O princípio constitucional da proporcionalidade

August 12, 2017 | Autor: F. Duarte Raslan | Categoria: Direito Constitucional, Teoria do Direito
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O Princípio Constitucional da Proporcionalidade




Fabiana Duarte Raslan
Especialista em Direito Público e Privado
Professora de Direito Constitucional






Introdução

Pretende-se, com este trabalho, fazer com que o leitor reflita sobre
suas considerações acerca do tema, sem querer trazer uma solução definitiva
sobre o que vem sendo amplamente debatido pelos estudiosos do mundo
inteiro, nem mesmo derrubar qualquer tese proposta por eles, mas
simplesmente trazer alguns questionamentos a partir de uma breve análise
histórica, dogmática e jurídico-filosófica sobre o tema.
Por sua amplitude e alcance constitucional, o princípio da
proporcionalidade contribui para a realização dos fins do Direito, qual
seja promover a Justiça, e, portanto torna-se necessária a análise
incansável de sua origem, seus elementos e de sua trajetória ao longo do
tempo, até se chegar a sua delimitação, pois chegando-se a um terreno mais
sólido, será possível evitar que o princípio da proporcionalidade tenha seu
conteúdo esvaziado. Deste modo, evita-se a utilização arbitrária do
instituto e o afastamento dos demais princípios de Direito por excessiva
abstração de seu conteúdo.

1. Origem e desenvolvimento

O princípio da proporcionalidade, por sua natureza flexível, é mais
fácil de ser compreendido do que conceituado. Numa acepção lata, o
instituto impõe obediência tanto do poder público quanto dos administrados.
Em sentido estrito, faz presumir a existência de uma relação de
proporcionalidade entre os fins a serem atingidos pelo Estado e os meios
escolhidos para realizá-los[1]. Toda vez que a desproporção entre os fins e
os meios for manifesta, haverá violação do princípio.
A idéia de um controle material dos atos do poder público remonta
meados do século XVIII, surgindo na Inglaterra (reasonableness), na Prússia
(verhältnismässigkeit), na França (détournement du pouvoir) e na Itália
(eccesso di potere).
A base do instituto foi retirada pela doutrina dos trabalhos de Von
Ihering: O fim do Direito e a Luta pelo Direito. Mais tarde, a doutrina
acrescentou um terceiro elemento, estabelecendo uma relação triangular
entre fim, meio e situação, para responder as lacunas deixadas pela teoria
anterior.[2]
O instituto tem aplicação clássica no Direito Administrativo, no qual
se utiliza a máxima de Jellinek: "não se abatem pardais disparando
canhões". Foi adotado para resolver o problema da limitação do poder
executivo, sendo considerado no século XVIII como medida para limitar a
atuação do poder estatal quando interferisse na esfera da liberdade
individual. No século XIX, foi introduzido como princípio geral do direito
de polícia, sendo mais comumente denominado de proibição do excesso[3]. A
expressão proporcionalidade somente foi utilizada anos mais tarde, já no
séc. XX, sendo tratada como princípio geral de direito constitucional.
No Direito Processual, o instituto foi introduzido na doutrina das
medidas liminares, e, mais tarde foi adotado no campo do Direito
Tributário. Desde o fim do século passado, vem sendo utilizado como
critério de controle da constitucionalidade das leis, como regra de apoio e
proteção dos direitos do cidadão. Neste sentido, se revela um princípio
essencial à Constituição, na medida em que autoriza um controle mais eficaz
dos atos estatais, caracterizando um novo Estado de Direito.
O instituto tem maior destaque no campo dos direitos fundamentais,
por meio dos quais se vincula ao Direito Constitucional. A partir da
afirmação feita por um importante doutrinador alemão, Herbert Krueger, há
cinqüenta anos, segundo a qual a ordem jurídica deveria se moldar aos
direitos fundamentais, importantes transformações constitucionais
ocorreram, vários mecanismos de proteção destes direitos se desenvolveram,
e, sem dúvida, o mais importante na ordem constitucional da atualidade é o
princípio da proporcionalidade.[4]
Por meio deste princípio, é possível ampliar a matéria de defesa dos
direitos fundamentais perante o poder do Estado. Entretanto, a
proporcionalidade não está restrita a este campo, mas alcança, também, os
direitos de segunda e terceira geração, como afirma a doutrina e
jurisprudência nacional e estrangeira.
Os países que adotam o princípio, nem sempre utilizam a mesma
terminologia. Não há consenso nem mesmo entre os alemães, que são os mais
avançados na matéria. Fala-se em proibição do excesso, vedação do excesso,
vedação do arbítrio e menor ingerência possível. Todavia, o que vem
predominando mais recentemente, inclusive entre outros países europeus como
França, Suíça, Áustria e Espanha, é simplesmente "proporcionalidade", uma
vez que é adotada pelos maiores publicistas europeus: R.v. Krauss, um dos
precursores da sistematização do instituto[5], Konrad Hesse, Zimmerli,
Muller, Hans Shneider, entre outros.[6]
A proporcionalidade surgiu da necessidade de controlar os atos do
Poder Legislativo, numa época em que o princípio da legalidade era
considerado o mais importante. Durante a primeira fase do Estado de
Direito, o legislador gozava de extrema liberdade, podendo definir as
medidas aptas à realização dos fins da Constituição de forma quase
totalmente desvinculada. Na segunda fase, o legislador já não é soberano,
mas torna-se passível de ter seus atos controlados por outro Poder do
Estado. O princípio da legalidade dá lugar ao princípio da
constitucionalidade, abrindo espaço para o controle material dos atos
legislativos.
Esta forma de controle requer para o aplicador do Direito, ou seja, o
juiz, maior liberdade para interpretar, já não basta um controle formal,
mas torna-se imprescindível uma análise substancial dos atos legislativos.
Surge assim o princípio da proporcionalidade, permitindo ao juiz corrigir
os excessos do legislador, antes impossível apenas com base na legalidade.
Poderia se cogitar que o espaço conferido ao juiz com fundamento no
princípio da constitucionalidade importaria em violação do dogma da
separação de poderes, por conferir excessiva liberdade ao aplicador da
norma para controlar atos próprios de outro Poder do Estado. Haveria
violação somente na hipótese do princípio ser aplicado isoladamente,
desrespeitando outro postulado do direito. Não se trata de utilizá-lo como
único instituto a ser observado, mas sim de aplicá-lo como medida de
justiça, levando em consideração o princípio do estado de direito e todos
os seus elementos concretizadores. Ademais, o poder dado ao legislador pelo
povo por meio do contrato social, não foi um poder geral, mas limitado e
específico.[7] A liberdade extremada do Poder Legislativo abre amplo espaço
para a violação dos direitos fundamentais; é incontestável a necessidade do
controle do arbítrio. Ressalte-se a brilhante observação de Paulo
Bonavides:
As limitações de que hoje padece o legislador, até mesmo o legislador
constituinte de segundo grau – titular do poder de
reforma constitucional - configuram, conforme já
assinalamos, a grande realidade da supremacia da
Constituição sobre a lei, a saber, a preponderância
sólida do principio de constitucionalidade, hegemônico e
moderno, sobre o velho princípio de legalidade ora em
declínio nos termos de sua versão clássica, de fundo e
inspiração liberal.


O conceito de proporcionalidade encontra-se ainda em evolução. E não
poderia ser diferente, dada a natureza flexível do instituto. Ademais, a
aplicação em matéria de controle de constitucionalidade é muito recente,
embora a lesão ao princípio já vem sendo considerada grave, pelo menos nos
países cujo sistema hermenêutico funda-se na teoria material da
Constituição.

2. Os subprincípios constitutivos da proporcionalidade

2.1. Princípio da conformidade ou adequação dos meios

Por este elemento impõe-se que a medida a ser tomada para a
consecução dos fins a que se pretende deva ser apropriada, adequada, em
última análise, para a realização do interesse público. Esta exigência
pressupõe a investigação e a prova de que o ato do poder público para
atingir os fins que justificaram sua adoção. Trata-se de controlar a
adequação da relação entre a medida e o fim. Este controle vem sendo muito
debatido pela doutrina e pela jurisprudência relativamente ao poder
discricionário da administração pública. Torna-se ainda mais complexo
quando se trata de ato legislativo, uma vez que o legislador goza de grande
liberdade de conformação.

2.2. Princípio da necessidade

Diz respeito ao direito que o cidadão tem à menor desvantagem
possível. Isto requer sempre a prova de que, para a obtenção de
determinados fins, era impossível adotar um meio menos oneroso para o
cidadão. A doutrina acrescenta quatro elementos para facilitar a aplicação
prática do princípio: a exigibilidade material, que impõe a menor limitação
dos direitos fundamentais; a exigibilidade espacial, que diz respeito à
limitação do âmbito da intervenção; a exigibilidade temporal, que pressupõe
um rigorosa delimitação do tempo da medida coativa do poder público, e,
por fim, a exigibilidade pessoal, que impõe a limitação da medida às
pessoas cujos interesses devem ser sacrificados. O princípio da necessidade
implica em aferir se o legislador poderia ter adotado outro meio igualmente
eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos.

2.3. Proporcionalidade em sentido estrito

Após examinar a adequação e a necessidade da medida adotada pelo
poder público para alcançar determinado fim, impõe-se examinar se o
resultado obtido é proporcional à desvantagem imposta, ou seja, deve-se
pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim. O
sacrifício, em razão da interferência estatal na esfera dos direitos, deve
ser compensado pelos benefícios alcançados por meio da medida.

3. Natureza Jurídica

Trata-se de um princípio não escrito que visa proteger as liberdades
públicas, garantindo a inviolabilidade dos direitos fundamentais, por meio
do controle de constitucionalidade dos atos estatais. Para esta doutrina
trata-se de um dogma do Estado de Direito, cuja observância independe de
estar ou não explicitado na Carta do país que o adota.
Na Alemanha e Suíça, prevalece o entendimento doutrinário e
jurisprudencial segundo o qual o princípio da proporcionalidade é um
princípio geral de Direito Constitucional, ao lado do princípio do Estado
de Direito. Afirmam os constitucionalistas que o instituto é da mesma
natureza dos direitos fundamentais.[8] Entretanto, parte da doutrina mais
moderna já afirma tratar-se de um princípio geral de direito.
Vê-se que o instituto rege todas as esferas do Direito, compelindo o
Estado a utilizar os meios que dispõe de modo compatível com os fins que
pretende e com os efeitos de seus atos. A violação desta proporção
obrigatória importa em ilegalidade.

Conclusão
É o princípio da proporcionalidade um critério da Hermenêutica?
Para responder à questão proposta, convém distinguir entre princípios
hermenêuticos e princípio jurídicos. Os primeiros desempenham permitem
denotar a ratio legis de uma disposição normativa, e, também, revelam
normas que não são expressas por um enunciado legislativo, possibilitando o
desenvolvimento, a integração e a complementação do direito.[9] São, por
exemplo, os critérios de interpretação histórica e axiológica, que permitem
a integração da norma ao momento em que está sendo aplicada, atendendo à
necessidade do caso concreto.
Os princípios jurídicos têm a qualidade de verdadeiras normas,
distinguindo-se das regras jurídica apenas em seu aspecto qualitativo. São
normas que estão na base do ordenamento jurídico, e constituem a ratio, o
fundamento das regras jurídicas.[10] Os princípios não necessitam estar
positivados para terem valor normativo, mas têm que ser reconhecidos pelo
ordenamento jurídico constitucional, ou seja, devem estar introduzidos na
consciência jurídica.[11] Não constituem critérios para interpretação e
integração do direito positivo, mas servem de fundamento para o exercício
destas funções. A vinculação com critérios de interpretação hermenêutica
decorre do fato de que os princípios de direito tem a função de nortear o
exercício dos poderes do Estado, sejam eles legislativos, executivos ou
jurisdicionais.
Nesta linha de raciocínio, a proporcionalidade é considerada um
princípio jurídico, mais precisamente um princípio geral de direito, pois
está diretamente ligada á idéia de justiça. Todo ato emanado pelo Estado
que não for adequado, necessário e proporcional, antes de tudo, um ato
injusto, e, portanto, contrário ao direito.
Grande parte da doutrina moderna vem adotando este entendimento.
Robert Alexy, na sua obra sobre a teoria dos direitos fundamentais,
ressalta a conexão existente entre a teoria dos princípios e a
proporcionalidade, afirmando que o caráter de princípio implica o de
proporcionalidade e vice-versa. Convém transcrever a brilhante colocação:
Que o caráter de princípio implica o princípio de
proporcionalidade, significa que o princípio de
proporcionalidade com seus três princípios parciais de
pertinência, necessidade ou mandamento do uso do meio
mais brando, e proporcionalidade em sentido estrito,
aliás, mandamento de ponderação ou avaliação, logicamente
resulta da natureza de princípio, a saber, deste se
deduz.[12]


Partindo desta idéia, é possível fundamentar a aplicação do princípio
da proporcionalidade, não só no que diz respeito ao controle de
constitucionalidade, mas em todos os casos levados à apreciação do Poder
Judiciário. Convém ressaltar que o juiz deve observar os princípios
específicos da matéria apreciada, para somente depois verificar a
compatibilidade com os princípios gerais de direito. O uso da
proporcionalidade como fundamento para toda e qualquer decisão, implica no
esvaziamento do conteúdo do instituto, além de desvirtuá-lo de sua
verdadeira função.
A partir desta breve análise, pode-se inferir que a
proporcionalidade é uma idéia afeta ao próprio Direito, caminha ao lado da
Justiça. Todo ato estatal, seja legiferante, administrativo ou
jurisdicional, que não for absolutamente necessário, adequado e
proporcional em sentido estrito, não pode ser, ao mesmo tempo, justo.
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[1] A doutrina é de Pierre Miller, um estudioso da matéria, citado por
Paulo Bonavides em Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros,
13 ed., 2003, p. 392.
[2] Felix Ermacora foi quem forneceu as bases da proporcionalidade por meio
de suas reflexões a partir das ricas obras realizadas por Ihering.
Braibant, outro tratadista da matéria, forneceu o terceiro elemento,
corrigindo as insuficiências da teoria anterior.
[3] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.
Coimbra: Almedina, 4 ed., 2002, p. 265.
[4] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Malheiros, 13 ed., 2003, p.394.
[5] Von Krauss é autor da importantíssima obra O Princípio da
Proporcionalidade de 1953.
[6] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Malheiros, 13 ed., 2003, p.403.
[7]CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.
Coimbra: Almedina, 4 ed., 2002, p. 73.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Malheiros, 13 ed., 2003, p.401.
[9] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.
Coimbra: Almedina, 4 ed., 2002, p.1125.
[10] Idem.
[11] Idem, p. 1128.
[12] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Malheiros, 13 ed., 2003, p. 401.
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