O PENSAMENTO DE RECLUS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA UMA ABORDAGEM TERRITORIAL LIBERTÁRIA

September 2, 2017 | Autor: Fabiano Bringel | Categoria: Geografia, Territorio, Anarquismo, Élisée Reclus
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O PENSAMENTO DE RECLUS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA UMA ABORDAGEM TERRITORIAL LIBERTÁRIA Hélio de Souza Morais Junior Universidade Federal do Pará – UFPA hé[email protected] Fabiano de Oliveira Bringel Universidade do Estado do Pará – UEPA [email protected] POR INICIO... A abordagem de Território nos textos de Reclus é pouco estudada, imagina-se que ele pouco escreveu nesta perspectiva. Em geral quando se fala acerca da geografia construída por Reclus, apesar de sua inovação em utilizar o termo geografia social para a ciência que levou por toda vida, esquecesse-se desta categoria, território, conceituando e aplicando em seus textos, esta tão cara categoria a ciência geográfica. De certo modo é setorizar o pensamento para organizar as ideias, pois assim imagina-se que Ratzel sendo o grande expoente na construção do conceito de território no século XIX, outros, portanto não configurariam nesta atmosfera. Imaginemos uma obra monumental em 19 volumes como a Nouvelle Géographie Universelle (18761894) que transcende a geografia confundindo-se com as linhas imaginárias que separam as ciências, não perpasse pelas questões do território? É esquecer, sobretudo que Reclus foi geógrafo. Evidenciamos que a construção do conceito território em Reclus, não é despropositadamente, como mostrou as recentes pesquisas debruçadas sobre este geógrafo, bem como as conferencias internacionais ocorridas em Lyon, Montpellier e Milão em 2005 e em São Paulo em 2011. A geopolítica pensada por Reclus, de acordo com seu posicionamento politico declarado estritamente anarquista, não poderia ser de outra maneira se não o internacionalismo, o fim das fronteiras entre as nações. Nosso objetivo aqui é apontar na obra de Reclus, alguns elementos importantes para uma recuperação epistemológica do conceito de território e territorialidade tendo

como base ideológica para a construção da ciência os princípios do socialismo libertário, que em última instância não separa pensamento de ação.

...TEMOS AS TRÊS GRANDES “ORDENS”... Élisée Reclus em seu clássico, O Homem é a Natureza Tomando Consciência de Si Própria, na obra L´homme et la Terre, apresenta três grandes “ordens” nas trajetórias dos seres humanos na face da terra: “A luta de classes, a procura do equilíbrio e a decisão soberana do indivíduo, tais são as três ordens de fatos que nos revela o estudo

Fonte: Foto tirada na biblioteca central da Unversidade Ferdeal do Pará - UFPA de geografia social [...]” (RECLUS, 1985:40). Tais “ordens” irão balizar o conjunto de sua obra acadêmica, bem como sua ação política, de militância, junto às fileiras socialistas libertárias no século XIX, especialmente em sua segunda metade. A luta de classes, no pensamento de Reclus, é vista como fruto do desenvolvimento desigual entre os seres humanos. Afirmando que todas as coletividades humanas, “com exceção dos povos que vivem no naturismo primitivo”, se

desdobram, “por assim dizer, em classes ou castas, não apenas diferentes, mas também opostas em interesses e em tendências, até mesmo francamente inimigas em todos os períodos de crise.” (RECLUS, 1985, p. 39). No antagonismo de classes, Reclus não se limita a dois elementos propriamente ditos (o operariado e a burguesia), mas identifica “duas sociedades em luta: elas se entremisturam” (RECLUS, 2002, p. 89)1 e adiante, “o mundo atual se divide em dois campos: aqueles que agem de maneira a manter a desigualdade e a pobreza [...] e aqueles que reivindicam para todos o bem-estar e a livre iniciativa” (Ibid, p.90). Deste conflito de classes tenderia a procurar um elemento de equilíbrio, justamente àquele indivíduo subalterno, subjugado e oprimido tenderia a se organizar para sobreviver, assim “é a reivindicação dos homens livres que os conduz, e no caos dos acontecimentos pode-se discernir verdadeiras revoluções, isto é, mudanças no regime político, econômico e social, devidos as compreensões mais claras das condições do meio e a energia das iniciativas individuais.” (pag. 40). Esse elemento de equilíbrio seria uma saída das condições de subjugação que os trabalhadores encontrariam na media que se organizassem, tomando para si a ação da mudança, da revolução social. Compreenda que para Reclus afinado com o seu posicionamento politico, não está falando apenas dos trabalhadores operários, mas sim dos “de baixo”, da classe subjugada, do proletariado, do camponês, do lumpemproletário, do lumpesinato e etc.. Por fim, a última ‘ordem’ seria a decisão soberana do indivíduo. Tal decisão apresenta um debate acerca do binômio indivíduo e sociedade e, porque não dizer, trabalho individual e trabalho coletivo, umas das contradições centrais que vivemos na contemporaneidade. Assim, Reclus apresenta seu pensamento “É na pessoa humana, 1

Quando Béatrice Gliblin e Yves Lacoste na revista Hérodote n° 22 em 1981 começam a expor alguns textos de Reclus, já se falava na crise do pensamento marxista e associado ao revigoramento da ciência geográfica, a chamada geografia critica, percebeu-se que a construção geográfica reclusiana se fazia relevante. Porem, muitos geógrafos arraigados no ranço marxista, associavam a geografia de Reclus alinhado a uma espécie de marxismo, erro, pois esqueceu-se ou omitiu-se sua posição politica anarquista, não coadunava em grau, numero, gênero ou forma com o posicionamento marxista.

elemento primário da sociedade, que é preciso procurar o choque impulsivo do meio, destinado a se traduzir em ações voluntárias para difundir as idéias e participar nas obras que modificarão o feitio das nações. [...] é do homem que nasce a vontade criadora que constrói e reconstrói o mundo.” (pag.40). ...PARA CHEGARMOS AO TERRITORIO... Ao pensar em território e a territorialidade, seja direta ou indiretamente, Reclus tem como base de análise às três ordens apresentadas acima. Desta forma, estabelece seu pensamento na origem da família, da propriedade e do Estado que estaria no cerne da desigualdade entre os indivíduos. Dedica no interior de seu L´homme et la terre, grande espaço para tal compreensão. Por isso, em sua obra, é sempre bem marcante para fundamentação de sua teoria sobre o espaço geográfico e sua porção apropriada, o território, a relação que se estabelece entre o trabalho individual e o trabalho coletivo, entre a propriedade privada individual e propriedade comunitária. Partindo da concepção de território a qual abarca a fronteira como limite entre pedaços de terra, Reclus compreendia o solo não apenas como um pedaço de terra ou um agregado de matéria orgânica, minerais, água, ar e horizonte definido, relacionava, sobretudo o solo como uma estância da existência humana. O solo aqui não é o ‘palco’ onde se desenvolve as ações dos indivíduos e das sociedades humanas, o solo é o prolongamento da vida. Para Reclus, bem como Friedrich Ratzel (1844-1904), acreditava nas vantagens naturais de cada espaço sobre a terra ao desenvolvimento das sociedades humanas “a grandeza dos grupos urbanos mede-se exatamente pela soma dos privilégios naturais” (RECLUS, 2010, p. 47), destarte o primeiro, compreendia perfeitamente que não seria apenas essas vantagens, o fator determinante em maior ou menor grau de desenvolvimento das faculdades individuais, sócias, econômicas das sociedades humanas, assim, “uma da África, a outra da Europa, encontrando-se em condições similares, serão, contudo muito diferentes, porquanto a evolução da historia circundante difere para cada uma delas.” (Ibid, p. 47) Ou seja, mesmo duas cidades em condições

geográficas similares não serão, portanto condicionantes seja para um mesmo desenvolvimento, seja para um desenvolvimento diferente. No entanto, Ratzel une o solo ao estado pelo intermédio da sociedade, dai todo agrupamento humano para Ratzel é um estado, e o território limita-se a essa dimensão. Porém, Reclus compreende território em um sentido libertário, de uma abordagem internacionalista, pelo fim das fronteiras. De acordo com Ferretti (2013) citando o Bulletin de la Fédération Jurassienne onde mostra que a Nouvelle Géographie Universelle expressa bem o sentimento internacionalista Nosso sentimento de internacionalismo e de cosmopolitismo que, em séculos passados, era conhecido apenas pelas inteligências mais elevadas mas que, agora, era dominante entre o proletariado dos dois mundos, fortalecidos pelos estudos desta Geografia tão bem-intencionada. [Este é] um livro de divulgação científica que trará enorme contribuição à educação popular. Todas as associações operárias que possuírem uma biblioteca deverão impor a si mesmas o pequeno sacrifício de despender cinquenta centavos semanais para obtê-lo (Bulletin de la Fédération Jurassienne, 13 de Junho de 1875:4 Apud FERRETI, 2013, p. 5).

No que se refere ao trabalho individual e trabalho coletivo, Reclus claramente demarca a diferença entre apropriação dos recursos e o estabelecimento da propriedade privada individual. Apresenta o instinto de apropriação que se manifesta tanto na animalidade como entre os seres humanos. Tal instinto não pode ser confundido com a propriedade privada, pois “[...] Os primitivos eram naturalmente levados a considerar como seu pertence à pedra por eles talhada ou o vaso feito pelas suas mãos, e, ao darem a outrem estes objetos por eles fabricados, a livre doação estabelecia nitidamente sua qualidade de proprietário” Este era o sentido de apropriação tanto dos recursos como dos instrumentos de trabalho, mas não era necessariamente a propriedade privada. Tal propriedade se estabelece quando “a pedreira da qual extraíram o sílex ou o campo de lava que lhes fornecera a obsidiana necessária a sua indústria pudessem tornar-se propriedade pessoal [...]”. Em última instância, Reclus também chama atenção para o estabelecimento da propriedade privada individual mesmo para biomas inteiros ou mesmo para bacias hidrográficas, afirmando que o povo das aldeias não imaginava tal

Fonte: www.antiqbook.com

escalada da propriedade “não reivindicavam a savana, o rio, a floresta como seu domínio particular, e nunca podiam imaginar que semelhante apropriação fosse possível, pois nada nos costumes da tribo materna ou nos de outros bandos” (pag.6466).

Outra grande contribuição de Reclus ao pensamento geográfico e social é a construção de uma trajetória de institucionalização da propriedade privada. Tal perspectiva deu ao autor uma lucidez tal capaz de ponderar que mesmo sob o capitalismo, regime que tem como base a instituição da propriedade privada individual, a propriedade privada não pode ser generalizada a todo tempo e lugar, porque em sua leitura empírica, a persistência e a resistência da propriedade comunitária era fato, [...] as tradições da antiga propriedade comunitária não desapareceram por completo em nenhum país europeu. Em certas regiões [...] onde os camponeses não sofreram derrota semelhante à dos aldeões alemães após as guerras da reforma, as propriedades comuns são ainda bastante extensas, constituindo parte considerável do território. (pag.81).

A mesma preocupação de Reclus com a propriedade privada também o leva a um grande esforço em compreender, as formas de relações comunitárias nas sociedades contemporâneas, bem como a estrutura agrária sendo transformada a partir dessas relações de ajuda mútua. Neste sentido, para Reclus a diferença estabelecida entre o trabalhador livre na terra (o camponês) e o que perdera sua autonomia, como “o que vigia os escravos ou os assalariados” traz uma diferença de relações que não podem ser classificadas de forma generalizada e que “trazem conseqüências bastante desiguais, diferenciando-se em todos os países com a diversidade das leis” (pag.87). Assim, em determinadas passagens de seu pensamento, comparações são inevitáveis. Uma delas aponta para uma preocupação entre estrutura fundiária e composição demográfica “O aumento das famílias, nos países onde prevalece o costume da igualdade das partilhas fundiárias, determina um verdadeiro corte em fatias do terreno; em conseqüência, aqueles que querem conservar a propriedade em sua integridade primitiva abstêm-se de ter muitos filhos: o país se encontra, por esse fato, ameaçado de despovoamento.” (pag.87). Tal perspectiva será retomada posteriormente em Alexander Chaynov, em seu ontológico Sobre a Teoria dos Sistemas Econômicos Não Capitalistas (1981), ao avaliar as estratégias do campesinato para a sua reprodução levando em consideração a estrutura familiar. Reclus apesar de se posicionar claramente em favor da propriedade comunitária camponesa se ressabia da condição de insulamento do campesinato e sua reificação em

uma espécie de modo idílico de vida que pode esconder uma brutal exploração “A ficção apropria-se à vontade da cabana rústica onde encontra um quadro charmoso para idílio sonhado, que, aliás, muitas vezes pode se realizar; mas com muito mais freqüência uma miséria sórdida instalou-se no lar” (pag.88). Neste sentido, apresenta um conjunto de interrogações que perpassam uma preocupação com a construção histórica do sujeito camponês, questionando “O que pode fazer para aumentar seu horizonte, para alargar suas idéias, renovar sua capacidade intelectual, aprender até mesmo o que se refere a sua atividade? A rotina que o liga a sua gleba hereditária o prende igualmente aos seus antigos costumes: embora livre na aparência ainda conserva a lama de escravo”(pag.88).

...E TENTAR FINALIZAR. É verdade que Reclus não escreveu diretamente acerca do conceito de território, fazia em seus textos abordagem transversal. Para aqueles que estão acostumados a ler o conceito na definição direta, grosso modo acaba por ter certa dificuldade em extrair daquilo que Reclus escreveu e pontuar categorias geográficas. Interessante frisar que nos parece que para ter um teor geográfico, a produção geográfica deve essencialmente fazer definições antes de aplica-las. Isso parece logico, mas a aplicabilidade (ou a explanação) de uma ideia pode vir a ser a própria definição do conceito em movimento. Pensemos, portanto nas três ordens da geografia social reclusiana, na abordagem classista acredita no socialismo libertário: Mas, se somos anarquistas, os inimigos de qualquer senhor, somos também comunistas internacionais, porque compreendemos que a vida é impossível sem grupamento social. Isolados, não podemos nada, ao passo que, por nossa estreita união, podemos transformar o mundo (RECLUS,

2011, p.108).

Posicionamento de Reclus enquanto sua opção politica, vai ao encontro de uma conceituação de território, o território internacionalista, uma proposição anarquista de conceito de território, costurada por Reclus dentro da geografia, mas que é sobre tudo anarquista.

Pois bem, na procura do elemento de equilíbrio ou a necessidade de manter-se em organização para lutar e enfrentar a oposição dos “de cima” ou a classe dominante, ou seja, a organização dos trabalhadores/as em sindicatos revolucionários, lembrando que juntamente com Mikhail Bakunin foi um dos fundadores do movimento anarquista internacional no âmbito da Associação Internacional dos Trabalhadores. Ora, para aquele que se envolvia nas lutas populares e organização dos/as trabalhadores/as bem como fazia da ciência que escolherá como sua profissão um espelho ou forma de propaganda, mesmo que em muitas vezes amordaçado pela censura das editoras, do sectarismo dos próprios geógrafos que, por algum fator divino, enxergaram fora da ciência geografia (como na dialética materialista histórica) o exemplo de uma geografia dita critica, mas que é acima de tudo reformista e caduca no academicismo beribérico. E tomando o individuo em sua decisão como soberano em relação a sociedade, Reclus coloca o individuo livre na construção de uma nova sociedade de baixo para cima, na horizontalidade, portanto nada está acima nem abaixo dos indivíduos, sem estado a sociedade de indivíduos livremente associados em um objetivo comum libertário é o que Reclus concebe para sua geografia social e por que não dizer uma geografia libertária.

BIBLIOGRAFIA FERRETTI, Federico. “Eles têm o direito de expulsar-nos”: a Nova Geografia Universal de Élisée Reclus, Espaço e Economia [Online], 3 | 2013, posto online no dia 19 Dezembro 2013, consultado o 20 Fevereiro 2014. URL: http://espacoeconomia.revues.org/513; DOI: 10.4000/espacoeconomia.513. RECLUS, Élisée. Élisée Reclus: geografia. São Paulo: Ática, 1985 (C. Grandes Cientistas Sociais, 49). _____. A evolução, a revolução e o ideal anarquista. São Paulo: Imaginário, 2002. Tradução de Plínio Augusto Coêlho (1. ed. francesa: 1898). _____. Renovação de uma cidade; Repartição dos Homens. São Paulo: Expressão e Arte: Editora Imaginário, 2010, 95 p. _____. Por que somos anarquistas? Boletim Campineiro de Geografia. Campinas (SP): Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Campinas, vol. 1, n. 1, 2011, p. 106-109 (Tradução de Rui Ribeiro de Campos) ISSN: 2236-3637 – Acesso em 20 de fevereiro de 2014. Disponível em http://agbcampinas.com.br/bcg/index.php/boletimcampineiro/index.

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