O Poder Presidencial em Portugal

June 9, 2017 | Autor: António Costa Pinto | Categoria: Portuguese History, Semipresidentialism
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O Poder Presidencial em Portugal

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O Poder Presidencial em Portugal André Freire António Costa Pinto

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Título: O Poder Presidencial em Portugal © 2010, André Freire e António Costa Pinto e Publicações Dom Quixote Capa: Ideias com Peso Revisão: Fernando de Jesus Ferreira Paginação: Júlio Matias Impressão e acabamento: Guide – Artes Gráficas, Lda. 1.a edição: Março de 1975 2.a edição: Outubro de 2010 Depósito legal n.º 317 247/10 ISBN: 978-972-20-?-? Reservados todos os direitos Publicações Dom Quixote Uma editora do Grupo Leya Rua Cidade de Córdova, n.o 2 2610-038 Alfragide – Portugal www.dquixote.pt www.leya.com

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Índice Introdução

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O Poder Presidencial em Perspectiva Histórica Origens do presidencialismo 15 a A 1. República portuguesa. 1910-1926 18 Sidónio Pais: presidencialismo em ditadura 20 Do parlamentarismo republicano à ditadura militar A Constituição de 1933 30 Um ditador «forte» e um presidente «fraco» 33 Concluindo 39

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O Poder Presidencial em Democracia 42 Os presidentes e a transição democrática em Portugal 42 A terceira vaga de democratizações e o semipresidencialismo 49 O sistema de governo semipresidencial 53 A participação eleitoral na escolha dos presidentes 81 As eleições presidenciais e o sistema partidário nas eleições legislativas 99 As maiorias presidenciais e parlamentares 102 As eleições presidenciais e a personalização da política 117 Concluindo 120 Bibliografia citada

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Introdução O regime republicano português foi um fenómeno precoce no quadro europeu, mas a sobrevivência deste ao longo do século XX, sobretudo considerando a longa experiência autoritária, demonstrou a rápida consolidação das instituições republicanas na sociedade portuguesa e, sobretudo, em alguns segmentos das suas elites. Entre a primeira e curta presidência de Manuel da Arriaga e a presidência de Cavaco Silva, a vida política portuguesa passou de um regime parlamentar instável, que sucumbiu perante curtas e longas ditaduras militares e civis, a uma democracia política consolidada. Os presidentes, ainda que os seus poderes variassem muito ao longo dos últimos 100 anos, estiveram muitas vezes no centro da vida política portuguesa. Este livro pretende fazer o balanço do poder presidencial, concentrando-se sobretudo no regime democrático implantado em 1974. O primeiro capítulo deve ser entendido como uma síntese sobre a natureza dos poderes presidenciais desde a implantação da República, em 1910. A 1.a República criou um sistema parlamentarista, dando inicialmente pouquíssimos poderes aos presidentes, mas a emergência de crises sucessivas colocaram vários destes perante o dilema da intervenção – por vezes com manobras constitucionalmente 9

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Introdução

duvidosas. Quando Sidónio Pais desencadeou um golpe de Estado, em 1917, este tentou de imediato a criação de uma ditadura presidencialista. Sidónio fez-se eleger por sufrágio universal – introduzido pela primeira vez na história eleitoral portuguesa –, mas o seu regime seria curto e o seu fim violento. Nos últimos anos da República os poderes presidenciais foram, então, ligeiramente aumentados. Os presidentes eleitos à luz da Constituição de 1911 foram sobretudo intelectuais e professores – quase sempre de idade avançada – que raramente cumpriram os seus mandatos até ao fim, saindo por vezes ressentidos com a ineficácia do parlamentarismo republicano (casos de Manuel de Arriaga ou Teixeira Gomes, por exemplo), quando não foram forçados a abandonar o cargo por golpes de Estado (casos de Bernardino Machado e outros). Mas os militares vitoriosos, de 28 de Maio de 1926, não romperam com a República e com o projecto de a reformar. Quando Oliveira Salazar, a partir de 1928, começou a projectar o edifício institucional do Estado Novo, confrontou-se já com o General Carmona no poder, já como Presidente, apoiado por um grupo militar, na sua maioria constituído por republicanos conservadores. Carmona fez-se eleger por sufrágio directo, e a Constituição de 1933 manteve o princípio. Salazar – não sem alguma dificuldade, ainda que sempre com o apoio do velho Presidente – vai transformar-se no chefe incontestado do novo Regime. O Salazarismo não vai, portanto, entrar em ruptura total com as instituições republicanas, mantendo um Presidente com alguns poderes – nomeadamente o de o demitir –, o que lhe irá provocar problemas nos anos 50, após a morte Carmona, o chefe de Estado com a mais longa estadia no poder da história presidencial portuguesa. Mantendo a tradição de escolher militares para o cargo. 10

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Na segunda parte do livro, pretende-se fornecer uma retrospectiva geral sobre o sistema de governo semipresidencial no Portugal democrático, quer em termos de arquitectura constitucional, quer, sobretudo, em termos de funcionamento efectivo. Em primeiro lugar, analisa-se a importância do sistema de governo para a transição e a consolidação democráticas em Portugal. Em segundo lugar, empreende-se uma revisão das interpretações do semipresidencialismo, e de que modo o caso português se enquadra neste modelo. Esta caracterização do sistema de governo português será concretizada também através de uma análise comparativa dos regimes semipresidenciais. Analisa-se também, em terceiro lugar, a evolução da participação e da abstenção nas eleições presidenciais e legislativas, para daí inferir algumas hipóteses explicativas sobre o comportamento dos eleitores. A forte abstenção nas eleições presidenciais de 2001 suscitou significativas preocupações, pelo menos entre a generalidade das elites políticas e grande parte dos comentadores. Para uma correcta avaliação do nível de participação, nas presidenciais portuguesas, procede-se a uma avaliação comparativa dos níveis de participação na eleição do Presidente da República (PR) em regimes democráticos semipresidenciais. Em quarto lugar, problematiza-se o impacto da eleição do PR sobre a personalização da política e sobre o sistema de partidos. A seguir são analisadas algumas hipóteses explicativas quanto à actuação dos presidentes do regime democrático, tendo em conta, nomeadamente, a dimensão relativa das respectivas maiorias, e a congruência político-ideológica entre as maiorias presidenciais e parlamentares, bem como os cálculos estratégicos do PR perante a possibilidade ou impossibilidade da sua reeleição. Nesta secção será passado em revista o papel efectivo dos diferentes presidentes no sistema político português, mas, sobretudo, 11

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Introdução

serão comparadas as actuações de Mário Soares (1986-1996), de Jorge Sampaio (1996-2006) e de Cavaco Silva (2006-2010) durante os respectivos mandatos. Para ilustrar o significativo poder dos presidentes portugueses, mesmo após a reforma constitucional de 1982 e o reforço dos poderes dos primeiros-ministros, após a viragem maioritária no sistema democrático que ocorreu entre 1987 e 2009 (e foi apenas invertida em 2009), serão ainda analisadas as decisões de Jorge Sampaio, no Verão de 2004, quando aceitou substituir o primeiro-ministro Durão Barroso por Santana Lopes, e em Novembro/ /Dezembro, do mesmo ano, quando anunciou que iria dissolver a Assembleia da República, à qual procedeu, convocando novas eleições legislativas realizadas em Fevereiro de 2005. Como ilustração do poder dos presidentes, que alegamos permanecer bastante significativo (tal como outros autores), serão analisados, com maior detalhe, vários aspectos do exercício do poder por Cavaco Silva, nomeadamente: o exercício dos seus poderes legislativos – vetos políticos e pedidos de fiscalização da constitucionalidade das leis; nomeações ministeriais; intervenções públicas para marcar a agenda política – e a sua influência na política governativa. *** Este livro retoma o tema de uma obra anterior, que correspondeu a um desafio que nos foi lançado por Fernando Lima e Jorge de Sá no Verão de 2005: escrever uma breve síntese sobre os dilemas do poder dos presidentes na democracia portuguesa, numa conjuntura de debate em torno do exercício dos poderes presidenciais em Portugal. Para esta versão, revista e actualizada, acrescentou-se não só o mandato do presidente Cavaco Silva como se alargou a perspectiva comparada e o debate sobre a revisão constitucional e os poderes presidenciais. 12

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Agradecemos ao Duarte Bárbara o desafio para elaborar esta versão revista e actualizada. Agradecemos ainda aos serviços da Presidência da República (João Bonifácio Serra, no mandato do Presidente Sampaio, e António Araújo, no mandato do Presidente Cavaco) o fornecimento das estatísticas sobre o exercício do poder presidencial em Portugal.

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O Poder Presidencial em Perspectiva Histórica As origens do presidencialismo Nas modernas democracias representativas, o sistema de governo diz respeito aos diferentes órgãos que compõem o poder executivo e legislativo, à fonte da respectiva legitimidade política e às interacções que se estabelecem entre eles no exercício do poder político democrático. A eleição do chefe de Estado teve a sua origem na Constituição dos EUA, em 1787. Na versão original deste texto, o Presidente era eleito por um colégio eleitoral designado pelos representantes dos estados que compunham a federação. Todavia, na sua aplicação prática o sistema foi sendo alterado em duas linhas essenciais. Primeiro, a eleição do colégio eleitoral passou a ser feita directamente pelos cidadãos. Segundo, os partidos passaram a dominar o processo de nomeação dos elementos do colégio eleitoral para garantir que estes votariam no candidato em nome do qual recebiam o voto popular (Blais et aI., 1997, p. 442; Badía, 1995, pp. 566-569). Portanto, o colégio eleitoral passou a ser um mero instrumento para registar o voto popular (Blais et al., 1997, p. 442). 15

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Em 1848, a França foi o primeiro grande país europeu a contemplar a eleição directa do Presidente da República, através do sufrágio universal masculino1. De acordo com a Constituição, se nenhum candidato obtivesse a maioria absoluta dos votos, a Assembleia Nacional seria chamada a escolher o PR de entre os cinco candidatos mais votados. Luis Napoleão Bonaparte foi o primeiro PR Francês directamente eleito, obtendo uma vitória esmagadora que dispensou a intervenção da Assembleia Nacional. Todavia, três anos mais tarde, através de um golpe de Estado, Napoleão acabou com as eleições presidenciais (Blais et al., 1997, p. 442). A deriva autoritária do «bonapartismo», bem como o carácter maioritário da eleição do PR e os riscos de pessoalização do poder, explicaram uma certa resistência das forças políticas de esquerda ao presidencialismo e ao semipresidencialismo (Mény, 1996, pp. 99-102; Cruz, 1997, pp. 224 e segs.). Todavia, a aceitação da figura do Presidente eleito por voto popular foi sendo assimilada – pelos partidos de esquerda – como uma forma de racionalização de regimes parlamentares excessivamente fragmentados e com dificuldades em criarem soluções estáveis de governo (Cruz, 1997, pp. 224 e segs.). Em 1919, a Alemanha foi o primeiro grande país europeu a optar pela eleição popular e directa do PR, sem qualquer tipo de intervenção parlamentar2. Contudo, o primeiro PR foi ainda eleito pela Assembleia Constituinte. Só em 1925 seria eleito directamente pelo povo o primeiro Presidente da República de Weimar: 1

Antes de 1848, a eleição directa do PR foi inscrita nas constituições dos seguintes países: Honduras (1839); Bolívia (1839); EI Salvador (1841); Haiti (1843); e Costa Rica (1844) – Blais et al., 1997, p. 442, nota 4. 2 Todavia, vários países da América Latina, tais como Colômbia (1910) e o México (1912), tinham já adoptado a eleição popular do PR sem qualquer intervenção do Parlamento (Blais et aI., 1997, p. 442, nota 5).

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o Marechal Hindemburgo (Blais et al., 1997, p. 442; Cruz, 1997, p. 225; Sadia, 1995, pp. 261-263). A ideia de um presidente directamente eleito pelo voto dos seus concidadãos progrediu muito lentamente. Durante o século XIX, a maioria das Repúblicas, mesmo aquelas que possuíam um sistema de governo presidencial, persistia numa eleição indirecta do PR, quer pelo Parlamento, quer por um colégio eleitoral. Blais et al. apresentam quatro razões essenciais para a lenta adesão à ideia da eleição popular e directa do PR: a prevalência dos regimes monárquicos a nível mundial; a limitação da influência popular na formação do Governo; o receio de uma deriva autoritária de tipo «bonapartista»; a forte preferência da teoria constitucional soviética pelas presidências colegiais (1997, p. 443). Todavia, a eleição popular directa do PR foi-se progressivamente generalizando. Para tal evolução, muito terá contribuído a instabilidade parlamentar na Europa entre as duas guerras e mesmo mais tarde. Uma das vias propostas para compensar os efeitos de uma tal instabilidade era a existência de uma presidência forte, a qual só seria possível com a legitimidade democrática resultante do voto popular. Outro factor relevante terá sido o desejo de afastar os vestígios dos regimes oligárquicos que a eleição indirecta comporta (Blais et aI., 1997, p. 443). Em 1995, no conjunto dos 170 países analisados por Blais et al. (1997, pp. 444-446), 53,5% tinham um PR eleito pelo voto popular. Todavia, no subconjunto mais restrito dos Estados democráticos (79), apenas 40,5% tinha um PR eleito pelos seus concidadãos (Blais et aI., 1997, p. 445). A eleição popular do PR está mais difundida em África, na América do Sul e na América do Norte, tendo uma mais fraca implantação na Europa e, sobretudo, nos países com tradição ou herança colonial britânica, «berço» do sistema de governo parlamentar (Blais et al., 1997, pp. 445-446). 17

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A 1.a República portuguesa, 1910-1926 A revolução republicana de 5 de Outubro de 1910 consagrou o modelo de uma democracia parlamentar em Portugal. De acordo com a nova Constituição, aprovada em 21 de Agosto de 1911, o Presidente da República exercia vastas funções, mas seria dotado de poderes efectivos muito reduzidos (Telo, 2000, pp. 16-34). O novo regime concedia-lhe meios materiais extremamente limitados para o exercício das suas atribuições. O art. 47.º da lei fundamental definia como funções presidenciais: a nomeação, a suspensão e a demissão de funcionários; a declaração de estado de sítio; a negociação de tratados; o indulto e a comutação de penas; a nomeação e demissão de ministros; a promulgação e cumprimento das leis; e podia, ainda, convocar extraordinariamente o Parlamento. Todavia, estas mesmas atribuições seriam exercidas por intermédio dos ministros, como constava do art. 48.º da Constituição. Logo no artigo seguinte, esclarecia-se que todos os actos do Presidente da República deveriam ser referendados, pelo menos, pelo ministro competente. Era também o Presidente que representava a nação no estrangeiro e dirigia a política externa, mas sem prejuízo das atribuições do Parlamento, o qual também deveria ratificar os tratados ou convenções internacionais. Para além de não possuir poder de veto sobre a legislação, os reduzidos poderes presidenciais eram particularmente evidentes no facto de não poder dissolver o Parlamento, o qual, por seu lado, podia, por dois terços dos seus membros, destituir o Presidente da República. A eleição do Presidente da República era feita pelo Parlamento (o Congresso), composto por duas câmaras – a Câmara dos Deputados e o Senado –, sendo, para tal, necessária uma maioria de dois terços. Caso nenhum dos candidatos obtivesse os dois terços 18

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requeridos nas duas primeiras votações, efectuava-se um terceiro escrutínio entre os dois mais votados, bastando, então, o maior número de votos. O mandato presidencial era de quatro anos e não poderia haver reeleição imediata. Para além dos familiares dos monarcas, também os do Presidente cessante não poderiam ser eleitos. Apesar do Presidente da República nomear e demitir os ministros, estes eram politicamente responsáveis perante o Congresso. Aliás, a Constituição definia que o centro do poder seria sempre o Parlamento. Para além da eleição e tomada de posse do Presidente da República, era nas duas câmaras do Congresso que os Presidentes do Ministério (primeiros-ministros) apresentavam os seus programas e se sujeitavam a moções de confiança ou desconfiança. A aprovação das leis também era um exclusivo do Parlamento. Propostos pelos deputados ou senadores, ou pelos ministros, os projectos legislativos tinham de ser aprovados por ambas as câmaras. No caso de haver alterações na segunda câmara, a primeira tinha de as aprovar, caso contrário, procedia-se à reunião do Congresso para uma deliberação. De acordo com este quadro formal, foram seis os Presidentes da República eleitos durante a 1.a República, sendo que só António José de Almeida cumpriu integralmente o seu mandato (1919-1923), e apenas Bernardino Machado foi eleito por duas vezes (1915 e 1925) (Pinto e Rezola, 2000). Ainda que com escassos poderes formais, os presidentes foram arrastados para a ribalta política, devido à instabilidade política, quase desde a aprovação da Constituição. O primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga, é disso exemplo, quando, no quadro das divergências entre republicanos sobre a forma de participação na Primeira Guerra Mundial, vai propor e apoiar, nos limites da Constituição, um governo chefiado pelo general Pimenta de Castro, em 1914. Castro rompeu rapidamente com a Constituição 19

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ao dissolver o Parlamento, transformando-se, na prática, «numa ditadura com beneplácito presidencial» (Telo, 2000, p. 23). Se aceitarmos a caracterização do sistema político da 1.a República como um parlamentarismo de partido dominante, sempre que o Presidente é afecto ao Partido Democrático e tende a assumir os seus poucos poderes, os partidos da oposição tendem a apoiar soluções anticonstitucionais mais claras (Pinto, 2005). É neste contexto que, desde cedo, muitos e destacados membros da elite política foram favorecendo o reforço dos poderes presidenciais, e mesmo um modelo presidencialista, mas este último ficaria rapidamente marcado pela sua associação com o autoritarismo, com a Ditadura de Sidónio Pais, em 1918.

Sidónio Pais: presidencialismo em ditadura Apesar de ter utilizado o seu passado militar para efeitos carismáticos, Sidónio Pais, o chefe do golpe de Estado de Dezembro de 1917, era um discreto membro da elite republicana conservadora. Professor da Universidade de Coimbra, deputado pelo Partido Unionista, força política dirigida por Brito Camacho, Sidónio fora ministro por duas vezes e era embaixador em Berlim, quando, em 1916, a Alemanha declarou guerra a Portugal. A fácil vitória do golpe de Sidónio, planeada inicialmente com apoio de notáveis republicanos conservadores, pode ser explicada pela erosão rápida da política intervencionista do Partido Democrático. Algumas unidades militares, que tiveram uma participação decisiva no golpe, preparavam-se para partir para a frente de combate. A ambiguidade do golpe, e o seu espectro de neutralidade colaborante, ficou marcada pela visita de uma delegação de sindicatos operários a Sidónio, quando este ainda se encontrava no centro de Lisboa, dirigindo as operações militares, prometendo-lhe 20

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apoio em troca da libertação dos presos políticos sindicalistas (Samara, 2003). A Ditadura de Sidónio antecipou algumas das características das modernas Ditaduras do pós-guerra, nomeadamente as associadas ao fascismo. Após algumas hesitações, Sidónio exilou uma parte da elite republicana, rompeu com a Constituição de 1911 e tentou institucionalizar uma ditadura presidencialista e plebiscitária. Na sequência de uma visita à província, onde foi proclamado «salvador da pátria» por pequenas multidões mobilizadas em grande parte pelo clero, Sidónio implantou o sufrágio universal, fez-se eleger Presidente numa eleição sem concorrência, na prática um plebiscito, e assumiu um controlo total sobre o executivo, do qual os partidos republicanos conservadores saíram para a oposição. Criou então um esboço de partido único, o Partido Nacional Republicano. Nenhum outro partido republicano concorreu às eleições, e a repressão, quer sobre estes, quer sobre o sindicalismo operário, desenvolveu-se rapidamente. Fora deste partido, de iniciativa governamental, apenas os monárquicos e os católicos teriam representação parlamentar. Os primeiros apoiaram o regime e foram reintegrados em diversas instituições, nomeadamente na militar, e os segundos apoiaram Sidónio até ao fim, dada a sua política de revogação da parte mais radical da legislação anticlerical e o reatar de relações com o Vaticano. O presidencialismo sidonista consagrou-se na chamada «Constituição de 1918», com o Decreto n.º 3907, que estabeleceu o sufrágio universal e a eleição directa do Presidente da República3. O Decreto n.o 3997 estabelecia o princípio de representação regional e profissional no Senado e a possibilidade do Presidente, chefe 3

Seriam eleitores todos os cidadãos portugueses, do sexo masculino, maiores de 21 anos, que estivessem no gozo dos seus direitos civis e políticos e residissem em território nacional há mais de seis meses.

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das forças armadas da terra e do mar, nomear e demitir os ministros: «Em obediência ao mesmo princípio de sufrágio universal e para obter a mais definitiva sanção legal ao acto revolucionário de 5 de Dezembro a que todas as classes sociais deram já o seu aplauso, o Governo entende submeter ao sufrágio popular a eleição do Supremo Magistrado da Nação.»4 Denotando uma clara influência das repúblicas presidencialistas, os ministérios passaram a chamar-se secretarias de Estado, deixando de existir a figura do Presidente do Ministério. Uma outra novidade do novo sistema foi o esboço de representação corporativa. Sidónio manteve o sistema bicameral, mas o seu novo senado deveria ter elementos nomeados pelas associações patronais e sindicais, indústria, profissões liberais, etc. Este senado, como a Câmara dos Deputados, iria ser rapidamente subalternizado por Sidónio, que enviou ambas as câmaras para férias e governou cada vez mais confiante nas suas capacidades carismáticas. Durante o período de escassez de géneros provocada pela guerra, o discurso político de Sidónio era antiplutocrático, sublinhando a luta contra as oligarquias partidárias e o messianismo nacionalista. O ditador logrou reunir num mesmo espaço os monárquicos e alguns republicanos conservadores. Ao mesmo tempo usou eficazmente o seu carisma para se rodear de um grupo de jovens oficiais que o acompanhavam nas manifestações. Após ter sido assassinado por um ex-sindicalista rural, no final de 1918, eclodiu uma revolta monárquica no Norte. Os republicanos mobilizaram-se nas cidades, e várias unidades militares declararam-se neutras, permitindo assim a vitória do Partido Democrático e o regresso à vigência da Constituição de 1911.

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Decreto n.º 3907, Diário do Governo, 1.a Série, n.o 64, de 30 de Março de 1918.

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Do parlamentarismo republicano à ditadura militar Após a queda do sidonismo, a Constituição de 1911 seria alvo de quatro revisões, entre 1919 e 1921. De todas as disposições, então adoptadas, destaca-se a mais importante: a possibilidade do Presidente da República dissolver o Congresso, de acordo com os interesses do país e depois da consulta ao Conselho Parlamentar, criado para esse efeito. Este poder apenas foi utilizado por António José de Almeida, por duas vezes, no mesmo ano (1921). A eleição de António José de Almeida, um republicano moderado, dirigente do Partido Evolucionista, foi, aliás, símbolo das concessões que o Partido Democrático realizou após a ditadura sidonista. Resumindo: apesar dos seus reduzidos poderes, os presidentes não deixaram de exercer as funções de arbitragem do instável sistema político da 1.a República. Excedendo por vezes os poderes constitucionais de que dispunham, ofereceram garantias de continuidade do regime. Nas sucessivas crises políticas, a centralidade do Parlamento e a influência dos militares e da «rua» foram confrontadas com o peso político e o prestígio das figuras dos presidentes, intelectuais e professores, na sua quase totalidade, que ascenderam ao cargo já no termo de activas carreiras políticas. Perante as dificuldades em constituir ministérios estáveis, foi também em torno da acção dos presidentes da República e do âmbito dos seus poderes que uma significativa parte do debate político se estruturou. Foi neste quadro que emergiram várias opções políticas e ideológicas presidencialistas nos anos 20, na sua gigantesca maioria originadas na direita republicana e sidonista. Já antes da ditadura de Sidónio, pequenos partidos tinham feito do presidencialismo um aspecto importante do seu programa político – caso do Partido Centrista de Egas Moniz ou, até, de discretos membros da elite administrativa, como Quirino Avelino de Jesus, mais tarde um dos 23

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arquitectos da Constituição de Salazar (Leal, 2000, pp. 130-131) –, mas o sidonismo deixará um rasto intelectual significativo na defesa de um presidencialismo autoritário, como alternativa ao parlamentarismo republicano. Reputados professores, como Martinho Nobre de Melo, autor principal da «constituição» sidonista, continuaram a sua batalha, e surgem mesmo partidos neo-sidonistas, cuja opção é inscrita no seu nome – caso do Partido Nacional Republicano Presidencialista. O reforço dos poderes presidenciais e a sua progressiva autonomia do Parlamento atinge mesmo contornos mais carismáticos, associados à influência do fascismo italiano nos círculos da direita radical, ainda que a matriz monárquica seja um contrapeso importante à sua penetração. O liberalismo republicano foi derrubado por um exército dividido e politizado, fundamentalmente a partir da intervenção portuguesa na Primeira Guerra Mundial, sofrendo apelos golpistas de fracções organizadas no seu interior, que iam desde os republicanos conservadores aos católicos-sociais e à extrema-direita integralista e correlativos apêndices fascistas, particularmente influentes juntos dos jovens oficiais (Pinto, 1994). Ainda que produto de grupos conspiratórios, os meandros do golpe eram do conhecimento da opinião pública e dos partidos. As fracturas entre as várias componentes golpistas foram, às vezes, mais importantes do que a resistência do Governo. O general Gomes da Costa, contactado por um dos grupos de conspiradores para assumir a chefia, foi descendo sobre Lisboa e negociando o novo poder com a componente republicana conservadora, dirigida pelo almirante Cabeçadas. O movimento demorou alguns dias, e a imprensa de Lisboa ia descrevendo as negociações. A resistência militar aos golpistas foi escassa e a mobilização civil nula. O apelo aos militares foi uma constante na vida política da República por parte da oposição ao partido dominante, o Partido Democrático. Quase por definição, o sistema político republicano 24

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não teve uma «oposição leal», já que era patente para os actores políticos que a possibilidade de chegada ao poder por via eleitoral era escassa. O movimento conducente ao 28 de Maio teve uma base heterogénea. Com efeito, tratou-se de um golpe militar que cooptou uma parte da elite política do regime liberal – que, tal como muitos dos militares, tinha como objectivo expresso o futuro restabelecimento de uma ordem constitucional reformada –, integrando também a «oposição desleal», e excluindo do poder o partido dominante. O produto foi uma ditadura militar que afastou rapidamente uma parte da componente republicana, em golpes posteriores, e que viria a ser incapaz de se institucionalizar. O último Presidente da República, Bernardino Machado, transmitiu os poderes presidenciais a Mendes Cabeçadas, que, rapidamente, seria substituído por Gomes da Costa na condução da Ditadura. A este último, sucederia Óscar Carmona, que a 25 de Março de 1928, seria plebiscitado Presidente da República por sufrágio directo. O seu mandato seria de cinco anos, mas a lei fundamental de 1933 estendê-lo-ia por mais dois. De elemento-chave na condução do processo político, Carmona cederia, entretanto, o lugar a Salazar. Durante os 48 anos de ordem ditatorial (1926-1974), a Presidência da República foi dominada por militares, no fundamental, obedientes a Oliveira Salazar, um ditador que não podia ser mais civil. Na sua maioria «indiferentes» perante a «questão do regime» ou aos republicanos, os generais que rapidamente dominaram a ditadura militar, implantada em 1926, não se esqueceram de eleger de imediato o general Carmona Presidente da República. Em 1928, este general «pacificador», que tinha chegado interinamente à chefia da Ditadura após o afastamento de Mendes Cabeçadas e de Gomes da Costa, foi plebiscitado com 783 265 votos e iria dirigir a transição para uma ditadura civil, morrendo placidamente no 25

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cargo em 1951, tornando-se assim o Presidente de maior longevidade no exercício de funções (Ramos, 1999). A história desta transição é uma história curiosa e merece atenção. Desde logo, porque não era habitual, mesmo na época, uma ditadura militar colocar na Presidência um militar e esvaziá-lo progressivamente de funções a favor de um ditador civil. Mais raro ainda, pelo facto deste movimento – não isento, evidentemente, de tensões – ser, no fundamental, dirigido pelo próprio presidente Carmona, que se tornaria numa peça-chave da consolidação do «Estado Novo» de Salazar. «Ditadura sem um ditador», como um observador da época salientou. O regime, implantado em 28 de Maio de 1926, não transportava consigo um projecto alternativo ao liberalismo republicano. Resultado de um compromisso transitório mediatizado pelos militares, o regime ditatorial foi atravessado por diversos e contraditórios projectos até à consolidação do autoritarismo no início dos anos 30. A natureza do regime transportou também para a ribalta não só as tensões corporativas inerentes à instituição militar, que atravessaram muitos dos conflitos, como determinou ainda a formação de verdadeiras facções políticas no interior das Forças Armadas. Várias correntes políticas de direita e extrema-direita tentaram a sua sorte nos primeiros anos da ditadura militar (Pinto, 2005): A primeira corrente – o liberalismo conservador – estava representada nos partidos republicanos conservadores. Apelaram aos militares e apoiaram o golpe, na perspectiva de um «Estado de excepção» que lhes permitisse a reforma da Constituição de 1911 num sentido presidencialista, limitador do parlamentarismo. Pensavam, acima de tudo, na remodelação do sistema partidário através da criação de um forte Partido Conservador com o apoio do aparelho de Estado apto a enfrentar, reposta a legalidade constitucional, o Partido Democrático. 26

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A segunda – o conservadorismo autoritário – era acentuadamente antiliberal. A sua proposta era a da construção de um regime autoritário que eliminasse o velho sistema de partidos da República, introduzindo eventualmente um partido único de vocação «integradora». Alguns propunham mecanismos de representação corporativos, e outros, governos de «competência técnica». Ideologicamente filiavam-se, quer no corporativismo católico, quer em um difuso corporativismo republicano, em que não estava ausente algum revisionismo autoritário. Nele se moviam católicos, monárquicos e republicanos autoritários. Finalmente – a direita radical. A sua proposta era de ruptura total com o sistema liberal, apontando para a construção de um Estado nacionalista baseado no corporativismo integral. Os traços de fascização deste sector eram crescentes desde o pós-guerra, visíveis nas tentativas de criação de um partido de massas, aproveitando a nova conjuntura da ditadura militar e na opção de modelos mais carismáticos de legitimidade. O seu principal suporte ideológico tinha origem no Integralismo Lusitano, ao qual se juntaram outras componentes de origem republicana e sidonista, e ainda os fascistas de Rolão Preto (Pinto, 1994). A nova situação criada pelos militares provocou, no entanto, uma alteração sensível no espectro político, e os percursos erráticos multiplicaram-se: com golpes palacianos que arrastaram para fora de cena alguns candidatos militares a ditador. De entre as diversas forças políticas que se situaram imediatamente no campo de apoio à Ditadura e que constituíram um contrapeso importante à direita radical, importa salientar o Centro Católico, em estreita dependência da própria hierarquia da Igreja, e alguns partidos republicanos conservadores. No entanto, se alguns destes – caso da União Liberal Republicana, de Cunha Leal, e do Partido Nacionalista – viram os seus projectos de manipulação do novo poder gorados logo nos 27

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primeiros anos da Ditadura, constituíram uma escora junto da elite militar conservadora perante as ofensivas dos radicais de direita. Quer a Igreja, quer o Partido do Centro Católico se situaram imediatamente no campo do apoio à ditadura militar. Até 1928, data da entrada de Salazar no Governo (e até então dirigente do partido), o Centro constituiu um poderoso grupo de pressão, que só se desvaneceu quando o recém-nomeado ministro das Finanças, uma vez consolidado o seu poder, o neutralizou, já no início dos anos 30 (Cruz, 1980). Convém também não subestimar o peso dos republicanos conservadores. Algumas formações partidárias dispunham de uma influência importante no Exército, nomeadamente junto de alguns generais que chegaram ao Governo e que mais tarde se oporiam mesmo a Salazar, como Domingos de Oliveira, Vicente de Freitas e outros. A sua importância ficaria inscrita no próprio compromisso que representou o texto constitucional que será a base do novo regime, em 1933. Ainda que muitos republicanos passassem imediatamente à oposição, fundamentalmente os ligados ao Partido Democrático, os pequenos partidos conservadores forneceram vários ministros à Ditadura, e a sua influência foi grande. Uma vez em perda de influência directa, a sua capacidade de influenciar um número significativo de militares continuou a ser importante, e o próprio Presidente, o general Carmona, foi sempre sensível a este sector. Entre 1926 e 1930, a ditadura militar falhou sucessivos projectos de institucionalização e foi alvo de várias tentativas de golpe de Estado, quer da oposição pró-republicana – o mais forte dos quais a 7 de Fevereiro de 1927 –, quer da extrema-direita. Na ribalta do poder, republicanos conservadores, católicos e extrema-direita tentavam a sua sorte – a última escorada em jovens militares que constituíam como que um poder paralelo nos quartéis, movimento agravado com nomeação de muitos para postos de administração 28

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local. Ao nível governamental, no entanto, um núcleo mais coeso de generais conservadores, organizados em volta do general Carmona, foi progressivamente consolidando a ordem autoritária. Foi neste ambiente que Salazar, na sequência de uma crise financeira importante, foi nomeado ministro das Finanças, negociando amplos poderes sobre os outros ministros, com o apoio de Carmona. Uma vez eleito Presidente por um mandato de cinco anos, Carmona poderia ter optado pelo presidencialismo ditatorial, continuando a chefiar o Governo, mas ao nomear o general Vicente de Freitas para a chefia do executivo, abdicou deste modelo. A opção pela «constitucionalização» da Ditadura e pela passagem a um regime «civil» não foi, assim, obra exclusiva de Salazar, mas também um projecto de Carmona. Em 1930 foi criada por decreto-lei a União Nacional, um «antipartido» destinado a agregar as forças civis que apoiavam o novo regime. Em 1933, uma nova Constituição proclamou Portugal uma «República unitária e corporativa». Compromisso entre princípios liberais e corporativos de representação, os primeiros foram pervertidos por regulamentação posterior e os segundos limitados e secundarizados (Lucena, 1976). Restou uma ditadura férrea do «Presidente do Conselho», uma Assembleia Nacional ocupada pela União Nacional, em eleições não competitivas e de acesso limitado. Para evitar qualquer fuga de poderes, mesmo que por parte de uma Câmara dominada exclusivamente pelo partido governamental, consagrou-se a autonomia, quase total, do executivo. Na Presidência da República manteve-se o general Carmona, que equilibrou com grande prudência as tensões entre algumas chefias militares e Salazar. A Constituição consagrou assim um Presidente eleito por sufrágio directo, com mandatos mais longos – de sete anos –, «dotado de uma legitimidade política própria, independente da assembleia representativa» (Moreira, 1998, p. 477). 29

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A Constituição de 1933 As instituições do sistema político do «Estado Novo» foram definidas, no fundamental, pela Constituição de 1933. Uma Constituição que, por representar um compromisso inicial com o republicanismo conservador, seria como que congelada nos seus princípios liberais e reforçada na sua dimensão autoritária e corporativa. Deste modo, os direitos e as liberdades dos cidadãos foram formalmente mantidos, mas eliminados por regulamentação governamental. A liberdade de associação mantida, mas os partidos eliminados, também por regulamentação; nunca tendo a «União Nacional» o estatuto formal de partido único, muito embora o tenha sido, a partir de 1934 (Cruz, 1988). A nova Constituição conferiu vastos poderes ao Presidente da República. Eleito por sufrágio directo para mandatos de sete anos, nomeia o Presidente do Ministério e os ministros, dirige a política externa do Estado, negoceia os tratados internacionais, promulga as leis, indulta e comuta penas. Ao contrário da 1.a República, o Presidente da República possui direito de veto e de dissolução do Parlamento. O Presidente do Ministério não responde perante a Assembleia Nacional, mas perante o chefe do Estado. Graças a uma investigação exaustiva de António de Araújo, temos hoje uma visão mais clara sobre os diferentes projectos de Constituição que foram apresentados e discutidos, e as posições de Salazar sobre estes (Araújo, 2001). Um dos primeiros projectos, quase seguramente da autoria de Quirino Avelino de Jesus, apontava para um regime presidencialista, mas, denotando a clara influência corporativa, o Presidente seria eleito por um colégio eleitoral constituído pelos elementos «orgânicos» da nação: câmaras municipais, corporações económicas, etc. Outras versões foram diminuindo e alargando os poderes presidenciais. Carmona aliás não deixa de participar nestes projectos (Araújo, 2005, pp. 9-64). 30

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A apresentação da proposta de Constituição do general Vicente de Freitas, ex-primeiro-ministro de Carmona e conotado com o republicanismo conservador, também deve ter marcado algumas dimensões do texto final (Araújo, 2001, pp. 856-860). No entanto, a prática do sistema político consagrou uma ditadura do Presidente do Conselho, apesar de a Constituição não o declarar na forma. Presidente da União Nacional, na prática seria Salazar a nomear os candidatos a deputados ao Parlamento. Mantendo a clássica separação de poderes, a Constituição deu muito poucos poderes à Câmara dos Deputados e nenhuns à Corporativa, autonomizando o Governo de qualquer controlo. Teoricamente os membros da Câmara Corporativa deveriam ser designados pelas Corporações, mas na realidade seria Salazar que nomearia a grande maioria, já que estas só começariam a ser criadas nos anos 50. Mantendo a Constituição um Presidente da República eleito por sufrágio directo e um Presidente do Conselho de Ministros, Salazar apenas respondia perante o primeiro. Este seria, durante os primeiros anos, a única ameaça constitucional ao poder absoluto de Salazar. Sempre ocupada por um general, a Presidência da República foi uma herança da ditadura militar, que iria colocar problemas ao ditador, particularmente após 1945. Mas Salazar, como presidente da União Nacional, escolhia na realidade o Presidente. Em resumo, a definição do Estado Novo como uma «ditadura constitucionalizada», para empregar uma frase da época, reflectia a realidade do regime. Reduzidas a mero «conselho consultivo», quer a Câmara dos Deputados quer a Corporativa concentrarão, tal como o partido único, o «pluralismo limitado» do regime. Por elas passaram as contradições entre adeptos da restauração monárquica e republicanos, entre corporativistas integrais e moderados, formando-se lóbis mais ou menos personalizados entre uma ou outra facção, particularmente nos anos 50. 31

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Em 1936, já com o fundamental do sistema consolidado, Salazar autorizou, então, a criação de uma milícia, a Legião Portuguesa, e criou também organizações de juventude, a Mocidade Portuguesa, na dependência do Ministério da Educação. Acentuou-se então uma coreografia mais fascizante nos rituais do regime. O salazarismo não afrontou a ordem internacional. A sua pulsão nacionalista repousava na herança do passado: o seu património colonial. A aliança com Inglaterra nunca foi questionada, mantendo o governo inglês um apoio discreto à Ditadura. A posição geográfica e o evoluir da Segunda Guerra Mundial foi determinante no não envolvimento português, mas todo o esforço do salazarismo se concentrou na neutralidade e na continuidade do seu sistema de alianças. Dimensão central do nacionalismo do Estado Novo, a sobrevivência nas colónias foi a variável mais importante da política externa da Ditadura. No que toca ao sistema político, pouco ou nada mudou com a alteração profunda do contexto internacional a partir de 1945. A mais importante mudança foi a decisão de permitir a emergência de uma oposição legal, durante um mês e de quatro em quatro anos, para a qual não foi precisa nenhuma revisão constitucional. Em 1958, na sequência do «susto» que provocou a candidatura de um general dissidente do regime, Humberto Delgado, a eleição do Presidente passou a ser indirecta e «orgânica».

Um ditador «forte» e um presidente «fraco» Foi na sua dupla qualidade de especialista em finanças e de membro do Centro Católico que o nome de Oliveira Salazar foi invocado sucessivas vezes para ministro das Finanças, imediatamente depois do golpe de 1926. E foi, como é conhecido, nesta 32

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qualidade que entrou para o Governo da ditadura militar, em 1928. A sua ascensão no Governo deveu-se inicialmente aos amplos poderes que negociou à entrada, como ministro das Finanças, só depois se virando para as instituições políticas. A imagem que Salazar cultivou foi a do ditador reservado, puritano e provinciano, marca que perdurou até à sua morte. Enquanto jovem militante católico saiu uma única vez de Portugal, para participar num congresso católico na Bélgica. Após a sua chegada ao poder, viajou pouco (uma única ida a Espanha, para se encontrar com Franco). Ditador com um «império colonial», nunca visitou uma única colónia, ao longo dos 36 anos do seu consulado, ou o Brasil, o «país irmão». Andou de avião uma única vez e não gostou. No entanto, seria errado associar o provincianismo dos seus comportamentos com ausência de cultura política ou com um «espírito de caserna». Ditador, «catedrático», Salazar acompanhava a política internacional e o movimento de ideias de perto. Os seus discursos constituíram, na sua simplicidade sistemática e cartesiana, o único breviário do seu pensamento político. Falando sempre para as elites, mesmo quando os governadores civis mobilizavam a província de comboio, Salazar manteve, contra ventos e marés, os seus princípios: a negação da democracia e dos partidos; um corporativismo reactivo à mudança económica e social; o integrismo colonial. Salazar conservou sempre alguns traços ideológicos centrais que derivaram do magma cultural de onde proveio: o integrismo católico, de matriz tradicionalista e antiliberal, num contexto de laicização e modernização acelerada que para ele simbolizava a 1.a República. Foi um ultraconservador no sentido mais literal do termo. Defendeu com intransigência a recusa liminar da democracia e da sua herança ideológica, baseado numa visão «organicista» da sociedade, de matriz tradicionalista e católica. Geriu o país consciente da inevitabilidade 33

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desta modernização, mas pensando sempre na sobrevivência e no bem-estar do que estava ameaçado por ela. Tudo o resto foi derivado ou veio por acréscimo. E este acréscimo não foi pouco, já que, ao contrário de outros ditadores, era ainda professor de Finanças, e tinha ideias claras sobre a gestão do deve e do haver de um Estado. O outro pólo da «diarquia» da Ditadura, o general Carmona, teve um percurso militar apagado e administrativo. Republicano pouco convicto, seria ministro do governo conservador de Ginestal Machado, nos anos 20. Membro da Junta Militar de 1926, seria o menos radical e caudilhista dos generais golpistas, transformando-se num complemento simpático à consolidação do salazarismo. Para quem tinha acumulado a chefia do Estado e do Governo, o seu progressivo apagamento poderia ter sido complexo, mas não foi o caso. Carmona satisfez-se com a chefia simbólica da «nação» com a posição formal que a Constituição lhe conferia, afastando-se voluntariamente do poder de decisão. Vários episódios descritos à frente poderiam dar a impressão de agudizadas tensões, e algumas existiram. De facto, apesar de Carmona estar na Presidência para o evitar, restava a Salazar um problema importante: o das relações com os militares. Este será sempre, na longa duração do regime, o mais sensível e o mais temido por Salazar, mas não há dúvida que a subordinação da hierarquia militar ao regime era um facto, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial. O processo foi evidentemente mais lento e as tensões foram inúmeras, mas o movimento de cooptação e controlo da elite militar foi um elemento central da consolidação do salazarismo. O general Carmona teve aqui um papel muito importante. Desde logo, por ter sempre apoiado Salazar nos momentos críticos, nomeadamente, quando apresentou a sua demissão perante contestação de algumas chefias militares. Depois, quando o ditador assumir a pasta da Guerra, episódio importante da afirmação 34

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de Salazar perante as Forças Armadas, completada por uma reforma de «austeridade» da instituição (Faria, 2000). Carmona transformou-se então no complemento político do chefe do Governo. Inaugurações, visitas ao império, válvula de escape de conspirações militares e de protestos da oposição, que zelosamente transmitia ao ditador. Quando foi reeleito após a Segunda Guerra Mundial, a oposição emergiu, autorizada pela primeira vez a apresentar uma alternativa, ainda que meramente simbólica, na figura do general Norton de Matos. A herança de um presidente com legitimidade própria não foi exclusiva de Salazar. Outros ditadores, nomeadamente Mussolini, não conseguiram resolver legados bem mais complexos e limitativos da concentração formal de poder na sua pessoa, neste caso uma casa real. Ao contrário do franquismo, ou de outras ditaduras associadas ao fascismo, como o nazismo, o salazarismo manteve a herança, o que lhe causaria dissabores nos anos 50. No final da Segunda Guerra Mundial, a conjuntura não era brilhante para a Ditadura e, sobretudo, para reformas que acentuassem a natureza ditatorial do regime. No entanto, a emergência de fortes movimentos de oposição, utilizando a margem de actuação legal das campanhas eleitorais, assustou Salazar. A candidatura do general Norton de Matos e a idade vetusta de Carmona criaram receio na elite do Estado Novo, mas a questão da sucessão de Carmona iria abrir uma divergência antiga na solução. Em 1951, com a morte de Carmona, os monárquicos apoiantes do regime vêem surgir a oportunidade de resolver os receios de Salazar perante a questão da Presidência, propondo a restauração da monarquia. Salazar viu-se assim confrontado com uma questão que ele sempre quis evitar, por demasiadamente fracturante do seu bloco de apoio, e sobre a qual sempre manteve um prudente silêncio, entreabrindo por vezes essa hipótese num futuro longínquo. 35

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A iniciativa partiu de deputados monárquicos na Assembleia Nacional, no quadro da discussão sobre a revisão da Constituição de 1933. Salazar realizou várias consultas, com notáveis como Mário de Figueiredo, Lumbrales ou Cancela de Abreu, defendendo a restauração; e com Marcello Caetano, Albino dos Reis e Santos Costa, manifestando-se contra, com o argumento, transmitido por Santos Costa, de que as Forças Armadas aceitariam mal uma eventual restauração da monarquia. O ditador, assumindo formalmente a neutralidade, combinou com Caetano a frustração do projecto, que causaria danos no interior da União Nacional ao longo dos anos 50 (Caetano, 1985). Na revisão de 1951, Salazar quis retirar o modo de eleição do Presidente da República da Constituição, mas a Câmara Corporativa, pela pena de Marcello Caetano, não deu parecer positivo à proposta. O futuro sucessor de Salazar defendeu, então, que o sufrágio directo deveria ser mantido, por ser um elemento central na legitimação do sistema político e, como tal, deveria continuar na Constituição (Moreira, 1998). Mas pelo menos resolveu-se de forma expedita a ameaça da apresentação de candidaturas «subversivas», estabelecendo, agora, a Constituição o princípio de que os candidatos teriam de ser aceites pelo Conselho de Estado, com base na sua fidelidade aos valores do regime. A Ditadura arranjou assim uma maneira expedita de excluir, arbitrariamente, os candidatos da oposição e passou o princípio, desde logo, à prática nas eleições presidenciais de 1951, ao excluir o professor Ruy Luís Gomes. Perante o candidato de Salazar, o general Craveiro Lopes, ficou apenas o almirante Quintão Meireles, apoiado por dissidentes do 28 de Maio, alguns republicanos e monárquicos, como Cunha Leal, Rolão Preto ou Almeida Braga. Craveiro Lopes teve inicialmente uma Presidência sem história (Rosas, 2001). Militar disciplinado e cumpridor, a sua escolha, 36

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como mais tarde a do almirante Tomás, tinha obedecido aos critérios de discrição e ausência de imagem marcadamente política. O general cumpriu as suas funções costumeiras, entre viagens pelo país e pelo estrangeiro, mas a meio do mandato as coisas começaram a não correr bem. Desde logo, por Craveiro ser muito sensível às descortesias do ministro da Defesa, Santos Costa, adaptando-se também mal à pouquíssima atenção que merecia do ditador. Por outro lado, levou mais a sério a «questão do regime», gozando da oposição de muitos salazaristas monárquicos, aos quais respondeu com o reforço de rituais presidenciais associados à natureza republicana da Ditadura. Desafiando Santos Costa foi-se fazendo porta-voz do descontentamento militar perante o velho «comissário» de Salazar para as Forças Armadas, escudando-se por vezes em Marcello Caetano. Por estas e outras razões, Salazar desconfiou do Presidente, não propondo a sua reeleição, e só o informando da sua decisão no último minuto. Foi neste contexto complexo que, em 1958, a oposição, após várias desistências, nomeadamente as de Cunha Leal e de Arlindo Vicente, apresentou o general Humberto Delgado como candidato. Delgado era um dissidente do regime com credenciais que dificilmente poderiam ser base de exclusão por ser «subversivo». Era um velho apoiante do 28 de Maio, para além de ter cumprido as suas funções na Legião Portuguesa e dado outras provas de fidelidade a Salazar e à Ditadura. Com uma carreira militar marcada por várias estadias no estrangeiro, nomeadamente nos EUA, este general da Força Aérea, foi bastante marcado pelo universo cultural anglo-americano. Delgado era uma personalidade extrovertida e truculenta, para além da grande coragem, recolhendo a fronda mais impressionante de dissidentes e opositores ao salazarismo. Inicialmente, gozando da oposição desconfiada do Partido Comunista e outros sectores 37

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mais à esquerda, a sua capacidade de galvanizador provocou uma mobilização contra a Ditadura, sem precedentes no país, com um significativo impacto internacional (Delgado et al., 1998). A adesão popular à sua campanha expressou o descontentamento de largos sectores da sociedade portuguesa perante a Ditadura, muito para além da influência da oposição. Delgado afrontou directamente Salazar, quase nem mencionando o candidato do Governo, o almirante Américo Tomás, que, aliás, seria quase como que apagado pela UN durante a campanha eleitoral. Atrapalhados pela mobilização de Delgado e pela sua decisão de ir às urnas, até as normas eleitorais, já de si fraudulentas, não foram cumpridas. O Governo apresentou os resultados (23,4% para o candidato da oposição), mas nem sequer os publicou no Diário do Governo. A frase de Delgado «obviamente demito-o», referindo-se a Salazar, caso fosse eleito, representou a mais ameaçadora crise de legitimidade do regime, com base nessa herança mal gerida da ditadura militar: a eleição directa do Presidente da República e seu poder de demitir Salazar. O susto provocado pela candidatura de Delgado fez antecipar, desde logo, a alteração do modo de eleição do Presidente. Nem sequer se esperou pela data prevista para a revisão da Constituição, 1961. No ano seguinte, o Presidente passou a ser eleito por sufrágio «orgânico», ou seja, por um colégio eleitoral restrito, composto por deputados, procuradores à Câmara Corporativa e representantes dos municípios, retomando um dos projectos não aprovados da Constituição de 1933. Na conjuntura de 1958, o próprio Marcello Caetano concordou com a medida. Tão seguro passou a ser o método que, como assinalou Vital Moreira, até «se julgou dispensável a cláusula de exclusão prévia dos candidatos suspeitos de propósitos subversivos» (Moreira, 1998, p. 488). A partir de agora só 38

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o ditador poderia apresentar o candidato e não haveria qualquer alternativa, mesmo que simbólica. Américo Tomás tinha sido um «anticandidato» em 1958 (Rosas, 2001, pp. 182-188). Sem os mínimos dotes oratórios ou de presença, Tomás tinha já sido citado para a Presidência aquando da decrepitude de Carmona. Com uma carreira apagada na Marinha, teve algum papel na reestruturação da marinha mercante enquanto ministro – não deixou de se manifestar contra a reeleição de Craveiro Lopes. Reeleito sucessivamente sem quase se dar por isso, o último Presidente da República da Ditadura entrou no imaginário dos anos 60 como o mais limitado dos «altos magistrados da nação» desde 1910, mas nem por isso deixou de ter um papel importante em duas ocasiões. A primeira, logo em 1961, quando o ministro da Defesa, Botelho Moniz, ensaiou o derrube de Salazar. O Presidente foi então uma peça importante no desarticular da conspiração. Posteriormente, quando Marcello Caetano substituiu finalmente Salazar em 1968. Tornou-se então o fiel depositário da herança salazarista perante eventuais reformismos de Caetano, e este não o substituiu em 1972. Terminariam ambos exilados com a queda da Ditadura, em 1974.

Concluindo É desde a consolidação do Estado Novo que o Presidente da República se limitaria a efectuar visitas ao estrangeiro ou pelo país, procedendo a inaugurações. A Assembleia Nacional seria dissolvida uma vez (1945), por motivos políticos meramente conjunturais. O direito de veto seria usado algumas vezes, mas em consonância com as directrizes do Presidente do Conselho e com o assentimento da própria Assembleia Nacional. A substituição do Presidente do Conselho apenas seria efectuada perante evidente incapacidade física do ditador. 39

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Carmona seria sucessivamente eleito, vindo a morrer em exercício de funções (1951). Para lhe suceder, Salazar escolheu Craveiro Lopes, num momento em que a questão da monarquia voltaria ao centro do debate político. Na sequência de algumas polémicas, Craveiro Lopes não seria reconduzido. Salazar promoveu Américo Tomás (1958), que se manteria até ao 25 de Abril de 1974. Em 1961, Craveiro Lopes estaria relacionado com a conspiração do ministro da Defesa, Júlio Botelho Moniz, que pretendia derrubar Salazar. A presença da oposição na última eleição de Carmona daria origem a uma alteração da Constituição em 1951: o Conselho de Estado tinha de validar a idoneidade política dos candidatos presidenciais. Nas eleições de 1958, a candidatura de Humberto Delgado estaria na base de nova alteração quanto ao método de eleição do Presidente da República. Na revisão extraordinária da Constituição de 1959, seria abandonada a fórmula do sufrágio directo. A eleição passava ser feita por um colégio eleitoral restrito, formado pelos membros da Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa e por representantes municipais. As oposições deixariam de marcar presença nas campanhas eleitorais para a Presidência da República. O acto mais relevante do último Presidente da República do Estado Novo foi a substituição do Presidente do Conselho, processada de acordo com os seus poderes constitucionais. Perante a incapacidade de Salazar, Américo Tomás nomeava, em 1968, Marcello Caetano. Na Presidência da República permanecia o intérprete do projecto político salazarista, constituindo o contraponto às eventuais veleidades reformistas de Caetano ou dos seus colaboradores. Herança da 1.ª República e dos projectos presidencialistas de alguns segmentos da cultura política de direita e a manutenção por longos anos de um presidente eleito por sufrágio directo acabou 40

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por ser um factor de tensão para o Estado Novo. Fracturou, por vezes, o pluralismo limitado do regime, entre republicanos e monárquicos salazaristas. Permitiu a emergência de fortes movimentos de oposição, aproveitando as eleições presidenciais. Foi motivo de descrédito para o salazarismo, quando este teve in extremis que eliminar a herança. Forneceu mesmo ex-presidentes anti-salazaristas, como Craveiro Lopes. As tensões entre a Presidência da República e o chefe do Governo foram sempre aproveitadas pelas facções no interior do regime, e acentuaram-se na conjuntura de sucessão do ditador, com um Marcello Caetano mais frágil que o Presidente Tomás (Fernandes, 2005). Foi, assim, involuntariamente, uma herança envenenada.

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O Poder Presidencial em Democracia Os presidentes e a transição democrática em Portugal A natureza semipresidencial da democracia portuguesa foi profundamente marcada pelo tipo de transição para a democracia e pela singularidade de ter tido nos militares um agente determinante. O golpe militar de 25 de Abril de 1974 abriu na Europa do Sul a chamada terceira vaga dos processos de democratização. Ainda sem grandes constrangimentos internacionais pró-democratizadores e em plena Guerra Fria, a ruptura provocada pelos militares portugueses deu lugar a uma crise acentuada do Estado, potenciada pela simultaneidade entre a democratização e a descolonização do último império colonial europeu. A grande singularidade do caso português foi, precisamente, a intervenção democratizante do movimento dos capitães. Rara, senão única no século XX, e que estava longe de ser previsível, embora uma guerra colonial em três frentes africanas (Angola, Moçambique e Guiné-Bissau) alimentada desde 1961 pelo regime autoritário de Salazar, os tivesse tornado actores inevitáveis de uma, qualquer, mudança política (Pinto, 2001). Considerando transição como «o período fluido e incerto em que as estruturas democráticas estão a emergir» (Morlino, 1998, p. 19), 42

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mas em que ainda não é claro que regime vai ser instaurado, a fase mais complexa do caso português decorre entre 1974 e 1976, ano da aprovação da Constituição e das primeiras eleições legislativas e presidenciais. Concentraram-se nestes dois anos tensões poderosas na sociedade portuguesa, com alguns elementos de uma conjuntura revolucionária. Ao contrário de Espanha, Portugal conheceu uma transição por ruptura, ou seja, sem qualquer pacto ou negociação entre a elite da Ditadura e as oposições, mas não existe uma relação directa entre esta acentuada descontinuidade e alguma radicalização subsequente. Outros processos de transição por ruptura não arrastaram consigo uma crise acentuada do Estado, como no caso português (Linz e Stepan, 1997). A clivagem em torno da descolonização, motor inicial do conflito entre os capitães dirigentes do golpe e o general Spínola e outros oficiais-generais conservadores, marcou a emergência política do Movimento das Forças Armadas (MFA). Este factor abriu um espaço de mobilização política e social, e a concomitante crise do Estado, que pode explicar a incapacidade das elites moderadas dominarem, «por cima», a rápida institucionalização da democracia representativa. Muitas análises da transição portuguesa salientaram justamente esta grande «revitalização da sociedade civil» como factor de radicalização; de facto, como sublinhou Philippe Schmitter: «Portugal conheceu uma das mais intensas e generalizadas experiências de mobilização das neodemocracias.» (Schmitter, 1999, p. 368.) O MFA confiou, inicialmente, à Junta de Salvação Nacional (JSN) o poder militar e o poder de fiscalizar o cumprimento do seu Programa, por parte dos governos provisórios, ate à eleição do Presidente da República e da Assembleia Legislativa ao abrigo da nova Constituição. Na JSN estava representado o topo da 43

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hierarquia de cada um dos ramos das Forças Armadas. Por parte do Exército estavam o general Costa Gomes e o general Spínola. Apesar de aquele ser o general de quatro estrelas mais antigo, os membros da JSN escolheram o segundo para assegurar as funções de primeiro Presidente da República Portuguesa (Reis, 1992, p. 1): a esta escolha não terá sido alheio o papel desempenhado por Spínola na rendição do último Presidente do Conselho de Ministros do Estado Novo, Marcello Caetano, e, consequentemente, na capitulação do antigo regime. Na sequência das divergências assinaladas atrás, entre o general Spínola e o MFA5, aquele viria a apresentar, em conjugação com o primeiro-ministro Adelino da Palma Carlos e algumas forças da ala direita do espectro político, um «plano para a realização de um referendo constitucional até 31 de Outubro de 1974, com a eleição paralela do Presidente da República (de facto um plebiscito de Spínola) e o adiamento para finais de 1976 da eleição da Assembleia Constituinte (em violação do Programa do MFA), solução esta que permitiria um mais fácil controlo do processo da descolonização e da situação interna (Rezola, 2004; Rodrigues, 2010). O chefe do Governo veria em simultâneo as suas competências consideravelmente reforçadas, e as Forças Armadas ficariam, desde logo, subordinadas ao novo poder constitucional, derrogando-se a estrutura de poder prevista no Programa do MFA, sendo este, deste modo, abolido (Reis: 1992, 29). As soluções avançadas pelo Presidente da República poderiam, assim, ter conduzido a uma deriva presidencialista com contornos autoritários. Todavia, as propostas foram chumbadas pelo Conselho de Estado em 8 de Julho de 1974. As tensões entre as forças spinolistas e o MFA viriam a 5

Quer quanto ao Programa do MFA, quer quanto à questão da descolonização, quer ainda quanto ao papel a conferir ao MFA na estrutura institucional (provisória) do Estado (Reis, 1992; Cervelló, 1993, pp. 193-226).

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culminar no 28 de Setembro de 1974 (Rezola, 2004). As forças políticas da ala esquerda do espectro político encetaram, então, um contragolpe para travar uma tentativa de tomada do poder pelas forças spinolistas, na sequência do qual Spínola se demitiu do cargo de PR (Reis, 1992, pp. 29-33). Após a demissão de Spínola, o general Costa Gomes assumiu o cargo de PR, função que veio a assegurar até ao fim do período pré-constitucional da democracia portuguesa (Rodrigues, 2008). Costa Gomes desempenharia um papel fundamental na conciliação das várias forças políticas numa conjuntura de polarização política (Reis, 1992, pp. 53-62; Cervelló, 1993, pp. 227-260). A queda de Spínola e a viragem à esquerda do MFA, com a reforma agrária e as nacionalizações dos grandes grupos económicos portugueses, são símbolos e motores de uma acentuada crise do Estado que alimentaram poderosos movimentos sociais. A decisão do MFA de respeitar o calendário eleitoral foi o elemento central da abertura de uma legitimidade fundadora do regime democrático, e a sua realização, em 25 de Abril de 1975, dotou os partidos moderados de uma alavanca poderosa, ao eleger uma Assembleia Constituinte dominada pelos partidos moderados. Portugal conheceu, então, uma conjuntura de polarização rara, sobretudo pela mobilização anti-revolucionária da província. Muito embora protagonizada pelo Partido Socialista e pelo Partido Popular Democrático (PSD a partir de 1977) em Lisboa e no Porto, à medida que o sector moderado do MFA se preparava para o golpe de 25 de Novembro de 1975. A mobilização da província, a norte do Tejo, só foi possível com a entrada em cena da hierarquia da Igreja Católica e da mobilização paroquial, em conjunção com a notabilidade local. Acompanhada pela mobilização de elementos de direita e de extrema-direita, militares e civis, a ofensiva antiesquerdista passou por uma onda de violência política contra as sedes 45

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do PCP, da extrema-esquerda e dos sindicatos a eles associados, e daria origem a organizações terroristas de direita (Cerezales, 2003). A natureza de ruptura da transição, mas sobretudo a crise do Estado que esta desencadeou, é fundamental para explicar algumas características mais radicais da transição. Ambas confluíram num duplo legado à consolidação democrática (Pinto, 2001). A Constituição de 1976 foi um destes legados. Na sequência do contragolpe militar de 25 de Novembro de 1975, que determinou a vitória dos militares partidários da democracia pluralista no seio do MFA, foi assinado um segundo pacto pré-constitucional do MFA com os partidos políticos (26 de Fevereiro de 1976). Deste segundo pacto resultou que a influência dos militares no processo político foi mantida através da constitucionalização (transitória) do Conselho da Revolução (CR) e da eleição do PR por sufrágio universal directo e secreto dos portugueses, bem como a atribuição a este órgão de substanciais poderes no sistema político (Rezola, 2007). A este título, é de realçar que nem o PS nem o PPD tinham nos seus projectos de Constituição um sistema de governo semipresidencialista (Lobo, 2000, p. 153). Este elemento demonstra que o sistema de governo adoptado em 1976 foi uma forma de acomodar a influência dos militares ao sistema político democrático. Mas esta influência passou também pela chamada «cláusula militar implícita», segundo a qual, o primeiro PR seria um militar (Cruz, 1994, pp. 241-242; Ferreira, 1992, pp. 314-315). Todavia, a existência efectiva desta cláusula no 2.o Pacto MFA/ /Partidos permanece obscura (Araújo e Tsimaras, 2000, pp. 394-395). A consagração do sistema de governo semipresidencialista em Portugal resultou, assim, da influência castrense. A eleição popular directa de um militar permitiu dotar de legitimidade eleitoral o primeiro PR português, conduzindo a uma maior capacidade de este impor a subordinação dos militares à respectiva hierarquia e de 46

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integrá-los transitoriamente no processo político, tanto mais que, conforme já referimos na secção anterior, o PR teve, até 1982, a função de chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Com a extinção do CR e a transferência dos poderes legislativos, em matéria de defesa, para a AR, em 1982, bem como com a eleição do primeiro civil para PR, em 1986, terminou esta fase transitória, consumando-se a plena subordinação dos militares ao poder político civil (Cruz, 1994, pp. 237-253). Assim, a eleição directa do PR e a criação do sistema de governo semipresidencialista contribuiu para uma transição e consolidação democráticas bem sucedidas (Cruz, 1994, p. 242; Bayerlein, 1996). Em Portugal, para além da influência militar no sistema de governo, é possível descortinar outros factores que terão pesado na escolha de tal sistema. Em primeiro lugar, o desejo de participação alargada dos portugueses na escolha dos seus representantes, após 48 anos de regime autoritário (Cruz, 1994, p. 238; Bahro, 1996, p. 796). Em segundo lugar, a memória positiva da eleição directa do PR nas campanhas presidenciais de Norton de Matos e Humberto Delgado, após as quais Salazar instaurou um regime de eleição indirecta do Presidente (Cruz, 1994, p. 238; Bahro, 1996, p. 796). Em terceiro lugar, a memória da instabilidade política, que caracterizou o parlamentarismo da 1.a República Portuguesa, aconselhava à existência de um poder arbitral capaz de ajudar a encontrar saídas políticas democráticas em caso de impasse ou bloqueamento de um Parlamento tendencialmente fragmentado, nomeadamente, devido ao sistema eleitoral proporcional para a eleição da AR (Cruz, 1994, pp. 238-239). Em quarto lugar, a fraqueza do recém-formado sistema de partidos e uma cultura política (tradicional) de autoridade pessoal e carismática apontavam para a necessidade de um PR eleito pelo voto popular e com amplos poderes (Matos, 1983, pp. 138-139; Cruz, 1994, pp. 238-239; Bahro, 1996). 47

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Uma última razão para a adopção do sistema de governo semipresidencial é a necessidade de possibilitar o funcionamento de governos minoritários, tendo em conta a existência de um sistema multipartidário desequilibrado: a existência de um partido anti-sistema, o PCP, impedia a formação de governos de coligação apoiados na ala esquerda do espectro partidário6. Assim, a não necessidade de investidura parlamentar do Governo, mas sim presidencial, era um dos elementos que possibilitavam o funcionamento de governos com apoio minoritário na Assembleia da República (Pinto e Almeida, 2009). Por outro lado, o Governo não necessitava de ver o seu programa aprovado pela Assembleia, apenas precisava que este não fosse rejeitado por ela (Sousa, 1992, pp. 10-11 e 64-65). A memória histórica, nomeadamente em termos de experiências anteriores menos bem sucedidas, quer com o parlamentarismo, quer com o presidencialismo, levaram também outras sociedades a adoptar o sistema de governo semipresidencialista. A 5.a República Francesa, por exemplo, cujo modelo de sistema de governo procurou evitar a instabilidade da 4.ª República; ou a República de Weimar que pretendeu evitar o exemplo da 3.a República Francesa (Sartori, 1994, pp. 136-141 e 144-146; Mény, 1996; Prat e Martínez, 2000, pp. 120-125). No caso português, por um lado, a figura de um Presidente eleito pelo voto popular e com significativos poderes constitucionais foi vista como uma saída para compensar a provável instabilidade governativa de regimes parlamentares multipartidários e fraccionalizados. Por outro lado, o sistema semipresidencial, de 6

Esta ideia foi aventada num seminário da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa pelo ex-presidente do Tribunal Constitucional, Luís Nunes de Almeida, figura estreitamente ligada à elaboração do 2.o Pacto MFA/Partidos.

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equilíbrios e controlos mútuos, foi encarado como sendo capaz de evitar os excessos de concentração e pessoalização do poder, característicos do presidencialismo (Araújo, 2003, pp. 83-84; Canas, 2004, pp. 115-120). A terceira vaga de democratizações e o semipresidencialismo O estabelecimento de um regime semipresidencial em Portugal não foi replicado pelas restantes transições democráticas da Europa do Sul, nomeadamente pela vizinha Espanha, que estabeleceu um regime monárquico parlamentar. Na Grécia, a Constituição de 1975 deu grandes poderes ao Presidente, apesar deste ser eleito pelo parlamento, mas esta seria rapidamente revista pelos socialistas, dando lugar a um regime parlamentar. No entanto, o número de regimes semipresidenciais iria crescer significativamente com o fim da Guerra Fria e a queda de muitas ditaduras comunistas na Europa Central e de Leste, e ainda nos novos países criados a partir da implosão da União Soviética. Alguns destes semipresidencialismos não significaram, aliás, a transição para um regime democrático, mas para novas formas de regimes autoritários, como foi o caso de vários países no Cáucaso, ou, seguindo classificações mais recentes, a novas formas de regimes semidemocráticos ou híbridos – caso da própria Rússia (Morlino, 2009). O mesmo se poderia escrever sobre vários países africanos, nomeadamente os lusófonos, com processos de mudança de regime nos anos 90 do século XX, que adoptaram regimes semipresidenciais (Lobo e Neto, 2009). Se alguns representam democracias consolidadas, como Cabo Verde, outros, como Angola, estão próximos do modelo híbrido. Os países lusófonos, no entanto, vieram aumentar globalmente os regimes semipresidenciais, sendo o último a jovem Republica de Timor-Leste (Lobo e Neto, 2009). 49

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A lista de democracias semipresidenciais foi assim diminuindo ou aumentando, consoante os regimes se iam consolidando e, em alguns casos, alterando a sua natureza: da Polónia à Lituânia, da Bulgária à Roménia, ou à Eslovénia – para citar regimes democráticos. Mas, como veremos à frente, também inclui várias semidemocracias, como a própria Rússia ou a Bielorrússia (ver quadro 1). De qualquer modo, estes novos regimes alteraram a balança hegemónica do parlamentarismo nas democracias europeias a favor do semipresidencialismo, levando alguns autores a verem neste o regime politico predominante no continente europeu (Neto e Strom, 2006). A importância dos factores contingentes na escolha de um regime semipresidencialista foi muito grande, mas também diversa nos processos de transição da ditaduras comunistas, pelo que é difícil encontrar tendências estruturadas. Ao contrário da transição portuguesa para a democracia (por ruptura), a grande maioria das transições na Europa de Leste foram realizadas a partir de pactos negociados entre elites autoritárias e elites pró-democráticas, de que as conhecidas «mesas redondas» na Polónia foram exemplo, mas não é que estes diferentes tipos de mudança de regime apontem mais para o semipresidecialismo ou para o modelo parlamentar. Esta correlação é mais forte nas transições em que a continuidade das elites autoritárias foi significativa. Aí, sim, a decisão de escolher um regime semipresidencial foi dominante, casos iniciais, por exemplo, da Rússia, da Croácia ou da Sérvia. Mas, mais uma vez, em alguns destes casos «os sistemas semipresidenciais» foram «ou ditaduras disfarçadas ou «anocracias» dominadas por presidentes, em que o parlamento não é um contrapeso efectivo ao poder presidencial» (Beyme, 2001, p. 17). Dificilmente o poder de facto de Franjo Tudjman na Croácia ou de Milosevic na Sérvia poderia ser contrariado por qualquer semipresidencialismo formal. 50

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Vários politólogos, aliás, também nem sequer incluem a Rússia, após 1993, na categoria, classificando-a como um «superpresidencialismo» (Fish, 2000). Em transições negociadas, como na Polónia, ou mais próximas da ruptura, mas com antigos comunistas reformistas no poder durante este período, como na Roménia, as forças próximas do antigo regime ditatorial tentaram utilizar a presidência da república como uma via de perpetuarem a sua manutenção nos órgãos de poder político do novo regime democrático (Prat e Martinez, 2000, pp. 120-125). O mesmo aconteceu na Bulgária, onde a nova Constituição foi, no fundamental, um produto dos pós-comunistas. Em casos de transição por ruptura acompanhados de recuperação de independência, como foi o caso da Lituânia, a natureza semipresidencial do novo regime foi uma consequência da recuperação da constituição pré-comunista. Apesar dos diferentes caminhos que levaram à institucionalização de regimes semipresidenciais e das mudanças entretanto ocorridas nas relações de poder entre presidentes, primeiros-ministros e parlamentos, estes acabaram por estar na base de um número significativo de novas democracias. Na Polónia, os poderes presidenciais foram reduzidos na nova Constituição de 1997, mas esta continuou na família, tal como a Roménia, a Bulgária ou a Lituânia. Na Eslováquia, seguiu-se o caminho inverso e o presidente passou a ser eleito por sufrágio universal a partir de 2001 (Bondel, Muller-Rommel e Malova, 2007). Por outro lado os conflitos entre os presidentes, primeiros-ministros e parlamentos foram consideráveis nas primeiras fases de alguns processos de democratização, sobretudo perante um sistema partidário fragmentado e fraco. Foi este o caso na Polónia, ou na Roménia, onde os conflitos entre o presidente Eliescu o o primeiro-ministro Roman ficaram célebres.

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O Poder Presidencial em Democracia Quadro 1: Regimes semipresidenciais por região África

América

Angola Benin Burkina Faso Cabo Verde Gabão Gana Guiné-Bissau Madagáscar Mali Moçambique Namíbia Níger S. Tomé e Príncipe Timor-Leste Togo

República Dominicana Guiana Haiti

Ásia / /Médio Oriente

Europa Central e de Leste

Líbano Maldivas Mongólia Coreia do Sul Sri Lanka

Bulgária Croácia Eslovénia Macedónia Polónia Roménia

Antiga URSS

Europa Ocidental

Arménia Azerbaijão Bielorrússia Geórgia Kasaquistão Kyrgyzstan Lituânia Moldávia Rússia Ucrânia Uzbequistão

Áustria Finlândia França Irlanda Islândia Portugal

Fonte: Elgie, 1999, p. 14; Lobo e Neto, 2009.

O conflito intra-executivo é um fenómeno recorrente em regimes semipresidenciais, o que não quer dizer que o tipo de semipresidencialismo explique o tipo de conflito, pois a natureza partidária, ou não, dos governos e o tipo de sistema partidário é determinante (Protsyk, 2005/2006, p. 239). Aliás, o balanço do funcionamento destes regimes semipresidenciais e de alguns lugares-comuns sobre a instabilidade inerente a estes não tem fundamento e a queda dos governos pode ser um exemplo. É sabido que os regimes semipresidenciais aumentam as possibilidades de demissão dos governos por parte dos presidentes, e vários politólogos assinalaram os riscos de colapso ou instabilidade do uso deste poder. No entanto, o estudo mais completo sobre a queda de 52

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governos nas democracias europeias não detectou diferenças entre regimes parlamentares e regimes semipresidenciais na duração destes (Schleiter e Morgan-Jones, 2009). Mas entremos, agora, mais em detalhe no modo de funcionamento do semipresindecialismo e dos seus subtipos. O sistema de governo semipresidencial A eleição popular – directa ou indirecta – do PR é um traço comum aos regimes presidenciais e semipresidenciais (Duverger, 1980; Lijphart, 1992, pp. 2-10 e 20-21; Sartori, 1994, pp. 136-156; Elgie, 1999, pp. 1-21; Siaroff, 2003). Antes da revisão de 1997, a Constituição da República Portuguesa (CRP) estipulava a eleição do PR por sufrágio universal, directo e secreto, mas só para os portugueses recenseados no território nacional (art. 130.°, CRP, 76). Na sequência das alterações introduzidas, com a revisão constitucional de 1997 (Magalhães, 1999), o direito de voto nestas eleições foi alargado aos emigrantes que se encontravam inscritos no recenseamento eleitoral para a Assembleia da República (AR) à data da publicação da Lei Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto. Entretanto, houve várias alterações às leis eleitorais, nomeadamente, a que regula a eleição do Presidente da República. A legislação mais recente de todas (Lei Orgânica n.º 5/2005, de 8 de Setembro de 2005) estipula no seu artigo 1.º (sobre a capacidade eleitoral activa): «1 – São eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses recenseados no território nacional e os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que se encontrem inscritos nos cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia da República à data da publicação da presente lei. 53

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2 – São também eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro que preencham os seguintes requisitos: a) Cuja inscrição tenha sido posterior à data referida no número anterior, mas efectuada por transferência de inscrição do território nacional ou de inscrição no estrangeiro anterior àquela data; b) Cuja inscrição tenha sido, ou venha a ser, efectuada com a idade de 18 anos; c) Tenham exercido o direito de voto na última eleição da Assembleia da República. 3 – São também eleitores do Presidente da República os cidadãos de outros países de língua portuguesa que residam no território nacional e beneficiem do estatuto de igualdade de direitos políticos, nos termos de convenção internacional e em condições de reciprocidade, desde que estejam inscritos como eleitores no território nacional.» Portanto, a legislação mais recente não só alarga (com alguma generosidade) o direito de voto aos emigrantes portugueses residentes no estrangeiro, mas também o alarga aos imigrantes que sejam cidadãos de outros países de língua portuguesa, desde que residentes no território nacional e beneficiando do estatuto de igualdade de direitos políticos – como nos países que concedem direitos idênticos aos portugueses aí residentes. Claro que o problema, nesta extensão de direitos políticos aos emigrantes, sem quaisquer limitações (porque nas eleições para a Assembleia da República há um limite de 4 representantes para os emigrante, seja qual for a dimensão do copo eleitoral), e simultaneamente aos imigrantes, aponta para uma contradição que um escrutínio das doutrinas fundamentando a extensão dos direitos de voto facilmente evidencia. Diz-nos a este respeito o politólogo Richard Katz: «[…] se a democracia acarreta a capacidade de 54

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contribuir para a feitura das decisões que afectam de forma decisiva a vida de cada um, então, ser afectado de forma significativa por tais decisões deve ser uma condição suficiente para votar. Se assumirmos que uma parte importante da vivência democrática é experienciar o impacto das decisões tomadas, então, ser afectado por elas torna-se uma condição necessária também. Embora qualquer destes padrões seja claro e facilmente defensável em abstracto, em nenhum dos casos a demarcação precisa, entre aqueles que devem ser incluídos e aqueles que devem ser excluídos, é incontroversa nos seus detalhes práticos.» (Katz, 1997.) Sublinhe-se que estas teses de Katz têm diferentes implicações para o nosso objecto de análise. Por um lado, podem ajudar a justificar a concessão de direitos sociais e políticos aos imigrantes (residentes no país ao fim de um determinado período de tempo e que pagam impostos, segurança social, com igualdade de estatuto em matéria de direitos políticos, etc.), não só com base no célebre princípio no taxation without representation, mas também com base na ideia de que «a democracia acarreta a capacidade de contribuir para a feitura das decisões que afectam de forma decisiva a vida de cada um». Mas, por outro lado, os princípios que fundamentam a desterritorialização da cidadania, e nomeadamente, a ideia de que «uma parte importante da vivência democrática é experienciar o impacto das decisões tomadas […]», podem também implicar, por coerência, a imposição de limitações significativas na concessão de direitos políticos aos emigrantes (designadamente de voto, para poderem votar nos seus países de origem). Ainda para mais, porque a diáspora portuguesa tem dimensões dificilmente delimitáveis mas potencialmente gigantescas – estima-se que possa ir até 4 milhões de emigrantes, contando com os descendentes, para um população residente de cerca de 10 milhões de pessoas. 55

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Talvez por perceber esta contradição, embora não a resolvendo de forma cabal (longe disso), o legislador colocou algumas restrições ao exercício do direito de voto – obrigando a que seja presencial e, portanto, não permitindo o voto por correspondência; restringindo o direito de voto antecipado a determinadas categorias muito especificas – que não se verificam nas eleições legislativas: «1 - O direito de voto é exercido presencialmente, sem prejuízo do disposto nos artigos 70.o-A, 70.o-B, 70.o-C e 70.o-D. (art. 70.o, 1, Lei Orgânica n.o 5/2005).» Porém, voltando às diferenças entre tipos de sistemas de governo, ao contrário dos regimes presidenciais, nos sistemas semipresidenciais há um chefe de Estado (PR) que coexiste com um chefe de governo (poder executivo), sendo este responsável perante o Parlamento e dependente da confiança política deste (Duverger, 1980; Lijphart, 1992, pp. 20-21; Sartori, 1994, pp. 148-153; Elgie, 1999 e 2005; Siaroff, 2003). Tal é a situação que se verifica também em Portugal, onde o Governo é responsável, simultaneamente, perante a Assembleia da República (AR) e perante o PR – responsabilidade política até 1982; responsabilidade institucional após a revisão constitucional de 1982 (Sousa, 1992, p. 57). A eleição popular do PR é, portanto, uma condição necessária, mas não suficiente, para a caracterização do regime como presidencial, semipresidencial ou misto (Duverger, 1980; Miranda, 1986, pp. 137 e segs.; Canotilho e Moreira, 1991, p. 19, nota 10; Lijphart, 1992; Shugart e Carey, 1992, pp. 18-27 e 55-75; Sartori, 1994, pp. 97-115 e 136-156; Prat e Martínez, 2000, pp. 103-140). 56

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Foi o politólogo Maurice Duverger que, nas suas análises comparativas da 5.a República Francesa (de 1958 à presente data), apresentou e divulgou à comunidade académica o conceito de «sistema de governo semipresidencial» (Duverger, 1980, p. 142)7: 1) O Presidente da República é eleito por sufrágio universal; 2) Possui consideráveis poderes; 3) Coexiste com um primeiro-ministro e restantes ministros, os quais possuem poder executivo e governamental e podem manter este poder apenas se o Parlamento não se opuser a tal. Esta definição, bem como o próprio conceito de sistema de governo semipresidencial, têm sido alvo de várias críticas e reformulações. Em primeiro lugar, vários autores têm criticado o conceito em si e a sua utilidade heurística. Isto é, vários estudiosos têm questionado o conceito enquanto um instrumento analítico capaz de diferenciar efectivamente determinados sistemas de governo que se incluem na categoria em análise, nomeadamente perante os tipos clássicos: parlamentarismo e presidencialismo. Esta crítica funda-se muitas vezes na grande diversidade interna dos regimes semipresidenciais, seja em termos de arquitectura constitucional, seja, sobretudo, em termos de prática política: por exemplo, entre os regimes em que o PR tem um reduzido papel no sistema político (Áustria, Irlanda, Islândia, entre outros) e aqueles outros, nos quais o inverso 7

Para uma revisão das várias versões do conceito que o autor foi apresentando nas suas obras, bem como da recepção do mesmo na comunidade académica (sobretudo entre os constitucionalistas e os cientistas políticos), vejam-se os trabalhos de Bharo et al. (1998) e de Elgie (1999, pp. 1-21). Porém, foi com o artigo publicado no European Journal of Political Research (1980) que o trabalho de Duverger sobre o sistema de governo semipresidencial se tornou mais conhecido a nível mundial.

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é verdadeiro – pelo menos em determinadas fases/períodos do regime semipresidencial (França, Finlândia até às reformas de 2000, etc.). Estas críticas são, seja na perspectiva de Duverger, seja na visão de Robert Elgie (1999, pp. 4-8), fundamentalmente erradas. Pela nossa parte, pensamos o mesmo. Primeiro, porque o sistema semipresidencial não representa nenhuma espécie de regime híbrido, ou seja, quer em termos de arquitectura constitucional, quer em termos de prática política, o sistema semipresidencial tem características específicas que o diferenciam, quer do presidencialismo, quer do parlamentarismo (nesta linha, ver também, por exemplo, Pasquino, 1997 e 2005; Sartori, 1994, pp. 136-156; para uma visão algo diversa, embora não necessariamente contraditória, ver Lijphart, 1997). Exemplificando, apesar da eleição popular do PR nos sistemas semipresidenciais (traço comum ao presidencialismo), não encontramos aqui a separação de poderes típica do presidencialismo, pois o PR pode geralmente dissolver o Parlamento – ou seja, o poder executivo interfere no legislativo. Perante o parlamentarismo, não é apenas a eleição popular do PR que funciona como uma característica diferenciadora, é também o facto de a responsabilidade (política e/ou institucional) do Governo não se concretizar apenas perante a Assembleia, mas também perante o chefe de Estado (PR), ou seja, no semipresidencialismo a sobrevivência do poder executivo não depende apenas do Parlamento; Em segundo lugar, tais críticas são infundadas porque, se bem que é verdade que os regimes semipresidenciais (democráticos) são efectivamente bastante diversos entre si, o mesmo se pode dizer dos regimes parlamentares e dos presidenciais, sem que tal tenha implicado uma idêntica contestação dos ideais-tipo clássicos. Pense-se, por exemplo, nas enormes diferenças entre o parlamentarismo inglês e o sistema parlamentar nas democracias consensuais (Bél58

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gica, Holanda, etc.), ou entre qualquer um destes dois conjuntos e o regime parlamentar da República Italiana, 1945-1994 (Lijphart, 1999). Ou, em alternativa, atente-se nas profundas diferenças entre o presidencialismo nos EUA e em várias democracias da América Latina (Lijphart, 1992; Mainwaring e Shugart, 1997). Já os dois primeiros elementos da definição dada por Duverger para o regime semipresidencial são problemáticos (Elgie, 1999, pp. 8-12). Em primeiro lugar, a ideia de que «o Presidente da República é eleito por sufrágio universal» é problemática porque implica (ou pelo menos sugere) que o PR é directamente eleito. Porém, certos países, que o cientista político francês classifica como semipresidenciais8, não estão de acordo com esta definição – até à reforma do sistema eleitoral de 1988, a Finlândia escolhia o PR de forma indirecta, através de «blocos partidários» (Elgie, 1999, p. 8). No caso irlandês, há a tradição de os partidos políticos procurarem chegar a um consenso quanto à nomeação do candidato presidencial, por isso, muitas vezes, o candidato é considerado eleito sem oposição, dispensando-se a realização de uma eleição propriamente dita (Idem, ibid.). Quanto ao segundo elemento da definição de regime semipresidencial – ou seja, «o Presidente da República possui consideráveis poderes» – as críticas são basicamente de dois tipos. Primeiro, alguns consideram que a definição é incoerente com a lista de países apresentada por Duverger, a qual inclui países com presidentes com assinaláveis poderes e outros com muito poucos poderes, e portanto deve ser rejeitada. Estão nesta linha autores como Shugart e Carey, que propõem antes os conceitos de premier-presidencial e 8

No artigo de 1980, bem como em trabalhos anteriores, os países classificados por Duverger como semipresidenciais eram a Alemanha (República de Weimar), a Áustria, a França (5.a República), a Finlândia, a Irlanda, a Islândia e Portugal.

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presidencial-parlamentar (Shugart e Carey, 1992, pp. 18-27 e 55-75), respectivamente para os casos de presidentes fracos (pelo menos mais fracos do que o primeiro-ministro) e para os casos de presidentes fortes (pelo menos mais fortes do que o primeiro-ministro)9. Também Siaroff (2003 e 2005) se enquadra nesta situação. Este autor propõe em alternativa uma classificação tripartida para os regimes tradicionalmente classificados como semipresidenciais: «sistemas parlamentares com dominância presidencial», «sistemas parlamentares com correctivo presidencial» e «sistemas parlamentares com presidentes meramente cerimoniais». Outros aceitam a validade do conceito, mas defendem que é necessária uma revisão da lista de países com regimes semipresidenciais, de modo a que cada caso tenha características consistentes com a definição, ou seja, para que em cada sistema assim classificado, o PR tenha efectivamente «consideráveis poderes» (Elgie, 1999, pp. 11-12). Giovanni Sartori (1994) está, de algum modo, nesta situação, pois aceita a validade do conceito de sistema de governo semipresidencial, embora considere que é necessário resolver algumas ambiguidades do mesmo. Este autor propõe uma definição bastante mais precisa (e restritiva) do conceito (Sartori, 1994, pp. 148-149), a qual leva a reduzir substancialmente o leque de países classificados como semipresidenciais. Elgie (1999, 12-21) também está entre os que consideram que os argumentos sobre alguma ambiguidade do conceito de sistema de governo semipresidencial têm pertinência, embora, globalmente, reconheçam validade ao mesmo. Por isso, em vez de defender a manutenção do conceito, tal como foi definido em 1980 por Duverger, e uma revisão da lista de países, defende sobretudo uma 9

Nesta linha, embora mais centrados na análise do impacto dos diferentes sistemas de governo sobre a organização dos partidos e o comportamento dos seus dirigentes, ver ainda Samuels e Shugart, 2010.

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reformulação do conceito. Para Elgie (1999, p. 13), o sistema de governo semipresidencial deve ser definido como possuindo as seguintes duas características básicas e fundamentais: 1) O Presidente da República é eleito popularmente para um mandato fixo; 2) Coexiste com um primeiro-ministro e um governo que são responsáveis perante o Parlamento. Portanto, de acordo com o próprio Elgie, a sua definição é puramente constitucional e permite superar algumas das críticas quanto à formulação de Maurice Duverger. Primeiro, resolve a ambiguidade quanto ao primeiro elemento do conceito. Segundo, omite a parte da definição referente aos poderes do PR, eliminando assim os problemas causados por tal referência. Mais, esta definição, «puramente constitucional», permite superar os problemas ligados às conceptualizações que pretendem incorporar as referências à prática política dos sistemas presidenciais na própria definição do conceito: «A partir da valoração do funcionamento das instituições, o conceito de semipresidencialismo dificilmente consegue sobreviver sem um complemento que, no fim de contas, acaba por definir mais ou menos aproximadamente a prática do sistema.» (Araújo, 2003, p. 106.) Assim, pode ser estabelecida, sem ambiguidade, uma lista de países considerados como possuindo um sistema de governo semipresidencial (ver quadro 1). Desta contagem, conclui Elgie que, considerando apenas os regimes democráticos (menos do que os que se apresentam no quadro 1, portanto)10, os sistemas semipresidenciais estão globalmente mais difundidos 10

Para uma análise da democraticidade dos regimes políticos do mundo, ver as classificações da Freedom House: http://www.freedomhouse.org/.

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do que os presidenciais – excepto na América Central e do Sul, onde o reverso é verdadeiro –, e estão apenas ligeiramente menos difundidos do que os regimes parlamentares – embora na Europa Central e de Leste, bem como nos países da antiga URSS, os regimes semipresidenciais tenham maior peso do que os sistemas parlamentares (Elgie, 1999, p. 14). Para Elgie (1999, p. 14) o que varia é a prática política dos diferentes regimes semipresidenciais. Os poderes constitucionais dos presidentes, dos primeiros-ministros e dos governos são muito variáveis consoante os países, assim como é muito variável o poder político (isto é, efectivo) dos presidentes, dos primeiros-ministros e dos governos. Mais, nalguns casos podemos ter presidentes com significativos poderes constitucionais e reduzido poder político efectivo, e noutros casos o inverso pode ser verdadeiro. Para este autor, o que interessa, portanto, é estabelecer um quadro teórico capaz de explicar a variabilidade interna dos regimes semipresidenciais. Elgie usa três conjuntos de factores para explicar tal variabilidade: primeiro, os poderes constitucionais dos principais actores políticos; segundo, os «eventos que rodearam a fundação do regime político»; terceiro, a natureza da maioria parlamentar e a relação entre o presidente e tal maioria (Elgie, 1999, pp. 14-21 e 280-299). Siaroff (2003) não concorda com a tipologia dos sistemas de governo tripartida (presidencialismo, parlamentarismo e semipresidencialismo), sugerindo em alternativa os seguintes tipos: sistemas presidenciais, sistemas parlamentares e, conforme já referimos, em vez do conceito de semipresidencialismo, sugere três subtipos: sistemas parlamentares com dominância presidencial; sistemas parlamentares com correctivo presidencial; e sistemas parlamentares com presidentes meramente cerimoniais. Apesar disto, Siaroff (2003, p. 292) concorda que a definição de semipresidencialismo 62

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proposta por Elgie resolve os problemas associados ao conceito proposto por Duverger e, por outro lado, considera que a formulação de Elgie é um bom ponto de partida para a análise dos sistemas usualmente classificados como semipresidenciais. Ou seja, Siaroff está de acordo em não considerar os poderes presidenciais como um ponto de partida para a análise destes sistemas de governo. Porém, considera que para a análise dos subtipos é fundamental a consideração dos poderes presidenciais. Elgie (2005) também incorpora os poderes presidenciais (constitucionais e políticos) para o estabelecimento de subtipos: «sistemas semipresidenciais altamente presidencializados»; «sistemas semipresidenciais com presidentes meramente cerimoniais»; «sistemas semipresidenciais com um equilíbrio de poderes entre o presidente e o primeiro-ministro» (ver também Elgie, 1999, pp. 281-299). Todavia, contrariamente a Siaroff, aceita o conceito de semipresidencialismo. Todavia, infelizmente (no seu artigo de 2005), Elgie apresenta tal classificação dos subtipos de semipresidencialismo, mas nunca define exactamente cada um deles, ou seja, não define as regras concretas para podermos situar «cada país/cada sistema» em cada subtipo. Aliás, nesta linha, classifica Portugal simultaneamente nos «sistemas semipresidenciais com presidentes cerimoniais» (2005, p. 105) e nos «sistemas semipresidenciais com um equilíbrio de poderes entre o presidente e o primeiro-ministro» (2005, p. 110). Presume-se que esteja a pensar no período posterior e anterior à revisão constitucional de 1982, respectivamente, mas a verdade é que tal não é referido. Por isso, este artigo (muito interessante a vários títulos) padece de várias imprecisões. De qualquer modo, mesmo ignorando a definição de Elgie, parece-nos difícil concordar com a ideia de que, desde 1982, temos tido em Portugal um PR meramente cerimonial; e se mais evidência faltasse (e não nos parece 63

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que se possa dizer propriamente que falta…), recordemos a dissolução da Assembleia da República (AR) em 2004, apesar de o governo de coligação possuir uma maioria estável no Parlamento, e a convocação de novas eleições que deram origem à renovação da maioria política. Numa linha idêntica à nossa (veja-se Lobo e Neto, 2009), o poder do PR português permanece significativo, mesmo apesar das reformas constitucionais de 1982 e o reforço dos poderes dos primeiros-ministros após a viragem maioritária na democracia portuguesa (1987-2009)11. Primeiro, por causa do poder de dissolução do parlamento que permanece a derradeira válvula de escape do sistema político e que pode ser usada mesmo quando há maioria absoluta no Parlamento, mas o Governo é «fraco» (vide Jorge Sampaio em 2004). Segundo, por causa dos poderes legislativos do PR – vetos políticos e pedidos de fiscalização da constitucionalidade das leis – e a capacidade que estes dão ao Presidente de influenciar a política do Governo e da maioria parlamentar. Terceiro, por via das nomeações ministeriais, sobretudo em governos sem maioria parlamentar sólida (maxime minoritários). Quarto, por causa das intervenções públicas do PR e a capacidade que dão a este de influenciar a agenda política nacional. Mais à frente, ilustraremos, de forma um pouco mais desenvolvida, a capacidade de o PR influenciar a política nacional através destes três últimos aspectos, com o mandato de Cavaco Silva (2006-2011)12.

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Sobre esta viragem maioritária e a sua reversão nas eleições europeias e legislativas de 2009, ver Freire, 2010a e 2010b. 12 Nesta linha, isto é, defendendo também a existência de um poder presidencial significativo, mesmo após 1982, bem como após a viragem maioritária de 1987, ver também Martins, 2006 e Novais, 2007.

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O Poder Presidencial em Portugal Quadro 2: Padrões de liderança do sistema político em regimes semipresidenciais Um padrão dominante Mudança de um padrão desde a fundação dominante para outro do regime Primeiro-ministro

Presidente De presidente De presidente/ para primeiro- /primeiro-ministro para -ministro primeiro-ministro

Áustria Bulgária Eslovénia Islândia Irlanda

Rússia

Finlândia

Portugal

Sem padrão dominante

França1 Lituânia2 Polónia3 Roménia4 Ucrânia5

Fonte: Elgie, 1999, p. 286. Notas: 1 Presidente e primeiro-ministro. 2 Presidente, primeiro-ministro, parlamento. 3 Presidente, primeiro-ministro e presidente/primeiro-ministro. 4 Presidente e presidente/ /primeiro-ministro. 5 Presidente, primeiro-ministro, parlamento.

Noutro artigo do mesmo autor (Elgie, 1999, pp. 279-286), a partir da análise empírica de regimes concretos, os sistemas semipresidenciais são classificados de acordo com a liderança do sistema político – do PR, do primeiro-ministro, ou equilibrada entre os dois – e de acordo com o padrão de alternância no tipo de liderança: primeiro, um único padrão de liderança (dominância do PR ou do primeiro-ministro); segundo, um padrão de liderança oscilante (de presidente para o primeiro-ministro ou de uma situação equilibrada presidente/primeiro-ministro para uma outra em que predomina o primeiro-ministro); sem padrão dominante de liderança do sistema (ver quadro 2). Portugal é colocado na segunda situação, considerando o autor que o sistema semipresidencial evoluiu de uma situação equilibrada presidente/primeiro-ministro (até 1982) para uma outra em que tem predominado o primeiro-ministro (após 1982). Esta análise é de certo modo congruente com a de 65

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vários autores portugueses, sobretudo em termos do predomínio do primeiro-ministro no período depois de 1982 – mais especificamente, desde a primeira maioria absoluta no Parlamento português (Moreira, 1989; Sá, 1994, p. 92; Lobo, 2003 e 2005; Araújo, 2003; Magalhães, 2003; Freire, 2005; entre outros). Já Siaroff (2003) procura definir com precisão cada um dos três subtipos que propõe, bem como a localização de Portugal (antes e depois de 1982) e dos restantes sistemas em cada um deles. Voltaremos a este ponto. Figura 1: Sistema de governo semipresidencial Chefe de Estado

Poder Executivo

Poder Legislativo

Presidente (eleição directa) (nomeia) G O V E R N O

controle

1.o Ministro

(nomeia) Ministros Dissolução

Fonte: Prat e Marínez, 2000, p. 109.

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Parlamento (eleição directa)

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Na figura 1 apresenta-se uma representação gráfica do sistema de governo semipresidencial (Duverger, 1980), também chamado premier-presidencial e presidencial-parlamentar (Shugart e Carey, 1992, pp. 18-27 e 55-75; Samuels e Shugart, 2010); ou «governo parlamentar, mas com uma componente presidencial»; ou «governo misto parlamentar-presidencial» (Canotilho e Moreira, 1991, p. 18; Moreira, 1992); ou ainda sistemas parlamentares com dominância presidencial, sistemas parlamentares com correctivo presidencial e sistemas parlamentares com presidentes meramente cerimoniais (Siaroff, 2003 e 2005)13. Em primeiro lugar, quer nos regimes presidenciais, quer nos regimes semipresidenciais, há dois órgãos políticos nacionais com legitimidade eleitoral: o Presidente e o Parlamento (Figura 1). Nos regimes parlamentares apenas o Parlamento é legitimado pelo voto popular. Em segundo lugar, nos regimes semipresidenciais o poder executivo tem uma natureza dual: divide-se entre o PR, que nomeia o primeiro-ministro, e o Governo, cujos ministros são designados pelo primeiro-ministro (figura 1). Estes regimes variam consideravelmente, em termos do poder executivo que é conferido ao PR, dos domínios que lhe são (ou não) reservados, do poder de demitir o Governo, da capacidade (ou incapacidade) de iniciativa legislativa e do nível de autonomia na convocação dos referendos14. Outro elemento de forte diferenciação destes sistemas de governo, é a distância que vai entre os poderes constitucionalmente 13

Sobre outras designações deste tipo de governo, nomeadamente para o caso português, ver Araújo e Tsimaras, 2000, pp. 399-406; Araújo, 2003, pp. 99-107. 14 Canotilho e Moreira, 1991; Shugart e Carey, 1992, pp. 55-75; Sartori, 1994, pp. 136-156; Elgie, 1999; Prat e Martínez, 2000, pp. 120-140; Siaroff, 2003; Martins, 2005; Lobo e Neto, 2009; Novais, 2007; Siaroff, 2003 e 2005; Samuels e Shugart, 2010.

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conferidos ao PR – «Constituição formal» –, e o lugar efectivo deste no regime político, tendo em conta a própria dinâmica de funcionamento do sistema – «Constituição material» –, nomeadamente do sistema de partidos15. Nos regimes presidenciais, o poder executivo é apenas comandado pelo PR, coadjuvado pelos secretários de Estado (ministros) da sua nomeação. Nos regimes parlamentares, o poder executivo pertence apenas ao governo, tendo o chefe de Estado (monarca ou PR eleito pelo Parlamento) um papel meramente simbólico, salvo em circunstâncias muito excepcionais. Portanto, a natureza dual do poder executivo é um traço (o traço?) fundamental para diferenciar os regimes semipresidenciais dos regimes presidenciais ou parlamentares. Em terceiro lugar, nos regimes semipresidenciais há uma clara interdependência entre o poder executivo e o poder legislativo (figura 1). Primeiro, o PR pode dissolver o Parlamento. Segundo, o governo é fiscalizado e controlado pelo Parlamento, dependendo da confiança política deste. Estes traços têm uma clara matriz parlamentarista, pois nestes sistemas o governo depende da confiança política do Parlamento e o primeiro-ministro tem o poder de dissolver a Assembleia e de convocar novas eleições. Pelo contrário, nos regimes presidenciais há uma clara separação entre o poder executivo (PR/governo) e o poder legislativo (Parlamento). Nem o Parlamento pode destituir o PR, salvo nas raras situações de traição ou outro crime grave (impeachment), nem este pode dissolver aquele, possuindo, geralmente, apenas o direito de veto suspensivo à legislação produzida pelas Câmaras16. 15

Sartori, 1994, pp. 142-143; Shugart e Carey, 1992, pp. 55-75; Prat e Martínez, 2000, pp. 120-140 Martins, 2005; Lobo e Neto, 2009; Novais, 2007; Siaroff, 2003 e 2005; Samuels e Shugart, 2010. 16 Para uma análise do modelo padrão de regime presidencialista (EUA), veja-se Badia, 1995, 537-574.

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Como vimos, para certos autores (Duverger, 1980; Sartori, 1994; entre outros) os poderes – constitucionais e políticos – atribuídos ao PR são fundamentais para a classificação dos sistemas de governo como semipresidenciais. Outros autores, porém, consideram que tais poderes não são fundamentais para definir os sistemas de governo semipresidenciais, mas sim para definir seus subtipos ou tipos alternativos (Shugart e Carey, 1992; Elgie, 1999 e 2005; Siaroff, 2003 e 2005; Samuels e Shugart, 2010). Em qualquer caso, portanto, a análise dos poderes constitucionais e políticos do PR é fundamental para o escrutínio dos diferentes sistemas de governo usualmente classificados como semipresidenciais. Vejamos alguns poderes constitucionalmente atribuídos ao Presidente da República Portuguesa. Nesta matéria, há três conjuntos de poderes que podemos considerar fundamentais. Em primeiro lugar, o direito de veto aos diplomas da AR e do Governo, definitivo neste último caso (art. 136.°, CRP 97; Sousa, 1992, p. 54). No caso dos diplomas da AR (leis), o veto pode ser superado se a AR «confirmar o voto por uma maioria de deputados em efectividade de funções» (art. 136.º, 2, CRP 97); nalguns casos, porém, é exigida uma maioria de dois terços para superar o veto presidencial – leis orgânicas; diplomas sobre relações externas, sobre a delimitação dos sectores público, privado, cooperativo, bem como todas as leis que regulamentam os actos eleitorais previstos na Constituição e que não têm a forma de leis orgânicas (art. 136.°, 2, CRP 97). Em segundo lugar, a faculdade de requerer a fiscalização (preventiva ou sucessiva) da constitucionalidade dos diplomas legais (arts. 277.º a 285.°, CRP 97). No caso da fiscalização preventiva, o PR pede ao Tribunal Constitucional (TC) para verificar se os decretos estão de acordo com o texto constitucional, antes da promulgação presidencial; no caso da fiscalização sucessiva, trata-se de solicitar a análise da conformidade com o texto constitucional após 69

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a entrada em vigor do diploma legal em causa (Araújo e Magalhães, 2000). Por último, os poderes de demitir o Governo e de dissolver a AR (Sousa, 1992, p. 13), ambos bastante circunscritos com a revisão de 1982 (Sousa, 1992, pp. 54-56; arts.125.o, 133.°, 172.o e 195.o, CRP 97). Até à revisão de 1982, o PR podia demitir o Governo, praticamente, sem limitações, ou seja, apenas após ouvidos o Conselho da Revolução e os partidos representados na AR (arts. 136.o e 190.o, CRP 1976). Após 1982, a demissão do Governo pelo PR passou a ser possível apenas quando tal se tornasse necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, e após audição do Conselho de Estado (arts. 136.o e 198.o, CRP 82)17. As limitações introduzidas à dissolução da AR, a qual implica a audição prévia dos partidos nela representados e do Conselho de Estado, são sobretudo de ordem temporal – não é possível nos seis meses posteriores à eleição da AR; não é possível durante o último semestre do mandato do PR ou durante a vigência do estado de sítio (arts. 136.o e 175.o, CRP 82). Até 1982, as limitações à dissolução da AR – por iniciativa do PR, isto é, não ligada a votos de censura, confiança, etc., na AR – eram praticamente inexistentes: careciam apenas do parecer favorável do Conselho da Revolução (arts. 136.o e 198.o, CRP 76). Destacámos apenas os poderes constitucionais do PR mais relevantes18. Neste domínio, sublinhe-se, sobretudo, que com a revisão constitucional de 1982 se verificou uma redução substancial dos poderes do PR, muito para além das questões já referidas; 17

Ao contrário do que refere Pasquino (2005, p. 144), a cláusula respeitante ao «regular funcionamento das instituições» aplica-se ao Governo e não ao Parlamento. 18 Para análises jurídico-constitucionais mais detalhadas dos poderes do PR, em Portugal e nos períodos antes e após 1982, ver, entre muitos outros, Canotilho e Moreira, 1991; Sousa, 1992; Lopes e Capitão, 2001; Araújo, 2003.

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nomeadamente, com a extinção do Conselho da Revolução – que tinha sobretudo funções de jurisdição constitucional equivalentes ao actual TC, bem como reserva legislativa em matéria de defesa nacional –, a que o PR presidia. A Presidência perdeu este poder. Além das limitações já referidas no poder do PR para demitir o Governo e dissolver a AR, o Governo deixou de ser politicamente responsável perante o Presidente, passando a sê-lo apenas institucionalmente (Sousa, 1992, p. 68). Para Marcelo Rebelo de Sousa (1992, p. 69): «Na responsabilidade política stricto sensu, é elemento essencial a confiança política do órgão e do titular perante o qual ela se efectiva no titular ou titulares dos órgãos que ela vincula, confiança que supõe uma certa consonância ou pelo menos ausência de conflitualidade de princípios e de actividade políticos.» Após 1982, este tipo de responsabilidade do gabinete perante o PR permanece apenas, de certa maneira, através do veto político, mas desapareceu em matéria de nomeação e de sobrevivência do Governo. A responsabilidade institucional «[…] decorre dos imperativos de equilíbrio entre os diversos órgãos na vivência dos mecanismos de divisão de poderes, prevalecendo sobre a mera relação política efectiva entre os titulares dos órgãos de soberania implicados.» (Sousa, 1992, p. 69.) Apesar desta especificação, alguns consideram que podem levantar-se algumas dúvidas sobre o significado concreto da responsabilidade institucional do Governo perante o PR (Araújo, 2003, p. 87). Antes da revisão constitucional de 1982, o PR tinha, pois, um papel de maior relevo no sistema de governo português, nomeadamente, em termos de poderes constitucionais. Não se pense porém que, mesmo nessa altura, os poderes presidenciais não eram eles próprios condicionados (Araújo, 2003, p. 85; Lopes e Capitão, 2001, pp. 86-88). Por exemplo, o Conselho da Revolução (CR) tinha de dar parecer favorável prévio à dissolução da Assembleia da 71

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República; embora o seu parecer não fosse vinculativo, o CR tinha também de ser ouvido para a nomeação do primeiro-ministro. A declaração da guerra, bem como a assinatura de tratados de paz estavam sujeitos à autorização do CR. Finalmente, muitos actos do PR – nomeação do Governo, promulgação de diplomas legais – estavam dependentes de referendo ministerial para poderem ter validade jurídica. Alguns consideram, por isso, que «torna-se evidente que toda esta teia de condicionamentos altera aquela que poderia ser a conclusão que, à primeira vista, se poderia retirar de uma leitura dos artigos enunciados dos poderes presidenciais: a da considerável importância e alargada dimensão do conjunto desses poderes» (Lopes e Capitão, 2001, p. 81 – sublinhados no original). Mais, Santana Lopes e Gonçalo Capitão defendem que «[...] esses freios recíprocos são uma característica de todo o actual sistema de governo português [...] É um labirinto que nos permite afirmar que em Portugal, mais do que a aplicação do princípio organizacional da divisão de poderes, existe quase uma anulação recíproca de poderes [...] Enfim, são tantos os controlos recíprocos que, de facto, com tanto controlo, pode ocorrer uma efectiva anulação e, consequentemente, uma perigosa paralisia de todo o sistema» (Lopes e Capitão, 2001, pp. 95-96 – sublinhados no original).19 Outros, porém, vêem no intrincado sistema de checks and balances que caracteriza o sistema de governo semipresidencial, em geral, e o caso português, em particular, o princípio fundamental deste tipo de regimes: «O princípio do equilíbrio, o qual faz parte do núcleo central do sistema semipresidencial, determina que nenhum dos corpos (órgãos políticos de soberania) possa adquirir uma influência essencial e permanente sobre qualquer um dos 19

Note-se que o texto original citado é da autoria exclusiva de Pedro Santana Lopes e faz parte do subconjunto do livro que foi escrito antes da revisão constitucional de 1982 (Lopes e Capitão, 2001, pp. 9-10).

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outros. A distribuição de funções tem de obedecer a este princípio.» (Canas, 2004, p. 102.) Aliás, segundo outros ainda, esta mesma característica do semipresidencialismo teria influenciado a escolha de tal sistema de governo como a mais adequada na transição democrática portuguesa (Araújo, 2003, p. 84). Em qualquer caso, note-se que durante o período de vigência da versão da CRP de 1976, isto é, até 1982, ocorreram efectivamente fortes tensões entre o PR (General Ramalho Eanes) e os partidos, sobretudo com o PSD/AD (PSD, CDS, PPM) e com o PS, de modo que a forte redução de poderes do Presidente em 1982 visou de algum modo combater uma possível deriva presidencialista do regime e, segundo alguns, terá visado o próprio Eanes, ou seja, terá sido feita ad hominem (Araújo: 2003, 86). Apesar da redução dos poderes do PR, após 1982, muitos estudiosos não hesitam em continuar a classificar o regime português como semipresidencial20. Todavia, outros há que sempre consideraram que, devido aos reduzidos poderes do PR na condução política do país, o regime deveria ser classificado como uma forma de «parlamentarismo racionalizado» (Canotilho e Moreira, 1978, pp. 254 e segs.). Outros ainda consideraram que foi apenas após 1982 que o regime deixou de ser semipresidencial, ou persistindo como tal, apenas em termos meramente formais (Pereira, 1984, p. 61; Barreto, 1992, pp. 132-134; Sartori, 1994, p. 146; Lijphart, 1994, p.189)21. Shugart e Carey (1992, pp. 63-65) consideram que, com a revisão constitucional de 1982, o sistema de governo português passou 20

Sousa, 1992, p. 71; Cruz, 1994, p, 251; Bahro, 1996; Bayerlein, 1996; Lucena, 1996; Freire e Pinto, 2005; Martins, 2005; Novais, 2007; Lobo e Neto, 2009. 21 Para uma revisão exaustiva da bibliografia sobre o sistema de governo português e a sua classificação, antes e após 1982, ver Araújo e Tsimaras, 2000, pp. 399-406; Araújo, 2003.

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de presidencial-parlamentar a premier-presidencial. Estes dois tipos introduzem uma maior precisão na classificação dos chamados regimes semipresidenciais. Em ambos os sistemas o Presidente (eleito pelo voto popular) e o Parlamento têm poder sobre a formação do Governo. Todavia, no caso do presidencial-parlamentar há uma primazia do Presidente em termos do seu poder sobre o gabinete, face ao primeiro-ministro: o Presidente tem largos poderes para nomear e para demitir o Governo. Em termos de regimes democráticos, os países com este tipo de regime são: Portugal, até 1982, e a República de Weimar (Shugart e Carey, 1992, pp. 55-75). No segundo caso, premier-presidencial, há uma clara preponderância do primeiro-ministro sobre o gabinete: apesar de o Presidente intervir na nomeação do Governo – primeiro-ministro e, eventualmente, restantes ministros –, os seus poderes para demitir o Governo são bastante limitados (ou nulos), isto é, a sobrevivência do Governo depende, quase exclusivamente, da Assembleia. Os países democráticos (analisados por Shugart e Carey) que se enquadram nesta classificação são a França (5.ª República), a Finlândia, Portugal (após 1982), a Áustria, a Islândia e a Irlanda. Portanto, no caso do regime presidencial-parlamentar há uma dupla responsabilização política do Governo perante o PR e perante a Assembleia. Esta «esquizofrenia» torna o regime especialmente propenso a conflitos institucionais entre o PR e a Assembleia e, daí, à ruptura do regime democrático (Shugart e Carey, 1992, pp. 55-75 e 154-158). Pelo contrário, no premier-presidencial há uma clara definição da entidade em relação à qual o gabinete é responsável (a Assembleia), e este factor torna menos prováveis os conflitos entre o PR e a Assembleia. Também Elgie (2005), na sua classificação de três subtipos de regime semipresidencial (ver acima), considera que são os «sistemas semipresidenciais altamente presidencializados» os 74

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mais propensos a conflitos institucionais e, por isso, ao colapso do regime democrático. Porém, conforme referimos atrás, este autor não clarifica em que subtipo inclui o regime português antes e depois de 1982. Em qualquer caso, Elgie nunca coloca o sistema português na categoria de «sistema semipresidencial altamente presidencializado». Portanto, para estes autores, a revisão Constitucional de 1982 veio tornar o sistema de governo português como efectivamente semipresidencial ou premier-presidencial, e, ao contribuir para uma maior clareza da responsabilidade política do Governo, tornou o regime menos propenso a crises institucionais (Shugart e Carey, 1992, pp. 64-65). Mais, apesar da redução dos poderes do PR em 1982, Shugart e Carey não consideram que o seu papel no sistema político se tenha tornado ineficaz (1992, p. 65; com idêntica posição, ver, por exemplo, Araújo e Tsimaras, 2000, p. 413; Freire e Pinto, 2005; Martins, 2005; Novais, 2007; Lobo e Neto, 2009). Já vimos que os poderes presidenciais são sempre um elemento importante na classificação dos regimes semipresidenciais, seja para classificar os sistemas políticos enquanto tais, ou, alternativamente, para classificar os subtipos de semipresidencialismo. Já vimos também que após a revisão constitucional de 1982, o PR perdeu algum relevo no sistema político português, pelo menos em termos dos poderes que lhe são constitucionalmente atribuídos. Conforme veremos em secção posterior, outros factores de índole propriamente política – maiorias absolutas na AR, concentração de votos nos dois maiores partidos – concorreram também para reduzir o papel do PR no semipresidencialismo português. Porém, seja até 1982, seja no período posterior, como poderíamos classificar os poderes – constitucionais e políticos – do PR? O Presidente português possui um poder elevado, médio ou baixo? Obviamente, para responder a estas questões precisamos, primeiro, 75

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de uma certa quantificação dos poderes do PR (que nos permita escaloná-los) e, segundo, de uma abordagem comparativa que nos permita situar o semipresidencialismo português no contexto de outros regimes do mesmo género. O trabalho recente de Siaroff (2003), já referido, permite exactamente que respondamos a tais questões. Este estudo incidiu sobre as «democracias eleitorais» (actuais ou passadas) que possuem um presidente eleito – excluindo, portanto, as monarquias constitucionais. De acordo com a definição da Freedom House, usada por Siaroff (2003, p. 288), as democracias eleitorais são sistemas políticos em que existe pluralismo partidário, competição eleitoral e alguma separação de poderes entre os diferentes órgãos de soberania. Contudo, tais sistemas não são necessariamente democracias liberais, no sentido de terem plenas liberdades cívicas e um Estado de Direito consolidado. Além disso, podem não possuir sufrágio universal e uma completa subordinação do poder militar às autoridades civis (eleitas). Siaroff prossegue depois na classificação dos regimes políticos, tendo em conta vários parâmetros (2003, pp. 293-303), mas sobretudo confrontando os regimes de executivo unificado (tipo presidencial) com os que têm um executivo dual (tipo semipresidencial). Para o que aqui nos interessa, Siaroff coloca os regimes tradicionalmente classificados como semipresidenciais na categoria de «países com um chefe de Estado eleito e com um chefe de governo (primeiro-ministro), sendo o último responsável perante a legislatura». Seguidamente, o autor procede a uma classificação dicotómica dos poderes presidenciais, tendo em conta não apenas as constituições, mas também a prática política (Siaroff, 2003, p. 303). No quadro 3 apresentamos a classificação dos sistemas tradicionalmente considerados como semipresidenciais de acordo com os poderes (constitucionais e políticos) dos respectivos presidentes. 76

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O Poder Presidencial em Portugal Quadro 3: Poderes do Presidente da República em países com um chefe de Estado eleito e com um chefe de governo (primeiro-ministro), sendo o último responsável perante a legislatura Países Alemanha 1919-1933 Arménia 1995-presente Áustria 1945-presente Bielorrússia 1994-1996 Bulgária 1991-presente Cabo Verde 1992-presente Comoros 1992-1999 Croácia 1990-2000 Croácia 2000-presente Eslováquia 1999-presente Eslovénia 1991-presente Espanha 1931-1936 Finlândia 1919-1956 Finlândia 1956-1994 Finlândia 1994-2000 Finlândia 2000-presente França 1958-presente Geórgia 1994-presente Guiné Bissau 1994-presente Islândia 1994-presente Irlanda 1948-presente Lituânia 1992-presente Macedónia 1991-presente Madagáscar 1992-presente Mali 1992-presente Moldávia 1994-2000 Mongólia 1992-presente Moçambique 1994-presente Peru 1979-1992 Polónia 1992-1997 Polónia 1997-presente Portugal 1976-1982 Portugal 1982-presente Rep. Centro Africana 1995-pres. Roménia 1996-presente Rússia 1993-presente São Tomé e Príncipe 1990-pres. Taiwan 1994-presente Ucrânia 1992-1996 Ucrânia 1996-presente Uruguai 1919-1933 Total 1 Total 0

PE ES PN PCM 1 0 1 0 1 0 1 1 1 0 0 0 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 0 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 0 0 1 0 1 1 1 1 1 1 1 1* 1 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 0 1 1* 1 1 1 1* 1 1 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 0 0 1 0 1 0 1 1* 1 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 0 41 5 (4) 35 25 0 36(37) 6 16

V 0 0 0 1 1 1 1 0 0 0 0 1 1 1 1 1 1 1 0 0 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 31 10

PEL PPE 1 0 0 1 0 0 1 1 0 0 1 1 0 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 1 0 0 0 1 0 1 0 1 0 0 0 0 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 1 1 1 1 0 1 0 1 1 1 0 1 9 28 32 13

FG 1 1 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 1 1 0 0 1 1 1 0 1 0 1 0 1 1 1 1 1 0 20 21

DL Total 1 5 1 6 0 1 1 7 0 3 0 6 1 6 0 6 0 4 0 2 0 1 1 4 0 5 0 6 0 5 0 2 1 7 0 7 0 6 0 1 0 3 0 4 0 4 1 7 1 7 0 5 0 4 0 8 0 7 0 6 0 3 1 6 1 3 1 6 0 5 0 7 1 8 0 5 0 6 0 7 0 4 11 30

Fonte: Siaroff, 2003, pp. 299-300. Abreviaturas: PE – presidente eleito; ES – eleições presidenciais e legislativas em simultâneo; PN - poderes de nomeação; PCM – PR preside ao Conselho de Ministros; V – poderes de veto; PEL – poderes de emergência duradouros e/ou poderes legislativos; PPE – papel central do PR na política externa; FG – papel central do PR na formação do governo; DL – poder de dissolução da legislatura.

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O primeiro elemento (PE), comum a todos os sistemas deste grupo, define se o PR é ou não popularmente eleito, traço fundamental para a sua legitimidade e para o seu poder efectivo. O segundo elemento (ES) define os formatos quase-presidencialistas em que há eleições simultâneas para o PR e para a(s) assembleia(s), logo mandatos sincronizados (estes formatos são uma excepção nesta categoria de regimes políticos e, por isso, no quadro 3 os quatro únicos casos, em quarenta e um, estão assinalados com um asterisco). Esta característica permite maximizar a influência presidencial sobre a composição da Assembleia, fazendo da eleição presidencial a principal consulta eleitoral do sistema, ou seja, o escrutínio que de algum modo pode contribuir para estruturar também os resultados da(s) eleição(ções) parlamentar(es) simultânea(s). Em terceiro lugar, temos os poderes discricionários do PR na nomeação (PN) de figuras-chave do sistema político: do primeiro-ministro, de ministros, de juízes de tribunais superiores, de chefes militares e/ou da administração do banco central. Em quarto lugar, vem o direito de o PR presidir aos conselhos de ministros (PCM). Quinto, o poder de veto dos diplomas legais, ou melhor, da devolução de tais diplomas para reformulação ou fiscalização constitucional (V). Sexto, os poderes de emergência e/ou os poderes legislativos (PEL) do PR. O sétimo critério determina se o PR tem um papel central em matéria de política externa (PPE) ou não. Em oitavo lugar, considera-se o poder do PR na selecção do primeiro-ministro, na sua remoção do/ou na sua sobrevivência no governo (e/ou de um determinado partido como membro do gabinete) (FG). Finalmente, considera-se o poder de dissolução da legislatura (DL). Para cada um dos oito itens referidos é atribuído o valor 1 aos sistemas nos quais o PR possui (constitucionalmente) e usa tal poder; atribuindo-se o valor 0 aos regimes nos quais o Presidente não possui ou não usa tal poder. Para os sistemas 78

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tradicionalmente classificados como semipresidenciais (bem como para os restantes, que porém não consideraremos aqui), constitui-se depois um índice aditivo simples (dos poderes presidenciais) através da mera soma dos valores respeitantes aos nove poderes referidos atrás. Da sua análise, Siaroff conclui que, perante os sete tipos/subtipos de sistemas de governo analisados, aqueles que tradicionalmente têm sido classificados como semipresidenciais são os que apresentam maior diversidade interna. No conjunto dos quarenta e um sistemas semipresidenciais, os poderes do PR variam entre um mínimo de 1 e um máximo de 8; apresentam ainda uma média de 5,00 (a mediana é igual à média) e um desvio-padrão (dispersão face à média) de 1,92 (a mais elevada de todos os sete conjuntos de regimes – dados não apresentados). Siaroff empreende, depois, uma classificação dos tradicionais regimes semipresidenciais a partir do «índice dos poderes do PR». Primeiro, os «sistemas parlamentares com dominância presidencial» apresentam um score de poderes do PR de 6 ou mais. Estão nesta categoria sistemas como: Cabo Verde (6), a Finlândia (1956-1994) (6), a França (desde 1958) (7), a Guiné-Bissau (6), Moçambique (8), a Polónia (1992-1997) (6), São Tomé e Príncipe (8) e Portugal (1976-1982) (6). Entre 1976 e 1982, portanto, em termos de poderes – constitucionais e políticos – do PR o semipresidencialismo português apresenta a mesma posição ou uma posição muito semelhante face aos tradicionais casos paradigmáticos – França; Finlândia (1956-1994) –, bem como face à Polónia e a vários PALOP. Neste caso particular, registem-se os casos de Moçambique e de São Tomé e Príncipe, cujos sistemas apresentam não só um score mais elevado do que a França, a Finlândia e Portugal, mas também os dois presidentes mais poderosos de todos os «sistemas parlamentares com dominância presidencial» recenseados por Siaroff. 79

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Segundo, no outro extremo, temos os «sistemas parlamentares com presidentes meramente cerimoniais», ou seja, aqueles que apresentam um nível de poderes presidenciais igual a um ou dois. Estão nesta situação a Áustria (1), a Eslovénia (1), a Islândia (1) e a Finlândia (desde 2000) (2), entre outros. São os tradicionais «semipresidencialismos aparentes», para usar a terminologia de Sartori (1994), embora sem a Irlanda e com pelo menos dois novos membros europeus – a Eslovénia e a Finlândia, esta após as reformas do sistema de governo que tiveram efeito a partir de 2000. Finalmente, os «sistemas parlamentares com correctivo presidencial» são aqueles que apresentam um score de poderes do PR que varia entre 3 e 5. A Finlândia (em vários períodos, excluindo os dois anteriormente referidos: 1956-1994 e desde 2000) (5), a Irlanda (3), a Lituânia (4), a Polónia (desde 1997) (3) e Portugal (desde 1982) (3), entre outros. Esta classificação do regime português, após 1982, parece-nos mais adequada do que a de Elgie que, como referimos, considera o PR português como meramente cerimonial. Porém, note-se que os poderes do Presidente português estão no limite inferior do intervalo para este conjunto de países, ou seja, segundo Siaroff, situam o regime português (após 1982) entre os mais fracos daqueles que têm «sistemas parlamentares com correctivo presidencial». Atente-se, porém, que, tendo em conta que a classificação de Siaroff considera não só os poderes constitucionais, mas também a prática política, tal situação pode evoluir de acordo com a utilização dos poderes que os diferentes PR façam. A classificação dos poderes presidenciais empreendida por Siaroff é obviamente criticável a vários títulos. Primeiro, por ser uma classificação dicotómica. Ou seja, será que, por exemplo, a forma mais adequada de contabilizar os poderes de veto do Presidente deve ser feita em termos da sua presença ou ausência ou, pelo 80

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contrário, a partir de uma classificação mais fina que deveria levar em linha de conta, nomeadamente, as condições exigidas para a superação do veto do PR? Na linha de autores como Metcalf, Shugart e Carey, pensamos que classificações ordinais dos poderes presidenciais (isto é, para o exemplo vertente, ordenando as situações de acordo com o grau de dificuldade que o Parlamento e o Governo têm para superar o veto presidencial) fornecem uma informação mais aprofundada e diferenciadora (Metcalf, 2000; Shugart e Carey, 1992, pp. 131-166). Neste domínio, porém, a classificação de Siaroff tem a vantagem da parcimónia, mesmo que a expensas da profundidade da informação; além disso, a lista de países considerada por Siaroff é muito mais exaustiva do que as listas consideradas pelos outros três autores. Em segundo lugar, há poderes que, não pertencendo necessariamente ao Presidente, tais como, por exemplo, as condições em que se opera a jurisdição constitucional, ou quem tem o poder de iniciativa em matéria de referendo, podem ser cruciais para definir a trama de relações entre os órgãos de soberania, logo, para a caracterização do sistema de governo, e que não foram considerados por Siaroff (ver Metcalf, 2000, pp. 668-672). Finalmente, pode-se sempre discutir a atribuição das pontuações a cada caso/sistema concreto. Neste domínio, porém, uma das melhores formas de avaliar a pertinência da classificação é testando a sua capacidade para explicar e/ou prever o funcionamento dos regimes tradicionalmente classificados como semipresidenciais. Daremos, à frente, conta de tal teste que, efectivamente, revela uma boa capacidade heurística da classificação.

A participação eleitoral na escolha dos presidentes O modelo das «eleições de segunda ordem» foi inicialmente proposto por Karlheinz Reif e Hermann Schmitt (1980) com base 81

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em análises comparativas dos resultados das primeiras eleições directas para o Parlamento Europeu (1979). As «eleições de segunda ordem» têm menor importância relativa para o funcionamento dos sistemas políticos, perante as consultas de primeira ordem, nomeadamente, porque são eleições em que não está em jogo a distribuição do poder executivo nacional (nem sequer europeu, no caso das votações para o PE) e porque são consultas em que os temas em jogo, as campanhas dos partidos e as motivações dos eleitores estão muitas vezes relacionados com questões que dizem respeito a outras eleições (às de primeira ordem) e a outros contextos. Daqui decorre, por exemplo, que nas eleições de segunda ordem, geralmente, os eleitores participam menos; muitos usam as consultas para punir os governos em funções (sobretudo quando estão no meio do ciclo eleitoral nacional) e votam mais «com o coração» (o «voto sincero») e menos «com a razão» (o «voto táctico» ou o «voto útil»), nomeadamente, escolhendo em maior proporção os pequenos partidos – especialmente quando estes não estão no poder (Reif e Schmitt, 1980; Reif, 1985). Em sistemas parlamentares, as eleições para a Assembleia Legislativa Nacional (Câmara Baixa) determinam o número de lugares que cada partido aí obtém, e desta distribuição decorre geralmente a capacidade de cada partido/coligação controlar e/ou influir no governo do país. Portanto, para Reif e Schmitt (1980), nos sistemas parlamentares as eleições para a Câmara Baixa são as eleições nacionais de primeira ordem (para um revisão e crítica destas teses, ver Eijk, Franklin e Marsh, 1996). De acordo com este modelo, as outras eleições (locais, regionais, estaduais e europeias), designadas por «eleições nacionais de segunda ordem», são menos importantes porque não têm influência directa na formação do governo do país. Neste grupo deverão também incluir-se as eleições para os chefes de Estado sem poder executivo. Todavia, as eleições presidenciais 82

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em regimes semipresidenciais são de mais difícil classificação, conforme discutiremos adiante. O modelo das eleições nacionais de segunda ordem assenta em vários pressupostos dos quais decorrem três hipóteses centrais. Porém, a única destas hipóteses que é relevante para a análise que desenvolveremos nesta secção é a seguinte: as eleições nacionais de segunda ordem são consideradas pelos eleitores como menos importantes na distribuição do poder executivo, e, por isso, os cidadãos tenderão a participar menos nestas eleições (Reif e Schmitt, 1980; Eijk e Franklin, 1996; Freire e Magalhães, 2001). Todavia, ao contrário das comparações entre as eleições locais, regionais e europeias com as legislativas, o modelo das eleições nacionais de segunda ordem só recentemente foi sistematicamente colocado a prova empírica em regimes semipresidenciais (Freire, 2001c; Gomez Fortes e Magalhães, 2005). Referindo-se ao caso francês, Reif e Schmitt (1980, p. 8) consideraram que, quer as presidenciais quer as legislativas são eleições de primeira ordem. Mas, mesmo considerando que ambas as eleições são de primeira ordem, será que, em matéria de participação eleitoral, os eleitores lhes atribuem idêntica importância, isto é, será que apresentam idênticas taxas de participação nas legislativas e nas presidenciais? Esta é, obviamente, uma questão que tem de ser respondida através da pesquisa empírica. Mais, tendo em conta as diferenças no desenho institucional – e na prática política – dos diferentes regimes semipresidenciais democráticos, será que os eleitores de cada um dos diferentes tipos de sistemas semipresidenciais percebem essas diferenças, e que essas percepções têm consequências ao nível das taxas de participação eleitoral? Não temos indicadores das percepções dos eleitores sobre o perfil dos sistemas semipresidenciais democráticos, mas temos informação sobre as respectivas taxas de participação eleitoral e, por essa via, poderemos responder à questão. Para 83

84

75,4 24,6 100 4,885 6,477 1976

83,3 16,7 100 5,393 6,477

1975

Participação (%) Abstenção (%) Total (inscritos) Votantes/milhões Inscritos RE/milhões Assembleia Da República

Participação (%) 91,7 Abstenção (%) 8,3 Total (inscritos) (%) 100 Votantes/milhões 5,666 Inscritos RE/milhões 6,177 87,5 12,5 100 5,915 6,757

1979 85,4 14,6 100 5,917 6,925

84,2 15,8 100 5,831 6,921 1980

1980

78,6 21,4 100 5,629 7,159

1983 75,4 24,6 100 5,744 7,621

75,6 24,4 100 5,739 7,593 1985

1986 (1.a)

72,6 27,4 100 5,623 7,741

78,2 21,8 100 5,935 7,593 1987

1986 (2.a)

1996

68,2 31,8 100 5,674 8,322

67,1 32,9 100 5,854 8,719

62,0 66,4 38,0 33,6 100 100 5,097 5,779 8,222 8,707 1991 1995

1991

61,8 38,2 100 5,363 8,673

50,9 49,1 100 4,324 8,746 1999

2001

62,3 37,7 100 5,433 8,716

61,5 38,5 100 5,590 9,085 2002

2006

65,0 35,0 100 5,713 8,785

2005

59,7 40,3 100 5,681 9,519

2009

Notas: os resultados das eleições para a Assembleia da República referem-se apenas aos círculos eleitorais do território nacional; Votantes – votos válidos; RE – recenseamento eleitoral (STAPE); nas eleições presidenciais de 2001 e 2006 estão também incluídos os eleitores residentes fora do território nacional e com capacidade eleitoral activa.

Fontes: estatísticas oficiais citadas em Freire e Pinto, 2005 (PR, 1976-2001; AR, 1975-2005); para as eleições mais recentes (AR, 2009 e PR, 2006): www.cne.pt.

1976

Presidência da República

Quadro 4: Evolução da participação e da abstenção nas eleições presidenciais e legislativas, em Portugal, 1975-2005

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caracterizar os diferentes perfis dos sistemas semipresidenciais democráticos, levaremos em linha de conta os poderes do PR como elemento crucial de diferenciação, tendo em conta a classificação de Siaroff (ver quadro 3), embora considerando apenas sete poderes (todos menos a eleição do PR e a existência de eleições simultâneas). Obviamente, para testar a teoria das eleições de segunda ordem temos de comparar as taxas de participação nas presidenciais perante as legislativas. Além disso, os países têm diferentes tradições culturais, sociais, políticas e institucionais que podem influir nas taxas de participação eleitoral e, também por isso, em cada país devemos comparar as taxas de participação em eleições presidenciais perante as legislativas. Em termos comparativos, esperamos que o diferencial nas taxas de participação (presidenciais versus legislativas) seja mais favorável às consultas presidenciais nos regimes em que o PR tem um papel de maior relevo no sistema político (definido em termos de poderes constitucionais e políticos); pelo contrário, esperamos que o referido diferencial nas taxas de participação seja mais favorável às eleições legislativas nos sistemas em que o PR tem um papel de menor relevo no sistema político. Nestas análises, iremos apoiar-nos fundamentalmente nos estudos desenvolvidos por Freire (2001c) e por Gomez Fortes e Magalhães (2005). Comecemos por uma análise centrada no caso português. Os dados constantes do quadro 4 permitem evidenciar claramente as limitações das explicações sociológicas e sociopsicológicas da participação eleitoral, as quais colocam grande ênfase no nível de recursos, na integração social, na mobilização externa (dos partidos, das associações, etc.) e nas atitudes políticas enquanto determinantes do voto (sobre estas teorias, ver Freire, 2001b). Em primeiro lugar, excluindo as eleições presidenciais de 1986 (1.a e 2.a voltas) perante as legislativas de 1985 ou 1987, verifica-se que a participação 85

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eleitoral em cada uma das eleições presidenciais foi sempre menor do que a participação verificada nas eleições legislativas mais próximas, quer em termos de percentagens de votos quer em termos do número absoluto de votantes em cada acto eleitoral. Ou seja, excepto no caso das muito polarizadas e competitivas eleições presidenciais de 1986, em Portugal os eleitores parecem ter atribuído menor importância relativa às eleições presidenciais do que às eleições legislativas, e tal diferencial permanece, quer no período anterior a 1982 quer no lapso temporal posterior a 1982. Portanto, pelo menos do ponto de vista da participação eleitoral, os eleitores portugueses parecem atribuir maior importância relativa ao Parlamento e ao Governo, no funcionamento do sistema político, do que ao Presidente da República. Em segundo lugar, as flutuações nas taxas de participação eleitoral entre eleições presidenciais parecem acompanhar o nível de competitividade e de polarização ao nível da oferta eleitoral. Nas presidenciais de 1980, a participação eleitoral foi cerca de 9% mais elevada do que nas de 1976. Nestas, o candidato vencedor, Ramalho Eanes, era apoiado por uma vasta coligação de partidos políticos (PS, PPD/PSD, CDS, MRPP, AOC e PCP-ML), o conjunto dos quais tinham obtido 76,2% dos votos nas legislativas de 1976 (ver quadro 3)22. Pelo contrário, as presidenciais de 1980 foram muito mais competitivas e polarizadas. Numa estratégia de subalternização do papel do PR face à maioria parlamentar – «uma maioria, um governo, um presidente» –, a coligação de direita, AD (PSD, CDS e PPM), que tinha vencido as legislativas anteriores com 47,1 % dos votos, apresentou um candidato próprio, Soares 22

Em termos de apoios partidários aos candidatos presidenciais, consideramos apenas os partidos ou coligações que concorreram às eleições e obtiveram votos. Por outro lado, apenas levamos em linha de conta a orientação de voto definida pelas direcções dos partidos, independentemente das respectivas divisões internas.

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Carneiro. Em oposição, os maiores partidos da ala esquerda do espectro ideológico (PS/FRS e PCP), que tinham obtido 44,9% dos votos nas legislativas de 1980, apoiaram o candidato que viria a vencer as presidenciais desse ano, Ramalho Eanes. Mas as eleições presidenciais mais competitivas e polarizadas do Portugal democrático realizaram-se em 1986. Apesar de a participação eleitoral nestas eleições ter sido menor do que aquela que se registou em 1980, acompanhando idêntica tendência de declínio da participação verificada ao nível das legislativas, as presidenciais de 1986 (1.a e 2.a voltas) foram as únicas em que a participação eleitoral excedeu aquela que se verificou nas legislativas mais próximas, 1985 ou 198723. Para esta forte participação eleitoral muito terá contribuído a forte polarização e competitividade entre a esquerda e a direita. Na primeira volta, a esquerda apresentou-se dividida em vários candidatos: Salgado Zenha, apoiado pelo PRD e pelo PCP; Maria de Lurdes Pintassilgo, apoiada pela UDP; Mário Soares, apoiado pelo PS. A direita (PSD e CDS), pelo contrário, juntou esforços em torno do candidato que viria a vencer a primeira volta, Freitas do Amaral (quadro 4). Todavia, em 1986, a ausência de uma maioria absoluta, na primeira volta, obrigou à realização de uma segunda volta, na qual se verificou uma clara bipolarização entre a esquerda e a direita: PS, PRD e PCP apoiaram Mário Soares, o qual viria a ganhar as eleições por uma curta margem de cerca de duzentos mil votos; PSD e CDS reiteraram o seu apoio a Freitas do Amaral. A maior competitividade da segunda volta, bem como o carácter decisivo atribuído pelos eleitores a esta eleição explicarão o aumento da participação eleitoral no curto espaço de tempo que mediou entre as duas 23

Para uma análise da evolução da participação eleitoral dos portugueses em eleições legislativas e dos respectivos factores explicativos, ver Freire, 2000a e 2001a; Freire e Magalhães, 2002.

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voltas: o número de votantes aumentou em cerca de duzentos mil (quadro 4). Nas presidenciais de 1991, o candidato vencedor ,Mário Soares, granjeou os apoios explícitos dos dois maiores partidos políticos portugueses: PSD e PS. Naturalmente apoiado pelo seu partido (PS), durante o seu primeiro mandato Mário Soares conseguiu ainda captar o apoio de vastos sectores da sociedade portuguesa, alargando substancialmente a respectiva base de apoio (Cruz, 1994, pp. 253-258). Para tal terão contribuído factores como a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições antecipadas em 1987, rejeitando as soluções governativas propostas pela oposição de esquerda (PS e PRD), bem como a reduzida intervenção do Presidente nos actos legislativos da Assembleia e do Governo através do veto ou dos pedidos de fiscalização da constitucionalidade dos diplomas (Cruz, 1994; Araújo e Magalhães, 2000, pp. 220-225). No contexto de uma previsível vitória de Soares em 1991, o PSD decidiu apoiar também a candidatura daquele, evitando assim os prováveis «estragos políticos» da derrota de um candidato próprio. Tendo em conta o vasto apoio eleitoral garantido pela indicação de voto do PS e do PSD, a vitória de Mário Soares apresentava-se praticamente adquirida. Os candidatos opositores – Carlos Carvalhas, com apoio do PCP, e Basílio Horta, com apoio do CDS/PP – tinham, portanto, muito fracas hipóteses de vencer a disputa eleitoral. Assim, não admira que a participação eleitoral tenha atingido o valor mais baixo de sempre nas eleições presidenciais realizadas entre 1976 e 1996. É verdade que, tendo em conta a coligação de partidos que então o apoiaram, a vitória de Ramalho Eanes nas primeiras presidenciais seria ainda mais previsível, mas nessa altura o desejo de exercer o recém-adquirido direito de voto, bem como a polarização política do processo revolucionário funcionavam como 88

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estímulos à participação eleitoral. Por outro lado, não existia nenhum histórico quanto ao comportamento dos eleitores em eleições presidenciais livres e competitivas. Mais, não tinha ainda relevo o problema da «abstenção técnica» (Freire e Magalhães, 2002). O aumento da competitividade eleitoral e a polarização entre a esquerda e a direita explicam o aumento da participação nas presidenciais de 1996 face a 1991: a esquerda (PS e PCP) apoiou Jorge Sampaio; o PSD apoiou Cavaco Silva. A posição do CDS/PP foi algo ambígua: o então líder do partido, Manuel Monteiro, deu liberdade de voto aos militantes e simpatizantes do CDS/PP e deu a entender que votaria em branco; Paulo Portas e outros ex-dirigentes do partido declaram claramente o seu apoio a Cavaco Silva (Expresso, 20/1/96). De qualquer modo, Cavaco Silva era um candidato muito forte e tinha já demonstrado a capacidade de captar o voto dos eleitores do CDS nas legislativas de 1987 e 1991 (Lobo, 1996; Freire, 2001a). Nas presidenciais de 2001, a vitória antecipadamente prevista do ex-Presidente que se recandidatava (Jorge Sampaio) e a ausência de um candidato forte e que congregasse as forças políticas da ala direita do espectro ideológico (PSD e CDS/PP) explicam, ainda que parcialmente, o forte declínio da participação eleitoral face a 1996. Em 2001, Jorge Sampaio foi apenas apoiado pelo seu próprio partido, o PS. Tendo em conta a vitória (por confortável maioria) de Jorge Sampaio, antecipadamente prevista em todas as sondagens (Expresso, 20/1/01), os partidos situados à esquerda do PS sentiram-se livres para apresentarem candidatos próprios e para os levarem até às urnas. O PCP apoiou o candidato António Abreu e, numa decisão imprevista pela maioria dos analistas, a duas semanas do acto eleitoral, o Comité Central decidiu que a candidatura de Abreu seria mesmo para levar até ao fim. Os pequenos partidos de extrema-esquerda também apresentaram candidatos próprios: 89

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Fernando Rosas, BE; Garcia Pereira, PCTP/MRPP. O PSD apoiou o segundo candidato mais votado, Ferreira do Amaral. O CDS/PP começou por propor a candidatura de Basílio Horta, mas acabou por retirá-la da corrida antes das eleições. Mais tarde, o então líder do partido, Paulo Portas, declarou que iria votar em Ferreira do Amaral, mas não deu qualquer indicação de voto aos eleitores do seu partido, antes fazendo um apelo implícito para que estes se abstivessem (Expresso/Revista, 20/1/01, p. 60). Numa situação algo simétrica face às presidenciais de 1996, foi agora a ala «monteirista» do CDS/PP (Manuel Monteiro, Jorge Ferreira, Girão Pereira, Nuno Fernandes Tomaz) que não só declarou apoio explícito a Ferreira do Amaral, como participou activamente na campanha eleitoral deste. A participação eleitoral nas presidenciais de 2001 atingiu o nível mais baixo de sempre em todas as eleições portuguesas realizadas até então, excepto as europeias e os referendos. Face às presidenciais de 1996, o número de votantes desceu cerca de 1,4 milhões. Todavia, a previsibilidade da vitória de Sampaio, em 2001, não era maior do que a que se verificou em 1991, quando Soares era apoiado pelos dois maiores partidos do sistema (PS e PSD). Face às presidenciais de 1991, em 2001 o número de votantes foi inferior em cerca de 800 mil e a percentagem de votantes foi cerca de 11% mais baixa. Consequentemente, no caso das presidenciais de 2001, o argumento da competitividade e polarização eleitorais é, só por si, insuficiente para explicar semelhante declínio. Por outro lado, fruto da limpeza dos cadernos eleitorais (RE) antes da realização dos referendos (1998), em 1999 o nível de «abstenção técnica» foi menor do que o que se verificou em 1991 e 1995 (Freire, 2001a). Assim, na pior das hipóteses, em 2001, o nível de «abstenção técnica» seria idêntico ao de 1991 e, por isso, também este elemento pouco 90

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ajuda a explicar o baixo nível de participação nas últimas presidenciais. Porventura a estas hipóteses será necessário juntar uma outra: para explicar tão baixo nível de votantes será preciso ter em conta uma certa tendência para o crescimento da apatia e alheamento dos eleitores face ao sistema político, não apenas em termos das presidenciais mas também de outras eleições, especialmente quando o nível de competitividade e polarização das eleições é baixo. A participação nas eleições presidenciais de 2006 (61,5%) subiu muito face às de 2001 (50,9%), o que só vem provar que a baixa participação nas eleições 2001 se deveu em larga medida a factores conjunturais relacionados com a oferta política, as quais foram significativamente alteradas em 2006 (maior competição, como prova o facto de o vencedor ter evitado a ida à segunda volta quase por uma tangente; vários candidatos à esquerda a mobilizar vários segmentos diferenciados do eleitorado; a possibilidade de, pela primeira vez, ser eleito um PR oriundo da direita – o que veio a acontecer –, facto que poderia mobilizar mais acentuadamente certos sectores das esquerdas) (Freire, 2006 e 2009; Magalhães, 2007). A taxa participação nas legislativas de 2009 (59,7%) não é comparável às presidenciais de Fevereiro de 2006, não só porque estas ocorreram quase quatro anos antes daquelas (28 de Setembro de 2009), mas também porque o aumento da abstenção nestas últimas legislativas se ficou a dever muito mais a um aumento do corpo eleitoral, fruto do novo procedimento de inscrição automática dos jovens que acedem à idade adulta, do que a um aumento efectivo da abstenção (Freire, 2010a)24. Portanto, a estabilidade das determinações sociológicas e atitudinais da participação eleitoral implica que o seu contributo para 24

Ver quadro 4: entre 2005 e 2009 o número absoluto de votantes desce muito pouco; pelo contrário, aumenta imenso a dimensão do corpo eleitoral.

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explicar as flutuações nas taxas de participação nas presidenciais é reduzido. Tais oscilações explicar-se-ão melhor como resultado de um posicionamento estratégico dos eleitores face à conjuntura política: quanto maior a polarização e a competitividade das eleições, maior a participação eleitoral. Mais, os níveis de participação eleitoral nas presidenciais foram quase sempre menores do que aqueles que se registaram nas legislativas mais próximas – excepção feita a 1986. Conforme já referimos, esta situação aponta para que os eleitores portugueses atribuíam um carácter menos decisivo à função presidencial para o funcionamento do sistema político. Num estudo anterior de um dos autores do presente livro (Freire, 2001c), efectuou-se uma comparação dos níveis de participação na eleição do PR face à participação em eleições legislativas, em regimes semipresidenciais democráticos; na linha de Giovanni Sartori (1994), estes foram então separados em dois grupos: «os designados semipresidencialismos aparentes (Áustria, Irlanda e Islândia), nos quais o PR tem muito fraca importância efectiva no sistema político, e os restantes regimes semipresidenciais (Finlândia, França, Polónia, Portugal e Roménia)». Concluiu-se então que «em todos os “semipresidencialismos aparentes” as eleições legislativas são mais participadas do que as presidenciais. Este dado remete para a menor importância relativa que os eleitores atribuem à função presidencial nos respectivos sistemas políticos. Todavia, também em Portugal e na Roménia as presidenciais são menos participadas do que as legislativas. Mais, Portugal é o país com o segundo maior diferencial negativo de participação nas presidenciais. Pelo contrário, na Polónia, em França e na Finlândia, as eleições presidenciais são mais participadas do que as legislativas, donde se pode inferir a maior importância atribuída pelos eleitores à função presidencial nestes sistemas políticos» (Freire, 2001c, pp. 204-205). Ou seja, verificou-se que, geralmente, nos sistemas 92

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semipresidenciais em que o PR tem menos poder, os eleitores participam mais nas eleições legislativas do que nas presidenciais; nos sistemas semipresidenciais nos quais o PR tem mais poder, o reverso é verdadeiro. Aqueles dados revelaram-se, pois, consistentes com a teoria das eleições de segunda ordem. Porém, tais análises eram muito exploratórias e limitadas. Fundamentalmente por quatro razões. Primeira, o leque de sistemas semipresidenciais considerado era muito reduzido (8). Segunda, o lapso temporal considerado (anos 1970 a 2001) era também muito curto. Terceira, o estudo não levava em consideração as transformações na «liderança política» do sistema político no seio de cada país, ou, dito de outro modo, não reflectia as transformações ao longo tempo no perfil do semipresidencialismo no seio de cada país. Quarta, o perfil dos semipresidencialismos era definido de uma forma muito grosseira – «semipresidencialismos aparentes» versus todos os outros. Um estudo da autoria de Braulio Gomez Fortes e Pedra Magalhães (2005), que analisa exactamente o comportamento dos eleitores em regimes semipresidenciais democráticos (quer em termos de participação eleitoral quer em termos de punição dos governos nas eleições de segunda ordem), supera aquelas limitações e veio preencher uma lacuna na literatura académica sobre estas matérias. Os autores analisaram o comportamento dos eleitores em 19 países democráticos com sistemas semipresidenciais (ver quadro 5), nomeadamente, testando as teorias sobre as eleições de segunda ordem. O lapso temporal considerado foi 1945-2004, e, para este período, os autores analisaram os países livres e democráticos, segundo os scores atribuídos pela Freedom House25.

25

Ver Freedom in the World Country ratings, 1972-2005, www.freedomhouse.org/ /ratings/index.htm.

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O Poder Presidencial em Democracia Quadro 5: Participação eleitoral em eleições presidenciais e legislativas em regimes democráticos semipresidenciais (1945-2004) Eleições legislativas Países

Eleições presidenciais

Primeira/última Participação Primeira/última Participação (N) Média (%) (N) média (%)

Áustria (1945-)

1946-2002 (18)

90.7

1951-2004 (11)

89.1

Bulgária (1991-)

1991-2000 (4)

71.2

1992-2001 (3)

60.0

Cabo Verde (1992-)

1995-2001 (2)

63.7

1996-2001 (2)

47.6

Croácia (2000-)

2000-2003 (2)

69.2

2000 (1)

60.9

Eslováquia (1999-)

2002 (1)

70.1

1999-2004 (2)

60.9

Eslovénia (1991-)

1992-2004 (4)

72.7

1992-2002 (3)

75.6

Finlândia (1945-56)

1945-56 (4)

76.9

1950-56 (2)

68.6

Finlândia (1956-94)

1958-1991 (10)

77.4

1962-94 (6)

75.3

Finlândia (1994-2000)

1995-99 (2)

66.9

2000 (1)

76.8

Finlândia (desde 2000)

-

-

-

-

França (1962-)

1962-2002 (11)

72.7

1965-2002 (7)

80.6

Islândia (1945-)

1946-2002 (17)

89.3

1952-2004 (6)

81.0

Irlanda (1945-)

1948-2002 (16)

72.6

1945-1997 (6)

57.1

Lituânia (1992-)

1992-2004 (4)

58.2

1993-2004 (4)

63.0

2002 (1)

26.0

2002 (1)

38.6

Mongólia (1992-)

1992-2004 (4)

87.2

1993-2001 (3)

86.6

Peru (1979-1992)

1980-1985 (2)

80.5

1980-1985 (2)

86.5

Polónia (1992-97)

1993-1997 (2)

50.0

1995 (1)

68.2

Mali (1992-)

Polónia (1997-)

2001 (1)

46.2

2000 (1)

61.1

Portugal (1976-82)

1976-1980 (3)

85.4

1976-1980 (2)

79.8

Portugal (1982-)

1983-2005 (8)

68.9

1986-2001 (5)

66.5

Roménia (1996-)

1996-2004 (3)

66.6

1996-2004 (3)

66.6

São Tomé e Príncipe (1990-) 1991-2002 (4)

65.0

1996-2001 (2)

74.0

Taiwan (1994-)

67.4

1996-2004 (3)

79.7

1996-2004 (4)

Fonte: adaptado pelo autor a partir de Gomez Fortes e Magalhães, 2005.

No quadro 5, apresentamos as taxas de participação em eleições legislativas e presidenciais em regimes democráticos com sistemas de governo semipresidenciais de 1945 a 2004. Para cada país, refere-se o lapso temporal considerado do regime semipresidencial, 94

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bem como a respectiva taxa de participação eleitoral média em consultas presidenciais e legislativas (entre parêntesis surge o número de eleições consideradas em cada caso/tipo de consulta). Note-se que Gomez Fortes e Magalhães (2005) usam a «definição constitucional» de semipresidencialismo apresentada por Elgie (1999, 2005) e retomada, embora como mero ponto de partida, por Siaroff (2003). Perante os dados originalmente apresentados pelos autores no quadro 5, optámos ainda por dividir os regimes finlandês, polaco e português de acordo com as respectivas transformações no sistema presidencial (em termos do poderes constitucionais e políticos do PR e seguindo a classificação de Siaroff, 2003; ver também quadro 3, p. 56). A partir das taxas médias de participação eleitoral em presidenciais e em legislativas (quadro 5), Gomez Fortes e Magalhães calcularam um rácio (taxas de participação na eleição do PR versus taxas de participação em eleições parlamentares) que apresentamos no quadro 6 (recorde-se que adaptámos as situações da Finlândia, Polónia e Portugal, tendo em conta a subdivisão em períodos temporais). Além disso, neste quadro mostramos também um índice aditivo dos poderes do PR em cada sistema. Foram considerados todos os poderes referidos por Siaroff (2003) menos a «eleição popular do PR» (PE) e a «existência de eleições presidenciais e legislativas simultâneas» (ES), que aliás não definem exactamente quaisquer poderes, mas sim mecanismos de legitimação e fortalecimento do poder presidencial (ver quadro 3). Ou seja, o índice de poderes presidenciais referido no quadro 6 varia entre um mínimo de 0 e um máximo de 7. Quanto ao rácio nas taxas médias de participação (presidenciais/legislativas), quando este apresenta valores inferiores a 1, isso significa que o nível de participação eleitoral é menor nas presidenciais do que nas legislativas; quando é superior a 1, as presidenciais são mais participadas do que as consultas para 95

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o Parlamento; quando é 1 (a situação da Roménia, ver quadro 6) os dois tipos de eleições têm exactamente as mesmas taxas de participação média. Quadro 6: Rácio das percentagens médias da participação eleitoral em eleições presidenciais e legislativas versus índice dos poderes do PR, em regimes democráticos semipresidenciais (1945-2004) Países

Participação presidenciais vs legislativas

Índice dos poderes presidenciais

Cabo Verde 0,75 5 Irlanda 0,79 2 Bulgária 0,84 2 Eslováquia 0,87 1 Croácia 0,88 3 Finlândia, 1945-56 0,89 4 Islândia 0,91 0 Portugal, 1976-1982 0,93 5 Portugal, 1982-presente 0,97 2 Finlândia, 1956-94 0,97 5 Áustria 0,98 0 Mongólia 0,99 3 Roménia 1,00 3 Eslovénia 1,04 0 Peru 1,07 6 Lituânia 1,08 3 França 1,11 6 São Tomé e Príncipe 1,14 7 Finlândia, 1994-2000 1,15 4 Taiwan 1,18 4 Polónia, 1997-presente 1,32 2 Polónia, 1992-1997 1,36 5 Mali 1,48 6 Correlação r de Pearson entre rácio na participação e poderes do PR = 0,369 Fonte: dados retirados ou elaborados a partir de Gomez Fortes e Magalhães, 2005.

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Podemos ver no quadro 6 que, embora haja desvios importantes, geralmente as nossas expectativas se confirmam: é, em regra, nos sistemas semipresidenciais em que o PR tem mais poderes que as eleições presidenciais são mais participadas do que as legislativas; pelo contrário, é nos semipresidencialismos em que o PR tem menos poderes que as legislativas são geralmente mais participadas do que as consultas para a eleição do Presidente. Aliás, o coeficiente de correlação r de Pearson (última coluna do quadro 6)26, r = 0,369, expressa o sentido da relação referida de uma forma sintética. Note-se que tal relação é de média intensidade. Mais, Gomez Fortes e Magalhães (2005) confirmaram ainda que tal relação permanece robusta, mesmo após a introdução de diferentes variáveis de controlo, que se considera poderem influir significativamente nas variações das taxas de participação eleitoral: primeiro, se o PR incumbente se recandidata ou não; segundo, o número de anos (ou dias) decorridos entre a última eleição legislativa e a eleição presidencial em causa; terceiro, os níveis de participação na eleição legislativa anterior; quarto, o facto de as eleições presidenciais e legislativas serem ou não simultâneas. Ou seja, mesmo mantendo todos estes quatro factores constantes, verificou-se que a relação referida entre os poderes do PR e o rácio das taxas de participação eleitoral se mantinha robusta. Quanto aos desvios, há a referir, nomeadamente, os seguintes casos: Cabo Verde, Finlândia, 1945-1956 e 1956-1994, Portugal, 1976-1982, com um diferencial mais desfavorável às eleições 26

O coeficiente de correlação r de Pearson mede o sentido e a intensidade da relação entre duas variáveis. A medida varia entre -1 e +1. Quanto mais próximo de 0, menor a intensidade da relação. Dito de outro modo, maior a possibilidade de não existir relação (linear) entre as variáveis. Quanto mais próximo de 1 for o valor do coeficiente, independentemente do seu sinal, maior a intensidade da relação. O sinal indica-nos apenas o sentido da relação: inversa, quando o sinal é negativo; directa, quando o sinal é positivo.

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presidenciais do que seria de prever, tendo em conta os poderes do PR; Áustria, Eslovénia, Roménia, Lituânia e Polónia (desde 1997), com um diferencial mais favorável às eleições presidenciais do que seria de prever, tendo em conta os poderes do PR. Não temos obviamente explicação para estes casos, que carecem de estudos detalhados, excepto no caso da Finlândia e da Áustria. No primeiro caso, o carácter indirecto das eleições até 1988 poderá, pelo menos, ajudar a explicar os desvios neste país. No caso da Áustria, a existência de voto obrigatório, até 1990, contribuiu com certeza para a forte semelhança nas taxas médias de participação eleitoral entre os dois tipos de consultas, apesar dos reduzidíssimos (nulos, de acordo com o índice de Siaroff ) poderes do PR (sobre estes dois casos, ver Freire e Magalhães, 2002, pp. 89-91 e 163-164). Estes resultados têm pelo menos duas implicações fundamentais, uma mais substantiva e outra mais metodológica. Primeiro, tais testes demonstram que, apesar de a esmagadora maioria dos eleitores dos diferentes países – com regimes semipresidenciais – não ter, muito provavelmente, uma ideia muito precisa sobre a caracterização do seu sistema de governo, tem com certeza uma ideia de algum modo nítida sobre qual o peso relativo do Presidente, do primeiro-ministro e do Parlamento no funcionamento do respectivo sistema político. E tais percepções têm consequências em termos dos seus comportamentos eleitorais. Em termos metodológicos, tais testes evidenciam que, apesar de todos os seus eventuais problemas, a classificação de Siaroff dos poderes presidenciais tem uma boa capacidade heurística. Mais, esta boa capacidade preditiva e explicativa do índice de poderes presidenciais revelou-se ainda noutros tipos de comportamento eleitoral, para além da participação (Gomez Fortes e Magalhães, 2005).

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O Poder Presidencial em Portugal

As eleições presidenciais e o sistema partidário nas eleições legislativas O método de determinação do vencedor nas eleições presidenciais portuguesas (sistema eleitoral em sentido restrito) é o sistema maioritário a duas voltas (Lopes e Freire, 2002). Ou seja, se na primeira volta não existir nenhum candidato que tenha obtido mais de metade dos votos validamente expressos, realizar-se-á uma segunda volta. A esta apenas concorrem os dois candidatos mais votados na primeira volta. Assim, se o sistema de governo semipresidencial pode ser considerado um elemento consensualista do sistema político português, pois limita o predomínio do poder do Governo, característico das democracias maioritárias (Lijphart, 1999, pp. 9-30), o sistema eleitoral para a eleição do PR introduz uma lógica claramente maioritária nos processos eleitorais. Por isso, e porque se trata da eleição de um único titular, só os grandes partidos políticos têm hipóteses de apresentar candidatos com fortes probabilidades de vencer. Mais, mesmo a força eleitoral dos grandes partidos é geralmente insuficiente para fazer eleger um PR, pois o sistema eleitoral proporcional das legislativas não actua no sentido da bipolarização e muito menos da bipartidarização. Assim, a união de forças de vários partidos para apoio aos candidatos presidenciais é quase uma exigência para as probabilidades de vitória destes. Por tudo isto, vários autores têm afirmado que é expectável que as eleições presidenciais induzam uma lógica de bipolarização nas legislativas (Duverger, 1986; Lijphart, 1994-1995, pp. 185-189). Horst Bahro é bastante taxativo sobre a influência bipolarizadora das presidenciais sobre as legislativas em Portugal (1996, pp. 798-800). Marina Lobo é mais cautelosa, apresentando as eleições presidenciais e a sua desmilitarização, em 1986, como apenas um dos factores capazes de explicar a bipolarização do sistema partidário, 1987-1995 (Lobo, 1996, pp. 1098-1099). 99

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Efectivamente, entre 1975 e 1985, a soma das percentagens de votos dos dois maiores partidos (PS e PSD) nunca foi superior a cerca de 63%; de 1987 até 2005, tal percentagem nunca foi inferior a 72% (Almeida e Freire, 2005). Portanto, a tese sobre a influência bipolarizadora das presidenciais sobre as legislativas parece ser bastante plausível. Mas o estabelecimento de um nexo causal entre as eleições presidenciais e a bipolarização dos sistemas partidários ao nível das legislativas só pode ser determinado através da pesquisa comparativa. Num estudo de 27 democracias, entre 1945 e 1990, Lijphart não encontrou grande base empírica para o esperado efeito bipolarizador das eleições presidenciais. Quando comparou os dois únicos sistemas presidenciais do seu estudo (EUA e Costa Rica) com os outros sistemas, Lijphart verificou que os primeiros estavam fortemente associados a um menor «número efectivo de partidos» nas eleições parlamentares (1994, pp. 85-86). Todavia, o reduzido número de casos presidencialistas levou o autor a incluir também os sistemas semipresidenciais (Áustria, Finlândia, França, Irlanda, Islândia e Portugal). Este novo teste revelou não existir qualquer relação entre as eleições presidenciais e o formato do sistema de partidos nas legislativas (Lijphart, 1994, p. 189). Contudo, também os resultados de Lijphart não são totalmente definitivos, pois não incluem grande parte dos sistemas com eleição popular do PR da América Latina e da Europa de Leste. Trabalhando com um universo mais exaustivo, Shugart e Carey (1992, pp. 206-258), testaram o impacto da eleição directa do PR sobre o formato dos sistemas partidários nas legislativas, e concluíram que o sistema presidencial pode gerar uma significativa redução do «número efectivo de partidos» em legislativas, mesmo realizadas de acordo com o sistema de representação proporcional, mas apenas quando as duas eleições são simultâneas e as 100

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O Poder Presidencial em Portugal

presidenciais são decididas por maioria relativa (Shugart e Carey, 1992, pp. 219-225). Aliás, nas eleições parlamentares e presidenciais, o sistema maioritário a duas voltas induz efectivamente uma lógica bipolarizadora, e, portanto, pode acarretar uma redução do «número efectivo de partidos». Todavia, é preciso não confundir isso com uma lógica bipartidarizante, a qual está geralmente associada aos sistemas de maioria relativa, como o britânico. Por exemplo, nas legislativas francesas, que se regem pelo sistema maioritário a duas voltas, o sistema continua a ser multipartidário, mas os partidos pertencentes a cada um dos blocos (esquerda e direita) têm geralmente de se aliar (lógica bipolarizadora) para poderem vencer as eleições. Nas legislativas portuguesas, mais do que uma tendência bipolar, aquilo a que se tem assistido é a uma certa tendência bipartidarizante: concentração do voto popular nos dois maiores partidos. É verdade que, em cada bloco ideológico, há um pólo (PS ou PSD) que concentra uma muito maior parte dos votos. Todavia, os partidos não tendem a agrupar-se em blocos, pois o sistema proporcional não os constrange a fazerem-no, para além das dificuldades óbvias para a constituição de tais alianças na ala esquerda do espectro ideológico, resultantes das distâncias ideológicas entre PS, PCP e BE (Freire, 2005). Portanto, a pesquisa comparativa sobre os efeitos das eleições presidenciais sobre o formato dos sistemas partidários nas eleições legislativas leva-nos a ter de considerar que os factores explicativos da concentração do voto nos dois maiores partidos portugueses extravasam as eleições presidenciais e a sua lógica bipolarizadora. Mais, num estudo recente sobre o caso português, o autor subalterniza claramente os factores de tipo institucional (efeitos do sistema eleitoral para as legislativas; efeitos das eleições presidenciais sobre as eleições parlamentares) para explicar as mudanças no formato e dinâmica do sistema partidário português, 1975-2005, em 101

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prol de factores explicativos de índole social, político e ideológico (Freire, 2005). A finalizar, registe-se ainda que as eleições europeias e legislativas de 2009 inauguraram uma «nova era» na democracia portuguesa com bastante maior fragmentação no sistema partidário português (Freire, 2010a e 2010b). Por exemplo, quer nas europeias (58,2%) quer nas legislativas (65,7%), a soma conjunta de votos do PS e do PSD foi a menor desde 1987, tendo ficado mesmo abaixo de alguns valores registados entre 1975 e 1985. Mais, apesar de o PS ter renovado a sua maioria, esta passou não só de absoluta a relativa (em termos de lugares no Parlamento), mas também foi a maioria mais curta do partido vencedor desde 1987: 36,6% dos votos – a segunda mais curta tinha sido em 2002, do PSD com 40,2%. Ou seja, as mudanças operadas em 2009 (que, no entanto, não sabemos se vieram para ficar ou se são meramente episódicas) retiraram, até, alguma oportunidade, relevo e pertinência à tese sobre o efeito bipolarizador/bipartidarizante das eleições presidenciais sobre as eleições legislativas.

As maiorias presidenciais e parlamentares Os efeitos das eleições presidenciais sobre as legislativas não se restringem ao formato do sistema partidário (ver quadro 7). Outra influência relevante diz respeito à «presidencialização dos partidos políticos», que Manuel Braga da Cruz considera visível em cinco dimensões (Cruz, 1994, pp. 263-264). Destas, destacamos a personalização e desideologização da política, por estar directamente relacionada com a matéria eleitoral que aqui nos ocupa, bem como aquela que diz respeito a uma «certa tendência para o equilíbrio de poderes com o prolongamento de situações em que os presidentes funcionam como contrapeso às maiorias parlamentares de apoio ao governo, por terem na sua base maiorias distintas ou mesmo adversas». 102

103 0,164

Votos nos partidos que apoiaram 2.º candidato (PR) mais votado (milhões)

51,3

25,4

1,195

20,8

2,270

39,5

1,711

29,8

1985 vs 1.a 86

1,443

2,270

39,5

3,125

54,4

1,711

29,8

1985 vs 2.a 86

2,864

48,7

3,015

46,3 2,628

1986 (2.a)

1986 (1.a)

3,103

54,4

2,230

39,4

2,851

50,2

1987

55,8

53,8 3,038

70,4

3,460

0,248

4,4

4,521

79,7

2,861

50,4

1991

1,990

34,0

3,071

52,4

2,567

43,8

1995

46,2 2,606

14,1 0,692

1,733

32,3

2,359

44,0

2,359

44,0

1999

1,493

34,5

2,411

2001

1996

1991

Fontes: dados elaborados a partir do STAPE, www.stape.pt; Comissão Nacional de Eleições (2005 e 2009), www.cne.pt.

2,788

47,1

3,1

(milhões de votos)

2,841

Votos nos partidos que apoiaram 2.º candidato (PR) mais votado (%)

(2,744)

Maioria parlamentar

2,659

1,886

(% de votos)

47,1

4,108

(50,9)

Maioria parlamentar

1980

44,9

35,0

Assembleia da República

2,319

40,2

3,258

56,5

1980

76,2

1976

2.º Candidato mais votado (votos/milhões)

Votos nos partidos que apoiaram candidato (PR) mais votado (%) Votos nos partidos que apoiaram candidato (PR) mais votado (milhões)

16,5 0,796

2.o Candidato mais votado (%)

61,5 2,967

Candidato mais votado (votos/milhões)

1976

Candidato mais votado (%)

Presidência da República

Quadro 7: Maiorias presidenciais e parlamentares em Portugal, 1975-2009

2,182

40,2

2,056

37,8

0,0

0,0

2,246

39,54

2,077

36,6

2009

(continua)

1,653

28,8

2,588

45,0

2,588

45,0

48,9 2,657

2005

2002

1,138

20,7

2,773

50,7

2006

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O Poder Presidencial em Portugal

Quadro 7: Maiorias presidenciais e parlamentares em Portugal, 1975-2009

Notas: 1) Maiorias parlamentares de apoio ao Governo: 1976-1978, PS; 1978-1979, PS e CDS; 1979-1980 e 1980-1983, AD (PSD, CDS, PPM); 1983-1985, PS e PSD; 1985-1987, 1987-1991 e 1991-1995, PSD; 1995-1999, PS; 1999-2003, PS. Em 1976, os partidos políticos que apoiaram o candidato mais votado (Ramalho Eanes) foram: PS, PPD/PSD, CDS, MRPP, AOC e PCP-ML; os partidos políticos que apoiaram o segundo candidato mais votado (Otelo S. Carvalho) foram: UDP, MES e FSP; 2002-2005, PSD e CDS-PP; 2005-2009, PS; desde 2009, PS. 2 Em 1980, os partidos políticos que apoiaram o candidato mais votado (Ramalho Eanes) foram: PS (FRS) e PCP (APU); os partidos políticos que apoiaram o segundo candidato mais votado (Soares Carneiro) foram: PSD, CDS e PPM (AD). 3) Em 1986 (1.ª volta), os partidos políticos que apoiaram o candidato mais votado (Freitas do Amaral) foram: PSD e CDS; o partido político que apoiou o segundo candidato mais votado (Mário Soares) foi: PS. Em 1986 (2.ª volta), os partidos políticos que apoiaram o candidato mais votado (Mário Soares) foram: PS, PCP (APU) e PRD; os partidos políticos que apoiaram o segundo candidato mais votado (Freitas do Amaral) foram: PSD e CDS. 4) Em 1991, os partidos políticos que apoiaram o candidato mais votado (Mário Soares) foram: PS e PSD; o partido político que apoiou o segundo candidato mais votado (Basílio Horta) foi: CDS. 5) Em 1996, os partidos políticos que apoiaram o candidato mais votado (Jorge Sampaio): PS e PCP (CDU); o partido político que apoiou o segundo candidato mais votado (Cavaco Silva) foi: PSD. 6) Em 2001, o partido político que apoiou o candidato mais votado (Jorge Sampaio): PS; o partido político que apoiou o segundo candidato mais votado (Ferreira do Amaral) foi: PSD. 7) Em 2006, o segundo candidato mais votado (Manuel Alegre), embora oriundo das fileiras do PS, não foi apoiado por nenhum partido e concorreu mesmo contra o candidato oficialmente apoiado pelo PS (Mário Soares); Cavaco Silva, o candidato vencedor foi apoiado oficialmente pelo PSD e pelo CDS-PP; o BE, com Francisco Louçã, o PCP, com Jerónimo de Sousa, e o PCPTP-MRPP, com Garcia Pereira, foram outros dos candidatos com apoio partidário claro e dimensão relevante. 8) No caso das eleições parlamentares de 2009, a relação com os candidatos presidenciais reporta-se às presidenciais de 2006 (até porque há data da finalização do presente artigo, Primavera de 2010, as presidenciais de 2011 ainda não tinham tido lugar).

(continuação)

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O Poder Presidencial em Democracia

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Esta última situação foi, porém, interrompida com as eleições de Jorge Sampaio, em 1996 e 2001, um PR que exerceu o seu primeiro mandato (1996-2001) e parte do segundo (2001-2002 e 2005-2006) com uma maioria parlamentar parcialmente idêntica (1995-2002 e 2005-2006). Ou seja, numa situação de (relativa) confluência entre a maioria presidencial e parlamentar. Com a demissão do primeiro-ministro, António Guterres, na sequência de uma derrota (significativa mas não estrondosa) do seu partido (PS) nas eleições autárquicas de 2001, realizaram-se novas eleições em 2002 (Lobo e Magalhães, 2002). Estas deram uma maioria relativa ao PSD; formou-se depois um governo de coligação entre o PSD e o CDS-PP que governou até Fevereiro de 2005. Portanto, nos dois mandatos de Jorge Sampaio, a coabitação, que pode ser traduzida na «existência de um equilíbrio de poderes com o prolongamento de situações em que os presidentes funcionam como contrapeso às maiorias parlamentares de apoio ao Governo, por terem na sua base maiorias distintas ou mesmo adversas», durou apenas entre Março de 2002 e Fevereiro de 2005. As eleições antecipadas de 2005, com a vitória do PS com maioria absoluta, deram lugar a uma nova situação de (relativa) confluência entre as maiorias presidencial e parlamentar. Portanto, o último mandato de Jorge Sampaio fica marcado, quer por situações de confluência de maiorias políticas, quer por situações de coabitação. De qualquer modo, os mandatos de Sampaio vieram interromper o padrão dominante de coabitação que vigorou nos mandatos de Mário Soares – este Presidente, de extracção socialista, coabitou praticamente sempre com maiorias relativas, 1985-1987, e absolutas, 1987-1991 e 1991-1995, do maior partido de centro-direita, o PSD. Mas mesmo nos mandatos presidenciais de Soares (sobretudo no primeiro), resta saber se a balança do poder no sistema político foi mais no sentido do equilíbrio (devido ao contrapeso presidencial) 105

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ou se, pelo contrário, devido ao apoio de maiorias absolutas monopartidárias, coesas e disciplinadas, o locus do poder, no sistema político, não se transferiu mais para o lado do primeiro-ministro, como alguns defenderam (Moreira, 1989; ver também Sá, 1994, e Lobo, 2003). Provavelmente, no primeiro mandato de Soares (1986-1991) a balança do poder pendeu mais para o lado do primeiro-ministro. No segundo mandato (1991-1996), pelo contrário, com o crescente papel do PR, quer em termos de veto político e pedidos de fiscalização da constitucionalidade dos diplomas legais (conforme veremos à frente) quer em termos de outro tipo de intervenções – presidências abertas, comunicações ao país, participação no Congresso «Portugal, que futuro?» –, a balança do poder no sistema político terá efectivamente ficado mais equilibrada (com o reforço do contrapeso presidencial à maioria parlamentar). Pela primeira vez na história democrática portuguesa, em 22 de Janeiro de 2006 o candidato apoiado pelos partidos políticos de direita (CDS-PP) e de centro-direita (PSD), bem como por numerosas forças sociais também muito próximas da direita política (de que ressaltam vários grandes empresários, nomeadamente, aqueles que estão e/ou estiveram associados ao think tank de direita «Compromisso Portugal»), venceu as eleições presidenciais (Freire, 2006). No passado, as forças políticas de direita já tinham apoiado candidatos que vieram a ganhar as eleições presidenciais – Eanes, em 1976, foi apoiado pelas seguintes forças: MRPP, AOC, PCP-ML, PS, PSD e CDS; Soares, em 1991, teve o apoio oficial do PS e do PSD –, mas fizeram-no incluídas em coligações eleitorais que abrangiam também partidos de esquerda. A novidade, portanto, está no facto de ser, em primeiro lugar, um candidato extraído das fileiras da direita (tinha sido primeiro-ministro entre 1985 e 1995 e líder do PSD num período um pouco mais dilatado) e, em segundo lugar, por, partidariamente falando, ser um competidor 106

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O Poder Presidencial em Portugal

exclusivamente apoiado por forças situadas à direita do PS. Portanto, pela primeira vez na história democrática portuguesa, com a eleição presidencial de 2006, consumou-se a alternância na Presidência da República. Cavaco Silva tem exercido o seu mandato (2006-2011), ora coabitando com uma maioria absoluta do PS (2005-2009), ora coabitando com uma maioria relativa deste mesmo partido (2009-2011). Como veremos abaixo, tem exercitado com clareza, assertividade e eficácia os seus poderes, embora só tenha utilizado o veto político face a diplomas da Assembleia da República. Por um lado, é interessante notar que as divergências políticas de Cavaco face à maioria parlamentar (expressas através dos vetos) foram apenas nas arenas socioculturais e morais (estilos de vida, «novos temas»: paridade, divórcio, uniões de facto) e nas questões institucionais (Estatuto Político-Administrativo dos Açores, etc.), deixando de fora os temas socioeconómicos (que estão no âmago da divisão entre esquerda e direita)27. Tal pode ser explicável por, primeiro, uma significativa inflexão do PS para o centro do centro (Freire, 2010a e 2010b) e, segundo, por um certo centrismo ideológico do Presidente Cavaco em questões socioeconómicas. Por outro lado, é interessante notar que mesmo coabitando com um governo de maioria absoluta (2005-2009) Cavaco teve várias intervenções que fizeram inflectir as orientações do Governo e da maioria parlamentar num sentido mais convergente com as suas preferências – por exemplo, com os vetos: obrigando à modificação das versões originais da legislação sobre 27

Exceptua-se talvez o último veto de Cavaco no período entre Setembro de 2009 e final de Agosto de 2010. Trata-se do veto 23/12/2009 ao «Decreto da A.R. n.o 1/XI – Revoga o artigo 148.o da Lei n.o 53-A/2006, de 29 de Dezembro», «Orçamento do Estado para 2007», que cria as taxas moderadoras para o acesso ao internamento e ao acto cirúrgico em ambulatório, e revoga o artigo 160.o da Lei n.o 64-A/2008, de 31 de Dezembro, «Orçamento do Estado para 2009», que altera o valor da taxa moderadora para o acesso ao acto cirúrgico em ambulatório.

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estilos de vida ou questões socioculturais; ou ainda com as suas intervenções públicas: as suas posições sobre o novo aeroporto de Lisboa terão pesado na mudança de localização operada pelo Governo, da Ota para Alcochete; etc. Curiosamente foi na coabitação com a maioria relativa do PS que Cavaco se mostrou menos interventivo, até mesmo nas questões socioculturais (não vetou o diploma sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Maio de 2010). Alguns comentadores têm interpretado esta maior contenção como um indicador de que Cavaco Silva estaria já a pensar na sua recandidatura às eleições presidenciais de 2011, o que, diga-se de passagem, é uma interpretação bastante plausível. Voltaremos a estes pontos. Quadro 8: Vetos políticos e pedidos de fiscalização da constitucionalidade nos mandatos presidenciais de Mário Soares (1986-1996), Jorge Sampaio (1996-2006) e Cavaco Silva (2006-2010) Mandatos

Pedidos de fiscalização preventiva da constitucionalidade

Pedidos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade

Vetos políticos

L

DL

T1

L

DL

T2

L

DL

T3

Total: T1+T2+T3

Soares I: 1986-91

12 (8)

5 (5)

17 (13)

0

0

0

5

2

7

24

Soares II: 1991-96

14 (11)

9 (3)

23 (14)

2 (2)

1*

3

7

23

30

56

Sampaio I: 1996-2001

3 (2)

4 (1)

7 (3)

0

0

0

4

8

12

19

Sampaio II: 2001-2006

7 (7)

0

7 (7)

1 (1)

0

1 (1)

8

55

63

71

Cavaco: 2006-2009

10 (6)

0

10 (6)

2

0

2

13

0

13

25

Fonte: Serviços da Presidência da República. Notas: L – Diplomas da Assembleia da República; DL – Diplomas do Governo; T – Total; * «O Tribunal Constitucional não tomou conhecimento do pedido.» (x) – total de diplomas considerados inconstitucionais pelo TC. No caso de Cavaco Silva, o exercício dos poderes presidenciais reporta-se apenas ao período desde a sua tomada de posse (9/3/2006) até ao final de Agosto de 2009.

108

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Passemos agora a uma análise mais estatística do exercício dos poderes legislativos do presidente (vetos e pedidos de fiscalização da constitucionalidade das leis), embora sem descurar também alguns aspectos de natureza mais qualitativa. Para começar, recordemos, porém, que a última classificação apresentada do regime português após 1982, empreendida por Siaroff e apresentada na quadro 3, parece-nos mais adequada do que a de Elgie que, como referimos, considera o PR português como meramente cerimonial. Porém, note-se que os poderes do presidente português estão no limite inferior do intervalo para este conjunto de países, ou seja, segundo Siaroff, situam o regime português (após 1982) entre os mais fracos daqueles que têm «sistemas parlamentares com correctivo presidencial». Atente-se, porém, que, tendo em conta que a classificação de Siaroff considera não só os poderes constitucionais mas também a prática política, tal situação pode evoluir de acordo com a utilização dos poderes que os diferentes PR façam. Note-se, ainda, que tal posicionamento do regime português foi produzida antes de o Presidente Jorge Sampaio ter usado a «bomba atómica» – a dissolução do parlamento –, no final de 2004, ainda que tal não deva alterar a classificação, pois os mandatos deste presidente ficam marcados por uma baixa litigância constitucional – uso do veto político e pedidos de fiscalização da constitucionalidade dos diplomas legais –, nomeadamente, perante o ex-presidente Mário Soares (Freire e Pinto, 2005; quadro 8; Lobo e Neto, 2009). Sublinhe-se ainda que Soares passou a maior parte dos seus dois mandatos (1986-1991 e 1991-1996) em regime de coabitação com maiorias parlamentares e governos – sempre do PSD, a governar em minoria (1985-1987), e a governar com maioria absoluta (1987-1995) – de sinal ideológico e político contrário ao das maiorias que o elegeram, sobretudo no primeiro mandato, já que na sua 109

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segunda eleição (1991) o PSD desistiu de apresentar um candidato próprio e apoiou a recandidatura do próprio Soares. O mesmo se tem passado com Cavaco Silva. Até agora o seu exercício presidencial tem sido em coabitação com uma maioria socialista no parlamento e no Governo: primeiro absoluta (2006-2009) e actualmente relativa (2009-2011). Sampaio foi o Presidente civil que, até agora, experienciou um mandato mais variado deste ponto de vista: confluência com uma maioria socialista, inicialmente quase absoluta (1996-2002) e depois propriamente absoluta (2005-2006); e coabitação com uma maioria absoluta de direita (PSD e CDS/PP em coligação, 2002-2005). Comparado com os seus sucessores, Soares foi um presidente especialmente interventivo em matéria de pedidos de fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis e decretos-lei, sobretudo no seu segundo mandato, mas também no primeiro 28 . Neste domínio, Jorge Sampaio foi o Presidente menos activo, quer no primeiro quer no segundo mandato. Cavaco situou-se a meio caminho entre os outros dois, embora bastante mais próximo de Sampaio do que de Soares. É óbvio que o tipo de mandato e relação com a maioria parlamentar apenas parcialmente podem explicar as diferenças do exercício presidencial de cada um destes três presidentes. Entre parêntesis, esclareça-se porque é que o tipo de mandato e a coincidência, ou descoincidência, entre maioria presidencial e parlamentar poderão ser relevantes para explicar a actuação dos presidentes. No primeiro caso, porque, em princípio, quando o Presidente já não tem que pensar na sua reeleição, e portanto em alargar a sua base de apoio, fica «mais livre» para exercer os seus poderes de contrapeso face à maioria parlamentar. 28

Os pedidos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade das leis são um instrumento muito pouco usado por qualquer dos Presidentes, cujo exercício está em análise, e as diferenças entre eles são também mínimas.

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Em segundo lugar, independentemente do tipo de mandato, é expectável que, quando as maiorias presidenciais e parlamentares não forem coincidentes (politica e ideologicamente), haja um maior contrapeso do PR face à maioria parlamentar. Voltando aos exemplos atrás, verifica-se que há um aumento dos pedidos de fiscalização preventiva e sucessiva do primeiro para o segundo mandato, quer no caso de Soares (17 para 26), quer no caso de Sampaio (de 7 para 8). Cavaco, ainda no seu primeiro mandato, tem 12. Por um lado, a situação de coabitação também não é suficiente para explicar as diferenças entre Soares II (23), Sampaio II (7) e Cavaco (12): qualquer destes exercícios é feito, na maior parte ou na totalidade do período, numa situação desse tipo. Por outro lado, esta situação combinada com o tipo de mandato, também será insuficiente para explicar as diferenças entre Cavaco – mais pedidos, sempre em coabitação e num primeiro mandato (12) – e Sampaio II (7) – menos pedidos, quase sempre em coabitação e num segundo mandato. Finalmente, as diferenças entre Soares I (17) e Cavaco (12) – ambos sempre em coabitação e nos respectivos primeiros mandatos – também não são explicáveis por aqueles dois factores, já que ambos os factores permanecem constantes para cada um dos dois mandatos destes dois Presidentes. Resta, portanto, a análise do contributo da conjuntura política específica e do perfil pessoal e, sobretudo, político do titular do cargo para explicar tais diferenças: um estudo que extravasa o âmbito introdutório deste texto. Pelo contrário, em termos do uso do veto político, e tendo em conta apenas o exercício do primeiro mandato de cada um dos três Presidentes, pode constatar-se facilmente no quadro 8 que, quer Sampaio I (12) quer Cavaco (13) se revelam presidentes mais interventivos do que Soares I (7), embora com Cavaco na liderança sobre Sampaio I. Acresce que esta contabilização se 111

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reporta ao final de Agosto de 2010 e, portanto, a situação de Cavaco poderá ainda alterar-se um pouco. Nestes casos, a situação de coabitação com uma maioria parlamentar/governativa de extracção contrária, entre Soares I vs PSD e Cavaco vs PS (coabitação), o primeiro com muito menos vetos que o segundo, ou a situação de confluência, de Sampaio I – em confluência, mas com praticamente o mesmo número de vetos de Cavaco –, pouco ajudam a explicar as diferenças e semelhanças. O mesmo se poderá dizer das diferenças entre Sampaio II (63), muito mais interventivo, e Soares II (30), bastante menos interventivo, pois ambos experienciavam (predominantemente) uma situação de coabitação nos seus segundos mandatos. Cavaco ainda vai no seu primeiro mandato e, portanto, a situação não é comparável neste domínio. De qualquer modo, o que se pode já dizer é que este último Presidente se distingue quer de Soares (I e II), quer de Sampaio (I e II) por um muito maior uso do veto político em relação aos diplomas da Assembleia da República (L) do que os seus antecessores; o reverso é verdadeiro para os diplomas oriundos do Governo – Cavaco nunca vetou nenhum, enquanto os seus antecessores concentraram os seus vetos, sobretudo, neste tipo de diplomas, excepto Soares I. Globalmente, tendo em conta os pedidos de fiscalização da constitucionalidade e os vetos, há sempre um acréscimo significativo de intervenção do primeiro para o segundo mandato, sobretudo visível no caso de Jorge Sampaio: de Soares I para II, de 24 para 56 actos; de Sampaio I para II, de 19 para 71 actos. A situação de Cavaco não é comparável neste domínio, mas para um primeiro mandato, com um total de 25 actos, este revela-se bastante mais interventivo do que Sampaio I (19) e também ligeiramente acima do nível de intervenção de Soares I (24), e com alguma probabilidade de vir a subir ainda mais face a este. 112

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Sobre o mandato de Cavaco Silva na Presidência da República, este que foi o primeiro PR eleito fundamentalmente com os apoios dos partidos de direita e centro-direita (a sua área política) e os votos dos respectivos eleitorados, cabe ainda deixar algumas notas adicionais ilustrativas. Primeiro, porque se tratou do primeiro PR eleito pela direita e que coabitou com um governo de centro-esquerda – com maioria absoluta monopartidária primeiro, 2005-2009, e com maioria relativa depois, de 2009 à presente data – em todo o seu (primeiro) mandato, 2006-2011. Segundo, porque a forma como Cavaco exercitou os seus poderes presidenciais ilustra bem o poder dos presidentes no sistema de governo português, mesmo após a reforma constitucional de 1982 e depois do reforço do poder dos primeiros-ministros no sistema político. Lobo e Neto (2009) defendem que o poder dos presidentes passa fundamentalmente por três instâncias – além do poder de dissolução do parlamento: quarta instância. Os poderes legislativos – veto político; requerimento da fiscalização da constitucionalidade das leis – que, mesmo podendo ser ultrapassados por uma maioria absoluta – excepto as leis orgânicas ou as alterações constitucionais: só maioria de dois terços –, permitem ao PR fazer o Governo e a maioria parlamentar inflectir as suas orientações legislativas num sentido mais próximo das preferências ideológicas do Presidente. Neste domínio, por um lado, cabe notar que Cavaco só vetou diplomas da Assembleia da República (AR), não do Governo, o que indicia que terá conseguido influenciar a seu contento muita da produção legislativa do Governo e, quando assim não foi, este última terá feito passar essa legislação para o parlamento (via projecto lei da maioria parlamentar) que depois seria vetada (ou fiscalizada na sua legalidade constitucional). Por outro lado, é interessante notar que Cavaco praticamente só vetou diplomas da esfera sociocultural e dos estilos de vida ou «novos temas» – lei da 113

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paridade, regime do divórcio, uniões de facto, etc. – bem como algumas questões de âmbito mais institucional – Estatuto Político-administrativo dos Açores; responsabilidade extra-contratual do Estado; estatuto dos jornalistas; lei sobre a concentração da propriedade dos mass media; financiamento dos partidos, a lei eleitoral da AR, etc. Ou seja, foi sobretudo em questões da «nova política» (questões morais e de estilos de vida) e questões institucionais que o PR (de centro-direita) divergiu da maioria parlamentar (de centro-esquerda). Pelo contrário, pelo menos tanto quanto é possível inferir do exercício dos poderes de veto, não terá divergido muito da maioria das orientações da maioria parlamentar (do PS) em questões socioeconómicas (o âmago da divisão esquerda-direita). Nas questões socioculturais, os seus vetos tiverem efectivamente o condão de fazer inflectir as orientações legislativas num sentido algo mais convergente (embora não totalmente) com as preferências ideológicas do PR – foi assim na lei da paridade29, no divórcio e nas uniões de facto30. Foi precisamente porque o PR divergiu sempre da maioria parlamentar de forma assertiva e clara nas questões socioculturais, pelo menos até final de 2009, que foi especialmente notada a ausência de um veto ao diploma que legaliza o 29

Neste caso, a sanção inicial que o projecto do PS (com apoio do BE) previa, para quem não cumprisse a lei da paridade, era a exclusão da lista da competição. No seu veto, o PR considerou esta sanção excessiva. Na nova versão da lei, pós-veto, a sanção prevista para quem não cumprisse a lei da paridade passou a ser de ordem pecuniária (via penalização no financiamento estatal aos partidos/listas de candidatos). 30 Por exemplo, aquando da recente promulgação do diploma das uniões de facto (16/8/2010) – originalmente vetada em 23/8/2009 (sobre este veto original, ver Diário de Notícias, 25/8/2009) –, embora o PR continue a marcar as suas diferenças face à maioria parlamentar que aprovou a lei (toda a esquerda: PS, BE, PCP e Verdes) faz notar que na base da sua promulgação estão as alterações entretanto introduzidas à versão original do projecto lei (ver http://www.presidencia.pt/ /?idc=10&idi=45724).

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casamento entre pessoas do mesmo sexo (17/5/2010)31. E a popularidade de Cavaco ressentiu-se conjunturalmente com isso (Jornal de Negócios, 16/8/2010). Na visão de Lobo e Neto (2009) os outros dois grandes instrumentos de influência do PR sobre a política nacional (deixando de lado a chamada «bomba atómica», isto é, a dissolução do parlamento) são as nomeações ministeriais, arena onde a influência de Cavaco não terá sido especialmente visível, e a capacidade de marcar a agenda política. Em relação a este último ponto, Soares fê-lo sobretudo através das suas «presidências abertas». Quer Sampaio, quer Cavaco continuaram a lógica deste tipo de intervenções, mas abandonaram a designação, substituindo-a (Cavaco: «roteiros») ou não (Sampaio) por outra. Trata-se de iniciativas de contacto do PR com a sociedade, as suas instituições e organizações, muitas vezes por várias dias seguidos, e saindo de Lisboa em direcção a várias localidades do país e mesmo do estrangeiro (contactos com comunidades de emigrantes). Cavaco usou efectivamente esses «roteiros» para marcar a agenda política, mas usou também vários outros meios – comunicações ao país, nomeadamente, quando divergiu da maioria parlamentar em torno do Estatuto Político-adminstrativo dos Açores, duas vezes vetado, e dando o PR uma enorme gravidade a esta divergência com o 31

Por exemplo, em 19/5/2010, o jornal Público noticiava esta ausência de veto: «Casamento gay: Cavaco Silva aprovou contrariado diploma na segunda-feira.» E, apesar das razões alegadas pelo PR – Cavaco dizia discordar do diploma, mas dizia também que não vetava porque «face à grave crise que o País atravessa e aos complexos desafios que tem à sua frente, importa promover a união dos Portugueses e não dividi-los, adoptar uma estratégia de compromisso e não de ruptura» –, dava conta que vários analistas ouvidos pelo jornal apontavam este não veto (a contrario do que sempre tinha feito nestes domínios) como o provável tiro de partida para a sua recandidatura às eleições presidenciais de 2011. Uma interpretação pertinente, sem dúvida. (Sobre as declarações do PR a este respeito, ver http://www.presidencia.pt/?idc=22&idi=41152).

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Parlamento; comunicações à AR; intervenções públicas de vários tipos através dos mass media. Quanto às intervenções públicas da Presidência de Cavaco através dos mass media, avultam sobretudo um conjunto de episódios que marcaram a sua influência sobre as opções do Governo, e um conjunto de outros episódios que marcaram negativamente a sua avaliação pelos portugueses e os seus níveis de popularidade. No primeiro caso, avultam sobretudo as suas intervenções sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa. Originalmente planeado pelo Governo para a Ota, a Norte de Lisboa, o futuro aeroporto viria mudar a sua localização para Alcochete, a Sul de Lisboa. E para tal inflexão nas orientações do Governo, as intervenções do PR terão tido um papel não despiciendo32. O outro episódio que, pelo contrário, marcou negativamente as intervenções públicas da Presidência de Cavaco, através dos mass media, foi o chamado «caso das escutas» – alegadamente feitas de São Bento, sede do Governo, a Belém, sede da Presidência da República. No Verão de 2009, em 18 e 19 Agosto de 2009, citando uma fonte da Casa Civil do PR, uma notícia do Público dava conta de suspeitas de escutas a Belém patrocinadas por São Bento. Um mês depois, em 18 de Setembro, o Diário de Notícias divulgava um e-mail entre um jornalista do Público e a tal fonte da Casa Civil do PR, Fernando Lima (um homem da confiança de Cavaco desde os tempos de primeiro-ministro), evidenciando que a Casa Civil andava a lançar tais suspeitas nos jornais, designadamente pedindo a jornalistas para investigar a eventual «espionagem» (Diário de Notícias, 22/9/2009 e 30/9/2009; Visão, 24/9/2009). Apesar de, quando surgiram as primeiras notícias sobre o assunto (em Agosto 32

Veja-se a este propósito «Governo encomenda novo estudo sobre aeroporto na Ota.» (Público, 8/2/2007), http://www.publico.clix.pt/Economia/governo-encomenda-novo-estudo-sobre-aeroporto-na-ota_1285067 .

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de 2009), ninguém da Presidência ter desmentido as suspeitas. A meio da campanha eleitoral para as legislativas de 2009, com o avolumar das críticas e a divulgação do e-mail pelo Diário de Notícias, Cavaco viu-se obrigado a demitir Fernando Lima. Mas ficou sempre a dúvida sobre se a actuação deste teria tido ou não o beneplácito presidencial. E a popularidade de Cavaco ressentiu-se enormemente com isso (Expresso, 7/11/2009; Jornal de Negócios, 16/8/2010), tal como no caso já relatado da ausência de veto ao casamento gay. Com este conjunto de episódios sobre as «escutas», ficou a pairar a dúvida sobre se o PR, tradicionalmente moderador e árbitro do funcionamento do sistema político, não estaria também a tentar influenciar o jogo político. Foi isso que beliscou a popularidade do PR.

As eleições presidenciais e a personalização da política Falámos atrás sobre o impacto bipolarizador da dinâmica das eleições presidenciais sobre o formato do sistema partidário em eleições legislativas. Porém, como também já referimos, os efeitos das eleições presidenciais sobre as legislativas não se restringem ao formato do sistema partidário. Entre essas outras influências, avulta a personalização e desideologização da política (Cruz, 1994, pp. 263-264). A personalização da política poderá estar efectivamente relacionada com o impacto das eleições presidenciais sobre a vida política, mas outros fenómenos, como a crescente influência dos mass media, especialmente a TV, o tipo de campanhas eleitorais, a diminuição do impacto das clivagens sociais no comportamento dos eleitores e a redução das diferenças programáticas entre os partidos, serão também outros importantes factores a considerar (Pasquino, 2001). Nesta matéria as eleições presidenciais funcionarão sobretudo como um terreno especialmente fértil para esta personalização, 117

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nomeadamente, quando não é exigido que os candidatos sejam de extracção partidária. Ou seja, de per se, a forte mediatização das sociedades modernas associada ao declínio da política das clivagens (Freire, 2001b) e a uma certa desideologização (embora não linear) dos partidos políticos, já favorece a ascensão política de indivíduos exteriores aos partidos, ou que os criam de raiz para servir os seus propósitos: veja-se o caso de Silvio Berlusconi em Itália. Mas a eleição presidencial ainda poderá potenciar mais tal fenómeno, tal como demonstram os casos de Ross Perot, nos EUA, Fernando Collor de Mello, no Brasil, e Alberto Fujimori e Mário Vargas Llosa, no Peru (Sartori, 1994, pp. 151-152). Num estudo comparativo sobre a «presidencialização da política» (Poguntke e Webb, 2005; para o caso português, ver Lobo, 2005) foi encontrada alguma evidência desta tendência nas democracias modernas. Porém, não só os fenómenos através dos quais ela se traduz (crescente proeminência dos líderes no seio dos partidos, nomeadamente, através e como resultado de eleições directas dos mesmos e dos candidatos na representação política ao nível parlamentar; crescente proeminência do primeiro-ministro na liderança do Governo, em particular, e na pilotagem do sistema político, em geral; crescente importância da avaliação dos candidatos nas escolhas eleitorais dos cidadãos), como sobretudo as suas causas (algumas delas já referidas acima), extravasam muito claramente o efeito das eleições presidenciais sobre a vida política. Até porque o fenómeno da «presidencialização da política» é, de acordo com as teses defendidas por Poguntke e Webb, 2005, fundamentalmente, uma tendência nas democracias modernas que se concretiza numa certa aproximação dos sistemas parlamentares face a algumas características dos sistemas presidenciais. Para finalizar o tema da personalização da política e a capitalização com o descontentamento perante os partidos, associados às 118

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eleições presidenciais, vale a pena recordar o que se passou nas eleições presidenciais de 2006. Cavaco Silva capitalizou com um certo descontentamento face aos partidos políticos e à classe política, ao apresentar-se – e fazendo passar essa ideia ao longo da campanha – como um «político não profissional» (Luís, 2005; Freire, 2006 e 2009; Magalhães, 2007). Logo na cerimónia de apresentação pública da sua candidatura, este candidato apresentou-se como um «político não profissional». É certo que, pelo menos desde 1996, quando foi derrotado nas eleições presidenciais desse ano, Cavaco abandonou a vida partidária. Porém, soou algo incongruente com a realidade: tinha estado à frente do Governo de Portugal durante dez anos (1985-1995), e só não permaneceu na vida política activa entre 1996 e 2006, porque perdeu as eleições presidenciais de 1996. Além de que, paradoxalmente, esse mesmo homem apresentava, então, uma das estratégias de campanha/marketing eleitoral para as presidenciais de 2006 mais bem estruturada e profissionalizada (Luís, 2005). Mas será que Cavaco se apresentou ao público como um «político não profissional» para sublinhar que tinha uma profissão (professor universitário) além da de político, e que, portanto, não estava (como os outros?) dependente da política para viver? Poderia ser, mas nesse caso o que é que o distinguiria de Francisco Louçã (professor universitário), Mário Soares (em tempos advogado e ainda proprietário de uma prestigiada escola, o Colégio Moderno), Manuel Alegre (poeta e escritor) ou Garcia Pereira (advogado)? Uma outra interpretação plausível para a atitude do candidato Cavaco Silva, aliás, avançada na altura por diversos comentadores na imprensa, é a de que terá cedido à tentação de capitalizar com o descontentamento popular perante os partidos e a classe política, apresentando-se, de algum modo, como acima daqueles e como não pertencendo a esta. Provavelmente, esta táctica até terá ajudado eleitoralmente a sua candidatura (Magalhães, 119

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2007). Porém, note-se que, neste domínio, Cavaco não esteve só: Alegre, cujo lema foi «O Poder dos Cidadãos», também terá capitalizado com o descontentamento popular face aos partidos e à classe política, enfatizando à exaustão o facto de a sua candidatura ser a única sem apoio partidário.

Concluindo Em Portugal, a implantação do sistema de governo semipresidencial teve uma clara influência castrense. Todavia, a aceitação deste sistema por parte dos partidos políticos permitiu integrar transitória e pacificamente os militares revolucionários no processo político, contribuindo para uma transição e consolidação democráticas bem sucedidas. Como vimos, na linha do «pai» do conceito de semipresidencialismo (Maurice Duverger), vários autores concebem este tipo de sistema político como sendo caracterizado não apenas pela existência de um presidente eleito pelos cidadãos (directa ou indirectamente) e por um primeiro-ministro responsável perante o Parlamento e dependente da confiança política deste, mas também pela existência de um PR com «consideráveis poderes». Outros, porém, defendem uma definição «meramente constitucional» do semipresidencialismo que não inclui a consideração de um PR com «consideráveis poderes», mas apenas as outras duas características. Em qualquer caso, os poderes presidenciais são sempre um elemento fundamental na caracterização dos regimes semipresidenciais, quer seja como uma característica intrínseca quer seja como um elemento diferenciador dos vários subtipos de semipresidencialismo. No caso português, tivemos até 1982 um PR com substanciais poderes, na linha do semipresidencialismo francês, finlandês e 120

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outros do mesmo género. Com a revisão constitucional de 1982, porém, os poderes constitucionais do PR foram substancialmente reduzidos. Daí que, segundo alguns, se tenha passado de uma «situação de equilíbrio entre os poderes do PR e os do primeiro-ministro» para um «semipresidencialismo com um presidente meramente cerimonial» (Elgie, 1999). Pela nossa parte, tendo em conta a prática política do nosso regime, considerámos que esta caracterização não faz jus ao sistema de governo português. Vários outros ainda não concordam com o próprio conceito de semipresidencialismo e consideram que, com a revisão constitucional de 1982, se passou de um «sistema parlamentar com dominância presidencial» para um «sistema parlamentar com correctivo presidencial» (Siaroff, 2003, 2005). Mas mesmo neste caso, que nos parece uma caracterização que, pelo menos, dá o devido relevo ao papel do PR no sistema político português, o Presidente português aparece como um daqueles que menos poderes (constitucionais e políticos) têm perante os Presidentes dos vários países integrados na categoria de «sistema parlamentar com correctivo presidencial». Como vimos ao longo das páginas anteriores, o poder dos Presidentes, nos regimes semipresidenciais, não se define apenas, e nem sequer sobretudo, a partir dos poderes constitucionais. Há sistemas semipresidenciais em que, apesar dos consideráveis poderes constitucionais do PR, a prática política reduziu o papel do Presidente a uma figura meramente cerimonial. Pelo contrário, há regimes semipresidenciais em que, apesar de o PR ter menos poderes constitucionais do que no subtipo anterior, os presidentes têm bastante maior relevo no sistema político. Portanto, isto não significa negar a importância dos poderes constitucionais do PR para a definição do tipo de semipresidencialismo, mas apenas sublinhar que há uma diferença significativa entre law in books e law in action, ou, como diz Giovanni Sartori, entre a «constituição formal» e a 121

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«constituição material». Neste domínio, autores como Robert Elgie, consideram que há três factores fundamentais para explicar as diferenças na prática política do semipresidencialismo, ou seja, para explicar os diferentes subtipos de sistema semipresidencial: primeiro, o contexto da fundação do regime; segundo, os poderes constitucionais do PR; terceiro, a dinâmica política do sistema partidário e a relação entre a maioria parlamentar e a maioria presidencial. Para o caso português, vimos que o papel do PR no sistema político se alterou fundamentalmente com a revisão constitucional de 1982. Mas, para além disso, vimos também que a actuação dos presidentes depende também significativamente de outros factores, nomeadamente, do mandato presidencial em questão (primeiro ou segundo), do tipo de maioria na Assembleia da República e da sua compleição político-ideológica. Verificámos, pois, que os Presidentes portugueses têm exibido um papel mais activo no sistema político, quando estão no seu segundo mandato e, por isso, já não podem recandidatar-se na eleição seguinte. Pelo contrário, durante o primeiro mandato, os cálculos estratégicos com vista à sua reeleição funcionam geralmente como um elemento de moderação da actuação presidencial. Em segundo lugar, quando existe uma maioria absoluta, disciplinada e coesa no Parlamento, o papel do PR no sistema político tende a perder algum relevo, pelo menos enquanto elemento capaz de limitar o poder do Governo e da Assembleia, bem como enquanto elemento dinamizador de consensos e acordos interpartidários. Em terceiro lugar, vimos também que o poder dos presidentes parece depender do sinal da maioria existente no Parlamento: quando a maioria existente no Parlamento é de sinal contrário, em termos político-ideológicos, à maioria presidencial, a acção fiscalizadora e moderadora do PR, nomeadamente como contrapeso à maioria parlamentar, ganha maior relevo. 122

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Em geral, isto é, tendo em conta os pedidos de fiscalização da constitucionalidade e os vetos, há sempre um acréscimo de intervenção dos Presidentes do primeiro para o segundo mandato (sobretudo visível no caso de Jorge Sampaio): Soares I para II, de 24 a 56 actos; Sampaio I para II, de 19 a 71 actos. A situação de Cavaco não é comparável neste domínio, mas para um primeiro mandato, e com um total de 25 actos, este revela-se bastante mais interventivo do que Sampaio I (19), e ligeiramente mais do que Soares I (24). O que distinguiu Cavaco dos seus antecessores foi: primeiro, o tipo de utilização do veto – só dirigido a diplomas da Assembleia da República, caso único face a Sampaio I e II, e Soares I e II; segundo, o facto de as divergências entre Cavaco (oriundo do centro-direita) e o Governo/maioria parlamentar (de centroesquerda, PS) praticamente só terem ocorrido (designadamente em termos de vetos políticos) sobre questões socioculturais ou estilos de vida e institucionais, nunca sobre temas socioeconómicos (o âmago da divisão esquerda-direita). Tal foi interpretado como resultado de: primeiro, a deslocação do PS para o centro do centro do espectro ideológico entre 2005 e 200933; e segundo, como resultado do centrismo ideológico de Cavaco em questões socioeconómicas. Do ponto de vista meramente quantitativo, em termos de pedidos de fiscalização constitucional da legislação, Cavaco foi mais interventivo (12) do que Sampaio I (7) e menos do que Soares I (17); mas do ponto de vista do uso do veto político Cavaco revelou-se (13 vetos), ligeiramente mais interventivo do que Sampaio I (12), e bastante mais interventivo do que Soares I (7). Além disso, por um lado, o uso da «bomba atómica» (a dissolução do parlamento) pelo Presidente Jorge Sampaio, no final de 33

De acordo com a média das percepções dos eleitores portugueses, passou para o ponto 5,5 numa escala de 1, esquerda, a 10, direita (Freire, 2010a e 2010b).

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2004, veio relevar que o papel do PR no sistema político português continua a ser muito relevante, mesmo quando há uma maioria absoluta (de sinal político e ideológico contrário à maioria presidencial) no Parlamento, sobretudo se o Governo não for muito forte. Por outro lado, a eficácia da acção de Cavaco (mesmo coabitando com uma maioria absoluta de sinal contrário à sua, e um governo forte apoiado numa maioria disciplinada e coesa), enquanto contrapeso da maioria parlamentar, não só através do uso dos seus poderes legislativos (os seus vetos e pedidos de fiscalização da legislação fizeram muitas vezes o Governo/maioria parlamentar inflectir a legislação num sentido mais convergente com as preferências do PR), mas também através das suas intervenções no espaço público para marcar a agenda política (aqui avulta a sua influência na relocalização do novo aeroporto de Lisboa), mostra bem que o poder do PR no sistema político português é muito significativo, mesmo para além da «bomba atómica». Vimos ainda que, de um ponto de vista comparativo, os eleitores evidenciam ter geralmente uma percepção relativamente precisa do papel dos Presidentes nos respectivos sistemas políticos, pois extraem daí consequências comportamentais. Ou seja, é geralmente nos semipresidencialismos onde o PR tem mais poderes (constitucionais e políticos) que os eleitores participam mais nas eleições presidenciais do que nas eleições legislativas. Pelo contrário, é geralmente nos regimes semipresidenciais em que o PR tem menos poderes (constitucionais e políticos) que os cidadãos votam mais nas eleições legislativas do que nas presidenciais. Portugal está neste último caso, seja em termos de participação média, seja numa comparação eleição a eleição (1975-2005). Houve apenas uma excepção na história eleitoral portuguesa: nas muito polarizadas e competitivas eleições presidenciais de 1986, os eleitores participaram mais do que nas legislativas mais próximas (1985 ou 1987). 124

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Porém, nas restantes eleições, os portugueses votaram sempre mais nas eleições legislativas do que nas presidenciais, indiciando, pois, que dão mais relevo ao Governo/Parlamento no sistema político do que ao PR.

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