O PARADIGMA DA SEGREGAÇÃO DOS CAMPI UNIVERSITÁRIOS NO BRASIL: DISTANCIAMENTO FÍSICO E IMPLICAÇÕES SOCIAIS

June 19, 2017 | Autor: D. Veríssimo da S... | Categoria: Segregation, City planning, Campus
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O PARADIGMA DA SEGREGAÇÃO DOS CAMPI UNIVERSITÁRIOS NO BRASIL: DISTANCIAMENTO FÍSICO E IMPLICAÇÕES SOCIAIS RESUMO O presente trabalho aborda a problemática da segregação dos espaços universitários no Brasil em relação aos centros das cidades. O senso comum vem afirmando que a segregação dos campi universitários no Brasil decorreu de práticas autoritárias implementadas por governos ditatoriais objetivando o controle de setores universitários, opositores potenciais desses regimes. Contudo, restabelecida a democracia, a prática de implantação de campi distantes dos centros das cidades persiste, produzindo efeitos deletérios na relação entre universidade e sociedade. O artigo trata essa questão mostrando que esse distanciamento é produto tanto das concepções de universidade que influenciaram a instituição universitária brasileira quanto dos postulados urbanísticos do modernismo, que impregnaram nas mentes e discursos dos planejadores e usuários do espaço universitário no país. Para elucidar a questão, foram analisadas três universidades representando cada contexto de reformas e reestruturações do ensino superior no país: a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Universidade Federal de Alagoas e o Campus Arapiraca da Universidade Federal de Alagoas. O Plano de Ocupação da Universidade Federal do Maranhão foi analisado como contraponto ao paradigma verificado nas demais. Palavras-chave: Segregação. Campus. Cidade. Centro.

ABSTRACT This paper discusses about the segregation problem of university spaces in Brazil in relation to downtowns. According to common sense, the segregation of college campi in Brazil was due to authoritarian practices implemented by dictatorial governments aiming to control University sectors, potential opponents of these regimes. However, even after the democracy restoration, the practice of implantation campi far from downtowns continues, producing deleterious effects on the relationship between university and society. This article addresses this question showing that this distance can be product of two conceptions. First, the influence the university conceptions foreing over the Brazilian university and, second, the postulates of the urbanism modernist that are impregnated in the minds and discourses of planners and users of the university campus in the country. In order to elucidate the question, it was analyzed four university spaces representive each context reforms and restructurings of higher education in the country: the Federal University of Rio de Janeiro, the Federal University of Alagoas, the Arapiraca Campus of the Federal University of Alagoas and, as a counterpoint to the paradigm established, it was analyzed the Occupation Plan of the Federal University of Maranhão in Historic Center of São Luis. Keywords: Segregation. Campus. City. Downtown.

1 INTRODUÇÃO O presente trabalho apresenta um estudo sobre a segregação espacial verificado na relação entre os campi universitários no Brasil e os centros das cidades. O histórico de implantação dos campi no Brasil é marcado por visões e práticas que preconizaram a concentração das instalações universitárias em um espaço único e contíguo, visando à criação de um ambiente de sinergias acadêmicas, com reservas de área para expansão e dotado de infraestrutura avançada para atendimento de usos complexos. Contudo, a integração do espaço universitário em um campus único, afastado dos centros das cidades, vem produzindo efeitos deletérios na relação entre universidade e sociedade. O senso comum afirma que a segregação dos campi universitários no Brasil decorreu de práticas autoritárias implementadas por governos ditatoriais, objetivando o controle de segmentos sociais universitários, opositores potenciais desses regimes. Contudo, mesmo em contextos de democracia, os discursos e as práticas de implantação de campi distantes dos centros das cidades persistem. A reflexão que fundamenta esse trabalho aponta que esse distanciamento entre campus e cidade tem um viés teórico-conceitual, resultante da influência da universidade moderna européia sobre a instituição universitária brasileira, e um viés prático: o planejamento dos espaços universitários no Brasil seguiu, durante os períodos de maior aparelhamento das Instituições Federais de Ensino Superior, os postulados do urbanismo modernista, que viam na implantação dos campi a oportunidade de espacializar suas formulações contidas na Carta de Atenas. Esses dois vieses impregnaram nos discursos e nas práticas tanto daqueles que planejam o espaço universitário, quanto daqueles que o utilizam, constituindo num paradigma de difícil superação. Para elucidar a questão, foram analisados três espaços universitários representando cada contexto de reformas/reestruturações do ensino superior no país: a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), implantada no contexto do Estatuto da Universidade Brasileira, de 1931; a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), implantada na Reforma Universitária do Regime Militar, instituída pela Lei n° 5.540/68; o Plano de Ocupação da Universidade Federal do Maranhão no Centro Histórico de São Luís, elaborado em 1983, apresentado um contraponto ao paradigma expresso nos demais casos; e o Campus Arapiraca da Universidade Federal de Alagoas, como expressão da interiorização das universidades federais propugnada pelo MEC no Governo Lula e persistência do paradigma em questão.

2 A UNIVERSIDADE MODERNA E SUAS CONCEPÇÕES O modelo de universidade em vigor na contemporaneidade tem uma história relativamente recente. A concepção do que denominamos “universidade moderna” foi teorizada na Europa há dois séculos. No entanto, o histórico da instituição universitária remonta à Idade Média. As universidades mais antigas foram criadas nos séculos XII e XIII: Bolonha (1190), Oxford (1214) e Paris (1215). A Universidade Medieval era formada pelas Faculdades de Teologia, Direito (canônico e civil), Medicina e Artes (letras e ciências). Até então, o conhecimento estivera confinado nos mosteiros e a uma primitiva rede escolar em abadias beneditinas; suas áreas de conhecimento tais como as artes da caligrafia e da iluminura e o ensino do latim eram destinados às ordens monásticas (RODRIGUES, 2001). A laicização do conhecimento começa a partir do advento dos centros urbanos medievais, embora o lócus do conhecimento ainda fosse religioso. As catedrais eram os centros de estudos onde eram ensinadas a Gramática, a Retórica, a Lógica, a Aritmética, a Geometria, a Música e a Astronomia (as sete artes liberais). Na Renascença, o antropocentrismo propiciou certa ruptura com o conhecimento fundado na tradição religiosa e a busca pela verdade conduziu os pensadores renascentistas aos textos clássicos da antiguidade greco-romana. No período renascentista, apesar de apresentar avanços no campo estético e gnosiológico, a instituição universitária apresentava retrocessos e fragmentações que a imobilizava frente o poder dos reis e papas (NOGUEIRA, 2009). Nos séculos XVII e XVIII, os avanços e descobertas científicas passaram ao largo das universidades. Vários cientistas desenvolveram seus experimentos e investigações fora das universidades, pois elas mostravam-se resistentes aos novos paradigmas bem como ao pensamento reflexivo crítico. A universidade moderna, cuja concepção remonta ao início do século XIX na Europa, influenciou, em maior ou menor grau, toda a instituição universitária ocidental. As duas concepções de universidade que alcançaram hegemonia foram a universidade moderna alemã e a da universidade napoleônica francesa. A primazia da pesquisa como fundamental à busca desinteressada da verdade está na base da universidade moderna alemã. Essa busca pela verdade deveria ser orientada pelas idéias de unidade e totalidade dos conhecimentos científicos. A universidade é entendida

como o lócus de ordenamento e compilação dos vários conhecimentos a partir da permuta entre eles (DREZE & DABELLE, 1983). A estrutura institucional-acadêmica da universidade humboldtiana era regida pelo sistema de cátedras. Neste sentido, o professor universitário deveria gozar de liberdade de ação e pensamento frente às imposições do Estado e das forças econômicas e sociais. O esforço da universidade alemã de se afirmar como lócus de excelência destinada à busca desinteressada da verdade levou-a a “proteger-se” das influências externas repercutindo na sua relação com a cidade em que estava inserida. O distanciamento da universidade em relação aos centros urbanos era visto como condição necessária para o exercício da liberdade acadêmica uma vez que a cidade, como lócus da produção, abrigaria as forças econômicas e políticas capazes de usurpar da universidade sua autonomia: Para Humboldt, [...], “Liberdade” caminha junto com “Solidão”: [...] são os dois princípios que inspiram toda a organização externa das universidades. Por “Solidão”, é preciso entender um isolamento social, que põe a universidade “ao abrigo” de todo contacto com a vida econômica, política [...] Humboldt considera essa “Solidão” de torre de marfim como indispensável à comunidade de pesquisadores e de estudantes, que quer se organizar no espírito de liberdade acadêmica e procurar a verdade sem interferência de pressões exteriores. (SCHELSKY, 1963 apud DREZE; DABELLE, 1983, p.62, grifo nosso).

A universidade napoleônica francesa, por sua vez, se caracterizou por princípios distintos da universidade humboldtiana alemã, da qual foi contemporânea, mas sua forma de territorialização guardou similaridades. A concepção francesa foi formulada e concretizada no início do século XIX, pelo Estado Imperial Francês, sobre o controle de Napoleão Bonaparte. O objetivo dessa concepção de universidade teria sido servir aos intuitos de Napoleão: a construção da nação e a conservação da ordem pós-revolucionária. O princípio ideológico sobre o qual a universidade napoleônica teria sido alicerçada pressupunha, acima de tudo, a unidade, mas construída como uniformidade a partir da imposição de uma mentalidade comum equivalente, de modo a atenuar as divergências de pontos de vista. Constituída a partir de um conglomerado de faculdades voltadas para a formação profissional e com um arranjo institucional pautado pelo poderio exacerbado dos professores catedráticos, a universidade francesa foi condicionada a um aprofundamento do processo de fragmentação interna, isolando suas unidades em “feudos acadêmicos”, colocando em xeque o ideal de universalidade perseguido pela universidade moderna. O modelo francês foi largamente difundido na América Latina na primeira metade do século XX, produzindo universidades fragmentadas institucionalmente e dispersas pelo tecido

urbano das cidades. As tentativas de reunir em um mesmo lócus essa instituição fragmentária resultaram na implantação das cidades universitárias. Do outro lado do Atlântico, os ideais da universidade alemã influenciaram de forma marcante a universidade norte-americana. Contudo, a universidade americana está alicerçada na busca pelo progresso. A universidade americana fora teorizada por vários filósofos, dentre eles, Alfred North Whitehead. Para Whitehead, os objetivos da universidade devem estar pautados por um vasto horizonte de generalidade. Seu viés utilitarista fica claro quando ele afirma que a formação deve ser útil, fundada na compreensão de alguns princípios gerais e no domínio completo da maneira como eles devem ser aplicados a particularidades concretas. Diferentemente da concepção alemã, a universidade americana preconiza a busca pela verdade científica orientada pela dimensão da prática. O conhecimento não se esgotaria em si mesmo, mas deveria desembocar na ação e na vontade de progresso. A concepção americana de universidade buscou dotar as instituições de ensino superior de maior eficiência gerencial e maior aproveitamento do seu espaço físico, de modo a atender a demanda crescente por educação superior que se observara na virada do século XIX para o século XX. Deste modo, a universidade americana expressou seu conceito de espaço universitário na forma físico-territorial campus, fundado na busca por uma integração maior entre as unidades acadêmicas.

3 OS MODELOS DE UNIVERSIDADE E SUAS FORMAS FÍSICO-TERRITORIAIS No período medieval, a instituição universitária não contava com um espaço contíguo próprio para sua instalação. Os professores e alunos se reuniam em abadias, mosteiros ou edifícios públicos. A universidade de Oxford foi a primeira a dispor de um espaço universitário propriamente dito. A idéia de implantar a universidade em território próprio é tipicamente moderna. A Universidade de Berlim, fundada por Humboldt possui edifícios próprios, parte sediados num mesmo lócus e parte dispersa pelo tecido urbano da cidade. Contudo, seja qual for o modelo, todos eles defendem a idéia de que a universidade deve ser instalada em um território contíguo. Esse território universitário é denominado na literatura corrente como campus ou como cidade universitária. Há um problema de polissemia e imprecisão envolvendo essas duas denominações de forma que é possível encontrar na literatura, expressões como “campus da cidade universitária”, “cidade universitária com seu campus”, dentre outras.

Não obstante, alguns autores abordam essas duas denominações como conceitos distintos, tanto no tocante à forma física (arquitetônica e urbanística) quanto ao seu conteúdo (organização acadêmico-institucional). Rudolph P. Atcon (1970) estabelece uma distinção entre campus e cidade universitária. Segundo ele, a forma campus pressupõe, a princípio, um espaço universitário com um grau elevado de integração entre as unidades obedecendo a critérios de economia e funcionalidade. Para Atcon, o campus é [...] um local geográfico que reúne todas as atividades de uma universidade e as integra de maneira mais econômica e funcional num serviço acadêmico-científico coordenado e da maior envergadura possível, respeitadas as limitações de seus recursos humanos, técnicos e financeiros (ATCON, 1974, p.157).

Por cidade universitária, Atcon define o espaço universitário em que as unidades se apresentariam de forma dispersa, isoladas umas das outras: A “Cidade Universitária” – corresponde à universidade tradicional – dá, numa só área geográfica, expressão física ao desejo de união das unidades isoladas e dispersas que a compõe. Porém, não ultrapassa uma mera aproximação dos edifícios que abrigam autarquias independentes entre si. (ibid, p.158)

A distinção defendida por Atcon também qualifica o campus como o espaço da flexibilidade, fluidez e organicidade ao passo que as cidades universitárias são caracterizadas como rígidas, monumentais e anti-funcionais. Na literatura nacional, Luiz Antônio Cunha (2008), o campus corresponde a uma forma de territorialização do espaço universitário afinado com o modelo inglês ao passo que a cidade universitária teria origem francesa: Campus e Cidade Universitária são termos com origens históricas distintas: Campus tem origem anglo-saxônica e Cidade Universitária, européia continental. Além da etimologia, eles significam realidades distintas no Brasil. Cidade Universitária expressou a tentativa de reunir todas as instalações de uma universidade num território próprio e circunscrito, em geral fora da cidade ou na periferia dela. Embora Campus pudesse expressar a mesma tentativa, ele passou a designar os múltiplos espaços de uma mesma universidade, numa cidade ou em várias, até mesmo fora do espaço urbano (UFRJ, 2008)

Para Luiz Augusto Rodrigues (2001), a territorialização dos espaços universitários no Brasil pode ser periodizada em três fases: 1930 a 1960; 1960 a 1980; e pós-1980. O primeiro período contempla o contexto político do período Vargas e JK. No campo da arquitetura e do urbanismo, esse período foi emblemático, pois foi nele que iniciou a importação das influências do movimento moderno. No tocante ao território universitário, Rodrigues aponta que nessa fase predominou a implantação das cidades universitárias, sendo o Plano Urbanístico da Cidade Universitária da Universidade do Brasil, do arquiteto

Jorge Machado Moreira, o expoente maior. O Plano seguiu os princípios da arquitetura e urbanismo modernistas, formulados por Le Corbusier, difundidos pelos CIAM e compilados na Carta de Atenas. Sua forma de territorialização visava concentrar todas as unidades universitárias num mesmo lócus, a Cidade Universitária da Ilha do Fundão, na periferia da cidade do Rio de Janeiro. O Plano previa ainda a edificação das faculdades em setores monofuncionais, com os domínios do conhecimento enclausurados em quarteirões estanques. A segunda fase está contextualizada na consolidação da hegemonia norte-americana em âmbito mundial. A influência dos EUA na forma de territorialização do espaço universitário brasileiro se deu a partir de acordos estabelecidos entre o governo brasileiro e agências internacionais: os acordos firmados entre o Ministério da Educação e da Cultura (MEC), a United States Agency for International Development (USAID) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – os acordos MEC-USAID e MEC-BID. Os acordos continham uma imposição velada de que a implantação das universidades no Brasil deveria seguir o modelo campus. Com isso, o modelo de territorialização campus passou a ser referência para a implantação de universidades no Brasil. O campus também previa a concentração das unidades universitárias numa só área geográfica, contudo pressupunha maior integração entre as unidades acadêmicas e suas edificações seguiam uma padronização modulada, com usos múltiplos e flexíveis. Por fim, no terceiro momento – pós 1980 – o autor relata que emerge, no interior das universidades brasileiras, uma postura crítica ao modelo do campus segregado e também aos conceitos do ideário modernista. Nessa direção, Rodrigues destaca uma iniciativa inovadora: o Plano Diretor da Universidade Federal do Maranhão, proposto pelo Centro de Desenvolvimento e Apoio Técnico à Educação (CEDATE). O plano previa a transferência de parte das unidades acadêmicas localizadas nos campi segregados da UFMA para o centro histórico de São Luís, integrando-as ao tecido urbano da cidade. No entanto, a proposta foi rejeitada no próprio interior da universidade, evidenciando o grau de impregnação do paradigma do campus segregado no seio do corpo docente. A partir dessa revisão bibliográfica foram encontrados três "axiomas” que têm sido acionados para explicar a implantação de espaços universitários em locais distantes dos centros das cidades. O primeiro aponta que, apesar dos modelos campus e cidade universitária terem sido representativos de contextos distintos e apresentarem concepções diferentes, ambos pressupõem a implantação da universidade em espaço único e contíguo. O segundo sinaliza que os maiores montantes de recursos investidos no aparelhamento das universidades federais no século XX, se deram em contextos de centralização política:

Estado Novo e Regime Militar e, portanto, a segregação do espaço universitário estaria relacionada às estratégias desses regimes ditatoriais de isolar a comunidade universitária em locais distantes dos centros urbanos com vistas a impedir que atos contestatórios disseminassem pelo interior da sociedade. O terceiro afirma a hegemonia dos postulados do urbanismo modernista nesses dois contextos, defendidos pelos urbanistas que viam na implantação de espaços universitários segregados a oportunidade de espacializarem suas formulações racionais e funcionalistas sem a “contaminação” do meio urbano “caótico” e “desordenado”.

4 AS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS E SUAS CONCEPÇÕES FÍSICO-TERRITORIAIS As primeiras iniciativas de implantação de universidades no Brasil tomaram vulto nas primeiras décadas do século XX. A estruturação e aparelhamento da instituição universitária brasileira iniciaram com a promulgação do Estatuto da Universidade Brasileira, de 1931, no contexto do Governo Provisório de Vargas. Contudo, tentativas de implantação de universidades no país datam do primeiro século de descobrimento. Os jesuítas, já no século XVI, enviaram à metrópole um pedido para que as escolas da Bahia evoluíssem ao status de universitário, porém o pedido foi negado. Em 1669, houve nova tentativa e novamente o veto. No final do século XVIII, a Ordem Franciscana solicitou a elevação das escolas do Recife e Olinda à qualidade de universidade, que por fim, também foi negado. No ideário dos inconfidentes mineiros constava a criação de uma universidade em Ouro Preto. Durante os três séculos de colonização, o ensino superior manteve-se ligado aos colégios jesuítas. No restante do Novo Mundo, a América Espanhola já contava com a Universidade de S. Domingos (1538), de S. Marcos de Lima (1551), do México (1551) e de Córdoba (1613). Na América do Norte já haviam sido implantadas, nos séculos XVII e XVIII, as universidades de Harvard (1636), Yale (1701), Pensilvânia (1740) e Pittsburgo (1787). O ensino superior secularizado foi implantado no país após a transferência da Família real para o Rio de Janeiro, em 1808. E foram implantados, não no modelo de universidades, mas como faculdades isoladas. Foram abertas então, as Faculdades de Medicina, na Bahia e no Rio de Janeiro (1808) e a de Engenharia, ligada à Academia Militar, também no Rio de Janeiro, em 1810. No Reinado de D. Pedro I, a Constituição de 1824 determinou a criação de duas escolas de direito, uma em São Paulo e outra em Olinda. Foi assim consolidado o modelo acadêmico que vigoraria por um longo tempo e se multiplicaria pelo restante do

país, formado pelos três pilares: a escola de Medicina, de Engenharia e Direito, mas dispostas sempre de forma isolada e desconexa, tanto do ponto de vista físico-espacial como administrativo-institucional. A solução adotada pelos órgãos de planejamento universitário para superar essa fragmentação originária tem sido a concentração das unidades acadêmicas em um único lócus, mas situado em locais distantes dos centros das cidades. Portanto, a instalação das unidades acadêmicas nesses campi segregados tem sido a tônica da estruturação do espaço universitário brasileiro nos últimos 60 anos, fundada na transferência das faculdades que, até então, funcionavam em edifícios situados no tecido urbano da cidade. Para elucidar esse paradigma, são apresentados a seguir três estudos de caso e um contraponto que esboça uma tentativa de reversão dessa ordem. Os três estudos de caso que confiram a regra são: a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), representativa da primeira reforma do ensino superior no país, consubstanciada no Estatuto das Universidades Brasileiras, de 1931; a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), representativa da Reforma Universitária de 1968, empreendida pelo Regime Militar; o Campus Arapiraca da UFAL, representativa da interiorização defendida pelo MEC no Governo Lula; e como contraponto, o Plano de Ocupação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) no Centro Histórico de São Luís. 4.1 A UFRJ como expressão físico-territorial das cidades universitárias A Universidade do Rio de Janeiro (posteriormente denominada Universidade do Brasil e hoje, UFRJ) foi criada por decreto-lei no ano de 1920. Porém, a criação foi um ato meramente burocrático, tendo como objetivo imediato dar ao rei Alberto da Bélgica, em visita ao Brasil, o título de Doutor Honoris Causa. Esse ato de criação reuniu sob a denominação de “universidade” três instituições em funcionamento naquele contexto: a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito, localizadas em edifícios próprios no centro do Rio de Janeiro. A Escola Politécnica foi fundada no século XVIII, quando foi aprovada a criação da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho. Em 1810, o Príncipe Regente D. João VI criou a Academia Real Militar, que veio suceder e substituir a Real Academia. A Academia Real Militar foi transferida da Casa do Trem (hoje, Museu Histórico Nacional) em 1812, para o Largo de São Francisco de Paula. Após a criação da URJ, a Escola passou a integrar a universidade e funcionou naquela localização até 1966, quando foi transferida para a Ilha do Fundão, a 13 km do local onde estava funcionando. Atualmente, o prédio abriga o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ.

A antiga instituição de ensino de Medicina também foi criada em 1808, com o nome de Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia e instalada no Hospital Militar do Morro do Castelo. Em 1813, foi fundada a Academia Médico-Cirúrgica no Rio de Janeiro e, em 1832, foi denominada Faculdade de Medicina. Em 1856, a Faculdade de Medicina foi transferida para o prédio do Recolhimento das Órfãs, ao lado da Santa Casa de Misericórdia. Em 1918, foi inaugurado o seu prédio próprio, na Praia Vermelha. Em 1920, passou a fazer parte da Universidade do Rio de Janeiro. Em 1937, com a criação da Universidade do Brasil, passa a se chamar Faculdade Nacional de Medicina. Em 1973, foi determinada a transferência da Faculdade de Medicina para a Cidade Universitária, na Ilha do Fundão, onde se encontra atualmente. Em 1975, o prédio da Faculdade Nacional de Medicina, inaugurado em 1918, foi demolido por determinação do Regime Militar. A Faculdade de Direito foi fruto da fusão, em 1920, de duas Faculdades não estatais, a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro e a Faculdade Livre de Direito. Nos anos 1940 houve a transferência da Faculdade para o Palácio Conde dos Arcos, na Praça da República, no centro da cidade, onde permanece em funcionamento até hoje.

Figura 1 – Mapa da cidade do Rio de Janeiro mostrando a localização das faculdades no centro e a transferência da Escola Politécnica e da Faculdade de Medicina para a Cidade Universitária. Imagem base: Google Earth, 2012.

O processo de implantação da Universidade do Brasil se deu a partir da década de 1930, quando foram iniciados os trabalhos para dotá-la de um espaço físico contíguo com vistas a constituir sua cidade universitária. O Plano de Jorge Moreira para a Cidade Universitária da Universidade do Brasil, elaborado em bases modernistas na década de 1950 e o Plano Diretor para o Campus da UFRJ, elaborado em 1971, no contexto da reforma universitária da ditadura militar, buscaram o mesmo objetivo: concentrar a universidade em um mesmo sítio, transferindo para um mesmo lócus as unidades em funcionamento no tecido urbano da cidade. Ambas não lograram êxito. O Plano Diretor UFRJ 2020, elaborado em 2009, empreendeu nova tentativa e apresentou como uma de suas diretrizes gerais, a transferência de todas as unidades acadêmicas dispersas no tecido urbano para a Cidade Universitária, na Ilha do Fundão. O objetivo central do Plano foi integrar a universidade, tanto no aspecto físico quanto institucional, de modo a superar a fragmentação herdada do período de sua criação. Contudo, as unidades acadêmicas que estão em atividade no centro da cidade e na Praia Vermelha (“unidades isoladas”), optaram pela não transferência e a estratégia novamente fracassou. 4.2 A UFAL como expressão físico-territorial do campus As primeiras instituições que se tem conhecimento no Estado de Alagoas foram o Seminário Diocesano, fundado em 1902, com características pós-secundaristas, com os cursos de Filosofia e Teologia, e posteriormente, a Academia de Ciências Comercias, criada em 1916. O primeiro teve grande importância para a formação de padres e leigos, que assumiam funções relevantes na sociedade alagoana, principalmente no magistério, no funcionalismo público e na política. A segunda instituição, apesar do prestígio que possuía, estava limitada em emitir diplomas de valor simbólico. Com o anseio de se criar outras instituições de educação superior além daquela oferecida pela Igreja e pelo comércio, foi fundada em 1924 a Escola de Agronomia de Alagoas, porém, não veio a prosperar. No início da década de 1930, surgiram outros intentos para a abertura de outras escolas de ensino superior, somando sete iniciativas até 1935. A primeira instituição a ser criada foi a Faculdade Livre de Direito de Alagoas. O empreendimento foi bem aceito pelo governo, que via na instituição uma oportunidade para a formação de quadros aptos para assumir cargos públicos. O interesse governamental pela instituição facilitou seu reconhecimento e oficialização, além da cessão de recursos financeiros para a construção de uma sede permanente para a Faculdade, na Praça Montepio dos Artistas, no centro de Maceió, onde funcionou a partir de 1934.

Em 1932, foram criadas a Faculdade Livre de Odontologia e Farmácia, e a Escola de Agronomia e Comércio de Alagoas, mas definharam em curto período de tempo. No ano seguinte, foi feita mais outra tentativa na área de Farmácia e Odontologia, com o nome de Academia. A Escola de Farmácia e Odontologia foi oficializada em 1937 e apresentou problemas de cunho administrativo e voltou a fechar em 1941. Por fim, na década de 1950, foram criadas duas instituições da área de Odontologia: a Faculdade de Odontologia de Alagoas e a Faculdade de Odontologia de Maceió, que mais tarde foram unificadas para a criação da Universidade Federal de Alagoas. A Faculdade de Filosofia teve origem num complexo de instituições privadas de ensino, tendo como apoio o Colégio Guido de Fontgalland. Ela tomava como modelo a Faculdade Católica de Filosofia e a Faculdade de Filosofia do Recife, ambas da capital pernambucana. O propósito para a criação de uma Faculdade de Filosofia em Alagoas foi a formação de professores para o ensino médio. Logo após a criação dessas duas faculdades, foi criada a de Ciências Econômicas, em 1954. Em seguida é criada a Escola de Engenharia de Alagoas, cujas motivações foram as mesmas das demais: formar quadros profissionais provenientes das elites locais para comandar o desenvolvimento no estado. Nessa ocasião, por iniciativa da Arquidiocese de Maceió, foi criada a Fundação de Assistência Social, que funcionou como uma escola de Serviço Social. A Universidade de Alagoas foi criada em 26 de janeiro de 1961, no mandato do presidente Jucelino Kubitschek, e resultou da união dessas faculdades existentes. A intenção do primeiro reitor, A. C. Simões, era a de integrar todas as unidades acadêmicas num mesmo sítio geográfico: a cidade universitária. Das faculdades que faziam parte da Universidade, apenas duas delas possuíam instalações adequadas – Direito e Medicina. Com isso, a função da Reitoria seria o de construir um espaço físico adequado para implantar os cursos, com a realização de reformas e adaptações nas instalações onde eles estavam abrigados até que o novo espaço universitário estivesse em condições de funcionamento. Em 1971, no contexto da reforma universitária implementada pela Ditadura Militar através da lei n° 5.540/68 e com recursos advindos dos acordos MEC-BID, a implantação do novo espaço universitário tomou vulto, sendo adotado o modelo campus, e não mais cidade universitária. O Conselho Universitário, nesse contexto, outorgou ao novo espaço universitário da Universidade Federal de Alagoas o nome “Campus de A. C. Simões”. O campus da UFAL foi instalado no Tabuleiro dos Martins, a 14,5 km do centro de Maceió, fora do tecido urbano da cidade naquele contexto. Diferentemente da cidade universitária da

UFRJ, as instalações do campus da UFAL seguiram, ainda que de forma truncada, o modelo de espaço universitário proposto por Rudolph Atcon: edifícios em formato de pavilhões modulados, emprego de técnicas construtivas mais simples (em tijolo aparente) e de rápida execução, ausência de ornamentação e flexibilidade de usos. Contudo, na implantação do campus ainda persistiram postulados da cidade universitária, como a destinação de um edifício para cada unidade acadêmica.

Figura 2 – Mapa da cidade de Maceió com a localização das faculdades no centro e a transferência das unidades para o Campus A. C. Simões. Imagem base: Google Earth, 2012.

4.3 A UFMA como a primeira tentativa de reversão da idéia de campus segregado A Universidade Federal do Maranhão foi criada a partir da antiga Faculdade de Filosofia de São Luís, fundada em 1953, por iniciativa da Academia Maranhense de Letras, da Fundação Paulo Ramos e da Arquidiocese de São Luís. A Universidade então criada e reconhecida como Universidade livre pela União em 1961, denominou-se Universidade do Maranhão, congregando a Faculdade de Filosofia, a Escola de Enfermagem São Francisco de Assis (1948), a Escola de Serviço Social (1953) e a Faculdade de Ciências Médicas (1958).

Posteriormente, agregou outras faculdades como Direito, fundada em 1918 sendo a primeira escola isolada de ensino superior de São Luís; a Escola de Farmácia, inaugurada em 1922 no Palácio das Lágrimas e reconhecida como de utilidade pública; e Odontologia, fundada em 1925 para suprir a escassez de profissionais dentistas diplomados na região, funcionando no mesmo local da Faculdade de Farmácia. Por último, em 1965, uniu-se à Universidade a Faculdade de Ciências Econômicas. Em 1966, a instituição se tornou Fundação Universidade do Maranhão (FUM), e recebeu do Governo Estadual, em 1967, um terreno com 241 hectares para a construção do Campus. Em novembro de 1972, foi inaugurado o primeiro edifício do campus da UFMA, na Vila Bacanga, a 6,2 KM do centro histórico. Entre os anos de 1975 e 1993 foram realizados seminários em que foram discutidos temas relacionados ao campus universitário no Brasil. O Seminário Sobre Conceituação do Campus Universitário, realizado em 1981, foi o de maior relevância. Nesse Seminário, o Centro de Desenvolvimento e Apoio Técnico à Educação (CEDATE), vinculado ao MEC, apresentou um plano que previa o movimento contrário ao que vinha sendo realizado pelas universidades brasileiras até aquele momento, propondo a transferência das unidades acadêmicas do campus segregado para o centro histórico de São Luís (RODRIGUES, 2001). A Portaria nº 9.427, publicada no Diário Oficial da União em 20 de outubro de 1983, instituiu Comissão Técnica incumbida de estudar a instalação de parte da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) no Centro Histórico da de São Luís. A Portaria definiu as seguintes competências para a Comissão: 1. Identificar os objetivos da instalação de parte da UFMA no Centro Histórico de São Luís, Capital do Estado do Maranhão; 2. Compatibilizar os objetivos da instalação da UFMA com os objetivos da Subsecretaria de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do SEC/MEC, do Governo de Estado do Maranhão e da Prefeitura de São Luís 3. Formular hipóteses alternativas de quantos e quais atividades poderão per transferidas para o Centro Histórico; 4. Dimensionar as necessidades de espaços para as atividades da UFMA que direta ou indiretamente seriam incorporadas à área; 5. Identificar os conjuntos arquitetônicos e urbanísticos propícios, sob os aspectos morfológicos e dimensionais, para a ocupação por parte da UFMA,

6. Formular hipóteses alternativas de Configuração da ocupação; 7. Avaliar as alternativas criadas no item anterior; 8. Formular proposta de implementação da ocupação, indicando os agentes e delimitando os procedimentos técnicos e administrativos necessários. A proposta será substanciada em um "Plano de Ocupação". (BRASIL, 1983) A proposta apresentada pelo CEDATE previu a realocação dos cursos de Ciências Humanas e Ciências da Saúde no Centro Histórico de São Luís, com os objetivos de aproximar essas unidades acadêmicas da dinâmica do espaço vivido no centro da cidade e facilitar o acesso à população dos serviços médicos oferecidos pela Universidade. No Campus Bacanga, seriam mantidas as unidades do eixo de Tecnologia, Ciências Agrárias e Ciências Biológicas. A proposta objetivava reaproximar a Universidade da cidade, em contexto de abertura política, além de recuperar edifícios com valor histórico, reforçando o papel da Universidade na conservação deles. Segundo o MEC-BID, em 1980, a universidade possuía 54% de sua área na cidade e 46% no campus Bacanga, e apresentava o sétimo índice mais baixo na relação aluno/área útil (RODRIGUES, 2001). Para consecução desse objetivo, o CEDATE conseguiu apoio do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). No entanto, a administração superior do Campus apresentou resistência e o projeto não foi concretizado. Com a transferência da UFMA para o Campus do Bacanga, os prédios não mantiveram o mesmo uso que antes. O Palácio Cristo Rei, construído em 1877, abrigou a reitoria da UFMA até 1991, quando sofreu um incêndio que causou perdas tanto na sua estrutura como na parte documental arquivada pela Universidade. No ano seguinte o prédio foi reinaugurado após sua restauração. Atualmente, no Palácio Cristo Rei funciona um museu que preserva a memória da UFMA. O Palácio das Lágrimas, onde funcionavam os cursos de Farmácia e Odontologia, foi utilizado até recentemente pelos dois cursos, mesmo com a criação do Campus Bacanga. No entanto, a edificação já não apresentava a estrutura necessária para comportá-los, além dos problemas estruturais, equipamentos defasados e ambientes subutilizados. Após o curso ser removido para o campus, o prédio foi restaurado com o intuito de comportar o curso de Museologia do campus.

Figura 3 – Mapa da cidade de São Luís com a localização do Campus Bacanga da UFMA e as quadras selecionadas pelo Plano de Ocupação do Centro Histórico de São Luís pela UFMA, proposto pelo CEDATE. Imagem base: Google Earth, 2012.

4.4 O Campus Arapiraca da UFAL e a persistência do espaço universitário segregado A interiorização da Ufal no estado de alagoas foi motivada pela necessidade de favorecer o acesso ao ensino universitário nas cidades interioranas já que a Ufal esteve concentrada até então na capital, Maceió. Essa concentração dificultava o alunado egresso do ensino médio no Agreste e no Sertão alagoanos de acessar a universidade, uma vez que a maior parte desse contingente de estudantes provém de famílias de baixa renda e com pouca ou nenhuma condição de deslocamento para a capital. A criação e a implantação do Campus da Ufal em Arapiraca foi implementada pela da Resolução no. 20, de 1º de agosto de 2005, aprovada pelo Conselho Universitário da Ufal e consubstanciado no Projeto de Interiorização da Universidade Federal de Alagoas: uma Expansão Necessária. Com a sede em Arapiraca e pólos em Palmeira dos Índios, Penedo e Viçosa, o Campus conta com mais de 3.000 alunos provindos de 68 dos 102 municípios do estado de Alagoas. O município de Arapiraca, antes da chegada da Ufal, contava apenas com uma única instituição de ensino público, a Universidade Estadual de Alagoas, inaugurada em 1970,

com pólos em Palmeira dos Índios e Santana do Ipanema. Palmeira dos Índios contava com o Instituto Federal de Alagoas, antigo CEFET-AL, inaugurado em 1995. Penedo não contava com nenhuma instituição de ensino superior público e em Viçosa já havia funcionado o curso de Agronomia da Ufal, implantado pelo programa Campus Avançado na década de 1970, pelos Governos Militares. No contexto de sua implantação, a Ufal Campus Arapiraca ofereceu 19 cursos de graduação com 40 vagas/ano cada. Em 2010, foram criados outros três novos cursos no período noturno na Sede do Campus. O Projeto pedagógico da universidade interiorana segue as diretrizes definidas no Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído pelo Decreto nº 6.096/07. O terreno doado para a implantação da Sede do Campus, em Arapiraca, foi fruto de um acordo firmado entre a reitoria da Ufal e a Prefeitura Municipal de Arapiraca. O terreno doado pela prefeitura e aceito pela reitoria dista 8 km do centro da cidade, e estava localizado fora do perímetro urbano do município. Naquela localidade está situado o Presídio Desembargador Luiz de Oliveira Souza, que confronta três faces com o terreno doado à Universidade. Nesses seis anos de funcionamento, a localização segregada do Campus gerou diversos problemas para a comunidade acadêmica. No que concerne ao acesso ao Campus, o transporte público é precário e insuficiente, com poucas linhas e com veículos em péssimas condições. A demanda por serviços de alimentação é atendida de forma truncada, uma vez que o campus não conta com restaurante universitário e as refeições são oferecidas por uma lanchonete e por um estabelecimento nas imediações, expondo a comunidade a riscos constantes quanto à segurança alimentar. Além disso, a distância entre o campus e o centro da cidade impossibilita um contato mais direto entre a universidade e os espaços públicos da cidade, intensamente vivenciados pela comunidade citadina. No Centro acontece semanalmente a feira livre de Arapiraca e a apresentação de grupos culturais de raiz, em tendas e espaços localizados nas praças públicas. Por fim, o maior problema da localização do Campus é a insegurança. Na unidade prisional ocorrem fugas constantes e os reeducandos fugitivos correm para dentro do Campus sob tiros disparados pelos agentes penitenciários, gerando pânico na comunidade universitária em diversas ocasiões. Essa sensação latente de insegurança fez como que a comunidade acadêmica da Sede do Campus se mobilizasse várias vezes em prol de uma solução definitiva para o problema. Contudo, até o presente momento muito pouco foi feito resolver a questão.

Assim, o Campus Arapiraca da Universidade Federal de Alagoas é a expressão da permanência do paradigma de implantação de espaços universitários segregados e a comunidade acadêmica tem vivenciado todos os ônus decorrentes dessa prática. Ao fim e ao cabo, o que está em questão é a precarização não só da implantação física do campus, mas do próprio processo de interiorização do ensino superior implementado no estado, em contexto de democracia, de crítica do urbanismo modernista e de conscientização do papel inclusivo da universidade para com a sociedade (percebido na questão das cotas).

Figura 4 – Mapa da cidade de Arapiraca mostrando a localização da Sede do Campus da UFAL em relação ao centro. Ao lado, imagens mostrando a proximidade entre a universidade e o presídio; uma das manifestações da comunidade acadêmica pedindo segurança e uma matéria publicada na imprensa local sobre o problema. Imagem-base do mapa: Google Earth, 2012.

5 CONSCLUSÕES Desde a sua criação, a universidade pública brasileira vem enfrentando processos de fragmentação herdados da agregação de faculdades isoladas. As estratégias de integrar a instituição implantando-a em um mesmo sítio têm gerado controvérsias, uma vez que esses espaços universitários têm sido implantados em locais distantes dos centros das cidades, ocasionando efeitos nefastos na relação universidade/sociedade. As perdas decorrentes

desse distanciamento são o distanciamento da instituição do espaço vivido nas cidades, em múltiplos aspectos. A segregação física do campus impõe obstáculos a um contato mais direto da universidade com a vida urbana da cidade, já que o centro é o lócus do encontro, das trocas, das festas e das feiras. É no centro que a cidade realiza de modo mais pleno seu sentido de confluência e atração de pessoas. No âmbito cultural, também a universidade é prejudicada pelo distanciamento, já que a maioria dos museus e das praças - palcos de apresentações culturais e exposições - estão, em geral, no centro das cidades. O distanciamento dificulta também um contato mais direto entre as entidades sindicais representativas dos segmentos universitários e os sindicatos de trabalhadores urbanos, impondo obstáculos à realização de mobilizações conjuntas. Nesse sentido, o campus segregado tem sido um fator de desmobilização da comunidade acadêmica, funcionando como uma barreira para o exercício coletivo da cidadania. A implantação do campus segregado consome investimentos elevados, pois demandam obras de infra-estrutura específicas que essas áreas não têm. O campus distante do centro da cidade gera desconforto para a comunidade acadêmica já que os serviços de transporte coletivo são, em geral, deficitários e os serviços complementares oferecidos nos campi são precários e pouco diversificados se comparado ao vigoroso comércio do centro da cidade. Porém, a implantação de universidades no centro da cidade dificulta a expansão física da universidade e mantém as unidades mais distantes umas das outras obstaculizando a construção de um espaço de sinergias e troca de conhecimentos. Somado a isso, as universidades têm demandado instalações físicas cada vez mais sofisticadas, que requerem infra-estruturas avançadas de fornecimento de energia e internet, bem como de abastecimento de água e saneamento, devido aos requisitos necessários para a realização de atividades de pesquisa laboratoriais. De posse dessas considerações, faz-se imperativo questionar: a integração da universidade demanda necessariamente a concentração de todas as unidades em mesmo espaço físico? Esse espaço físico precisa necessariamente ser distante do centro da cidade? A universidade implantada no tecido urbano da cidade estaria necessariamente condenada à fragmentação em unidades autárquicas? A saída para esse imbróglio pode estar na perspectiva integracionista de Ferrater Mora (1994), seguindo um movimento biunívoco: a integração da universidade só pode ser alcançada a partir da sua integração com a cidade em que está situada, pois isso implica,

em última instância em estabelecer uma relação mais próxima com a sociedade, pois somente compreendendo-a será possível transformá-la.

REFERÊNCIAS ATCON, Rudolph P. Manual sobre o planejamento integral do campus universitário. In: __________. Administração integral universitária: uma teoria unificada da estruturação e administração universitárias. Brasília: MEC, 1974. p.155-249. BARBOSA, Luiz Hildebrando Horta. Cidade Universitária da Universidade do Brasil. Separata da Revista do Serviço Público. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, ano 19, n.(?), mai.1956. BRASIL. Brasil. Portaria nº 9.427, de 19 de outubro de 1983. Institui Comissão Técnica incumbida de estudar a instalações físicas de parte da Universidade Federal do Maranhão no Centro Histórico de São Luís. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 out.1983. Seção 1, p. 47. CEDATE. Universidade Federal do Maranhão no Centro Histórico de São Luís. Brasília: MEC, 1984. CUNHA, Luiz Antônio. Câmpus universitário: opção ou destino? In: MORHY, Lauro. Universidade em Questão. Brasília: Editora UnB, 2003. DREZE Jacques; DABELLE, Jean. Concepções de Universidade. Fortaleza: UFC, 1983. FERRATER MORA, José. Diccionario de filosofía. Barcelona: Ariel, 1994. NOGUEIRA, Denise T. Universidade e campus no Brasil: o caso da Universidade Federal Fluminense. 2008. 300f. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Rio de Janeiro, 2008. RODRIGUES, Luiz Augusto Fernandes. A Universidade e a fantasia moderna: a falácia de um modelo espacial único. Niterói, EDUFF, 2001 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Plano Diretor UFRJ 2020: proposta para discussão. In: UFRJ Debate, Rio de Janeiro: CoordCOM UFRJ, n.5, jun. 2009. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Plano Diretor UFRJ 2020: diretrizes e emendas. Rio de Janeiro: s/e, 2008. VERÇOSA, E. G.; CAVALCANTI, S. Universidade Federal de Alagoas: o livro dos 50. anos. Maceió: Edufal, 2011.

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