O Planalto e o Congresso: uma crise em camadas (Magazine)

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O Planalto e o Congresso: uma crise em camadas Márcio Fernandes Artigo publicado na revista mensal “Contexto das Gerais”, vol. 4, pág. 20, 30 de maio de 2013

Royalties do petróleo, derrubada de vetos presidenciais, dificuldades de votação da MP dos Portos e a rejeição do Presidente do Senado em votar Medidas Provisórias próximas de seu limite de vigência. Todos estes casos são indicativos de uma crise que vem se maturando desde o primeiro ano do Governo Dilma e que, hoje, já possui contornos muito claros: a Presidenta tem tido sérias dificuldades de relacionamento e de articulação política com sua base parlamentar no Congresso. Diferentes analistas têm dado suas interpretações acerca deste desgaste entre a “planície” e o “planalto”. Em concordância com alguns e em discordância com outros, sugiro que busquemos entender esta dificuldade de relação entre o Executivo e o Legislativo a partir de uma observação em “níveis de análise”, em camadas. Nesta abordagem, podemos conjugar pelo menos três perspectivas capazes de nos ajudar a compreender a dificuldade pela qual passa a Presidenta e o seu gabinete neste momento já impregnado pelos ares do período eleitoral: uma perspectiva estrutural, uma conjuntural e, outra, pessoal. A perspectiva estrutural diz respeito ao conjunto de regras que regem o sistema político-partidário brasileiro. No Brasil, possuímos um sistema partidário pulverizado, que estimula a formação de um número relativamente grande de partidos políticos com capacidade de obter cadeiras no Congresso Nacional. Nosso sistema eleitoral proporcional e com distribuição de sobras dá possibilidade às mais distintas forças políticas de obterem representação parlamentar, ainda que elas não representem linhas programáticas ou ideológicas claramente definidas. Hoje, por exemplo, há cerca de 30 partidos políticos registrados no TSE, com 24 deles detendo ao menos uma cadeira no Congresso Nacional. Como resultado, o Presidente eleito é levado a construir acordos excessivamente amplos no Congresso para poder governar, vendo-se obrigado a celebrar alianças complexas que, na maior parte das vezes, exigem a partilha de cargos e posições de destaque na esfera federal. O reflexo disso fez com que Dilma chegasse a ter 17 partidos aliados no Congresso em seu primeiro ano de governo. Atualmente – já com o desconto das entradas e saídas de partidos da estrutura do Governo –, 39 ministérios abarcam as mais distintas “forças” partidárias que compõem a base do Planalto. Somada à tal pulverização, não podemos nos esquecer de que o PMDB – o maior partido da base aliada – é, por si só, uma “federação” de interesses caudilhescos e regionais, possuindo séria dificuldade em constituir posição política comum na esfera nacional. Tal estrutura possui administração política difícil, volta e meia sendo afetada por focos de tensão mais ou menos sérios que se refletem na capacidade do Governo em orientar a sua maioria dentro do Congresso. O sucesso na gestão de tal estrutura partidária exige notável habilidade de articulação e sensibilidade política dos diferentes Governos que ocupam o gabinete presidencial. Conseguida – com suas dificuldades – pelos Governos Fernando Henrique e Lula, tal articulação não tem sido marca do Governo Dilma, o que nos leva ao nosso segundo nível de análise. O nível conjuntural refere-se à capacidade do Governo da ocasião em constituir e consolidar alianças confiáveis no Congresso apesar das dificuldades que já descrevemos. Para isso, os Presidentes da República possuem uma estrutura de governabilidade composta, hoje, pela Secretaria de Relações Institucionais (SRI), pelas lideranças partidárias e de Governo no Congresso e pelas Mesas da Câmara e do Senado (cujas chefias têm sido tradicionalmente ocupadas por caciques políticos alinhados ao Planalto). Compete a tal estrutura alimentar a boa relação entre a Presidência da República e as demais forças políticas que atuam em Brasília. Trata-se de ouvir e constituir aliados, atendê-los, chamá-los para si e, em última instância, conquistar seus “corações” e votos. Como cabeça da equipe está a própria Presidenta da

República, Comandante-em-Chefe desta falange. Ocorre que o Governo Dilma não tem tido habilidade em formar sua frente de articulação política junto ao Congresso. Ministros da SRI pouco expressivos ou com fraca sensibilidade política, líderes partidários truculentos e sem jogo de cintura, Presidentes de Mesas Legislativas mal atendidos e tratados com certa displicência. Forma-se, assim, um ambiente propício para o descontentamento geral de atores e partidos políticos já acostumados às benesses das relações entre Congresso e Planalto. Não atendidos em muitas de suas expectativas, forças políticas do Legislativo têm demonstrado suas insatisfações em votações que continuam a por a Presidência da República contra as cordas. Como efeito, surgem lideranças pontuais no Congresso capazes de arregimentar desagradados, colocando-os em oposição às orientações do Governo. Assim, no dia seguinte à votação da MP dos Portos, com muitos parlamentares exaustos com duas madrugadas de votação e de malas prontas para voltar às suas bases, uma importante liderança do Congresso mencionou pelos corredores que o grande problema de Dilma na Câmara era a liderança de Eduardo Cunha sobre o PMDB daquela Casa. Porém, insisto em refletir que a proeminência de Eduardo Cunha sobre a base governista da Câmara só foi possível graças à grande insatisfação de seus membros com relação ao Planalto. Trata-se de um estopim aceso por um problema conjuntural, relacionado à baixa qualidade da coordenação política do Governo em um espaço de importância fundamental como o Congresso. Por fim, podemos levar nossa análise à esfera dos indivídios, das pessoas. É notório entre aqueles que acompanham os acontecimentos em Brasília que a Presidenta Dilma não tem habilidade nem interesse em liderar a coordenação junto ao Congresso Nacional. Sua postura unilateral e por vezes dura com diferentes lideranças políticas que transitam por Brasília já se tornou folclórica. Figuras vaidosas por natureza, políticos tendem a guardar no fígado os tratamentos ríspidos que recebem daqueles de quem esperavam certo prestígio. Muitos caciques têm suas histórias particulares de encontros e de dispensas de cuidados com peças-chave no Palácio do Planalto ou mesmo com a Presidenta. O desapontamento é marca da maior parte destas experiências. Os atritos nestas relações pessoais, travadas nas mais altas esferas de poder, amargam ainda mais o ambiente ruim existente entre Executivo e Legislativo, potencializando os problemas estruturais e conjunturais dos quais já falamos. De fato, há falta de sintonia entre o Congresso e o Governo Federal. A política vai mal (e a sua gestão, também). Em minha opinião, nenhum dos níveis de análise apresentados é capaz de, isoladamente, explicar a dificuldade que a Presidenta tem tido com deputados e senadores. Porém, somados, estes elementos dão boa noção dos obstáculos enfrentados (e criados) pelo Planalto. Os estímulos à união estão momentaneamente fragilizados. Há descontentamento nas alianças pessoais e partidárias e o Governo carece de um grande programa de reformas capaz de mobilizar o Congresso “de fora para dentro” (quer dizer, mediante a pressão da opinião pública graças à legitimidade de ações propostas). O período eleitoral poderá ser a redenção ou a danação desta dinâmica de poder. A necessidade de celebração de alianças para a campanha de 2014 poderá fazer com o que o Governo se aproxime de forma mais intensa daqueles aliados parcialmente descontentes com a atuação da Presidência. O contrário significaria uma disputa eleitoral mais renhida e, certamente, com mais alternativas ao eleitor (especialmente nas esferas estaduais). Resta ao Governo cruzar os dedos e torcer para que a economia não siga o mesmo caminho da política, fragilizando-se nestes meses que nos separam da campanha presidencial. Cabe-nos acompanhar o que está por vir.

Márcio Fernandes é cientista político formado pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em História Econômica pela Universidade de Coimbra. Exerceu funções como pesquisador-visitante na Universidade de Salamanca, na Espanha, e hoje trabalha acompanhando o Congresso Nacional em Brasília, de onde envia suas percepções sobre os bastidores da política e do poder na capital da República.

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