Tanusevci provocou a resposta de macedônios albaneses extremistas, incluindo exrebeldes pelo ELK, de se envolverem em uma ação militar em ‘defesa’ das cidades. Havia uma rede de macedônios nativos, treinados enquanto guerrilheiros em busca da justificativa que os eventos de Tanusevci ofereceram”55 (ICG 2001:8 – grifouse).

Devido ao aumento de monitoramento nas áreas da fronteira com o Kosovo, os líderes do ELN decidiram que abririam novo front na cidade de Tetovo, por ser a 2ª maior do país e uma das principais cidades de maioria albanesa. Assim, em 13.03, um grupo de rebeldes auto-declarados do ELN

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atiraram contra policiais macedônios de Tetovo e, a partir de então, membros do ELN procuram abrir outros fronts em sua estratégia de controlar partes do território macedônio (ECMI56). Segundo o governo, o grupo que se diz em busca de melhorias para macedônios albaneses não passa de um grupo terrorista que quer a secessão das partes norte e oeste da Macedônia. No início da escalada da violência, o presidente macedônio Boris Trajkovski afirma que “nós não iremos negociar com terroristas, com elementos militaristas que promovem o ódio racial e étnico”57. As ações do ELN e, consequentemente das forças de segurança macedônias, tiveram como foco regiões próximas a Tetovo e a Kumanovo, chegando de vez em quando às intermediações de Skopje (no caso da ocupação da cidade de Aracinovo, em junho de 2001). Além disso, parecia não haver coordenação entre as células albanesas que provocavam os incidentes, evidenciando a ausência de estratégia e comprovando que se tratava de “um show de força improvisado para testar a capacidade de resolução do governo e para radicalizar a opinião dos macedônios albaneses” (ICG 2001:14)58. Isto significa

55 Tradução livre de: “It appears that the entry of Macedonian special forces units into Tanusevci prompted extremist Macedonian Albanians, including ex-KLA fighters, to take military action in “defence” of the villages. There was a ready pool of Macedonian-born, trained guerrillas looking for the excuse that the events at Tanusevci provided”. 56 Disponível em: . Acesso em: 18 mar. 2007. 57 Tradução livre de: “We will not negotiate with terrorist, militarist elements who spread racial and ethnic hatred” (BBC, Tanusevci flashpoint, 07.03.2001, disponível em: , acesso em: 18 mar. 2007). 58 Tradução livre de: “(…) an improvised show of strength to test government resolve and radicalise ethnic Albanian opinion”.

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que foram ações localizadas, e não uma guerra generalizada com violência em larga escala. Neste sentido, é possível afirmar que é um sucesso parcial a prevenção da guerra a partir da 3ª crise da Macedônia. Exército pela Libertação Nacional (Ushtria Çlirimtare Kombëtare) Não por acaso as iniciais “UÇK” designam os nomes em albanês do Exército pela Libertação Nacional e do Exército pela Libertação do Kosovo: o ELN é o Ushtria Çlirimtare Kombëtare e o ELK é o Ushtria Çlirimtare e Kosovës (ECMI59, ICG 2001/anexo A). Existem indícios de que a base principal da organização era na cidade de Vitina, no Kosovo (BBC 2001). Dos macedônios albaneses que lutaram no Kosovo em 1998-1999, alguns não se sentiam PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

confortáveis ou seguros na Macedônia e preferiram permanecer no Kosovo. Outros retornaram à Macedônia para compor o ELN (de Vrieze 2002:295). Acredita-se que o ELN teria sido criado e liderado por Ali Ahmeti e seu tio Fazli Veliu, que mobilizaram guerrilheiros do ELK do Kosovo e da Macedônia, rebeldes albaneses de regiões do sul da Sérvia (Presevo, Bujanovac e Medvedja), nacionalistas macedônios albaneses, além de mercenários estrangeiros (Zidas Daskalovski 2003:52). Outras fontes relatam a participação ativa de Xhavit Hasani, proveniente da cidade de Tanusevci, que teria sido uma das bases do ELK em 1999, e também de albaneses como G’zim Ostreni, Skender Habibi, Amrush Xhemajli e Emrus Dzemali, sendo este último um dos líderes do serviço secreto do ELK (ICG 2001/anexo A). Vínculos com a questão do Kosovo são encontrados não apenas nas relações entre os membros do ELN e do ELK, mas também nas diásporas albanesas cujas bases de operações eram em Zurique e em Pristina (de Vrieze 2002:295). A 3ª crise da Macedônia e a resposta internacional (2001) Atores internacionais tiveram uma reação relativamente coordenada em relação à 3ª crise da Macedônia: houve a explícita condenação do emprego da violência por parte do ELN e o apoio ao governo macedônio de buscar uma solução negociada para a crise.

59

Disponível em: . Acesso em: 18 mar. 2007.

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5.6.1. Grandes potências e organizações intergovernamentais ocidentais Em maio de 2001, após várias viagens a Skopje, o Secretário-Geral da OTAN, Lord Robertson, e o Alto Representante da UE para a PESC, Javier Solana conseguem evitar que o governo macedônio declarasse guerra formal ao ELN. Os partidos políticos macedônios, da situação e da oposição, receberam pressão internacional para formarem uma coalizão para enfrentar a crise, mas as negociações não tiveram muito avanço. Após seis meses do início dos confrontos localizados, um acordo é mediado por atores internacionais e assinado em 13.08.2001 em Ohrid. Ou seja, além de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

localizado, o confronto tem a duração de seis meses e não alcança o número de 1.000 mortos (ver Tabelas 2, 3 e 4 em anexo). Para facilitar o processo político no que se refere aos atores locais, as negociações envolveram somente os principais grupos étnicos (Jesper S. Thomsen 2006). Participaram das negociações os quatro maiores partidos políticos macedônios: dois de representação eslava e dois de representação albanesa – justamente os partidos mais votados, representantes de cada etnia, nas eleições de outubro e novembro de 199860. O acordo modifica a estrutura do Estado macedônio para incorporar a concepção cívica, e não nacional, da cidadania, além de reforçar o já existente sistema informal de power-sharing entre eslavos e albaneses com representação proporcional na política, inclusive com treinamento imediato de mil albaneses para serem incorporados à polícia local e colaborarem com a implementação do acordo. Outro elemento característico de Ohrid é a forte descentralização política, que confere maior autonomia e poder às cidades (Thomsen 2006). A crise da Macedônia e a solução encontrada no acordo de Ohrid têm relevância para a prevenção de conflitos por três motivos: trata-se do primeiro teste para a diplomacia preventiva da União Européia enquanto ator, que vinha sendo implementada ao longo da década de 1990 (Thomsen 2006). Em segundo lugar, durante a crise foi criado o que tem sido chamado de “Modelo Skopje”, que 60

Os partidos de macedônios eslavos e de direita eram o VMRO-DPMNE (49 assentos no parlamento) e o União Social Democrática da Macedônia (27 assentos), representando respectivamente o principal partido do governo atual e o principal partido do governo anterior (da

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envolve a coordenação do planejamento, da elaboração e da implementação de políticas entre os principais atores internacionais envolvidos na solução da crise: Estados Unidos, OSCE, OTAN e União Européia (através do Conselho, e não da Comissão61) (Thomsen 2006). O modelo foi desenvolvido graças às lições aprendidas com a falta de coordenação da ação internacional na Bósnia, quando atores locais instrumentalizaram o envolvimento de certos atores internacionais. Os representantes dos quatro atores encontravam-se com bastante freqüência durante a 3ª crise da Macedônia: havia reuniões formais uma vez por semana e, informalmente, os oficiais encontravam-se com freqüência ainda maior. As negociações foram mantidas o tempo todo no nível da alta política, com decisões a serem implementadas de maneira top-down.

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A estratégia de negociação utilizada em Ohrid foi contestada pela chefe do Programa Nacional da missão do Escritório das Nações Unidas para Direitos Humanos para a Macedônia (OHCHR), Silvia Pesic. Segundo ela, o arcabouço de Ohrid tem seu valor pois aumentou o nível de interação e a qualidade da coordenação de esforços entre atores internacionais, explicitando uma divisão de trabalho que nunca havia sido tão bem estabelecida, com funções e setores específicos para cada um dos principais atores internacionais envolvidos. No entanto, pouco foi deixado para a já marginalizada ONU e pouco foi mencionado acerca dos direitos humanos: ativistas e outras pessoas que trabalham com direitos humanos na Macedônia, como ela, tentaram participar das negociações mas sem sucesso. A propósito, não apenas os especialistas em direitos humanos mas a sociedade civil, de uma forma geral, teria ficado fora das negociações, que limitaram o diálogo aos grandes partidos políticos macedônios e a quatro atores internacionais relevantes (Silva Pesic 2006). Além disso, por mais questionador que seja, os rebeldes também não foram incluídos nas negociações de Ohrid, sendo que era do conhecimento dos atores internacionais de que eles eram um grupo específico de albaneses que compartilhavam com os partidos políticos o objetivo de maior autonomia mas não os princípios nem métodos de ação (Christopher Decker 2006). Se, por um lado, isso demonstra o respeito à exigência independência até 1999). Os partidos de macedônios albaneses moderados eram o Partido para a Prosperidade Democrática (14 assentos) e Partido Democrático dos Albaneses (10 assentos). 61 Há uma diferença pragmática entre a Comissão Européia e o Conselho Europeu no que se refere a situações de crise: o Conselho é extremamente flexível, o que pode ser uma vantagem mas também um ponto fraco, enquanto que a Comissão é geralmente inflexível e bastante burocrática.

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do governo macedônio de não negociar com “terroristas”, por outro lado, evidencia o tratamento reificado dos macedônios albaneses por parte dos atores internacionais envolvidos na negociação. No pós-Ohrid, as partes da Macedônia seguiram à risca o cronograma: alterações constitucionais e legislativas ocorreram de maneira simultânea à desmobilização e desmilitarização dos membros do ELN. Nas eleições parlamentares de 15.09.2002, a maioria dos assentos passa a ser compartilhada pelos partidos liderados por Branko Crvenkovski (um partido de centro-esquerda, o União Democrática Social – UDS), e pelo ex-rebelde do ELN Ali Ahmeti (um partido de macedônios albaneses, a União Democrática para Integração – UDI). Ambas as lideranças demonstraram preocupação em alterar a política voltada para

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o confronto étnico em direção a um novo conceito de Estado macedônio, baseado na “solidariedade étnica” (IWPR 2002:9). Ahmeti foi um dos maiores líderes do ELN e teria fundado o UDI alguns meses após a assinatura de Ohrid, devido à proximidade das eleições. Sua vitória nas urnas, com 16 dos 26 assentos destinados à etnia albanesa (IWPR 2002:11), torna evidente a liderança de Ahmeti e permite identificar tanto a tentativa de reintegração do líder à sociedade, como a relevante canalização das demandas albanesas pela via política. Convém ainda ressaltar que os dois partidos de macedônios albaneses que participaram das negociações de Ohrid, o DPA e o PPD, obtiveram 7 e 2 assentos respectivamente (IWPR 2002:12). O momento do pós-Ohrid mostrou-se propício para a inauguração de uma universidade albanesa na cidade de Tetovo, cidade macedônia simbólica para esta minoria e onde grande parte da população fala a língua albanesa. Na mesma cidade, em 1997, um grupo de professores havia criado uma universidade integralmente em língua albanesa que não foi reconhecida como legítima pelo governo macedônio. Em fevereiro de 2001, após anos de negociação internacional e de alterações substanciais na legislação educacional no país, tem início a construção de uma universidade particular na cidade. A Universidade do Sudeste Europeu (South Eastern European University)62 abriu suas portas em novembro de 2001, apesar de manifestações negativas de representantes das principais etnias macedônias: alguns albaneses acreditavam que a universidade deveria ser

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financiada pelo governo (é financiada por um grupo de doadores internacionais não-estatais), e alguns eslavos sustentavam que ela nem deveria existir porque reforçava o risco de fragmentar e segregar ainda mais a população (Vilma Venkovska-Milcev 2006, Broughton e Fraenkel 2002). De uma maneira ou de outra, a universidade atende a uma das principais demandas dos macedônios albaneses desde o início da década de 1990, que era a de ter ensino superior em sua própria língua nas cidades em que estejam em maior número. 5.6.2. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) Durante os meses de confronto entre as forças de segurança macedônias e o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

ELN, a OTAN enviou sinais ambíguos sobre a possibilidade de maior envolvimento na questão. No início de 2001, tropas da OTAN interromperam a movimentação ilegal de supostos membros do ELN entre a fronteira do Kosovo e da Macedônia, na região de Tanusevci, que eram monitorados desde junho de 2000 (Center for Balkan Development 200163). Em junho de 2001, após negociação entre o governo macedônio e o ELN, mediada pela União Européia, a OTAN montou uma operação para prosseguir com a evacuação de rebeldes - e seus armamentos – de duas cidades próximas a Skopje: Arachinovo e Nikushtek. Com a assinatura do Acordo de Ohrid, a OTAN volta a ser ator relevante na Macedônia e recebe autorização para colocar em prática a missão de desmilitarização do ELN, denominada “Operação Colheita Essencial”, com duração de 30 dias (27.08 a 26.09.2001) e com a meta de recolher e destruir 3 mil armas a serem entregues voluntariamente (Broughton e Eran 2002:271-272). O processo foi um sucesso e conseguiu alcançar a meta porque ocorreu de maneira simultânea à votação no parlamento macedônio das 15 emendas constitucionais com as alterações previstas pelo Acordo de 2001. Ambas as atividades estavam previstas no cronograma do Anexo A de Ohrid e foram implementadas dentro do prazo estabelecido (Thomsen 2006).

62

South Eastern Europe University. Disponível em: . Acesso em 05 jan. 2007.

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5.6.3. Atores internacionais não-tradicionais Os principais programas da Search for Common Ground na Macedônia, o Mosaic e o Nashe Maalo, foram mantidos em funcionamento durante os meses de crise. No caso do Mosaic, a principal produtora afirma que o programa, mesmo de vanguarda (devido à dificuldade de colocar macedônios e albaneses em uma mesma sala de aula), só obteve sucesso porque foi implementado antes da escalada da violência. O desenrolar do conflito foi encarado como um teste pela equipe e a manutenção do projeto demonstrava que não havia posicionamento político e também que as crianças envolvidas não eram cobaias. A equipe decidiu suspender a veiculação de imagens do programa pela televisão e sugeriu que não PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

houvesse entrevistas por parte dos envolvidos no projeto, já que invariavelmente as perguntas eram provocadoras ou constrangedoras, o que expunha os professores e as crianças de maneira desnecessária (Venkovska-Milcev 2006). O programa de TV Nashe Maalo era televisionado pelo principal canal público macedônio (TV Macedônia), por ser o único que emitia sinal para todo o país. Ao longo dos anos, canais fechados, com alcance local, também se interessaram em veiculá-lo. A equipe do Nashe Maalo reforçou as parcerias com 7 emissoras macedônias e albanesas de menor alcance de modo que garantissem a cobertura de boa parte do território nacional. Quando o conflito armado começou no norte e no oeste do país, a TV Macedônia retirou o projeto da programação por medo de retaliação, já que era a primeira vez em que um único programa da TV mostrava albaneses, eslavos e turcos ao mesmo tempo. Após debates sobre a possibilidade de interromper a produção e a veiculação do programa, devido à expectativa dominante de que o conflito poderia escalar para uma guerra regional, a equipe passou a produzir pequenos comerciais com crianças que ficaram famosas por fazerem parte do programa, com mensagens de que queriam a “nossa vizinhança” em paz e dizendo “não” à guerra (Kornelija Cipuseva 2006)64. A cobertura dos incidentes pré-Tetovo por parte dos programas da mídia oficial e também de canais privados foi relativamente equilibrada em termos

63

Center for Balkan Development (Radio Free Europe/Radio Liberty), Macedonian Crisis Information, RFE/RL Balkan Report Vol. 5, n. 18, 09 mar. 2001. Disponível em: . Acesso em: 18 mar. 2007. 64 Nashe Maalo significa literalmente “nossa vizinhança”.

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étnicos. Após o início do confronto no norte e no oeste da Macedônia, “a mídia contribuiu para uma situação de histeria pública, reforçando estereótipos negativos nas línguas de cada grupo étnico” (ICG 2001:16).65

Conclusão A dinâmica de ambos os casos segue a lógica do modelo de Ted Robert Gurr sobre os motivos e as condições que levam minorias à rebelião. A literatura, exemplificada por Gurr, está mais preocupada com os fatores que causam a violência armada, e não com os que evitam a violência armada. Ainda assim, os indicadores são úteis para a compreensão dos casos. Segundo Gurr, há três

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indicadores de que uma rebelião está prestes a ocorrer: (i) incentivos para iniciar a ação coletiva: histórico de perda de autonomia, discriminação política e econômica contra o grupo e histórico de repressão governamental; (ii) capacidade de manter a ação coletiva: força da identidade coletiva e capacidade de mobilização militar do grupo; e (iii) oportunidades para a ação coletiva: número de países vizinhos em que haja conflito armado e apoio de grupos simpatizantes residentes em países vizinhos (Gurr 2000). Uma análise de tais fatores demonstra que, até 1997, os kosovares albaneses tinham muitos incentivos para se rebelar, mas não tinham capacidade nem oportunidade para tanto (Miall et alli 2005:101). A crise da estratégia de nãoviolência de Rugova, iniciada no final de 1994 e reforçada pelo fracasso que Dayton representou para os kosovares albaneses, deu origem a uma voz mais forte por parte de grupos radicais dentro e fora do Kosovo. Tal voz foi responsável por reforçar a identidade de um grupo específico de kosovares, que tiveram acesso a financiamento, armas e munições não apenas na Albânia, em colapso desde 1997, mas também da diáspora albanesa nos Estados Unidos e na Europa. Também é possível observar que as condicionantes da ação preventiva internacional não são suficientes para aumentar as chances de sucesso da prevenção. Sendo as condicionantes da ação o discurso, a estrutura do ator internacional e sua interpretação da situação local como sendo passível de

65

Tradução livre de: “the media contributed to a mood of public hysteria, reinforcing negative stereotypes in and of each language-community”.

239

prevenção, é de se ressaltar que o sucesso da prevenção dependerá ainda de um elemento externo à ação internacional, que é a forma através da qual as partes envolvidas recebem e internalizam as medidas propostas pelo preventor internacional. Ou seja, não basta a ação internacional, condicionada pelos três fatores supra-mencionados: o discurso, a estrutura e a interpretação da situação local como propícia à prevenção. É também relevante, para aumentar as chances de sucesso, que a liderança das partes envolvidas no nível doméstico seja moderada e que tenha interesse de impedir o avanço da violência e/ou de alcançar seus objetivos por uma via não-violenta (Ackermann 1999:166). Este interesse depende da personalidade dos líderes e também da natureza das partes, ou seja, se elas são representantes de grupos minoritários ou de um governo/de um Estado

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soberano. Sobre este aspecto, os casos da Macedônia e do Kosovo demonstram que o governo tem a seu favor a força da regra internacional da soberania e poderá utilizar-se dela de maneiras diferentes, seja para aproximar seja para afastar atores internacionais, sobretudo os intergovernamentais, conforme seu contingencial interesse. Isso faz com que, em um segundo momento, os grupos minoritários residentes

em

Estados

multiétnicos

com

modelos

de

representação

desproporcional sejam reféns de uma norma internacional que não lhes dá voz, sobretudo em uma época em que o princípio da auto-determinação dos povos não recebe mais a legitimidade que teve durante as décadas de 1970 e 1980. No caso do Kosovo, a 1ª oportunidade para a ação internacional ocorre durante a crise gerada pela deterioração das relações entre sérvios e albaneses, e vai de 1989 até o fim de 1992. Ainda assim, a ação internacional na época é inepta, tímida e pouco incisiva. Parece existir um paradoxo em relação ao timing para a ação internacional, juntamente com a interpretação do contexto iugoslavo por parte dos atores internacionais, o que pode explicar a omissão de medidas mais contundentes no período de 1989 e 1992. Apesar de a crise kosovar ter recebido um elemento novo em 1989, o timing para a ação internacional começa e também termina no ano de 1992. O timing somente começa em 1992 porque é nesse ano que tem início formal o processo de desintegração da Iugoslávia, devido às articulações internacionais para o reconhecimento das independências da Eslovênia, da Croácia e da Bósnia-Herzegovina no primeiro semestre. O reconhecimento internacional de um Estado implica no reconhecimento de que qualquer guerra naqueles territórios passa a ser considerada de natureza

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interestatal e, portanto, passível de envolvimento de representantes da comunidade de Estados, a exemplo da ONU, da OSCE, entre outros atores intergovernamentais. Isso justificaria a ação preventiva internacional apenas se houvesse consentimento do Estado envolvido. No caso do Kosovo, apesar da declaração de independência de setembro de 1991 ser anterior à das quatro exrepúblicas, não houve manifestação internacional em direção ao reconhecimento do suposto novo Estado, à exceção da Albânia, que teria se comprometido a rever sua decisão se necessário (ICG 1998:10; BBC 1999). Ao mesmo tempo, o timing para a ação internacional supostamente termina a partir do segundo semestre de 1992, quando Milošević vence as eleições para a Presidência Sérvia e mantém o discurso de que escalaria o conflito armado

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no Kosovo. O 2º lugar nas eleições e na história kosovar ficou para o primeiroministro iugoslavo da época, Milan Panić, que negociava diretamente com os albaneses e com atores internacionais relevantes (Ramet 2001:10, BASIC 2000). Outra questão a ser levantada é a dificuldade de ação por parte de atores internacionais não-tradicionais. Cerca de 50% das ONGs com projetos no Kosovo começaram suas atividades somente a partir de 1998 e, desse grupo, a grande maioria pôde iniciar de fato a prestar seus serviços após o registro no UNMIK, feito a partir de dezembro de 1999 (de Vrieze 2002:299). No caso da Macedônia, é relevante ressaltar que o que seria considerado uma interferência nos afazeres domésticos de um Estado soberano de acordo com a interpretação diplomática tradicional passou a ser interpretado como um procedimento operacional padrão (Anderson 1999:57). Tal situação só pôde se manifestar porque houve o consentimento de todas as partes envolvidas em relação à atividade da OSCE, que é uma organização essencialmente multicultural e que passava a ter por objetivo primordial a prevenção de conflitos na Europa. Este capítulo procurou compor o sociograma de cada crise, com destaque aos atores internacionais que se envolveram em maior ou menor escala em ambos os casos. Através dele é possível identificar que atores internacionais, através da ação ou omissão, tiveram fortes impactos na dimensão doméstica. A título de ilustração, destacam-se os exemplos do veto chinês na renovação da UNPREDEP, da reabertura das fronteiras macedônias com a Grécia, dos esforços de Holbrooke em obter Dayton para a Bósnia (nov. 1995) e em obter o acordo com Milošević sobre o Kosovo (out. 1998) (Norman Anderson 1999:64).

6 Conclusão

O presente trabalho procurou demonstrar o papel desempenhado por atores internacionais envolvidos na consolidação do conceito de prevenção de conflitos violentos, mesmo quando tais conflitos são domésticos. Em linhas mais específicas, na parte teórica, conferiu-se destaque aos diferentes graus de envolvimento de atores internacionais com o discurso e com a institucionalização do discurso de prevenção e, na parte empírica, observou-se que o envolvimento de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310322/CA

tais atores nas crises domésticas em análise sofreu impacto do que se convencionou chamar de condicionantes da ação preventiva: (i) conceito de prevenção; (ii) mecanismos de prevenção; e (iii) interpretação do contexto local. Com o fim da Guerra Fria, o contexto de desintegração da Iugoslávia torna-se um grande teste para a estrutura de organizações européias e também para a OTAN e para a ONU. Também no início dos anos 1990 têm início os debates sobre o conceito contemporâneo de prevenção, fomentados sobretudo pela publicação da Agenda para a Paz (1992). Esse contexto de instabilidade e de formulação de paradigmas não-sedimentados ocorre de maneira concomitante à primeira crise de ambos os casos, entre 1989 e 1993, e condiciona a reação internacional a cada uma delas. Naquela época, o conceito dominante entre os potenciais preventores internacionais restringia-se ao nível interestatal, o que favoreceu o envolvimento imediato de atores internacionais na 1ª crise da Macedônia (1992/1993) e dificultou o envolvimento dos mesmos atores no vizinho Kosovo, na mesma época (1989-1992). Ao longo da década de 1990, percebe-se uma modificação do conceito de prevenção dominante entre alguns atores internacionais ligados à prevenção. Além da modificação conceitual decorrente da evolução de uma situação dinâmica e em consolidação, certos atores passam a institucionalizar o conceito através da criação de estratégias, fundos especiais, equipes especializadas e centros de pesquisa. Uma das conseqüências de tal dinâmica de alteração conceitual e institucional é o envolvimento, em menos de 10 anos, de atores

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internacionais na 3ª crise da Macedônia (2001), que tem origem e natureza domésticas. Em 2001, no entanto, quando atores internacionais já dispunham de discurso e mecanismos voltados para lidar com algumas crises domésticas, já teriam ocorrido as duas piores crises do Kosovo (1997/1998 e 1999) e, nesse sentido, não mais era possível falar em ação para evitar o conflito violento, mas sim prevenção de escalada ou mesmo reconstrução no pós-conflito violento. Outro ponto a se destacar tem relação com a interpretação da situação local por atores de prevenção. No que se refere à essência da causa de ambos os casos, as demandas iniciais dos albaneses do Kosovo antes da 1ª crise eram bastante semelhantes às demandas dos albaneses da Macedônia na 3ª crise (2001): tratavam da busca por maior autonomia. Porém, também inicialmente, os atores

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internacionais envolvidos não desejavam lidar com movimentos de autodeterminação quando a forma desse movimento violasse a soberania de outros Estados. Por outras palavras, ainda que a essência da demanda fosse semelhante, a forma da demanda dava-se em um contexto intocável por eventuais estratégias de prevenção: a soberania enquanto princípio basilar do sistema internacional (ver Tabela 3, em anexo). Ao longo da década de 1990, porém, os mesmos atores internacionais conferiram uma nova interpretação ao contexto da 3ª crise macedônia (2001) e envolveram-se na rápida resolução de um confronto armado com elementos essencialmente domésticos. Tal conjuntura reforça o argumento de que estão em processo de consolidação tanto o conceito de prevenção como os mecanismos voltados para a sua implementação, em um movimento paralelo à interpretação e reinterpretação de elementos relacionados ao contexto local.

Lições da Parte I A Parte I demonstra que está em formação uma cultura de prevenção entre alguns atores e autores, como se fosse possível falar em uma “comunidade epistêmica revisitada”. A comunidade epistêmica, tal como no conceito original de Peter Haas, envolve a participação de profissionais com conhecimento especializado, que compartilham princípios e valores, e com o objetivo de influenciar os interesses de Estados ou de salientar dimensões específicas de certas questões para que políticos venham a definir seus interesses (Peter M. Haas 1992:4). No caso da prevenção, o que se percebe é a constituição de algo que por

243

conveniência pode ser chamado de “comunidade epistêmica”, composta por um grupo de acadêmicos, políticos e também profissionais que compartilham princípios e que procuram influenciar a construção do conhecimento sobre conflitos na esfera política internacional. Em uma dimensão mais profunda, tal comunidade ressalta o desafio de uma mudança estrutural na forma como são tratados os conflitos contemporâneos e sugere a reversão da padronização de duas lógicas hoje dominantes na segurança internacional: (i)

Não se lida seriamente com o fato de que a maioria dos conflitos violentos atuais ocorrem dentro das fronteiras de Estados soberanos;

(ii)

A lógica reativa é predominante no tratamento da violência armada, mas é preciso incluir também uma lógica pró-ativa e sensível a

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questões potenciais para a prevenção da violência em larga escala. Nos casos em estudo, vê-se que a primeira questão começa a ser absorvida ao longo da década de 1990 por alguns atores internacionais, a exemplo da ONU e da União Européia, que decidem rever sua definição de prevenção e incluem aspectos voltados para a dimensão doméstica dos Estados. A segunda questão, porém, permanece no nível da retórica quando é tratada – à exceção da OSCE, cujas atividades em diferentes órgãos são conduzidas na maior parte das vezes pela primazia do conceito de prevenção. É interessante perceber que os instrumentos utilizados na maior parte das estratégias de prevenção não são completamente novos, ou seja, são mecanismos provenientes de outras lógicas que começam a ganhar uma “roupagem de prevenção” à medida que vão sendo incorporados no discurso preventivo (Lefkon 2003:737).

Lições da Parte II Na parte empírica, há algumas lições em ambos os casos. No Kosovo, as principais lições a serem examinadas têm relação com a demora na interferência de atores internacionais. A busca pela autonomia, convertida em luta pela independência no Kosovo, guiou a interpretação de atores políticos internacionais e, consequentemente, teve grande impacto na moldagem da resposta internacional a cada crise. Marc Weller argumenta ser evidente, desde as primeiras tentativas de lidar com a desintegração da Iugoslávia, a relutância de alguns atores internacionais em se envolverem em uma crise com um forte elemento de auto-

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determinação (Marc Weller 1999:29). Tal resistência em se engajar com a autodeterminação, ao lado do conceito de prevenção restrito ao nível interestatal e da ausência de mecanismos que lidem com guerras civis, também contribuem para explicar a demora da ação efetiva por parte de atores internacionais. É somente no contexto pós-Dayton, mais precisamente em 1997-1998, que há uma interferência mais incisiva e com mais afinco por atores internacionais, após a comprovação da existência de atos, àquela altura já sistemáticos, de violência direta entre as partes. Nesse momento, porém, é mais difícil lidar com as causas estruturais do conflito de interesses, vez que as partes já estão polarizadas, os argumentos estão mais rígidos, há novas questões envolvidas (a exemplo da necessidade de desmilitarização, que não existia do lado dos albaneses antes de

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1995), além das poucas oportunidades para ação de uma terceira parte. A dificuldade de escolher em que crise atuar também parece ser um outro elemento que ajuda a explicar a demora da interferência internacional no Kosovo. Durante boa parte do período em que a sociedade kosovar se organizou no movimento

não-violento, atores

internacionais relevantes estavam mais

preocupados com outros problemas igualmente complexos: a guerra no Golfo (1990), a guerra da Bósnia (1992-1995), a Somália (1992-1993), entre outras crises, sobretudo no Oriente Médio (Misha Glenny 2001:635). No caso da Macedônia, por sua vez, as lições a serem tiradas têm relação com elementos que teriam favorecido o sucesso relativo deste processo de prevenção. A origem e a resposta da primeira crise (1992/1993) foram mantidas no nível interestatal, o que contribuiu para a interpretação da questão como sendo de potencial violência, feita por atores que na época começavam a desenvolver o conceito de prevenção. Citam-se os exemplos das missões da ONU (UNPROFOR/UNPREDEP) e da OSCE (Spillover Monitor Mission to Skopje): a entrada de ambas as missões em território macedônio desde o início da instabilidade contribuiu para a criação de uma base internacional in loco, preocupada com a preservação de uma barreira à disseminação da violência armada. À medida que problemas domésticos foram tomando diferentes proporções, o conceito de prevenção utilizado, assim como o mandato das missões internacionais, foram adaptados para incorporar certos elementos domésticos. Sob este aspecto, o super-dimensionamento das ameaças externas iniciais teria contribuído para que, controladas as fronteiras pela ONU, a questão interna

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da Macedônia pudesse ser tratada pela OSCE e outros atores, de maneira a evitar a eclosão da violência em massa a partir de elementos domésticos. A preocupação continuava a ser a de impedir que as populações étnicas da Macedônia, sobretudo a albanesa e a sérvia, fortalecessem os laços com seus pares dos países vizinhos Albânia e Sérvia -, e que isso levasse eventualmente à terceira guerra dos Bálcãs, com a participação da Turquia, Grécia e Bulgária. Assim, embora a origem da instabilidade tenha passado para o plano interno, a preocupação maior se manteve durante um tempo no nível interestatal e na prevenção de uma guerra regional. A segunda e a terceira crises da Macedônia, diferentes da primeira, têm fortes elementos internos. No entanto, a confiança e, sobretudo, o consentimento por parte do presidente macedônio em relação à manutenção das missões

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internacionais facilitaram a renegociação dos atores internacionais envolvidos e permitiram a participação de outros, como a OTAN durante a crise de refugiados de 1999. Essa facilitação por parte da liderança doméstica não ocorreu no lado do Kosovo que, ao contrário, estava mais interessada em manter o Ocidente fora da situação política kosovar. Juntos, os casos do Kosovo e a Macedônia podem ser analisados a partir de suas principais semelhanças e diferenças. São identificadas as seguintes semelhanças entre os dois casos: (i)

A localização – a posição geo-estratégica no sul da Iugoslávia;

(ii)

A composição multi-étnica da população – cerca de 1/5 representa um grupo étnico específico: os albaneses (em 1991, os albaneses da Macedônia correspondiam a 21,5% da população total e, no mesmo ano, os albaneses do Kosovo correspondiam a 17% da população total da Sérvia, ou 82% da população total da província do Kosovo1);

(iii) O tratamento diferenciado para o grupo étnico politicamente dominante – tal grupo era representado especificamente pelos eslavos; (iv) A territorialização e politização das etnias – além da separação física da maior parte dos componentes dos grupos de albaneses e eslavos, há a ascensão de líderes nacionalistas de ambos os grupos nos dois casos,

1 Fontes: Emeric Rogier 1997:26, UNMIK, outubro de 2006, disponível em: . Site atual do Governo da República da Sérvia, disponível em: . Acessos em: jan. 2007.

246

o que indica a organização política e territorial sob bases nacionais e não cívicas; (v)

A preocupação com a adoção de medidas preventivas – por atores domésticos ou por atores internacionais, e em pelo menos uma das crises e pelo menos via a estratégia de prevenção operacional.

Destacam-se também as principais diferenças entre os casos analisados: (i)

A forma de organização política e a forma pela qual se buscou a autodeterminação da minoria albanesa - a Macedônia é internacionalmente reconhecida como Estado soberano, enquanto o Kosovo, após passar por períodos de maior ou menor autonomia no contexto da ex-

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Iugoslávia, é transformado em província da Sérvia em 1989 e em território sob proteção internacional em 1999. No contexto maior da Macedônia, o grupo de albaneses demandava o auto-governo, enquanto no contexto maior da Sérvia, o grupo de albaneses exigia a independência do Kosovo (ver Tabela 3, em anexo). (ii)

A participação ativa de diferentes atores internacionais desde o início das crises, com estratégia de prevenção estrutural e abordagem multissetorial – esta combinação é identificada na Macedônia logo após a resposta à 1ª crise, devido à forma de organização política e ao conceito de prevenção então dominante, que privilegiava o nível estatal. Ainda no início da década de 1990, na Macedônia, percebe-se o envolvimento de diferentes atores internacionais em questões referentes

à

governabilidade

e

desenvolvimento,

que

são

características da prevenção estrutural. Não se pode negar o envolvimento de atores internacionais no Kosovo, sobretudo a partir de 1998, mas a preocupação com a estratégia estrutural só acontece na fase de reconstrução após os bombardeios de 1999, quando já não é mais possível falar em prevenção. Pelo exposto, conclui-se que a implementação das medidas preventivas é limitada pela construção de um conceito de prevenção e, sobretudo, pelos obstáculos inerentes à inserção do conceito enquanto política estratégica de atores internacionais relevantes. Não obstante, a exceção representada pelo caso da

247

Macedônia demonstra que atores internacionais têm à sua disposição recursos que podem ser mobilizados em prol da canalização de demandas contemporâneas, de modo a evitar a sua manifestação violenta, ainda que se trate de conflitos de interesse de natureza doméstica.

A situação dos casos em 2007 e a confirmação da análise realizada A situação atual em ambos os casos, embora não pertença ao recorte temporal do objeto, corrobora com a análise deste trabalho. No Kosovo, há uma clara janela de oportunidade para o impacto construtivo de atores internacionais em direção à maior estabilidade da situação. Supostamente renovada pelo

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aprendizado, tal oportunidade de ação hoje acontece através das negociações internacionais sobre o futuro status político e jurídico da província do Kosovo. Como se demonstrou, desde o fim dos bombardeios de 1999, o Conselho de Segurança da ONU submete o Kosovo ao status de um território administrado pela ONU. Em tese, porém, seu status jurídico continua sendo o de uma província da Sérvia. Em outubro de 2005, o Conselho de Segurança autoriza o SecretárioGeral a indicar um enviado especial, cuja responsabilidade seria a de redigir um relatório sobre o futuro status do Kosovo. O escolhido é o ex-presidente finlandês, Martti Ahtisaari, anteriormente envolvido no caso do Kosovo como um dos responsáveis pela suspensão dos bombardeios da OTAN após negociações com Milošević, em junho de 1999. As atuais negociações têm início em fevereiro de 2006 entre Ahtisaari, representantes do Grupo de Contato, ainda ativo, e representantes das partes. Em fevereiro de 2007, um ano após o início das negociações, a solução proposta por Ahtisaari agrada mais aos albaneses, mas não é bem vista por todos, a exemplo do movimento de resistência Vetvendosja, nem pelos sérvios, nascidos ou não no Kosovo. Trata-se de uma solução imposta, e não negociada, por causa da complexidade a que se chegou a situação e, sobretudo, devido à polarização das posições de ambas as partes: os albaneses buscam a independência total e os sérvios não desejam conceder a autonomia territorial. A última rodada de negociações terminou em um impasse. Ainda assim, o relatório produzido por Ahtisaari é submetido ao Conselho de Segurança em março de 2007. Há indícios de que a Rússia possa vetar a proposta contida no

248

relatório que, em termos simplistas, defende a idéia de independência condicionada. Caso seja aceita, os atores internacionais permanecerão na região inicialmente, com componentes civis e militares, de modo a monitorar a implementação dos passos necessários para a transferência do poder da UNMIK para as autoridades locais. Caso não seja aceita a proposta, há o risco de os kosovares albaneses declararem unilateralmente a independência, o que já foi antecipado por atores internacionais envolvidos. Segundo Adrian Zeqiri (20072), no contexto atual não há espaços para a propositura de uma solução negociada no Kosovo. Além da polarização das demandas, os estereótipos construídos no decorrer das últimas décadas prejudicam as melhores tentativas de incluir sérvios, mesmo nascidos e residentes no Kosovo,

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em uma administração provençal. Zeqiri sustenta ainda que os sérvios não desejam participar da vida pública ou social de um Kosovo multi-étnico, por medo de vingança e falta de confiança, fomentados e manipulados há anos. No que se referem aos políticos sérvios do Kosovo, há também outro dilema: por um lado eles sabem dos custos políticos, econômicos e sociais que representaria a reintegração da província ao território da Sérvia. Mas, por outro lado, não desejam ser vistos como os responsáveis pela aceitação da perda do território kosovar (Alain Délétroz 2007). Tudo isso indica que as partes podem não estar prontas para o próximo passo e diferentes espaços de diálogo e negociação em níveis da diplomacia não-tradicional poderiam ser mais explorados antes de se impor uma solução top-down. A reação de ativistas albaneses e sérvios que são contrários à proposta permanece uma incógnita no processo. Trata-se de um pequeno grupo de pessoas de ambas as etnias, mas há indicações de ser violenta a maneira que encontraram para protestar contra a solução imposta. Desde o mês de janeiro de 2007, passeatas pelas ruas de Pristina, iniciadas de maneira pacífica e estimuladas pelo grupo albanês Vetvendosja, terminam com mortos e feridos pela repressão da polícia local. Parecem superdimensionadas as ameaças de alguns raros políticos sérvios, residentes no norte do Kosovo, de que haverá uma fuga de sérvios após a aceitação do plano de Ahtisaari ou de que esta parte do território kosovar unir-se-á à Sérvia (ICG 2007, Heli Suominen 2007).

2

Adrian Zeqiri, em 23 fev. 2007 e em 01 mar. 2007, por email.

249

Uma das formas de envolvimento de atores políticos internacionais tem sido a de fazer concessões à Sérvia, em uma tentativa de compensar uma futura e quase certa perda de território. Ahtisaari, por exemplo, esperou o fim das eleições na Sérvia e a composição do governo doméstico para só então divulgar seu relatório. Em mais uma tentativa de concessão, contrária à estratégia desenvolvida nos últimos anos, a União Européia decide em março de 2007 suspender a exigência da entrega de criminosos de guerra pela Sérvia caso este governo faça concessões em relação à autonomia do Kosovo (Sabine Freizer e Andrew Stroehlein 2007). Tal medida reverte um processo que levou mais de uma dezena de criminosos de guerra ao tribunal internacional para os crimes cometidos na exIugoslávia, em Haia, e impede que grandes nomes da guerra da Bósnia, como

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Karazdić e Mladić, sejam julgados. Mais uma vez, a União Européia parece disposta a mesclar a histórica da Bósnia com a história do Kosovo. A política internacional pode ser interpretada como um tabuleiro de xadrez, mas as peças têm vida própria. Nas negociações de Dayton sobre o futuro da Bósnia houve expectativas kosovares que foram negligenciadas pelos atores internacionais liderados pelos Estados Unidos. Na mesma medida parece ser o plano da União Européia de suspender a busca pelos criminosos de massacres como o de Srebrenica (1995), em nome de concessões sobre o futuro do Kosovo, o que pode igualmente frustrar as expectativas de bósnios. Além disso, não se pode esquecer que os sérvios de Krajina (região na Croácia) assim como os sérvios

da

Republika

Srpska

(região

da

Bósnia)

tinham

demandas

independentistas e tiveram de se contentar com o auto-governo. Ou seja, não tiveram tratamento político semelhante aos que têm os albaneses do Kosovo e, por conseguinte, podem também ter expectativas frustradas caso a independência condicionada na província seja aceita pelo Conselho de Segurança. A frustração, sozinha, não é problemática mas, como não é peculiar da histórica dos Bálcãs, a manipulação política da frustração tem potencial desestabilizador. A situação permanece complexa e pouco definida, sobretudo enquanto os atores internacionais envolvidos com a questão do Kosovo há mais de 10 anos não demonstrarem ter aprendido e refletido sobre algumas lições da década de 1990. A situação presente da Macedônia também confirma a análise da tese e ratifica o sucesso relativo das medidas de prevenção empregadas por atores domésticos e internacionais durante os anos 1990. É possível sugerir, embora não

250

seja verificável, que os danos na sociedade macedônia teriam sido maiores em 2001 caso não houvesse a presença internacional desde 1992 e caso tal presença não tivesse recebido o apoio de líderes locais. Apesar dos avanços em direção à estabilidade na última década, duas questões ainda estão sem solução permanente: a disputa do nome com a Grécia e a demarcação das fronteiras com a Sérvia, na altura do Kosovo. No entanto, durante essa década, foi criado um ambiente favorável à canalização institucional, política e diplomática das demandas e, com isso, nenhuma das duas questões constitui uma ameaça real à estabilidade da Macedônia. O atual processo de negociação do status final do Kosovo também deixa alguns macedônios eslavos e albaneses em expectativa, mas são baixas as chances de mobilização e militarização de

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macedônios albaneses. Nas últimas eleições presidenciais, em março de 2005, volta à cena política o partido de ex-comunistas que havia governado a Macedônia desde a independência até 1999, o União Social Democrática da Macedônia. Em julho de 2006, as eleições parlamentares dão vantagem novamente ao partido VMRO, como havia acontecido em 1998. O presidente atual, Branko Crvenkovski, procurou incluir diferentes partidos em sua base política, inclusive os mais votados representantes de interesses albaneses, o que demonstra que o sistema pluripartidário criado há 15 anos está em funcionamento e que está garantido o acesso à via institucional para que eventuais descontentes canalizem suas demandas. O governo atual também dá continuidade às políticas de inclusão social e política e de respeito a minorias albanesas, ainda no processo de implementação da chamada Agenda Legislativa dos Acordos de Ohrid (2001), com previsão de conclusão para 2005 (Jesper S. Thomsen 2006). Em 15.07.2005, por exemplo, o parlamento autorizou o hasteamento da bandeira das minorias em eventos oficiais, nas cidades cuja população seja majoritariamente de uma etnia, desde que a bandeira da Macedônia fosse igualmente hasteada (Britannica 20063). Os progressos na criação de um ambiente favorável à estabilidade, liderados pelo governo, recebem o reconhecimento de atores internacionais relevantes: em dezembro de 2005, líderes da União Européia criam uma parceria

3

Encyclopædia Britannica Online. Britannica Book of the Year, 2006. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2007.

251

com a Macedônia para supostamente prepará-la para aderir ao grupo4 e, entre novembro de 2006 e janeiro de 2007, líderes da OTAN anunciam que o país pode ser convidado a ingressar na Aliança em 2008, juntamente com a Albânia e a Croácia5. Ainda não se sabe se esse reconhecimento não passará de um incentivo para agilizar as reformas políticas e econômicas já em curso na Macedônia. De qualquer maneira, não se pode negar os esforços e o progresso do país em direção a um contexto mais estável e mais inclusivo.

Frutos da pesquisa e sugestões para novas análises O presente trabalho consolidou o conhecimento que tem sido produzido no

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âmbito internacional em relação ao conceito de prevenção de conflitos violentos, com ênfase nas estratégias de ação e na abordagem multissetorial da questão. Justifica-se tal ênfase pelo fato de serem esses os poucos pontos consolidados do debate: as estratégias de prevenção (estrutural e operacional) e os elementos que, se adotados, aumentam a chance de eficácia da ação de prevenção (estratégia estrutural e abordagem multissetorial). Ao tentar vincular as partes teórica e empírica, a pesquisa demonstrou que outros elementos eram anteriores à eficácia da ação e diziam respeito à ação em si, ou seja, eram elementos necessários para a própria mobilização da ação. Verificou-se que a ação preventiva, antes de ser considerada eficaz, está condicionada a três aspectos: (i) a construção de um conceito de prevenção (Capítulos 1 e 2); (ii) a institucionalização do discurso de prevenção (Capítulo 3); e (iii) a interpretação da situação local como sendo passível de prevenção (Capítulo 4). Assim, é possível falar nas condicionantes da ação preventiva e também nas condicionantes da eficácia da ação preventiva. No que se refere às condicionantes da eficácia da ação preventiva, os casos analisados reforçam o entendimento da literatura e demonstram que as chances de sucesso das medidas preventivas foram menores no Kosovo devido não apenas à inação, mas também à ação superficial, tardia e descoordenada dos

4

European Partnership with the Former Yugoslav Republic of Macedonia. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2007. 5 Disponível em: , . Acessos em: 28 mar. 2007.

252

poucos atores internacionais envolvidos. A ação preventiva na Macedônia, por sua vez, teve maiores chances de sucesso porque teria sido estrutural e multissetorial graças à interpretação que se fez do contexto local na iminência das crises. No que se refere às condicionantes da ação preventiva, os casos demonstram que a promoção do discurso de prevenção por atores internacionais não leva necessariamente à sua adaptação institucional. Além disso, ainda que mecanismos estejam disponíveis aos potenciais preventores internacionais, só serão implementados se a situação concreta for interpretada como passível de prevenção, o que é uma decisão essencialmente política e, portanto, contingente. O trabalho também demonstra alguns dos principais obstáculos ao papel de atores internacionais na prevenção contemporânea da violência em massa,

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quais sejam: a falta de coordenação, o dilema entre soberania moderna e autodeterminação e a questão da liderança doméstica. Mais precisamente, tais aspectos parecem ser obstáculos à eficácia da ação, e não à ação propriamente dita e, embora não componham o objeto desta tese, são identificados como pontos de partida para futuras pesquisas relacionadas à prevenção. Como mencionado pela literatura, as chances de sucesso do processo de prevenção tendem a aumentar com a adoção da estratégia estrutural e da abordagem multissetorial. A análise dos casos demonstra que a falta de coordenação entre os atores internacionais envolvidos e entre as medidas implementadas também pode ser identificada como um obstáculo à eficácia e, nesse sentido, é uma lição a ser aprendida (Lefkon 2003:738). Isso decorre do fato de a ação multissetorial não ser necessariamente coordenada entre os diferentes atores envolvidos. Se por um lado a diversidade de mandatos, objetivos, burocracias e clientelas/eleitorados é um ponto favorável para lidar com as complexas causas da violência contemporânea, por outro lado, esses mesmos elementos dificultam a ação coletiva (Barnett R. Rubin 1998:16-17). Trata-se, portanto, do desafio de criar novas formas de coordenação entre potenciais preventores, de maneira a usufruir da possibilidade de as atividades serem complementares e a diminuir os desperdícios e a duplicação de trabalho. Outra questão também relacionada à eficácia da ação preventiva é a relação entre a auto-determinação e a soberania do Estado em cujo território ocorre a situação de potencial violência em massa. Nos casos analisados, o aspecto material é substancialmente o mesmo: a busca por auto-governo ou, pelo

253

menos, por mais autonomia. O aspecto formal, porém, é diferente: no território do Kosovo, durante os anos 1990 a busca dos albaneses por auto-governo é exercida em um contexto que varia entre autonomia de fato e não-autonomia de jure. Tal demanda por auto-governo, com o passar do tempo, ganha contornos de luta pela independência da Sérvia, elemento que não era antes percebido no discurso dos kosovares albaneses na época da busca pela autonomia no contexto da exIugoslávia (Lund s.d.)6. Tal discurso independentista não existe na Macedônia, onde a minoria albanesa luta por auto-governo mas não por soberania, a não ser um pequeno grupo e em um breve período (ver Tabela 3, em anexo). Por fim, os casos em estudo demonstram que a liderança doméstica surge como um elemento essencial para a eficácia da ação porque detém a soberania

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formal e, consequentemente, o poder sobre determinado território. Nesse sentido, a liderança doméstica controla a concessão de consentimento em relação à interferência de atores internacionais em assuntos supostamente da alçada da autoridade doméstica. Assim, não se pode atribuir todo o crédito pelo sucesso das medidas preventivas a terceiros que buscam convencer líderes domésticos de evitar a violência (Stephen John Stedman 1995:19). O estudo da liderança doméstica, no entanto, não se enquadra no objetivo dessa tese mas é ressaltado como ponto de partida para futuras pesquisas. Acredita-se que os debates levantados pela tese também abram o caminho para pesquisas sensíveis à prevenção sobre temas comumente analisados pelo ponto de vista da resolução de conflitos. Para tanto, são sugeridos os seguintes eixos temáticos: a anacrônica perseverança da soberania vestfaliana, a legitimidade

da

interferência internacional em

assuntos domésticos,

o

fortalecimento do discurso de direitos humanos internacionais, a natureza intraestatal da maioria dos conflitos contemporâneos e a relação desses elementos com a manutenção da paz e da segurança internacionais no atual contexto político internacional.

6 A lógica dos kosovares albaneses se assemelha, em parte, à dos catalães: não aceitam ser parte da Sérvia nem da Espanha, mas consideram-se parte de uma estrutura maior, a Iugoslávia ou a União Européia.

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