O posicionamento do usuário no webdocumentário

May 29, 2017 | Autor: L. de Oliveira | Categoria: Comunicação, Narrativas, Multimídia, Webdocumentário
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O posicionamento do usuário no webdocumentário[1]

Luiz Fernando de OLIVEIRA[2]
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC


Resumo

O artigo apresenta elementos que compõem a base da identidade do
webdocumentário, estabelecendo semelhanças e diferenças com a tradição do
documentário audiovisual. No estudo, abordam-se também tipos de estruturas
narrativas presentes nesse formato, as quais evidenciam diferentes usos das
qualidades de interações mediadas por plataformas digitais para inserir o
usuário em seu contexto narrativo. Usa-se como objeto de análise o projeto
brasileiro O Som dos Sinos[3], cujos recursos demonstram maneiras do
webdocumentário firmar relações com o usuário.


Palavras-chave: webdocumentário; multimídia; narrativas; usuário;
comunicação.


Introdução
A disponibilização de diferentes ferramentas tecnológicas tem gerado a
configuração de formas discursivas que favorecem a ampliação de nosso
entendimento e assimilação de eventos do mundo. Essas narrativas permitem
integrar o usuário de maneira mais efetiva em seus contextos, impulsionando
a criação de vínculos com os conteúdos.
O artigo tem como objetivo apresentar exemplos de interações
estabelecidas com usuários no webdocumentário, formato que surge a partir
da intersecção entre documentário audiovisual, desenvolvimento da
infraestrutura da web e avanços em suportes tecnológicos. As transformações
no campo da comunicação digital interativa, de seus códigos e linguagens,
também propiciam o melhoramento da incorporação de recursos multimídias
(SORA, 2015), incrementando o potencial de contar histórias desse produto.
O webdocumentário reúne em uma mesma plataforma diversificadas
linguagens comunicacionais e explora as potencialidades do ambiente da
internet, onde é reproduzido, para documentar elementos do mundo histórico.
Entre as oportunidades oriundas do desenvolvimento da rede, está viabilizar
espaços narrativos mais abrangentes, com pontos de entrada que congregam o
conjunto de ideias e histórias enviadas por usuários (ASTON; GAUDENZI,
2012).
A atitude do autor inclui, assim, desenhar experiências a partir do
ordenamento de estruturas interacionais[4], que provocam o envolvimento do
usuário com a plataforma e os seus conteúdos. Com isso, ele se liberta da
necessidade de proporcionar um olhar unilateral de determinado assunto ou
situação. As histórias adicionadas, com diferentes visões e sensibilidades
culturais, vão expandindo e edificando a narrativa documental.
O artigo está estruturado em seções que abordam aspectos
característicos do webdocumentário, como a ausência de linearidade para a
defesa dos propósitos da história e exploração da narrativa, além do uso de
interações para se aproximar do usuário. A comunicação com o usuário é
considerada, neste trabalho, uma das principais virtudes do formato, pois
abre brechas para a construção conjunta de realidades, fazendo com que
usuários se relacionem com essas percepções e estimulando a composição de
um contexto social online que emerge a partir de trocas recíprocas.
A fim de demonstrar o potencial interacional contido no
webdocumentário, apresenta-se como estudo de caso o projeto brasileiro O
Som dos Sinos (2015), dirigido por Marcia Mansur e Marina Thomé. O
trabalho, desenvolvido com apoio de leis de incentivo governamentais, tem
como foco o toque dos sinos e o ofício de sineiro em nove cidades
históricas de Minas Gerais.

Metodologia
A investigação elaborada está delimitada pelo procedimento de estudo
de caso, que forneceu subsídios para identificar como ações interacionais
do usuário podem ampliar sua presença na narrativa de um webdocumentário.
De acordo com Yin (2001), a estratégia representa uma maneira de se
investigar um tópico empírico, seguindo um conjunto de procedimentos pré-
especificados, que neste estudo articulam a análise qualitativa e a
pesquisa bibliográfica.
A pesquisa bibliográfica, explica Stumpf (2015), envolve uma série de
táticas que objetivam identificar, selecionar e organizar documentos
relacionados ao objeto a ser pesquisado. A finalidade da leitura do
material escolhido é dar suporte à realização do trabalho com o intuito de
reforçar, justificar ideias e posicionamentos a serem apresentados.
Para compreender características do webdocumentário foi utilizado
referencial teórico de autores como Gaudenzi (2013) e Gifreu (2011), entre
outros. A análise de modos interacionais destacados em O Som dos Sinos teve
suporte no estudo elaborado por Nash (2012).

O webdocumentário como um produto de relações
A inovação empregada na elaboração de narrativas digitais online
promove a configuração de diferentes maneiras de apresentar e consumir
informações. Além disso, o processo está vinculado à criação de valor a
determinado produto (KOULOPOULOS, 2011), impulsionando a percepção e a
importância que adquire na sociedade. Os benefícios trazidos por produtos
comunicacionais inovadores incluem a possibilidade de mudar e criar
contextos sociais, transformar realidades por meio de esforços conjuntos
que utilizam as tecnologias a seu favor.
O atual panorama tecnológico permite elencar algumas características
que compõem a natureza do webdocumentário, como a utilização de distintos
tipos de recursos interacionais que fazem parte da exposição dos conteúdos.
A ligação estabelecida com o usuário é regida por essas interações, que
conduzem os processos de fruição e compreensão da narrativa.
Nesse formato, de estrutura multimídia interconectada, é necessário
entender o sistema computacional para acessar os conteúdos segundo
motivações individuais. É possível começar em um ponto sugerido pelo autor,
porém, com a inexistência de uma rota pré-estabelecida "a decisão final não
pertence [...] ao diretor da obra, mas ao interator. Portanto, também não
falamos de um discurso somente, mas de diferentes desenvolvimentos e, por
extensão, de diferentes histórias possíveis." (GIFREU, 2011, p. 102,
tradução nossa).
Alterar aleatoriamente a ordem do discurso original se constitui em um
dos aspectos diferenciadores em relação ao documentário audiovisual, cuja
narrativa, encerrada por processos de montagem, é construída para ser
consumida linearmente. Neste caso, o vínculo entre espectador e obra é
atravessado por processos mentais empreendidos a partir do que é visto na
tela do cinema ou da televisão. Os sentidos da visão e da audição ajudam a
determinar o grau de aproximação estabelecido com o conteúdo abordado. "O
documentário linear pede apenas um tipo de participação cognitiva (mental)
de seu público, que se traduz em uma interpretação e reflexão mental do que
é visto." (GIFREU, 2011, pp. 102 e 103, tradução nossa).
Devido à identidade dos artefatos digitais que servem de plataforma
para a distribuição de webdocumentários, tais como o computador, o tablet e
o celular, o autor assume uma postura que prima mais pela criação de
experiências em detrimento de emissor único de saber, o que indica uma
flexibilização do controle discursivo. Conforme Almeida e Alvelos (2010),
propulsionar experiências em mídias digitais envolve tirar proveito das
qualidades de navegadores para oferecer modelos de subjetividades aos
usuários, afastando o emprego de uma mentalidade linear no momento de
acessar os conteúdos.
Convém mencionar que no documentário audiovisual, o documentarista
também pode impulsionar experiências em seu público a partir de como é
retratado determinado tema. As experiências emergem após um ato
interpretativo por parte do espectador, que pode se emocionar, sentir-se
tocado pela obra, mudando a si e o seu entorno. Mas não é exigido dele
movimentos físicos no momento em que assiste ao documentário, enquanto que
no webdocumentário, pondera Nash (2012), a experiência do usuário está
condicionada à maneira como ele se move através da narrativa.
Além de proporcionar uma navegação por diferentes mídias
interconectadas, o webdocumentário pode incrementar sua estrutura com
experiências pessoais de usuários. Gaudenzi (2013) classifica o formato
como um "ser vivo", que se modifica de acordo com contribuições recebidas.
O formato, tratado pela pesquisadora como autopoiético, tem potencial para
estar em constantemente adaptação, "sobrevivendo" e "evoluindo" mediante
reforços externos adicionados em seu banco de dados.
Mais do que reordenar formas discursivas por meio de uma interação
reativa, os usuários podem transformar o webdocumentário com suas
percepções de mundo. A autora defende que essa seria uma forma ideal de
webdocumentário, chamado por ela de documentário interativo, pois poderia
oferecer uma melhor representação da "verdade" ao acrescentar diferentes
visões de um objeto retratado. Gaudenzi (2013) explica:


[...] O documentário interativo não pode ser analisado
como uma única forma composta por quadros; em mídia
interativa existem novas variáveis: código, interfaces,
algoritmos e um usuário ativo. Estas variáveis estão
ligadas de tal maneira que cada uma se influencia
mutuamente. Se há alterações no código, a interface pode
mudar para que as escolhas do usuário possam ser afetadas,
e suas ações sobre o documentário interativo também.
(GAUDENZI, 2013, p. 74, tradução nossa).
A autora conclui que o webdocumentário tende a ser fruto de relações
estabelecidas entre a plataforma – máquina –, humanos e contexto
sociocultural, e que estas relações compõem o seu todo. Assim, sua forma é
essencialmente dinâmica, não rígida; maleável o suficiente para abranger
expressividades fluídas, em tempo real e com capacidade para se adequarem à
sua estrutura e interface.
Em um mundo cada vez mais complexo e multicultural, talvez, as
narrativas tradicionais não sejam suficientes ou soberanas para mediar essa
realidade. O webdocumentário é uma forma de convidar o público a não mais
observar esse mundo através dos olhos, mas compreendê-lo por meio de
maneiras mais ativas e participativas de envolvimento (ASTON; GAUDENZI,
2012). Ele abre brechas para uma compreensão que envolve a autoexpressão,
seja nos deslocamentos percorridos pela sua narrativa ou na possibilidade
de participar de sua construção.
A integração do usuário na narrativa estende sua função de explorador
e navegador para construtor (GAUDENZI, 2013), já que, conforme os meios
disponibilizados em determinado projeto, ele pode ajudar na cocriação da
narrativa. "O autor se torna um designer de banco de dados. Ele define as
regras e modalidades de participação e as enquadra através da concepção de
uma interface [...]." (GAUDENZI, 2013, p. 56, tradução nossa). Ao partilhar
a responsabilidade da criação, o autor pode estabelecer alianças com
diferentes segmentos da sociedade, estimulando o engajamento do usuário com
o artefato e o conteúdo.

Interações
Do grau de protagonismo que o usuário pode adquirir a uma interação
social mais abrangente e transformadora, diferentes maneiras interacionais
têm sido empregadas com o intuito de criar uma relação mais dinâmica com o
webdocumentário. Nash (2012) identifica três estruturas interacionais
usadas para organizar conteúdos nesse formato. O que está em jogo nas
modalidades é a maneira como são – ou o quanto são – mobilizadas para
alavancar a ação do usuário, propor significados e permitir desdobramentos.
As estruturas são:
Narrativa – Nesta modalidade, há preocupação de proporcionar um
ordenamento ao conteúdo, com o uso de links por exemplo, para garantir
coerência entre os eventos. O usuário não precisa acessá-los em ordem
cronológica, contudo, a maneira como são dispostos evidencia o aspecto
cronológico e suas relações causais. Vídeos que compõem a narrativa podem
ser inseridos de forma cronológica, quando for o caso, de modo que cada um
deles faça referência ao anterior, explicitando o estado inicial e final de
um determinado assunto.
Categórica – Sequência de vídeos curtos não disponibilizados em ordem
cronológica, mas interligados por meio de um tema em comum, viabiliza a
identificação do argumento. Interagir com as várias sequências, seja de
modo aleatório ou linear, permite estabelecer similaridades ou diferenças,
bem como fazer associações entre as histórias.
Colaborativa – Mais que navegar, o usuário pode interagir com outros
usuários, possibilitando a constituição de comunidades virtuais, além de
participar enviando conteúdos. O autor do projeto não é mais o detentor de
alegações da "verdade", compartilha com o usuário a tarefa de compor o
retrato de determinado assunto.
A interação mediada por máquinas computacionais fornece caminhos para
a comunicação interpessoal, motivando a constituição de laços comunitários
e de pertencimento. Primo (2011) salienta que a interação no contexto
tecnológico não se restringe a um modelo unidirecional, de um para todos,
facilita o surgimento de trocas horizontalizadas. Conforme o autor, a
consolidação dessa via de mão dupla altera o enquadramento de emissor e
receptor, uma vez que não recai somente a um extremo a chance de se
manifestar. Ele observa que sistemas computacionais ensejam diferentes
modalidades interacionais e as diferencia entre reativas e mútuas.
As de caráter reativo acontecem dentro da previsibilidade e da
automação. Ao clicar em um botão da interface que indica mudança de página,
por exemplo, é exatamente isto que o sistema irá proporcionar. Há pouca
liberdade criativa ao usuário, que não pode modificar as regras existentes
no programa, sendo que "[...] para cada input reconhecido deve haver uma
reação pré-contida. Assim, o resultado gerado só pode ser aquele e não
outro." (PRIMO, 2011, p. 151). As interações reativas demonstram a
capacidade da plataforma de seguir comandos externos e de operar sem que
haja erros que impeçam a interação.
Porém, essas mesmas plataformas regidas por configurações pré-fixadas
oportunizam engajamentos, influências recíprocas, habilitando novos
conhecimentos ou a construção conjunta de conhecimentos, seja pela troca de
e-mails ou pela participação em comunidades e redes digitais, entre outras.
"Cada comportamento na interação é construído em virtude das ações
anteriores. A construção do relacionamento, no entanto, não pode jamais ser
prevista." (PRIMO, 2011, p. 57). Interações entre usuários, mediadas
tecnologicamente, podem promover relações sociais, indo além da performance
da plataforma. Os participantes acabam se afetando mutuamente, e suas
conversações engendram mudanças de visões de mundo, nada previsto por algum
sistema informático, mas potencializado por sua configuração que forneceu o
suporte à ocorrência das trocas.
Webdocumentários que permitem interações mútuas podem ampliar sua
força social, adquirir dimensões transculturais apoiados nos engajamentos
dos usuários e nas aberturas concedidas para abarcar essas expressividades.

Encontros com uma cultura imaterial
Para melhor compreender os modelos de interação sugeridos por Nash
(2012), busca-se, agora, relacioná-los com o projeto brasileiro O Som dos
Sinos.
Em Minas Gerais, os sineiros têm a missão de comunicar moradores sobre
ritos litúrgicos, mortes, tipos de missas, partos, incêndios, horários
sacros. O webdocumentário demonstra como o toque dos sinos ainda permanece
presente na experiência religiosa e no ritmo cotidiano de nove cidades
históricas mineiras – São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana, Catas Altas,
Congonhas, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes. O projeto combina
memória e tecnologias, cartografia sonora, engajamento da sociedade civil e
valorização de indivíduos detentores de saberes registrados como
patrimônio.
De caráter transmídia, O Som dos Sinos disponibiliza aplicativo para
celular que permite navegar por áudios de toques de sinos, histórias de
Minas Gerais e visitar, a partir da referência GPS de localização, as
cidades apresentadas. O projeto já realizou intervenções itinerantes em
cidades, com projeções de imagens embaladas por trilha composta a partir
dos sons dos sinos.
A pretensão de se aproximar com o usuário pode ser evidenciada na
maneira como sua narrativa foi construída, de modo a contar com a
colaboração externa para se manter mais dinâmica. A seguir, são mostradas
formas utilizadas para posicionar o usuário no contexto do webdocumentário:




Figura 1: Ícones trazem micronarrativas sonoras.

Captura de tela feita pelo autor.
Disponível em: http://webdoc.somdossinos.com.br/sinos.php


Nesta interface é possível ouvir o relato de moradores de cidades
históricas de Minas Gerais que falam sobre a implantação de sinos no
Estado, além de metodologias e materiais usados na confecção das peças. O
usuário pode acessar as histórias por meio dos círculos localizados à
direita da tela. Cada um deles traz uma micronarrativa. Aqui é possível
identificar a estrutura Narrativa. Os círculos estão ordenados para
organizar memórias que se mantêm preservadas. A cronologia reside no fato
de que os relatos, acessados através de links, evidenciam um estado inicial
e outro final do assunto, isto é, começa com origens dos sinos em solo
mineiro – círculo que está no topo – inclui processos produtivos e encerra
com finalidades dos sons oriundos do alto de campanários. Os ícones criam
um processo de "narrativização" (NASH, 2012), evidenciado na junção das
pequenas narrativas sonoras. Caso o usuário clique nos links de forma
aleatória, mesmo assim ficará informado sobre o contexto tratado.
Em espaços como este é possível estabelecer paralelo com o
documentário audiovisual, no qual a voz dos personagens narram fatos,
momentos do passado e do presente, dando vivacidade única para esses
tempos. No documentário audiovisual, a voz do outro é tão importante quanto
a imagem ou as imagens que retratam elementos do mundo real. A utilização
dessa narrativa sonora mostra que muito da cultura imaterial viva
atualmente persiste porque é passada de geração para geração através da
oralidade. O ato de ouvir o outro ajuda na manutenção de hábitos, costumes,
valores, tradições, compondo uma cultura que tem na fala e na escuta seus
principais meios de sobrevivência.

Figura 2 – Sineiro em depoimento ao webdocumentário.
Captura de tela feita pelo autor.

Disponível em:
http://webdoc.somdossinos.com.br/sineiros.php


A seção destinada aos nove sineiros escolhidos para abordar seu ofício
representa a estrutura Categórica. Os relatos não são orientados
cronologicamente, mas são ligados pelo mesmo tema e estão em um único
espaço de representação, ou seja, a mesma interface. A ordem temporal dos
elementos é menos importante do que as comparações e associações que se
pode empreender entre eles, neste caso, vídeos de pequena duração. Os
materiais podem ser acessados por meio de links, que indicam os nomes dos
entrevistados ou podem aparecer automaticamente após a finalização de um
determinado vídeo.
Esse é um dos momentos em que o webdocumentário fica mais
próximo do documentário audiovisual. O encontro com os sineiros é revelado
por meio de uma conversação estabelecida entre eles e a equipe de produção.
Os processos produtivos do webdocumentário também se mesclam com os do
documentário linear. Usa-se som direto para captar a fala dos personagens,
e seus enquadramentos são intercalados com imagens que os mostram exercendo
o trabalho.
Ao terem como referência o mesmo tema, os vídeos possibilitam ao
usuário estabelecer um envolvimento cumulativo, que pode ir aumentando
conforme acessa as histórias retratadas. A capacidade de captar a riqueza
da linguagem oral por meio de depoimentos a uma câmera de filmar está
presente no cerne do fazer documentário. Essa característica se mantém
presente no webdocumentário, que aproveita a face positiva das tecnologias
para humanizar abordagens e contribuir para mediar e dar forma ao universo
com o qual se relaciona.
Figura 3: Usuários contribuem com o processo de autoria
do webdocumentário.
Captura de tela feita pelo autor.
Disponível em:
http://somdossinos.com.br/videocartas/welcome/montarvideo?lang=pt

Na estrutura Colaborativa, a criação individual cede espaço
para as expressões de usuários que ajudam a construir e incrementar o
webdocumentário. Em um dos pontos altos de O Som dos Sinos, o internauta é
convidado a montar uma videocarta, que mescla a escrita com a sonoridade
digitais. Ao invés de ter como suporte os serviços dos correios, aqui, é
possível contar com a comunicação instantânea de redes digitais online.
Para gerar suas mensagens, é possível escolher cinco cenas com imagens em
movimento e uma trilha sonora, definidas pelo projeto. O sistema,
automaticamente, edita os elementos e cria um vídeo com legendas que
mostram o que o usuário escreveu.
Em webdocumentários que dispõem pontos de entrada para expressividades
dos usuários, a característica de produto fluído e relacional fica mais
clara, pois sua composição reside nas relações de distintas realidades,
como personagens, atuação da câmera, mundo interno do autor, participação
do usuário e contextos culturais (GIFREU, 2011).
O acréscimo de materiais do mundo externo à máquina torna o produto
como algo que vai se estabelecendo, ainda não finalizado, que está em
formação. O autor delega ao usuário parte de sua responsabilidade, de sua
perícia de fazer a obra crescer. Ao adicionar subjetividades alheias, estas
se juntam com as do autor e mostram os mosaicos que formam uma sociedade
partilhada.
O webdocumentário é um formato proveniente dos avanços do meio digital
e em rede. Ao entrar em seu espaço, o usuário pode realizar percursos de
maneira criativa, interagir com diferentes formas discursivas da realidade.
As possibilidades são empregadas para a criação de uma paisagem conjunta
entre autor e usuário de elementos do real. Funcionam como portas que abrem
caminhos para um efeito imersivo na história.

Considerações finais
Embora não tenha uma forma estética e narrativa estabelecidas, o
webdocumentário se firma como um modelo comunicacional híbrido que permite
ao usuário mergulhar no conteúdo abordado a partir de interações mediadas
pela sua plataforma. Ao tentar compreender o formato, é preciso levar em
conta que, conforme avanços tecnológicos sejam inseridos em sua estrutura,
novas maneiras de apresentar e consumir formas narrativas poderão surgir.
Ao inserir em um único suporte diferentes mídias, como fotografias,
vídeos, sons, textos, mapas e gráficos, articuladas com o potencial da web
colaborativa, o produto cria um ambiente multissensorial, no qual o usuário
adquire um determinado protagonismo no consumo dos conteúdos. Entre as
diferenças dessa modalidade documental em relação ao documentário
audiovisual, geralmente associado à representação do real (NICHOLS, 2012),
está a possibilidade de oferecer caminhos para a construção desse real,
atividade que emerge a partir das ações e escolhas do usuário envolvido com
o contexto criado pelo conteúdo digital (GAUDENZI, 2013).
O grau de presença ou participação é reflexo das ações executas e das
sensações experimentadas. A tecnologia tem incrementado as potencialidades
imersivas do webdocumentário, com recursos como a realidade virtual e
mista, imagens em 3D e 360 graus, entre outros, que potencializam o
entendimento da história. A possibilidade de brechas para a inserção de
narrativas personalizadas contribui para a cocriação da narrativa e de seus
sentidos, alternando a imersão com uma postura mais atuante diante do
conteúdo.

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2001.


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[1] Trabalho apresentado no GP Conteúdos Digitais e Convergências
Tecnológicas do XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento
componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

[2] Mestrando do Curso de Jornalismo da UFSC-SC, email:
[email protected].

[3] Webdocumentário disponível em: . Acesso em:
14 jul. 2016.
[4] O artigo se caracteriza como um texto-piloto referente à pesquisa
desenvolvida no curso de mestrado que aborda o webdocumentário. A
finalidade não consiste em problematizar o conceito de interatividade, que
por sua falta de exatidão tem sido compreendido de diferentes maneiras por
diversos autores. Neste trabalho, usa-se a expressão "interação" para
tratar de ações que o usuário realiza ao consumir um webdocumentário. Essas
ações são mediadas por plataformas digitais e estão condicionadas a
configurações tecnológicas previamente estabelecidas que organizam a
narrativa desse tipo de formato comunicacional.
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