O Processo de Formação do Ouvido Musical

July 22, 2017 | Autor: Rafael Souza | Categoria: Music, Cognitive Neuroscience, Educação Musical
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO MARAJÓ – SOURE CURSO DE LICENCIATURA PELA EM MÚSICA

RAFAEL SOUZA RODRIGUES SANTOS O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO OUVIDO MUSICAL

SOURE 2010

RAFAEL SOUZA RODRIGUES SANTOS

O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO OUVIDO MUSICAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para à obtenção do grau de Licenciatura Plena em Música, Universidade Federal do Pará. Orientador (a): Profº Marcellino Milhomem Moreno.

SOURE 2010

RAFAEL SOUZA RODRIGUES SANTOS

O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO OUVIDO MUSICAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para à obtenção do grau de Licenciatura Plena em Música, Universidade Federal do Pará. Data de aprovação: ___/____/___. Banca Examinadora: _________________________________ _________________________________ _________________________________

Agradecimentos A gradeço primeiramente a Deus por me dá forças nas horas mais difíceis. A minha mãe Edinéia Souza Rodrigues, por ter me dado o dom da vida. A minha esposa Jussarah Souza, que auxilio-me nos momentos mais críticos. Ao meu tio Ricardo Santos por me proporcionar a minha primeira experiencia musical. A minha Tia Maria de Lourdes Moraes. E finalmente, aos professores e amigos que compartilharam comigo dos momentos acadêmicos e não-acadêmicos.

“O que sempre me fascina nela (guitarra) e sempre teve a ver com as seis cordas, é que ninguém nunca abordou... Cada um toca de um jeito diferente, a personalidade transparece”. Jimmy Page. (Guitarrista e fundador do Led Zeppelin)

Dedicatória Dedico este trabalho a meus avós Manoel David dos Santos e Teodomiro José Rodrigues.

RESUMO SANTOS, Rafael Souza Rodrigues. O processo de formação do ouvido musical. 2010. 50fl. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em Música) – Universidade Federal do Pará, Soure, 2010.

Através deste trabalho procuro demonstrar o atual panorama cientifico dos processos de construção do ouvido musical abordando conceitos filosóficos, neurocientíficos, teóricos e pedagógicos. Com auxilio da neurociência e da psicologia cognitiva veremos que é possível compreender, no ser humano, os mecanismos de aprendizagem musical possibilitando a sua aplicação no processo de ensino musical.

Palavras–chaves: Ouvido Musical. Educação Musical. Neurociência.

ABSTRACT Through this work, I try to explain the current of the scientific landscape to inform the musical ear's construction processes, approaching philosophical concepts, scientific neurology, theoretical and pedagogic. With aid of the scientific neurology and the cognitive psychology we'll see that's possible to understand, in the human being, the mechanisms musical learning making possible its application in the process of musical teaching.

Key Words: Musical ear, Musical Education, Scientific Neurology

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................10 2 MÚSICA E CONHECIMENTO..................................................................................14 3 INTELIGÊNCIA MUSICAL.......................................................................................17 4 PERCEPÇÃO MUSICAL..........................................................................................20 4.1 A escuta musical................................................................................................21 4.1.1 Fatores psico-biológicos.................................................................................22 4.1.2 Tipos de escuta...............................................................................................28 4.1.2.1 Ouvido Musical........................................................................................29 4.1.2.2 Ouvido Relativo.......................................................................................30 4.1.2.3 Ouvido Absoluto......................................................................................31 4.1.3 Audiação: Escuta com Significado.................................................................31 5 PEDAGOGIAS DA PERCEPÇÃO MUSICAL..........................................................36 6 DESCRIÇÃO DE UMA EXPERIÊNCIA DE PEDAGOGIA DA PERCEPÇÃO MUSICAL.....................................................................................................................40 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................49

1 INTRODUÇÃO Se uma determinada seqüência de sons fosse tocada a vários indivíduos, uma parcela sem ouvido musical (ouvido obsoleto) diria que são apenas sons sendo executados; outra habituada a ouvir música diria que é “Noite Feliz”; outra de músicos (com ouvido relativo) iria identificar os intervalos sonoros e apenas uma pessoa entre todos eles iria dizer cada nota, sem o auxilio de qualquer referência da melodia executada. Esse, em particular, tem o que se chama de ouvido absoluto. O ouvido absoluto é a habilidade que permite perceber uma nota musical em um amplo conjunto de fontes sonoras, desde uma moeda caindo no chão até uma orquestra sinfônica. Músicos com essa capacidade são privilegiados por ter não apenas um “afinador”, mas uma importante e potente ferramenta de trabalho: Meu ouvido absoluto me ajuda quando vou escolher instrumentos para meus arranjos. Consigo imaginar uma música apenas lendo a partitura, como se fosse uma história num livro. Sei como cada instrumento vai soar no conjunto sem precisar ouvi-lo (MATTAR, Pedrinho. Pianista e arranjador brasileiro. Um dom de gênio. Superinteressante, São Paulo, Ano 14, nº 5, p. 77, Mai. 2000. Entrevista).

Por muito tempo associou-se esse dom a uma probabilidade genética, mas recentes estudos revelam que todos nascemos com ouvido absoluto e que fatores educacionais, fisiológicos e sócio-culturais estão associados diretamente no desenvolvimento deste tipo de audição. O que Mozart e Villa-Lobos têm em comum? Essa é fácil responder. Os dois eram músicos com ouvido absoluto e foram gênios da música em suas respectivas épocas. Mas se aprofundarmos em seu cotidiano familiar, eles tinham pais músicos e ambiciosos que o obrigavam a passar horas de suas infâncias praticando, na base do “cascudo”, suas habilidades musicais. Nelson Jobim falou o seguinte sobre essa situação em sua matéria publicada na revista Superinteressante: A questão e saber se ele desenvolveu seu talento extraordinário porque começou cedo ou se começou cedo porque tinha um dom natural. (JOBIM, Nelson. Um dom de gênio Superinteressante, São Paulo, Ano 14, nº 5, p. 76, Mai de 2000).

A precoce educação musical é um fator intrigante, pois e durante a infância que apresentamos pleno desenvolvimento encefálico. Daniel Levitin, psicólogo da Universidade de McGill, no Canadá, disse em entrevista:

Quando uma criança ouve a mãe dizer: ‘Isso é vermelho, aquilo é marrom, aprende a associar a cor com a palavra. Se ouvir um instrumento de som nítido, como piano ou xilofone, e lhe disserem “Isto é um dó”, fará a mesma ligação. O aprendizado transforma essa associação num reflexo condicionado. (JOBIM, Nelson. Um dom de gênio. Superinteressante. São Paulo, Ano 14, nº 5, p. 77, Mai de 2000).

Essa afirmação foi reforçada com base em pesquisas realizadas com exames de ressonância magnética, na Universidade de Oregon, que demonstram o desenvolvimento do cérebro. Demonstra-se com esses estudos que só o fator genético não é único catalisador para tal característica auditiva, mas a iniciação musical tem um papel importante, pois não nascemos com a concepção do que é música, aprendemos as noções sonoras, gráficas, técnicas, artísticas e etinosmusicais quando já estamos preparados para ser instruídos pedagogicamente. Isso ocorre quando adquirimos um nível de comunicação significativo, quando temos noção de como funciona o nosso habitar. Observe outro fragmento da matéria de Nelson Jobim na revista Superinteressante: (...) A Sociedade Acústica Americana, nos Estados Unidos, apresentou uma pesquisa coordenada pela psicóloga Diana Deutchs, da Universidade da Califórnia, partiu de uma analogia com línguas tonais – as diversas línguas, na maioria asiáticas e africanas, em que uma mesma palavra pode ter diferentes significados apenas variando a entonação. Deutchs fez um grupo de vietnamitas e chineses repetir os mesmos vocábulos em dias diferentes. Depois analisando os resultados, observou que as variações não ultrapassavam um semitom. Tais resultados sugerem que os falantes de línguas tonais tem ouvido absoluto, pois dependem disso para se comunicar. “Não quer dizer que sejam capazes de identificar notas musicais. Afinal, não foram treinados para isso”. (JOBIM, Nelson. Um dom de gênio. Superinteressante. São Paulo, Ano 14, nº 5, P. 76, Mai de 2000).

Os resultados dessas pesquisas desmontam o conceito de “dom” para a capacidade de audição absoluta, que era associada a uma característica genética raríssima, pois os indivíduos utilizados na pesquisa mesmo não tendo audição absoluta desenvolveram essa habilidade desde a infância em função de sua linguagem tonal, isso reforça mais a audição absoluta como uma característica natural que só se desenvolve com treino. Pesquisas feitas com ressonância magnética no cérebro de trinta músicos (onze músicos com ouvido absoluto doze sem) com outros trinta indivíduos, na Universidade Henrich Helmut, de Düsseldorf, Alemanha. Mostraram que o lobo temporal esquerdo dos músicos, responsável pelas funções verbais, é maior que o direito responsável pelas funções artísticas. Nos músicos com ouvido absoluto essa

diferença chega a ser duas vezes maior. Esses resultados demonstram a capacidade auditiva não só como arte, mas também como linguagem. Sendo também um mecanismo neurológico de linguagem, pode-se concluir que o ouvido absoluto pode ser uma capacidade humana inativa pelo processo evolutivo de nossa espécie. Outros seres comportam habilidades sensoriais extraordinárias, que só não estão inativas por serem indispensáveis para a sobrevivência de tal. Na mesma experiência feita em Henrich Helmut, concluiu-se também que o cérebro pode aumentar de tamanho com treinamento. Outra pesquisa feita em 1994, pelo neurologista Helen Neville, na Universidade de Oregon, revelou um crescimento das conexões neurais até os 9 anos de idade e o final desse processo aos 18 anos. Essa descoberta explica a facilidade que as crianças tem de aprender uma linguagem ou adquirir ouvido absoluto. Em síntese, ter ouvido absoluto não quer dizer que se tenha interpretação e criatividade, pessoas com audição absoluta podem tocar como robôs. O ouvido relativo e a audiação são responsáveis em interpretar e analisar as estruturas da música, assim complementando a audição musical. Ainda não se conseguiu entender como a audição humana é capaz de distinguir freqüências sonoras com tanta precisão e velocidade, e fenômenos auditivos, como a “altura fantasma”, por exemplo. A ciência ainda levará algum tempo para decifrar esse enigma, pois o sistema auditivo humano e um órgão muito complexo em sua estrutura e funcionamento. Em face do acima exposto, temos o seguinte problema para investigar neste estudo: Como se dá o processo de formação do ouvido musical? O objetivo geral deste estudo consiste em investigar e compreender o processo de formação do ouvido musical. A importância deste estudo está em oferecer fundamentos para professores de música, apresentando a compilação de estudos na área da psicologia e neurociência que permite a compreensão do processo aquisição do ouvido musical. Nesse sentido, noções como a de dom e talento aplicada a indivíduos com facilidade de percepção auditiva perdem seu valor, possibilitando a inclusão na

educação musical. Isto porque o professor entenderá como, a partir de estímulos ele poderá favorecer o desenvolvimento auditivo musical dos estudantes de música, mesmo aqueles que demonstram dificuldades. Este trabalho também se justifica pela possibilidade de ajudar na elaboração de procedimentos de ensino que favoreçam uma educação musical mais acessível. Para a realização deste estudo, foi realizada pesquisa bibliográfica. Foi feito um levantamento de literatura especializada na área de educação musical, da psicologia cognitiva e da neurociência. À luz dessa leitura, foi possível a organização

desse

trabalho

em

três

capítulos

teóricos:

sobre

música

conhecimento, sobre inteligência musical e o terceiro sobre percepção musical.

e

2 MÚSICA E CONHECIMENTO Segundo as diferentes escolas filosóficas, o conhecimento humano se divide em duas dimensões: a perceptiva, no qual o conhecimento e adquirido através dos sentidos; e a conceptiva, de natureza interpretativa e conceitual, dando sentido aos símbolos. Repare o fragmento de texto de Filolau (470-390 a.C.) filosofo pitagórico da segunda metade do século V: “Mas pode se ver a natureza do número e sua potência em atividade, não só nas (coisas) sobrenaturais e divinas,mas ainda em todos os atos e palavras humanos, em qualquer parte, em todas as produções técnicas e na música”. Fragmento 11, in: Téo de Esmirna, 106, 10.

Nesse fragmento Filolau deixa transparecer a dualidade filosófico-científica e religiosa da música segundo a filosofia pitagórica. Essa polarização pouco satisfaz quando se refere a todo o processo de concepção do conhecimento pelo homem, outras dimensões devem ser levadas em consideração. O “Tetraedro Epistemológico” de MACHADO (1999), fala de quatro dimensões do conhecimento: a perceptiva, a conceitual, a representativa e a construtiva. Essas quatros dimensões articulam-se entre si como um tetraedro (pirâmide de três lados), com todas as suas faces do conhecimento interligadas. Nas fases iniciais do processo de formação e desenvolvimento intelectual, a criança apresenta maior sensibilidade ao conhecimento de natureza perceptiva, em outras palavras, ela apenas experimenta através dos sentidos (visão, audição, tato, paladar) os elementos que estão a sua volta. Nesse caso, a resolução de problemas (síncrese, analise e síntese) não tem caráter conceitual, ou seja, a criança apenas analisa e não reflete sobre o resultado do que ela vê, ouve ou sente. Já no período da adolescência o jovem começa a adquirir conhecimento de caráter conceitual, passando a sincretizar, analisar e sintetizar de maneira sistemática. A própria escola trabalha essa dimensão em seus conteúdos como: problemas lógicos de matemática, filosofia, sociologia, interpretação de textos literários e não literários, análise de conteúdo artístico; além das atividades diárias executadas fora das escolas, refletindo sobre problemas de caráter tecnológico (computador, celular,

consoles de jogos etc.), e ainda, sobre relacionamentos de caráter social e conflitos de gerações. Mesmo que a dimensão perceptiva passe para o segundo plano na fase de desenvolvimento do indivíduo, ela é importante para a representação ou construção de um objeto, ficando a cargo da concepção que temos do espaço influenciar as outras dimensões. Na música, por exemplo, podemos observar uma articulação entre as quatro dimensões: na perceptiva ela pode ser apreciada pelos sentidos; na conceitual ela pode ser analisada, discutida e interpretada como um conhecimento estruturado; na representativa ela pode ser grafada como linguagem através da escrita musical e na construtiva podemos cantar, tocar, compor e improvisar.

Ilustração 1: Modelo geométrico do Tetraedro Epistemológico.

Segundo GRANJA (2006), o conhecimento musical, em geral, parece se manisfestar nos seguintes âmbitos: o da fruição e do conhecimento. No âmbito da fruição, a música é uma expressão criativa do homem. No outro a ela é um conhecimento estruturado e passível de analise. Assim como as dimensões do conhecimento não podemos considerar um desses âmbitos isoladamente sem levar em consideração o outro, o conceito de música só existe na articulação entre os dois.

Farei uma descrição dos pares de características aparentemente opostas do conhecimento musical, mas que na realidade articulam-se continuamente na música. •

Conhecimento/fruição: similar ao par teoria e prática, a música não se limita apenas ao domínio do sistema musical ela tem que vivenciar a prática e a experimentação do material sonoro;



Concepção/percepção:



discutido

no

“Tetraedro

Epistemológico”,

percebemos a música a partir de nossas concepções assim como nossa concepção afeta nossa maneira de perceber música; •

Ordem/desordem: na música a ordem nos permite padronizar, quantificar e metrificar os intervalos sonoros e temporais, permitindo uma eficiente memorização. A desordem se faz necessária para dar movimento sonoro, um estimulo repentino para estimular a escuta, sem essa desordem a música ficaria tediosa;



Previsibilidade/acaso: prever os elementos musicais é importante para a compreensão da obra, mas ocasiona um certo predileção para outros elementos não previsíveis. O acaso é similar a desordem: causa surpresa, nos deixa em estado de total apreciação, mas nos deixa sem compreender qualquer elemento musical. Um exemplo dessa polaridade e o par reprodução (repetição) e improvisação (criação);



Mitos/logos: essa par fala da relação entre os pares razão/emoção e mente/corpo.

3 INTELIGÊNCIA MUSICAL A inteligência, de modo geral, é a capacidade do cérebro em compreender e resolver problemas podendo ou não resultar em conhecimento de valor universal. Desde a década de 80 com os trabalhos de Howard Gardner, a idéia de uma inteligência individual foi perdendo seu pilar de sustentação, Gardner defendeu a idéia de uma inteligência pluralista e dividiu-a em sete inteligencias: Lógicomatemática, Lingüística, Corporal-sinestésica, Espacial, Musical, Intrapessoal e Interpessoal. Abordaremos neste tópico os aspecto cognitivos e neurológicos da inteligência musical. GARDNER (1994) com a sua teoria das Inteligências Múltiplas, trouxe uma maior abrangência aos processos cognitivos da mente humana, uma vez que esses processos estavam condicionados em torno da inteligência matemática e lingüística. Gardner explica que o indivíduo e constituído de sete inteligências ligadas a

capacidades

básicas

como:

comunicação,

quantificação,

coordenação,

espacialidade, audição e audiação1, relacionamento inter e intrapessoal. As inteligências segundo Gardner são: •

Lingüística: associada com a habilidade de lidar com as palavras e com o vernáculo;



Lógico-matemática: Normalmente associada a lidar com raciocínios dedutivos e objetos matemáticos;



Corporal-sinestésica: relacionada às habilidades corporais e motoras;



Espacial: relacionada à capacidade de orientação e percepção espacial;



Musical: associada à competência de perceber e manipular sons;



Interpessoal: associada à capacidade de se relacionar com outras pessoas;



Interpessoal: relacionada à capacidade de autoconhecimento; MACHADO (1999) adiciona uma oitava inteligência, a pictórica, associada

a capacidade de expressão por meio de desenhos. A gama de inteligencias segundo Machado ficaria da seguinte maneira: 1 Termo extraído do livro: “Teoria da Aprendizagem Musical” de Edwin Gordon, que fala sobre o processamento consciente do som como algo significativo e estruturado.



Eixo das linguagens: Lingüístico/Lógico-Matemático, Espacial/CorporalSinestésico, Musical/Pictórico;



Eixo dos valores: Interpessoal/Intrapessoal; Juntas, cada uma das inteligências tem maior ou menor presença no

indivíduo, mas sempre articulando-se entre si. A música descritiva e um exemplo claro do par musical/pictórico: onde as imagens surgem por associação direta com o som. Além desse par musical/pictórico, outros podem se articular: •

Musical e corporal: a expressão corporal das pulsações implícitas na obra musical tem como exemplo a dança;



Musical e lógica-matemática: a busca por padrões e regularidades numéricas. Em música podemos ver essa regularidade nas estruturas de compasso, na métrica rítmica, na construção de escalas, no temperamento, na fabricação de instrumentos e na harmonia;



Musical e lingüística: temos o casamento melódico/literário como na canção popular onde as irregularidades de ambas se estabilizam;



Musical e espacial: a relação entre música e espaço encontra-se na partitura (espaço bidimensional), na percepção acústica e na dança (espaço tridimensional);



Musical e intrapessoal: o ato de fazer música pode ser uma maneira extremamente rica de autoconhecimento;



Musical e interpessoal: A prática de conjunto, a troca de experiências e o respeito e conhecimento do outro pode favorecer o convívio social; JACKENDOFF (1992) em colaboração do musicólogo LERDAHL (1983),

formularam a mais rica teoria sobre gramatica musical universal. Segundo essa teoria, a música é construída a partir de um estoque de notas e um conjunto de regras. As regras arranjam as notas em uma seqüência e as organizam em três estruturas hierárquicas, todas sobrepostas à mesma série de notas. Entender uma composição musical significa montar essas estruturas mentais à medida que ouvimos a composição. É competência da inteligência musical

processar e organizar as características do som necessárias para a construção de um produto musical: altura, timbre, intensidade e tempo. Outro componente importante que está aliado a cada uma das inteligências e a memória, logo cada inteligência tem sua memória especifica. Nesse sentido, a memória musical tem a função de arquivar a biblioteca sonora (fonoteca), e as estruturas musicais que serão utilizadas nas análises, construções ou representações das obras musicais. Assim como as inteligências essas memórias também se articulam entre si, tal como um dançarino precisa memorizar a rítmica musical e a noção de espaço podendo assim sincronizar os passos armazenados em sua memória corporal que satisfazem o presente momento da ação. Outro aspecto que deve ser levado em consideração é a diferença entre “memorizar” e “aprender”. Estudos desenvolvidos durante o século XIX mostraram que se uma informação apreendida não for ligada a algo que se conhece essa informação permanecerá por um curto período de tempo em nossa memória. Entretanto, estudos posteriores demonstram que a memorização pode ser transformada em aprendizagem pela lei do efeito, no qual, o indivíduo tentaria, através de ensaios e erros, procurar diversas respostas para resolver determinado problema; a resposta que viesse a satisfazê-lo permaneceria na memória pelo efeito do estado satisfatório. O conhecimento por sua vez, dá-se na relação entre sujeito-objeto-realidade, e na memorização dos mecanismos operacionais responsáveis em elaborar conceitos para determinada informação útil para resolver problemas. Na música esse mecanismo se dá na associação de significados aos padrões sonoros; logo se um determinado som não for ligado a algo que se conhece (palavra, números, cores, figuras) essa informação não permanecera armazenada por muito tempo.

4 PERCEPÇÃO MUSICAL Baseado na teoria semiótica de PEIRCE (2003) a percepção apresenta três tipos de etapas: o percepto, o percípuum e o juízo perceptivo. A primeira seria o estimulo externo o objeto perceptivo em si, a segunda seria o percepto recebido e filtrado a terceira seria o significado do percepto interpretado segundo as estruturas cognitivas.

Ilustração 2: Percepto, Percípuum e Juízo Perceptivo.

O processo de percepção musical se dá na identificação das estruturas musicais implícitas no meio interativo do indivíduo. Segundo estudos essas estruturas neurais se formam desde nosso desenvolvimento fetal criando sua própria conexão de neurônios, mas diferente das outras inteligências e suas estruturas, a música não tem função vital para nossa sobrevivência, no entanto, instala-se clandestinamente no cérebro e utiliza uma carga significante de atividade neurológica em comparação a outras áreas, fazendo uso das mesmas no seu processo de síncrese, analise e síntese. Passando do âmbito fisiológico para o cognitivo, a percepção musical manifesta-se em dois distintos níveis de audição musical: ouvido absoluto e ouvido relativo. O ouvido absoluto compara instantaneamente o dado sonoro com freqüências sonoras, guardadas na memória, e o signo determinado ao mesmo

(442hz representado pelo signo Lá). O ouvido relativo faz relações com as estruturas musicais implícitas no sistema cognitivo, através dessa relação o indivíduo produz a resposta satisfatória para a resolução do problema musical. Além desses dois tipos de percepção existe a ausência de percepção que chamamos de amusia, que pode ser de caráter hereditário ou traumático. A amusia apresenta também seus níveis de comprometimento elementar, impedindo o reconhecimento de elementos musicais como: harmonia, melodia e ritmo. Contudo, tais tipos de percepções musicais são apenas uma camada em cima de outros fatores significativos para o processo de musicalização. Fatores esses auditivos, psico-biológicos e pedagógicos. 4.1 A escuta musical Ouvir e escutar parecem ser uma única dimensão perceptiva mas no âmbito musical essas duas formas de recepção sonora são bem distintas com maior destaque para a escuta e sua competência. A propriedade receptiva denominada “ouvir” fica incumbida de receber as propriedades físicas do som e enviar ao cérebro que analisa a orientação, a intensidade e o timbre do estimulo sonoro no espaço, como por exemplo: quando caminhamos distraídos por uma esquina, e ocasionalmente, nos deparamos com uma buzina de automóvel, é natural nos assustarmos como resposta imediata ao estimulo sonoro, mas só após o evento e que interpretarmos a situação de perigo. Na semiologia da percepção o ouvir está no campo da primeiridade apenas capta o sinal externo o percepto. A propriedade receptiva de “escuta” encarrega-se de dar significado ao estimulo, seja ele simples ou complexo. Abordando a situação demonstrada anteriormente após a recepção do percepto, em que o indivíduo analisa e interpreta o evento como uma situação de risco, e que buscamos estruturas cognitivas e dados armazenados nas memorias para sustentar a interpretação do evento (noticiário, velocidade do automóvel, imagens de óbitos a o conceito de morte). Essa característica coloca a escuta no âmbito da secundidade e terceiridade.

Na linguagem musical, as características do processo de escuta são imprescindíveis para compreensão do significado expresso na organização das estruturas musicais de uma obra. Cantar ou tocar uma música requer a compreensão de elementos que precisam ser analisados e processados ao mesmo tempo, mas essas convenções elementares são passíveis de significados e códigos próprios da música. Para exemplificar: imagine um compasso onde será executado um fill2 (preparação ou virada), o músico precisa coordenar a métrica, o ritmo, a intensidade do ataque, o acorde e a frase melódica para que o simples trecho seja realizado com sucesso, o significado dos elementos apresentados precisam ser interpretados e compreendidos pelo músico executante. Portanto, a música sendo uma linguagem precisa ser interpretada pelo ouvinte executante para não se tornar um mero recurso de preenchimento auditivo ou uma ambientação sonora de um espaço antes sem estímulos musicais, ficando passivo apenas do processo de ouvir. 4.1.1 Fatores psico-biológicos O homem já manifesta-se musicalmente desde os primórdios das civilizações, mas ao contrário da linguagem que desempenha uma função psicobiológica importante para nossa sobrevivência a música não tem nenhuma função adaptável e evolutiva, se ela não existisse ainda continuaríamos realizando nossas funções vitais para a sobrevivência. Segundo PINKER (1998) a música não passa de um “cheesecake auditivo” uma tecnologia neurológica do prazer, uma espécie de droga natural que estimula varias áreas cognitivas do cérebro. Nossa mente recebe as propriedades físicas do som e dá significado esse mar de freqüências que no âmbito da primeiridade não tem nenhum valor e responde com reações corporais e emocionais as estruturas musicais. A música tende estimular o sistema límbico3 do cérebro, sistema esse responsável em manifestar sensações de orgasmos, excitações, 2 Termo musical inglês para virada. 3 O sistema límbico é a unidade responsável pelas emoções. É uma região constituída de neurônios, células que formam uma massa cinzenta denominada de lobo límbico.

emoções e efeitos ocasionados por drogas. Esse fator pode ter levado o homem primitivo a manisfestar-se musicalmente. Mas a principal questão sobre os processos cognitivos relacionados a música é: onde o cérebro processa música? Foi a partir do século XIX, que as ciências cognitivas começaram a estudar o mais importante e complexo órgão humano: o cérebro. O cérebro é o órgão responsável por todas a funções corporais, sensitivas e cognitivas do homem. Fisiologicamente, o cérebro apresenta uma coloração cinzenta e rosa, com uma textura macia, e sua superfície assemelha-se a um labirinto constituído de montes e linhas. É composto aproximadamente por 12 bilhões de células, denominadas neurônios, que tem como função receber, analisar, coordenar e transmitir informações. Essas células constituem uma grande rede conectiva (chamadas de sinapses) que se reconfigura durante o decorrer da vida toda vez que o cérebro aprende e memoriza; a influência do meio e significativa para a criação de sinapses. Durante os primeiros anos de vida, o cérebro, apresenta um desenvolvimento dimensional que acontece paralelamente com o a ocorrência de trilhões de sinapses. “Por se tratar de um órgão auto-organizável, o cérebro do bebê é faminto de novas experiencias que o transformarão em redes neurais para a linguagem, o raciocínio lógico, pensamento racional, a resolução de problemas e os valores morais” (Kotulak citado em ILARI 2003). O cérebro humano divide-se em duas metades simétricas denominadas hemisférios, unidas por diversos feixes de fibras de comunicação, mas apesar da semelhança neuroanatômica, cada hemisfério é responsável por uma gama de funções distintas entre si. O hemisfério esquerdo é responsável pela linguagem, o raciocínio lógico, determinados tipos de memória, o cálculo, a análise e a resolução de problemas. Enquanto as habilidades manuais não-verbais, as intuições, a imaginação, os sentimentos e a síntese são comandadas pelo hemisfério direito. Com relação a percepção de sons, é predominante no hemisfério esquerdo a analogia de signo com o som, e a relação de sons com a linguagem verbal, já no hemisfério direto acontece a percepção do mesmo estímulo como música.

Ilustração 3: Cérebro de Chimpanzé

Ilustração 4: Hemisférios cerebrais

Pesquisas realizadas com ressonância magnética na área da psicologia cognitiva com músicos e não-músicos, concluíram que: o não-músico processa música apenas no hemisfério direito enquanto o músico faz o mesmo processo nos dois hemisférios, devido essa característica o cérebro pode perceber a música dividindo-a em três estímulos: som, movimento ou símbolo. O estímulo sonoro é captado através do par de órgãos auditivos denominados ouvidos. O ouvido divide-se em três partes: o ouvido externo ou orelha, o ouvido médio ou caixa de tímpano e o ouvido interno ou labirinto. O ouvido externo é formado pelo pavilhão da orelha e pelo canal auditivo externo. Mostra-se fechado internamente pelo tímpano. Com aspecto de caixa, o ouvido médio contém em seu interior três ossículos (martelo, estribo e bigorna) responsáveis pela propagação das vibrações do som, comunica-se com o ouvido interno e com a faringe por intermédio da trompa de Eustáquio ou tuba auditiva. O ouvido interno, onde situa-se o labirinto, abrange o vestíbulo (utrículo com trés canais semicirculares) e a cóclea ou caracol. Nos canais semicirculares encontram-se estruturas que permitem a percepção da posição do corpo (noção de equilíbrio). Na cóclea estão presentes estruturas que permitem a percepção dos sons e ruídos, chamadas órgãos de Corti. Do ventrículo sai o nervo vestibular, que vai terminar no

cerebelo. Da cóclea sai o nervo coclear, que vai ao cérebro; num certo ponto os dois se juntam e formam o nervo acústico. O som chega ao pavilhão auditivo, passa para o interior do canal auditivo externo e provoca vibração no tímpano. Os ossículos presentes no ouvido médio recebem essas vibrações e as transmitem à membrana da janela oval; daí as vibrações atingem a endolinfa (liquido de preenche os canais semicirculares). Em seguida as vibrações da endolinfa excitam as celulas ciliadas sensitivas do orgão de Corti, de onde o nervo coclear se encarrega de transmitir os estímulos até o centro da audiação, localizado nos lobos temporais do córtex cerebral, produzindo a sensação de som. A celulas da zona ventral do núcleo coclear (a frente) reagem a estímulos sonoros individuais, passando a informação para a próxima área sem nenhum tipo de modificação; a área dorsal processa padrões acústicos, como mudanças de tonalidades. Após esse processo, o tálamo, transmite a informação para o córtex auditivo ou a suprime. Essa função de porteiro nos permite por exemplo prestar atenção a um só instrumento numa orquestra. A percepção da música como tom (a freqüência de uma nota) e o volume, ocorrem nos córtices primário e secundário (próximo a área de Wernicke).

Ilustração 5: Estrutura Auditiva

Na região dorsal do hemisfério esquerdo do cérebro, em uma região de interseção dos lobos parietal, ocipital e temporal, localiza-se a área de Wernicke. Essa área tem como função fazer associação auditiva, tanto para a linguagem verbal quanto para a música.

Após todo processo de recepção auditiva os hemisférios cerebrais analisam cada aspecto elementar da música: melodia, harmonia, ritmo e a métrica. O hemisfério esquerdo processa os elementos mais básicos como os intervalos (espaços entre os sons) e o ritmo (duração de uma serie de notas). O lado direito por sua vez fica responsável em reconhecer características gerais como métrica e contorno melódicos. Em indivíduos não-músicos ou músicos amadores, a percepção rítmica envolve três áreas cerebrais do hemisfério esquerdo: a área pré-motoras, a de associação somestésica e seções do lobo parietal, o cerebelo (comumente relacionado ao movimento) também participa. Em músicos profissionais a mesma função e exercida pelo hemisfério direito que também é responsável em processar padrões rítmicos complexos. A percepção de tons e contornos melódicos concentrase nas regiões superiores do lobo parietal direito onde encontra-se alguns tipos de memória.

Outra característica do aprendizado musical no cérebro é a construção simbólica de elementos sonoros e percepção da música como movimento. Por decorrência da prática instrumental, o cérebro do não-musico, apresenta padrões de atividades nas áreas de percepção sensorial e de percepção do movimento, esses padrões assimilam-se a de músicos profissionais. Na execução de um instrumento musical o indivíduo precisa coordenar todos os movimentos com as representações simbólicas, assim como perceber através do tato a intensidade de ataque e a área de execução das notas no instrumento. Mas, por que a música - um elemento que só existe em um determinado tempo e espaço - além de não apresentar nenhuma função biológica importante provoca reações emocionais no cérebro? Umas das principais hipóteses remeteria a um sistema sinalizador biológico, inerente à evolução de alguns primatas: se a mãe e o filho estão próximos, mas perdem contato visual por causa da escuridão, por exemplo, o grito da mãe provoca uma reação característica. A pelagem se põe de pé, o que por sua vez mantem aquecida a pele do bebê. Transpondo o fenômeno para os seres humanos, determinados padrões acústicos desencadeiam tais reações independentemente do contexto cultural. Sabe-se também que o ouvir e o fazer

musical faz com que o cérebro libere um hormônio chamado endorfina, que desencadeia sentimentos de felicidade, e por sua vez fortalece as relações entre os indivíduos. Portanto, vale ressaltar que todo o processo cerebral sofre influências genéticas, do ambiente e principalmente de déficits mentais (afasia, disfasia, dislexia, discalculia e amusia). As características genéticas (herdada dos pais) dos indivíduos e a interação deles com o meio influenciam bastante na criação de sinapses musicais. Outro fator mais significativo é ocorrência de amusia4, seja ela, congênita ou adquirida. Assim como a dislexia (distúrbio da leitura e escrita), disfasia (distúrbio da fala) e discalculia (distúrbios numéricos), a amusia, neurologicamente, impede que o indivíduo identifique elementos musicais como: ritmo, melodia e harmonia. “Benton (em seu capitulo sobre as amusias no livro Critchley e Henson, Music and the brain) distingue a amusia 'receptiva' da 'interpretativa' ou 'de execução', e identifica mais de uma duzia de variações” (SACKS 2007). 4.1.2 Tipos de escuta Durante o século passado, antes do processo de registro sonoro em Cilindros, Vinil, K7, MD, CD e DVD, só se apreciava música de duas maneiras: indo a um conserto ou participando da execução da mesma. A música ficava registrada na partitura e ganhava vida nas mãos do músico. Com a chegada da tecnologia o acesso a música tornou-se fácil, instantâneo e efêmero, perdendo seu caráter ritualístico podendo ser interrompido por um simples apertar de botão. É nesse contexto a escuta se divide em vários tipos. A escuta repetitiva é aquela que esta condicionada nas músicas executadas por rádios e outras mídias de “massa” em que a música e repetida várias vezes até ser substituída por outra. A escuta indiscriminada é aquela em que o ouvinte absorve um pouco de tudo ao mesmo tempo, devido a grande velocidade de proliferação indiscriminada de gêneros e estilos. 4 Deficit cerebral onde o indivíduo não consegue identificar elementos musicais.

Na escuta única o ouvinte ouve apenas o que é de sua preferencia: jazz, blues, rock, chorinho, samba e etc, criando uma redoma entre si. A escuta sacrificial é bem mais rara hoje em dia pois o ouvinte precisa integrar-se corporalmente espiritualmente na prática musical. Como exemplo, esse tipo de escuta é muito comum nas religiões afros em que a música está inteiramente ligada ao culto. E finalmente a escuta contemplativa em que o indivíduo concentra-se na apreciação total do conteúdo musical em ambiente apropriado para a percepção dos elementos e propicio a concentração. Devido o cotidiano do mundo moderno ter como impulso a velocidade de informação, a escuta repetitiva, a escuta indiscriminada e a escuta única ganharam mais espaço de uso na dimensão perceptiva uma vez que a escuta sacrificial e a escuta contemplativa exigem mais tempo e participação do ouvinte.

4.1.2.1 Ouvido Musical O ouvido musical compreende a capacidade auditiva e cognitiva de interpretar estruturas musicais, sendo elas: propriedades sonoras, ritmo, melodia, harmonia, formas, gêneros e estilos. Assim como utilizar essas estruturas para criação de produto musical. A interpretação dos elementos musicais faz se necessário para entender a codificação implícita nos produtos musicais (obras musicais) mas esse entendimento não se restringe apenas em identificar freqüências padronizadas, deve-se entender como as mesmas se comportam. Por exemplo, não basta apenas escutar um acorde de Dó e seu Dominante (Sol com Sétima) e logo após retornando para Dó, mas perceber quantos compassos esses acordes duraram, o sentido sonoro (ascendente/ descendente) e o tencionamento gerado pela função dominante que pede resolução na função tônica (Dó). Devido o produto musical fazer uso de uma codificação específica e implícita nas estruturas, faz-se necessário o domínio e entendimento dos elementos

para a construção consciente da mensagem musical, para que a mesma possa ser compreendida ou apenas estimule emocionalmente os ouvintes. Por exemplo, o andamento e a melodia da música de natal “Noite Feliz” já virou clichê entre as maiorias dos ouvintes, resultado de uma escuta repetitiva, mas se o executante resolver intervir precisará compreender por completo o arranjo musical. O ouvido musical manifesta duas formas distintas de percepção: o ouvido relativo e o ouvido absoluto. Os dois tipos de percepções musicais caracterizam-se por apresentarem formas distintas de processamento sonoro.

4.1.2.2 Ouvido Relativo O ouvido relativo caracteriza-se por identificar estruturas musicais, assim como realizar diversos tipos de relações sonoras. A audição relativa e uma escuta mais abstrata e intelectual, independente de qualquer nível de complexidade. É competência do ouvido relativo identificar a distância de uma nota musical conforme um ponto de referência específico; a distância intervalar entre duas notas musicais independente do padrão de afinação; as funções harmônicas independente de tonalidade e auxiliar o solfejo de uma melodia escrita a partir de uma referência sonora. Músicos autodidatas têm tendência em adquirir a audição relativa devido a prática de assimilar melodias e harmonias de ouvido, fazendo com que o músico memorize os padrões que servirão de referência para o seu próximo aprendizado. Esses padrões, mencionados anteriormente, são relações intervalares e harmônicas subentendidas na obra musical. E o tipo de audição musical com maior difusão entre as instituições de ensino musical. Os métodos utilizados por pequenas corporações musicais (bandas musicais de sopro) enfatizam bastante o desenvolvimento do ouvido relativo.

4.1.2.3 Ouvido Absoluto O ouvido absoluto é uma habilidade auditiva que dá ao indivíduo a capacidade de nomear instantaneamente freqüências sonoras. Umas das principais características da audição absoluta é a exatidão das alturas que geralmente faz com que tais indivíduos acusem, como desafinadas, as obras transportadas resultante da padronização da freqüência de afinação pelo cérebro, por exemplo: Lá 440Hz. O ouvido absoluto divide-se em três categorias: passivo, ativo e fino. O ouvido absoluto passivo tem como competências: a identificação de notas musicais e a tonalidade de uma composição musical, porém não consegue cantar as notas necessárias. O ouvido absoluto ativo tem como competências a reprodução das notas solicitadas sem nenhuma referência sonora. E o ouvido absoluto fino, não só consegue identificar as notas como também consegue identificar se a freqüência está mais baixa ou mais alta em relação a afinação padrão. Músicos com essa habilidade tem dificuldades em habituar-se com transposições e alterações na afinação dos instrumentos musicais. Um exemplo é o músico brasileiro João Gilberto que desconcentra-se até com o sussurrar da platéia, seu ouvido acusa como uma desafinação durante a execução da obra. 4.1.3 Audiação: Escuta com Significado Em a Teoria do Aprendizado Musical, GORDON (2000), demonstra como se dá o aprendizado musical, fazendo que os questionamentos voltem-se para como os indivíduos aprendem música e não como se ensinar música. Para isso ele pesquisa a natureza da audiação, a aptidão musical e o desempenhos dos músicos. O termo audiação , criado pelo pedagogo musical Edwin Gordon, significa para música o mesmo que o pensar significa para a fala. Na língua o indivíduo assimila as palavras e da significado através do pensar, já na música o ouvido processa os sons que através da audiação ganham significado para o ouvinte. Mas apesar da música e da linguagem compartilharem as mesmas áreas de

processamento no cérebro, a música não tem palavras e nem gramática, tem apenas sintaxe, que é o arranjo ordenado dos sons. Do mesmo modo, a língua dispensa a interpretação de alturas absolutas. GORDON (2000) também explica sobre a interferência que a aptidão musical e a idade do indivíduo têm sobre processo de aprendizagem da audiação, para isso ele cria diferentes estágios de atividades ligadas a tais problemáticas. O autor também faz distinção entre imitação e audiação, por ambas serem frequentemente confundidas como sendo o mesmo processo. Mesmo que o processo de imitação exija uma assimilação auditiva da obra musical, a mesma não depende de qualquer compreensão da obra, fazendo que o músico adquira uma execução mecânica que o impede de compreender e reestruturar a peça musical. É como se um músico aprendesse uma música, mas não conseguisse executá-la de outra forma, pois o indivíduo não compreende as estruturas implícitas na obra. Os processo de aprendizagem da audiação divide-se em oito tipos e seis estágios. Os tipos, ao contrário dos estágio, não se manisfestam de forma ordenada mas alguns servem de preparação para outros, e nem todos os estágios estão incluídos em um tipo. Os tipos de audiação caracterizam se em apresentar as seguintes capacidades musicais: escutar, ler, escrever, improvisar, recordar e memorizar. Agora veremos os oito tipos e a seguir os estágios. Tipo 1: Escutar – É quando ouvimos em uma música, familiar ou não, padrões tonais e rítmicos são familiares ou não familiares, e é através da seqüência, lembrança, antecipação e predileção dos padrões, através da audiação, que damos significado sintático a música. Tipo 2: Ler – O segundo tipo de audiação é a audiação notacional, tem lugar quando estamos a ler notação de padrões familiares e não familiares em música familiar ou não familiar. Tipo 3: Escrever – Um terceiro lugar de audiação tem lugar quando nos estão a ditar padrões familiares ou não familiares de música familiar ou não familiar. Tipo 4: Recordar música memorizada – Um quarto tipo de audiação tem lugar quando recordamos em nossa mente padrões familiares em música familiar e os executamos vocalmente, ou num instrumento musical, regemos o que ouvimos

internamente, ou simplesmente escutamos em silencio. Cada um dos padrões da música, cuja audiação guardamos na lembrança, conduz-nos à organização e à recordação seqüencial dos restantes padrões. Tipo 5: Escrever música memorizada – Um quinto tipo de audiação, que também envolve audiação notacional5, tem lugar enquanto escrevemos padrões familiares em música familiar que organizamos e recordamos através da audiação. Tipo 6: Criar ou Improvisar música – Um sexto tipo de audiação tem lugar quando criamos ou improvisamos, em silencio ou durante a própria execução, música não familiar, usando padrões familiares e não familiares. Tipo 7: Ler e criar ou improvisar música – Um sétimo, tipo de audiação, que também inclui audiação notacional, tem lugar enquanto lemos padrões tonais familiares e não familiares e, ao mesmo tempo criamos ou improvisamos música nova não familiar, em silencio ou durante a própria execução. Tipo 8: Escrever e criar ou improvisar música – Um oitavo tipo de audiação tem lugar ao escrevermos padrões familiares e não familiares, criando ou improvisando ao mesmo tempo música não familiar. Inclui audiação notacional. Os estágios da audiação compreende todo o processamento de assimilação das estruturas musicais em cada tipo de audiação, identificam-se esses processos como: reter, identificar, estabelecer compreender, relembrar e antecipar. Estagio 1: Retenção momentânea – Aqui estamos a reter na mente séries curtas de alturas e durações que ouvimos na música, apenas alguns momentos antes. Estágio 2: Imitação e audiação de padrões tonais e rítmicos, reconhecimento e identificação de um centro tonal e dos macrotempos – Reconhecer e identificar silenciosamente, através da audiação, um ou mais centros tonais e macrotempos, imitando (revendo,em silêncio, na mente o que acabamos de ouvir, sem lhe atribuir qualquer significado musical) todas as alturas e durações da serie que ouvimos momentos antes. Em seguida, organizamos rapidamente através da audiação.

5 A audiação da notação musical é chamada de audiação notacional.

Estágio 3: Estabelecimento da tonalidade e da métrica, objetiva ou subjetiva – O estagio 3 torna-se uma constante interação entre o estabelecimento da tonalidade e da métrica,.dentro do contexto das alturas e durações essenciais e dos padrões tonais e rítmicos essenciais, de tal modo, quanto melhor conseguirmos organizar os quatros elementos essenciais da música, tanto mais facilmente seremos capazes de identificar e reconhecer a tonalidade e a métrica dessa mesma música. Estágio 4: Retenção, pela audiação, dos padrões tonais e ritmicos organizados – É no estagio 4 da audiação que ,além da tonalidade, da tonicidade, da métrica e do tempo, completamos e reconhecemos e a identificação de seqüência, repetição, forma, estilo, timbre, dinâmica e outros fatores relevantes que nos permitem conferir um significado à música. Estágio 5: Relembrança dos padrões tonais e rítmicos organizados e audiados noutras peças musicais – Quanto mais música ouvimos e quanto mais vasto é o nosso vocabulário sedimentado de alturas e durações essenciais, em várias tonalidades e métricas, melhor conseguimos entrar no estagio 5 da audiação. Assim sucede, porque o estágio 5 envolve relembrar os padrões tonais e ritmicos essenciais que organizamos e audiámos noutros peças de musicas, comparando as suas semelhanças e diferenças audiar. Estágio 6: Antecipação e predição de padrões tonais e rítmicos – À medida que penetramos nos primeiros cinco estágios de audiação, estamos a antecipar e a predizer os padrões tonais e rítmicos essenciais que escutaremos a seguir na música (uso aqui as palavras antecipação e predição com significados precisos: antecipação para significar a expectativa do que vamos ouvir na música que nós é familiar, predição para significar a previsão do que iremos ouvir na música que não é familiar, a predição baseia-se no conhecimento proveniente da música familiar). Na área da computação digital o termo hardware e software referem-se a parte física e lógica de uma máquina computacional (computador). O hardware abrange todos os componentes microeletrônicos, enquanto o software abrange os

processos de lógica binária6 que dão funcionalidade a parte física, fazendo que o ambiente virtual interprete o nosso mundo. Fazendo uma breve analogia, o conceito de audiação seria como o software do ouvido musical, e ele que dá ao ouvido humano (ouvido externo, médio e interno) a funcionalidade de interpretação musical. A audiação compreenderia o conjunto de instruções necessárias para a compreensão do código musical.

6 O computador utiliza um sistema numérico baseado em dois algarismo: 0 e 1. Esse números são representados eletronicamente pelas voltagens 0,5V (0) e 1,5V (1), e as mesmas são utilizadas em todos os processos de funcionamento da maquina

5 PEDAGOGIAS DA PERCEPÇÃO MUSICAL Segundo PENNA (1990) a principal idéia relacionada a pedagogia musical é o conceito de musicalização como instrumento de desenvolvimento da sensibilidade musical, isto é, tornar o indivíduo sensível a linguagem musical através de sua base estrutural: propriedades sonoras e elementos musicais básicos. Para alcançar tais objetivos faz-se necessário o uso de metodologias que enfatizem, em primeiro plano, o conhecimento básico da linguagem, essa compreensão servirá futuramente como base no aprendizado técnico de um instrumento, tendo em vista que nem todo indivíduo manifestará para a vocação musical, no entanto, se tornará um ouvinte detentor de tal linguagem. Antes de começar qualquer ação músico-pedagógica devemos diferenciar três termos pedagógicos voltados para educação musical, são eles: metodologia, método e técnica. A metodologia é a estruturação dos passos utilizados no ensino de um determinado objetivo. O método seria a organização do conteúdo relacionado a uma finalidade educativa (porque?, o que? e quando? ensinamos). E a técnica seria a forma como aplicamos o conteúdo (como ensinamos). Outro aspecto importante é a adequação do método a cada situação específica e a realidade em que se atua. O método não deve ser neutro ao conhecimento já adquirido pelo indivíduo, ele deve adicionar e sistematizar tal conhecimento utilizando o mesmo para alcançar os objetivos propostos. Devemos ter em mente também o ambiente educacional ao qual iremos aplicar tais procedimentos de ensino aprendizagem. Uma grande parte das escolas públicas do Brasil não estão adequadamente estruturadas para o ensino de música, e além disso a maioria da clientela advém de uma origem socioeconômica que impossibilita uma ampla assimilação cultural, prevalecendo apenas o domínio da escuta única no indivíduo. Esse contexto também cria uma elitização cultural que amplia ainda mais a falta de acesso a outros materiais musicais. Como base para as ações pedagógicas foi possível observar alguns aspectos da teoria piagetiana em relação ao desenvolvimento cognitivo. Segundo sua teoria a atividade perceptiva abrange um conjunto de processos de exploração e

comparação dos estímulos externos. Por sua vez esses dados coletados da realidade serão utilizados para a compreensão da mesma, pois a formação de conceitos depende do nível de percepção de cada indivíduo que por si só deve realizar, internamente, suas descobertas de conceitos. Cabe ao professor criar atividades que possam direcionar o aluno a sua própria descoberta, fazendo uso dos conceitos fundamentais da linguagem musical. “Quanto mais fundamental ou básica for a idéia [conceito] que tenha aprendido, maior será a amplitude de sua aplicação a novos problemas” (Ronca e Escobar, 1980, citado em PENNA, 1990). Agora abordaremos os procedimentos metodológicos utilizados para musicalização. Esses procedimentos são direcionados ao desenvolvimento das capacidades básicas do ouvido musical que compreende a familiarização com as propriedades sonoras aplicadas a música. ZAMACOIS (1999), em seu livro “Temas de pedagogia musical”, refere-se a quatro propriedades básicas do som na educação do ouvido musical: a entonação, a duração, a intensidade e o timbre. A seguir descreverei as baterias de exercícios relacionadas a cada propriedade. Algumas considerações antes dos exercícios de entonação: antes de cada exercício escutar e cantar repetidas vezes a nota lá do diapasão para acostumar-se com a afinação; que cada falha do aluno seja identificada na hora da produção para que o aluno aprenda a corrigir o erro;os exercícios devem ser exclusivamente de entonação, descartando, até o momento, as outras propriedades. Os exercícios de entonação recomendados são os seguintes: •

O aluno deverá indicar as notas correspondentes as entonações produzidas pelo professor;



O aluno deve cantar, em progressão ascendente e descendente, as series de intervalos (segundas, terças, etc) indicadas pelo professor e utilizando no momento apenas notas naturais.



O aluno deve cantar, em progressão ascendente e descendente, as escalas maiores e menores, sempre a partir das respectivas tônicas.



O aluno deve cantar, em progressão ascendente e descendente, a partir de uma mesma nota, todas as escalas em que a referida nota nota faz parte.



O aluno indicará quais a notas fazem parte dos intervalos harmônicos e dos acordes e logo em seguida deverá cantar em ordem ascendente e descendente.



O aluno deverá cantar, de acordo com a escala estabelecido pelo professor, os graus indicados por números romanos. A duração de um som musical se mede através de um compasso ou

qualquer outro ponto de referencia, audível ou visível, que se reproduz em espaço de tempo iguais, absolutos e uniformes. Alumas considerações antes dos exercícios de duração: todos os exercícios deveram ser executados com tempos espaçados entre si produzidos por um metrônomo ou pelo professor; os exercícios deveram níveis de dificuldades graduais em relação as formulas rítmicas. Como aperfeiçoamento da percepção voltada a duração sonora os seguintes exercícios são indicados: •

Execuções rítmicas sobre dois tempos.



Execuções rítmicas sobre três tempos.



Execuções rítmicas sobre quatro tempos



Repetir os exercícios anteriores com mais componentes.



Utilizar notas e contratempos.



Formulas complexas. Outra consideração sobre os exercícios de duração e quanto a execução e

resposta do aluno aos exercícios: o aluno poderá executar os exercícios com auxilio de percussão, baquetas, palmas ou entoação de silabas; o aluno também poderá representar graficamente a formula executada com figuras musicais. A intensidade de um som está relacionado com a amplitude das vibrações que o corpo sonoro produz. Dentro da escrita musical há vários signos que indicam intensidade dando a música um impacto ou relaxamento sonoro. A seguir os exercícios de intensidade: •

O aluno cantará com durações longas e iguais as notas musicais aumentando gradativamente a intensidade do som e vice-versa (usando as indicações ppff, pp-f, pp-mf, p-ff, mf-ff).



O aluno cantará as notas utilizando um crescendo na metade da duração e um diminuendo no final da duração; o aluno deve cartar uma série de cinco notas estabelecendo um crescendo entre a primeira e a ultima nota e o inverso também;



O aluno deverá cantar uma escala, em progressão ascendente e descendente, com notas naturais e durações iguais utilizando as seguintes formulas: crescendo, ao ascender, e diminuendo, ao descender; crescendo na metade inferior da escala e diminuendo na superior ao ascender, e vice-versa, ao descender; acentuando a primeira nota de cada grupo de dois, três quatro, etc. A quantidade de harmônicos que um corpo produz é que define seu

timbre. É através do timbre que definimos a natureza de cada corpo sonoro e podemos diferenciar os sons. Os exercícios relacionados ao timbre são os seguintes: •

Demonstrar auditivamente, aos alunos, os vários timbres de vozes humanas.



Demonstrar auditivamente e visualmente as diversas técnicas timbrísticas nos instrumentos musicais. Contudo tais conceitos e procedimentos pedagógicos estão sujeitos a

adaptações que poderão ocorrer devido diversos fatores e situações encontradas no ambiente de ensino. Algumas propriedades, por exemplo, tornam-se mais necessárias e simples de trabalhar em um determinado grupo de indivíduos, principalmente grupos com idades incompatíveis a metodologia ou com pouca vivencia musical, fazendo com que as ordens de aplicação seja reorganizada e reconectada.

6 DESCRIÇÃO DE UMA EXPERIÊNCIA DE PEDAGOGIA DA PERCEPÇÃO MUSICAL Nesta parte do trabalho irei descrever uma experiência de percepção realizadas em sala de aula com alunos de escolas públicas. Essas experiências foram baseadas nos procedimentos expostos anteriormente. Antes de começar a descrever a experiência, primeiro devemos contextualizar o perfil musical dos alunos para um melhor entendimento dos dados apresentados. Os alunos da Escola Municipal de Ensino fundamental “D. Pedro I”, situada na cidade de Salvaterra, Arquipélago Marajoara, Pará. É uma instituição educacional com mais de 40 anos, que abrange em seu corpo docente, uma porcentagem significativa de professores graduados nas instituições federais e estaduais da região. Muitos dos mesmos cursaram o ensino fundamental na mesma escola onde agora são colegas de trabalho de seus antigos mestres. A prática musical na escola restringe-se, desde os seus primórdios, a participação em bandas marciais que através dos tempos adquiriu um desgaste no aspecto melódico na estrutura desses grupos, limitando-se apenas a execução rítmica. Os alunos por sua vez, se habituaram a utilizar o processo de imitação no desenvolvimento da prática instrumental gerando uma importante hierarquia social dentro da escola: os mais velhos e experientes encarregavam-se de ensinar os mais novos, organizar a banda e participar das composições musicais. Todo esse processo musical não necessitava de embasamento teórico acarretando muitas das vezes em um saturamento de clichês rítmicos utilizados nas composições. Analisando todo esse panorama resolvi trabalhar a musicalização através do elemento musical mais antigo e mais presente no cotidiano escolar dos alunos: o ritmo. As aulas tinham como objetivo dar sentido musical a prática de tocar instrumentos rítmicos.

Ilustração 6: Banda Marcial da Escola Municipal de Ensino Fundamental "D. Pedro I", final da década de 70.

Tive a oportunidade de trabalhar com alunos habituados com tais métodos e alunos que nunca tiveram nenhum contato com instrumentos musicais ou com música. Uma reação comum entre os dois grupos foi a sensação de surpresa ao presenciar pela primeira vez uma aula de musicalização em uma sala de aula de escola pública. Muitos questionamentos foram esclarecidos durante o período de dois meses (maio e junho) além de dinâmicas centradas no principal foco: a banda marcial. A banda marcial servia de assunto gerador para qualquer conteúdo musical abordado, essa relação ajudava na criação de conceitos, fazendo com que o aluno compreendesse com melhor clareza e possivelmente aplicasse na banda. Dividir o conteúdo textual das aulas em três assuntos: “O que é música?”, “Propriedades Sonoras” e “Elementos da música”. O primeiro texto de aspecto reflexivo e pratico, o segundo perceptivo e pratico e o terceiro reflexivo, perceptivo e pratico. O primeiro texto abordava o conceito de música deixando lacunas para reflexão e preenchimento por parte alunos, após essa etapa a prática era montada sobre o determinado fragmento textual: “música é a linguagem artística que trabalha a organização do som e do silencio com diferentes variações de tempo, alturas e timbres dando significados aos sons”, o corpo tornava o recurso instrumental para ilustração e compreensão do fragmento textual deixando para outro momento as

alturas. O segundo texto já abordava as propriedades sonoras: intensidade, altura e timbre. Nesse texto o aluno desenvolvia a capacidade de identificar aspectos sonoros como: grave, agudo, forte, fraco, longo, curto, brilhante, opaco, etc. Uma familiarização com o material utilizado no fazer musical. O terceiro texto tem como objetivo demonstrar os elementos musicais (ritmo, melodia e harmonia), isolados e em conjunto, aos alunos. O ultimo texto, devido o tempo e o objetivo especifico das aulas, teve uma atuação mais breve. Antes de trabalhar a prática rítmica com os alunos, foi feita uma breve explicação em relação a organização dos sons sobre a unidade espacial tempo, fazendo analogias com outras unidades espaciais como o centímetro que é utilizado para medir as proporções de um objeto bidimensional ou tridimensional. O tempo é responsável, não só em dar movimento a música, mas regularizar o som em durações padronizadas. O conceito de pulso proporcionou aos alunos, que já utilizavam inconscientemente o mesmo na prática instrumental, a primeira relação da linguagem musical com o fazer musical dos indivíduos envolvidos nos eventuais processos de ensino/aprendizagem. A construção desde conceito foi de total relevância para o desenvolvimento de qualquer atividade musical a partir do eventual contato aluno/professor. A atividade rítmica aplicada com os alunos consistiu na execução de palavras equivalentes a figuras musicais de tempos pré-estabelecidas dispostas em ordem crescente de acordo com o valor de divisão do pulso: o monossilabo “pão” equivalente uma mínima (um som com duração de 1 pulso), dissílabo “queijo” equivalente a um grupo de colcheias (divisão do pulso em dois sons) e o trissílabo “música” equivalente ao grupo tercina (divisão do pulso em três sons). As orientações e que a primeira silaba de cada palavra seja pronuncia com mais acentuação e simultaneamente com o estalar dos dedos. Progressivamente essas palavras serão substituídas por outros meios de produção sonora (mãos, corpo, materiais do ambiente, instrumentos percussivos, etc).

Ilustração 7: Relação das palavras com as figuras musicais.

Foi orientado aos alunos que mentalizassem a contagem de dois em dois estalos de dedos para que os exercícios fossem executados em pulsação binaria (relacionando com a pulsação utilizada na banda). Os exercícios aumentavam de dificuldades nos seguintes critérios: andamento, números de compassos e celulas rítmicas.

Ilustração 8: Alguns códigos gráficos presentes na imagem já começam a ser conceituados como grafia musical para os alunos.

Num determinado trecho da aula é feito um questionamento por parte do professor para provocar um nova construção: “a música é feita apenas de som?”. Baseando-se no primeiro texto, uma parcela significante da turma responde “não” e completa: “falta o silêncio”. Essa resposta tem como recompensa um novo simbolo representando uma pausa de semínima proporcionando um novo aprendizado. Ao

final de toda a atividade revela-se as figuras musicais correspondentes as suas respectivas palavras fazendo com que o aluno entenda o funcionamento do código musical. É também proposto aos alunos que criem suas próprias seqüências rítmicas com os códigos já assimilados.

Ilustração 9: Simbolo para pausa de semínima

Ilustração 10: Seqüência revelada

Após duas semanas de prática e construções de conceitos, o próximo objetivo foi desenvolvimento da escrita musical ainda utilizando o elemento ritmo. É necessário observar a quantidade de códigos assimilados e o nível de leitura dos alunos pois a pode tornar a prática de escrita monótona e complicada. Foi utilizado como recurso pedagógico nos exercícios de escrita musical baquetas de baterias para a produção de som e um metrônomo. Os resultadas da prática de leitura refletem-se na prática de escrita quando os alunos analisam: o ataque simultâneo entre o som da baqueta e o clique do metrónomo, a quantidade de sons produzidos em um único pulso e relação dos mesmos com as figuras musicais. A seguir imagens do resultado das atividades:

Ilustração 11: Audiação Notacional

Sete meses após o termino das atividades, os mecanismos de execução, leitura e escrita musical continuaram intactos. Tive a comprovação quando a turma 603, do turno da tarde, selecionou como atividade final trabalhar “Percussão”. Desenvolvi uma simples atividade, utilizando corpo e objetos disponíveis, para ilustrar o funcionamento dos instrumentos de percussão. Ao final da atividade fui ao quadro e perguntei se eles poderiam representar a composição em código musical. Mesmo fazendo uso das palavras associadas as figuras musicais (pão, queijo, música, etc), com precisão, os alunos interpretaram graficamente as linhas rítmicas e ainda informaram a pulsação quaternária utilizada.

Ilustração 12: Seqüência grafada pela turma 603.

Além dos mecanismos de leitura/escrita musical, o processo de composição musical torno-se mais sistemático, complexo e coletivo. As musicas acabaram por adquirir um aspecto mais racional que possibilitou o entendimento da obra entre todos os indivíduos, integrantes da banda, independente do nível de

experiência. A noção de “pulso” desenvolveu um senso de orientação espacial nas peças (na linguagem da banda “toques”) possibilitando a inserção de linhas ritmíticas complexas. Tais atividades proporcionaram aos indivíduos uma independência composicional, antes encarregada ao instrutor convidado, e total domínio sobre as responsabilidades encarregadas pela administração da instituição.

Ilustração 13: Hino Nacional Brasileiro executado com guitarra elétrica: Retorno das linhas melódicas a banda.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através dos séculos a educação musical baseou-se em conceitos filosóficos, matemáticos e éticos. Em alguns períodos da história, como a Idade Média, pouco importava se o método adequava-se ao indivíduo pois nas scholas cantorum crianças eram obrigadas a conviver com adultos e compartilhavam da mesma metodologia de ensino. Também era comum a seleção de indivíduos com pré-disposição a prática musical. Em pleno século XXI, algumas práticas de pedagogia musical ainda refletem a visão medieval por conseqüência de objetivos tecnicistas e má difusão da linguagem musical na sociedade. Uma grande parte dos indivíduos que se manifestam para a prática musical são advindos de um ambiente familiar desprovido de informações relacionadas a linguagem musical. Muitas das vezes é comum pais forçarem seus filhos a praticar um instrumento sem qualquer projeto de musicalização, apenas a visão tecnicista já basta, propiciando um desenvolvimento incompleto que apenas será notado futuramente. Também é comum encontrar músicos que já tem uma vivência musical mas não conseguem progredir de nível pois não sabem como fazer, um exemplo são pessoas que aprendem instrumentos através de processos imitativos e auxilio visual (a internet popularizou muito esse tipo de aprendizagem) sem qualquer preocupação com a percepção dos padrões musicais que acabam por nunca conseguirem se desvencilhar do hábito de ler cifras e de não conseguir transcrever suas músicas. A partir do ano de 2011, com a implementação do ensino musical como disciplina nas escolas brasileiras, é importante atentar-se para os objetivos da mesma na formação do cidadão. Estar atualizado sobre os estudos relacionados aos processos de aprendizagem musical e métodos que enfatizem o desenvolvimento do ouvido musical nas series bases, tem por objetivo proporcionar gradativamente na sociedade uma nova consciência musical beneficiando os alunos, os professores, a cultura, a escola, a produção artística e própria difusão linguagem musical. Em síntese, todo esse estudo foi realizado com o objetivo de sistematizar o processo de musicalização visando a construção de uma vivência musical mais

consciente assim como somar conhecimentos e experiências com educadores musicais que operam na área, sejam eles graduados ou não-graduados.

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